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ECLI:PT:STJ:2016: PCOER.A.S1

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ECLI:PT:STJ:2016:503.10.9PCOER.A.S1

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2016:503.10.9PCOER.A.S1

Relator Nº do Documento

Isabel Pais Martins

Apenso Data do Acordão

07/01/2016

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Recurso De Revisão não autorizada a revisão

Indicações eventuais Área Temática

direito processual penal - aplicação subsidiária das

normas do processo civil - recursos / recurso de revisão.

Referencias Internacionais

Jurisprudência Nacional

Acórdãos Do Supremo Tribunal De Justiça:

- De 09/07/1986 (processo N.º 38464), Publicado No Boletim Do Ministério Da Justiça, N.º 359, 549.

-de 03/05/1995, Publicado Na Colectânea De Jurisprudência, Acórdãos Do Supremo Tribunal De Justiça, Tomo Ii, 1995, 180-181.

-de 16/11/2011, Publicado Na Colectânea De Jurisprudência, Acórdãos Do Supremo Tribunal De Justiça, Tomo Iii, 2011, 216 E Ss..

Legislação Comunitária

Legislação Estrangeira

Descritores

recurso de revisão; repetição do julgamento; sentença criminal; caso julgado; non bis in idem; trânsito em julgado; eficácia; efeitos da sentença;

(2)

Sumário:

I - A revisão consiste num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença

transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. O direito à revisão de sentença tem consagração constitucional no art. 29.º, n.º 6, da CRP. Na concretização desse princípio, o CPP, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, o qual está porém limitado nos fundamentos taxativamente previstos no art. 449.º, n.º 1, do CPP. II - A revisão dirige-se contra uma condenação injusta resultante de certos pressupostos

especificadamente previstos na lei e visa a eliminação dessa sentença pela prolação de uma nova sentença, pelo mesmo tribunal que proferiu a anterior. E dirige se contra um só caso julgado e não contra dois casos julgados, por repetição de julgamentos pelo mesmo crime.

III - Na situação em apreço, estamos perante dois julgamentos e duas condenações, ambas transitadas em julgado, pelo mesmo facto ilícito típico, em patente violação do princípio non bis in idem, com assento constitucional no n.º 5 do art. 29.º da CRP.

IV - A dupla condenação pelo mesmo facto ilícito típico, com violação do princípio referido em III, é solucionada por aplicação do art. 625.°, n.º 1, do CPC, aplicável ao processo penal nos termos do art. 4.º do CPP, não constituindo ela fundamento do recurso extraordinário de revisão. A solução contida neste artigo do CPC supõe a existência de dois casos julgados contraditórios e tem em vista eliminar a eficácia do segundo, mantendo-se apenas o caso julgado primeiramente formado, não havendo lugar a novo julgamento.

V - Sendo o mesmo arguido julgado e condenado duas vezes pela prática do mesmo facto ilícito típico, ocorrendo uma repetição da causa, por aplicação do n.º 1 do art. 625.º do CPC, só a sentença condenatória que passou em julgado em primeiro lugar produz efeitos. A sentença condenatória proferida em segundo lugar, sobre objecto já coberto pelo caso julgado, é ineficaz, devendo a declaração de ineficácia ser feita no processo em que foi proferida. Pelo exposto, não se concede a revisão da sentença, por não verificação de fundamento legal de revisão, devendo a questão ser resolvida na 1.ª instância, por via da aplicação do citado art. 625.º, n.º 1, do CPC.

Decisão Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I

1. O Ministério Público, junto dos juízos criminais da comarca de Lisboa – juiz 13 – veio interpor recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º 503/10.9PCOER, daquele Tribunal, em 12/03/2013, transitada em julgado, formulando as seguintes conclusões (transcrição ipsis verbis):

«1. O Arguido AA foi condenado, nos presentes autos, pela prática de um crime de Dano, p.p. no art. 212º do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituídos por multa de 150 dias, à razão diária de 6 €, perfazendo um total de 900 €.

«2. Os factos aqui em causa ocorreram no dia 8 de Março de 2010, pelas 12,10h, no Alto de Santo Amaro, em Lisboa.

