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A FORMAÇÃO CONTINUADA NO CONTEXTO DA ESCOLA COMO PERSPECTIVA PARA A INCLUSÃO ESCOLAR

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Academic year: 2021

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A FORMAÇÃO CONTINUADA NO CONTEXTO DA ESCOLA COMO PERSPECTIVA PARA A INCLUSÃO ESCOLAR

Fernanda Nunes da Silva Mariangela Lima de Almeida

Islene Vieira da Silva Allana Ladislau Prederigo Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação/CE Grupo de Pesquisa Formação, Pesquisa-ação e Gestão da Educação Especial GRUFOPEES/CNPQ Espírito Santo Agência de Fomento: PROEX/PIBex/UFES Eixo temático: Formação de professores em Educação Especial

Categoria: Pôster – pesquisas em andamento RESUMO: A perspectiva inclusiva adotada pelas políticas educacionais desafia os profissionais da educação na garantia da permanência e da aprendizagem dos alunos público-alvo da Educação Especial. Defende-se assim, a formação continuada crítico-reflexiva de professores, sustentada pela racionalidade comunicativa de Habermas, como possibilidade para se construir práticas pedagógicas favorecedoras da aprendizagem de todos. Objetiva-se, aqui, tecer reflexões iniciais acerca das perspectivas de formação continuada apresentadas por professores de uma escola municipal, problematizando os espaços-tempos destinados à formação continuada voltada para o processo de inclusão escolar. De natureza qualitativa, a pesquisa-ação empreendida vale-se, na coleta dos dados aqui apresentados, de observação participante e de entrevistas semiestruturadas. Realiza-se uma análise de conteúdo, à luz da teoria crítica de Habermas. Conclui-se que, de forma geral, as perspectivas de formação continuada dos profissionais ainda se sustentam na racionalidade instrumental, com alguns indícios de avanços rumo à racionalidade comunicativa. Percebe-se também que viabilizar espaços-tempos de formação continuada no contexto da escola ainda se configura como um desafio para a organização escolar e, consequentemente, para o processo de inclusão escolar.

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PALAVRAS-CHAVES: Educação Especial; Inclusão Escolar; Formação Continuada de Professores.

Introdução

A perspectiva inclusiva, adotada nos últimos anos pelas políticas educacionais brasileiras, promoveu um significativo crescimento no número de matrículas de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação — alunos público-alvo da Educação Especial (PAEE) — nas escolas públicas do país, que passaram a garantir estudo em sala de aula comum e atendimento educacional especializado no contraturno para esse alunado (BRASIL, 2014; MATOS; MENDES, 2015). É preciso ter clareza, porém, que a matrícula por si só não garante as condições necessárias para uma escola inclusiva. Para além da matrícula, é preciso que as políticas educacionais e, consequentemente, as escolas de ensino regular favoreçam “[...] a permanência, o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os alunos” (JESUS et al., 2010, p. 5).

Com a garantia de acesso à escola comum, o debate centra-se, então, na questão da permanência e do aprendizado dos alunos PAEE, o que ainda representa um duplo desafio para a escola e para seus profissionais. Primeiramente, porque a inclusão escolar é um processo relativamente novo, pois as pessoas com características físicas e/ou comportamentais tomadas como fora dos padrões sociais, estiveram durante muito tempo excluídas da vida em sociedade e, portanto, dos processos de escolarização, ficando sua educação a cargo de instituições especializadas e tendo caráter assistencialista e/ou de cunho clínico-médico e não pedagógico (MAGALHÃES, 2003; JESUS et al., 2010). Além disso, sabe-se que historicamente a organização escolar foi construída a partir de critérios de seleção, classificação e homogeneização que produziram processos de exclusão das diferenças individuais (ALMEIDA, 2009; PATO; 2015).

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Assim, é preciso romper com os critérios de homogeneização solidificados nas práticas pedagógicas e com o olhar terapêutico lançado sobre os alunos PAEE dentro das escolas. A inclusão escolar exige, assim, uma verdadeira reestruturação da escola, implicando a garantia de espaços e recursos acessíveis, de atendimento educacional especializado, de formação continuada de professores, dentre outros (JESUS et al., 2010).

Estudos recentes apontam contradições e fragilidades no processo de implementação da inclusão escolar, reclamando ações efetivas no âmbito das escolas (MENDES et al, 2015). Nesse contexto, a formação de professores, principalmente a formação continuada, vem sendo sistematicamente apontada como uma das maiores demandas dos profissionais da educação e, ao mesmo tempo, como possibilidade de superação das contradições e dos entraves que desafiam a construção de escolas inclusivas. É nessa conjuntura que a formação continuada crítico-reflexiva de professores emerge como aposta, como possibilidade para a construção de práticas pedagógicas inclusivas, ou seja, favorecedoras da aprendizagem de todos, especialmente dos alunos PAEE (VIEIRA, MARTINS, 2013; MATOS, MENDES, 2015).

Desenvolvida no contexto da própria escola, a formação continuada pode colaborar com a percepção da dialética teoria-prática, mobilizando os professores a reconhecerem-se como sujeitos do processo e instigando reflexões e ações possíveis (VIEIRA; MARTINS, 2013).

Nesse sentido, consideramos relevante perguntar: Em que medida a escola tem se constituído espaço de formação continuada para o corpo docente? A organização escolar tem viabilizado espaços-tempos de reflexão-crítica coletiva sobre a práticas pedagógicas? O que pensam os professores sobre a formação continuada e sua relação com a inclusão escolar?

Como parte de uma pesquisa em andamento, objetivamos, nesse texto, tecer reflexões iniciais acerca das perspectivas de formação continuada apresentadas por professores de uma escola municipal da Serra,

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problematizando, também de forma inicial, os espaços-tempos destinados à formação continuada na escola e suas implicações para o processo de inclusão escolar. Assumimos, enquanto referencial teórico-metodológico, a pesquisa-ação colaborativo-critica, baseada na teoria crítica e na pesquisa-ação comunicativa de Habermas (1987, 2012). Valemo-nos de dados coletados por meio de observação participante, cujos registros foram realizados em diário de campo, e de entrevistas semiestruturadas realizadas com profissionais de uma escola municipal de Ensino Fundamental da Serra. Para a análise dos dados utilizamos, à luz da teoria habermasiana, a análise de conteúdo (GOMES, 2010).

Metodologia

A pesquisa sustenta-se na da teoria crítica de Habermas (1987, 2012) oferecendo-nos as bases para a defesa de uma outra lógica de formação continuada para professores, uma lógica que procura romper com a racionalidade técnico-instrumental, amplamente difundida nas formações desses profissionais, propondo, em seu lugar, a racionalidade comunicativa, em consonância com a complexidade da função docente.

Assumir a racionalidade comunicativa significa assumir a dialética “[...] entre teoria e prática, entre conhecimento e interesse, sem priorizar um em detrimento do outro” (HABERMAS, 2002, apud ALMEIDA, 2010, p. 33). Temos, dessa maneira, o comprometimento ético-político com uma outra forma de produção de conhecimentos, na qual os professores são tomados como atores e autores de seus contextos, como