«3. Nesse dia, hora e local, o Arguido atirou uma pedra contra um autocarro, carreira 738, com o nº 2291 e com a matrícula xx-xx-yy, quebrou um vidro lateral direito do mesmo, originando um prejuízo patrimonial de 328,10 €, a que acresce o IVA.

(3)

«4. A Decisão dos presentes autos transitou em julgado no dia 23 de Outubro de 2013. «5. Acontece que o mesmo Arguido já tinha sido julgado pelos mesmos factos, nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 2º Juízo, 1ª Secção, Processo nº 221/10.8SFLSB, conforme se apura pelo teor da cópia da Douta Sentença aí proferida (cfr. fls. 473 e segs.).

«6. Segundo essa Decisão (fls. 473 e 474), os factos aí em causa também ocorreram no dia 8 de Março de 2010, pelas 12,10h, sendo que o Arguido, também aí, arremessou, uma pedra contra o autocarro nº 2291, carreira 738, partindo um vidro do lado direito, causando um prejuízo

patrimonial.

«7. A Decisão daqueles autos transitou em julgado no passado dia 28 de Maio de 2010 – fls. 501 e 504.

«8. Como a Decisão dos presentes autos só transitou em julgado no dia 23 de Outubro de 2013, ou seja, a data do seu trânsito em julgado é posterior, terá que ser esta última Decisão, a dos

presentes autos, que deverá ser anulada.

«9. Nesta conformidade, entende-se ser a Revisão o único meio processual possível para reagir contra uma Sentença já transitada em julgado, sendo a única possibilidade de repor a Justiça material desta situação que, a manter-se, configuraria uma prática profundamente chocante, intolerável, injusta e até inconstitucional, que importa combater.

«10. E entende-se que este meio processual é o adequado a resolver a situação criada com a Decisão que foi proferida nos presentes autos, que deverá ser anulada por esse Supremo Tribunal, revendo-a e absolvendo o Arguido pela prática dos factos em causa.»

2. O recurso foi instruído com certidão das peças processuais pertinentes.

3. A informação a que se refere o artigo 454.º do Código de Processo Penal foi em sentido

favorável à autorização da revisão por, em suma, serem os mesmos os factos que fundamentaram a condenação do arguido nas sentenças proferidas em cada um dos processos.

4. Nesta instância, a Exm.ª Procuradora-geral-adjunta começou por requerer que fosse solicitado à 1.ª instância o processo principal e, deferida e satisfeita essa pretensão, pronunciou-se,

proficientemente, nos seguintes termos: «(…)

«1 – O arguido AA no J-13, 1ª sec. do Tribunal de Pequena Instância de Lisboa foi julgado no dia 25/3/2010 em processo sumário com a sua presença porque no dia 8/3/2010, pelas 12h e 10m ter quebrado o vidro lateral direito do autocarro n.º 738, n.º 2291, xx-xx-yy, por ter atirado uma pedra contra o veículo, causando um prejuízo de 328,10€, o que se verificou na zona da Rua do Jau (Alcântara/Alto de Stº. Amaro) e foi condenado a 6 meses de prisão substituída por cento e oito dias de prestação a favor da comunidade, pelo crime de dano qualificado do art. 213.º, n.º 1, c) do CP.

«Esta sentença condenatória foi proferida em 8/4/2010 e transitou em 28/5/2010.

«Pelos mesmos factos, ocorridos no mesmo dia, na mesma hora, o arguido voltou a ser julgado agora na 2º sec., do 6º Juízo Criminal de Lisboa, no dia 4/3/2013, sem a presença do arguido AA e foi condenado também por um crime de dano por sentença de 12/3/2013, transitado em

23/10/2013.

«Como se pode concluir das duas condenações não nos parece que se possa considerar que se verifica qualquer dos pressupostos que podem fundamentar o recurso extraordinário de revisão p. no art. 449.º, n.º 1 do CPP, nomeadamente os novos factos ou meios de prova que suscitem

graves dúvidas sobre a condenação (al. d) ou os factos que serviram de fundamento à condenação foram inconciliáveis com os fundamentos de outra sentença (al. c) ou que tenham servido de

(4)

fundamentos prova proibida (al. e), como o MºPº invoca.

«As duas condenações operadas em dois processos diferentes, que originaram duas condenações do arguido AA pelos mesmos factos, não suscitam quaisquer dúvidas sobre a justiça da

condenação.

«A segunda condenação dá origem ao arguido AA fica condenado pela segunda vez pela prática do mesmo crime.

«O direito à revisão constitucionalmente está consagrado no nº 6 do art. 29º da Constituição.

«2 - Sobre a violação do princípio non bis in idem o n.º 5 do art. 29.º da Constituição expressamente prevê que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

«Vital Moreira e Gomes Canotilho consideram mesmo que esta disposição dá dignidade constitucional àquele princípio clássico atribuindo-lhe duas dimensões

«- no direito subjetivo fundamental além do cidadão não poder ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, confere-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violados deste direito (direito de defesa negativo);

«- dimensão objetiva do direito fundamental, o princípio constitucional… obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e á definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto (in CRP, anotado, 4ª edição, fls. 493). «Consequentemente, não havendo qualquer fundamento para ser resolvido através do recurso extraordinário de revisão em conformidade com a previsão do art. 449.º do CPP, havendo violação do princípio non bis in idem, estando transitadas as duas condenações, apenas haverá, segundo nos parece, que aplicar o disposto no n.º 1 do art. 625.º do CPC subsidiariamente aplicável por força do art. 4.º do CPP – “ - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.

«E que as duas decisões em oposição são formalmente contraditórias (contradição por coincidência, função da regras ne bis in idem, embora substancialmente não possam ser

considerados (Ac., STJ de 6/7/2006, p. 06P2424, JSTJ000, sendo Relator o Cons. Simas Santos). «Por isso deverá ser declarada a primazia da primeira condenação transitada, como foi decidida doutamente no acórdão de 16/11/2011, proc. 1874/07.0TAFUN-A.S1, do Cons. Relator Raúl Borges.

«Cumprindo o que está estabelecido n.º 1 do art. 625.º do CPC, apenas terá de ser cumprida a condenação do arguido na decisão que transitou em primeiro lugar (neste sentido além dos dois acórdãos do STJ atrás citado também os de 24/2/1994, proc. 44354 e de 1/6/2006, proc. 1936/06, 5ª sec.).

«3 - Só podemos pois tirar as mesmas conclusões do acórdão do STJ de 16/11/2011, já referido no sentido de que havendo

«a) “uma duplicação de processos, que conduziu a uma dupla condenação do mesmo arguido do pelo mesmo facto.

«b) Esta condenação sucessiva não preenche um dos fundamentos de revisão p. no n.º 1 do art. 449.º do CPP, designadamente as alíneas d) e e), por não haver novas meios de prova nem ter sido utilizada prova proibida;

c) verificando-se violação do princípio ne bis in idem, a solução será aplicar ao caso concreto a norma prevista no art. 625.º, n.º 1 do CPC, devendo ser cumprida apenas a decisão/condenação que transitou em primeiro lugar.

«d) e para ser alcançado este fim, parece-nos também que um simples despacho no processo onde é requerida a revisão (p. 503/10.9pcoer-A.S1 do agora J13, secção criminal da Ins. Local da

(5)

Comarca de Lisboa) poderá/deverá ser proferida declaração de acordo com o preceituado agora no n.º 1 do art. 625.º do CPC, ficando determinado o cumprimento da sentença que primeiro transitou em julgado (decisão de 8/4/2010, proc. 221/10.8FLSB).

«e) por fim ser ordenado a actualização do Certificado de Registo Criminal.

«Assim e por tudo isto, somos de parecer que, sendo de indeferir deverá ser negado provimento ao recurso de revisão interposto pelo MºPº do segundo acórdão que condenou o arguido AA por crime de dano.»

5. Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência a que se refere o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão. II

1. Dos elementos com que o recurso foi instruído pode-se ter por assente que AA foi condenado pela prática dos mesmos factos nos processos n.os 221/10.8SFLSB e 503/10.9PCOER.

Por, no dia 08/03/2010, cerca das 12.10h, em Lisboa, ter voluntariamente arremessado uma pedra contra o vidro lateral direito do autocarro da Carris, n.º 2291, da carreira 738, provocando estragos, em consequência desse vidro ter ficado estilhaçado, no valor de € 328,10, aquele AA foi

condenado:

i) no processo n.º 221/10.8SFLSB, por sentença de 08/04/2010, transitada em julgado em

28/05/2010, pela prática de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão substituídos por 180 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade;

ii) no processo n.º 503/10.9PCOER, por sentença de 12/03/2013, transitada em julgado, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão substituídos por 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.

2. No requerimento de interposição de recurso, o Ministério Público começou por invocar que o recurso de revisão era interposto nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Penal, mas nem na motivação nem nas conclusões dela extraídas retomou esses fundamentos do recurso de revisão.

Destacando a patente violação do princípio ne bis in idem, em resultado de AA ter sido julgado duas vezes pelos mesmos factos, alega, afinal, ser o recurso extraordinário de revisão o único meio processual possível e adequado para a resolução da situação.

3. A questão a decidir está, assim, em saber se o recurso extraordinário de revisão é o meio processual próprio para resolver uma situação de repetição de julgados, isto é, no caso, a dupla condenação pelo mesmo facto ilícito típico, com violação do princípio ne bis in idem.

4. Dela passamos a conhecer.

4.1. A revisão consiste num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. O direito à revisão de sentença tem consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, segundo o qual «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, conferindo legitimidade ao Ministério Público para requerer a revisão, pro reo ou pro societate (artigo 451.º, n.º 1, alínea a), do CPP).

(6)

A possibilidade de revisão das sentenças penais está, porém, limitada aos fundamentos taxativamente previstos no n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.

A revisão de sentença transitada em julgado é admissível (só é admissível) quando:

«a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

«b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

«c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; «d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

«e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

«f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à

condenação;

«g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.»

4.2. Na situação em apreço nenhum desses fundamentos se verifica.

Pois do que se trata é de dois julgamentos e de duas condenações, ambas transitadas em julgado, pelo mesmo facto ilícito típico, em patente violação do princípio ne bis in idem, com assento

constitucional no n.º 5 do artigo 29.º que estatui que «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime».

Por outro lado, a revisão dirige-se contra uma condenação injusta resultante de certos

pressupostos especificadamente previstos na lei e visa a eliminação dessa sentença pela prolação de uma nova sentença, pelo mesmo tribunal que proferiu a anterior. E dirige-se contra um só caso julgado e não contra dois casos julgados, por repetição de julgamentos pelo mesmo crime, como se verifica na situação em apreço.

4.3. A dupla condenação pelo mesmo facto ilícito típico, com violação do princípio ne bis in idem, tem vindo a ser solucionada por aplicação da norma do actual artigo 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[1], como – com exaustiva recensão da jurisprudência, na matéria –, dá conta o acórdão deste Tribunal de 16/11/2011[2].

4.3.1. Segundo o artigo 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, «Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar».

A solução contida no artigo 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil supõe, precisamente, a existência de dois casos julgados contraditórios e tem em vista eliminar a eficácia do segundo, mantendo-se apenas o caso julgado primeiramente formado, não havendo lugar a novo julgamento.

Assim, no caso em apreço, por aplicação da norma do artigo 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, apenas é eficaz a sentença que transitou em julgado em primeiro lugar, ou seja, a proferida no processo n.º 221/10.8SFLSB. Por seu lado, a sentença proferida no processo n.º 503/10.9PCOER, é ineficaz, devendo a declaração de ineficácia ser feita no processo em que foi proferida[3], dela se retirando todas as consequências legalmente impostas.

(7)

Código de Processo Civil, não constituindo ela fundamento do recurso extraordinário de revisão, nem no processo penal, nem, actualmente, no processo civil.

Sobre a inutilidade da subsistência da ofensa do caso julgado como fundamento de revisão (previsto no n.º 7 do artigo 771.º, e passando, depois, a constituir a alínea g), do mesmo artigo, do Código de Processo Civil) em face do artigo 675.º, n.º 1, e, actualmente, do artigo 625, n.º 1, do Código de Processo Civil, escreveu Alberto dos Reis[4]:

«Desde que o artigo 675.º determina, sem quaisquer restrições ou condições, que, em face de duas decisões contraditórias sobre o mesmo objecto, cumprir-se-á a que passou em primeiro lugar, a parte vencedora na primeira e vencida na segunda não precisa de declarar sem efeito, por meio do recurso de revisão, o segundo caso julgado; tem sempre diante de si o caminho que o art. 675.º lhe abre: requerer o cumprimento da primeira decisão. Obtém, assim, por via indirecta, o que o n.º 7 do art. 771.º lhe permitiria pedir directamente: o cancelamento do segundo caso julgado.

«Chegamos assim a este resultado: o n.º 7 do artigo 771.º não colide com o art. 675.º nem com o n.º 7 do art. 813.º [5]; o que acontece é que será letra morta. A parte vencida não carece de se socorrer do recurso de revisão com fundamento nesse número.»

4.3.3. A solução do caso pelo artigo 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil confronta-se com a dificuldade de, numa primeira aproximação, as duas decisões não serem contraditórias pois ambas são condenatórias (pelo mesmo facto ilícito típico).

No entanto, esse aparente obstáculo tem sido ultrapassado, neste Tribunal.

Numa certa visão das coisas[6], defende-se que a “contradição deve referir-se não só ao sentido das decisões (condenação e absolvição), mas também aos próprios termos das condenações, abrangendo, por isso, os casos em que as decisões divergem quanto à medida das sanções concretamente decretadas. Em todos estes casos, as decisões não são coincidentes ou

conciliáveis, mas divergentes, inconciliáveis ou contraditórias”. Neste entendimento, no caso em apreço, a contradição entre as duas sentenças condenatórias seria conformada quer pelas medidas das penas não coincidentes mas ademais pela diferente qualificação jurídica dos mesmos factos; num caso, dano simples, do artigo 212.º, n.º 1, noutro, dano qualificado, em função da coisa ser destinada ao uso público, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 213.º

Noutra linha de argumentação[7], reconhece-se que se trata de “mera duplicação de sentenças” que se em substância não são contraditórias já o são formalmente, preenchendo-se uma

“contradição por coincidência, em função da regra ne bis in idem”. 4.4. Assim e em suma:

Sendo o mesmo arguido julgado e condenado duas vezes pela prática do mesmo facto ilícito típico, ocorrendo uma repetição da causa, em violação do princípio ne bis in idem, por aplicação do n.º 1 do artigo 625.º do Código de Processo Civil, só a sentença condenatória que passou em julgado em primeiro lugar produz efeitos.

A sentença condenatória proferida em segundo lugar, sobre objecto já coberto pelo caso julgado, é ineficaz, devendo a declaração de ineficácia ser feita no processo em que foi proferida.

III

Nos termos expostos, acordam na 5.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não conceder a revisão de sentença, pretendida pelo Ministério Público, por não verificação de

fundamento legal de revisão, devendo a questão ser resolvida, na 1.ª instância, por via da aplicação do n.º 1 do artigo 625.º do Código de Processo Civil.

(8)

Assim, no próprio processo n.º 503/10.9PCOER deve ser declarada a ineficácia da sentença nele proferida, com oportuna comunicação ao registo criminal e ao processo em que que foi realizado o cúmulo jurídico de penas aplicadas ao condenado AA, em situação de concurso, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa remetido a este processo.

***

Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento. ***

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Janeiro de 2016 Isabel Pais Martins (Relatora)

Manuel Braz Santos Carvalho

[1] Correspondente ao anterior artigo 675.º, n.º 1.

[2] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, 2011, p. 216 e ss.

[3] Assim, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2001, anotação ao artigo 675.º, p. 693.

[4] Código de Processo Civil Anotado, volume VI, reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1981, p. 367. [5] O caso julgado como fundamento de embargos de executado, posteriormente constante da alínea g) do mesmo artigo.

[6] V. g., no acórdão de 09/07/1986 (processo n.º 38464), publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, p. 549, citado no referido acórdão de 16/11/2011.

[7] Defendida, v. g., no acórdão de 03/05/1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo II, 1995, pp. 180-181, também citado no referido acórdão de 16/11/2011.

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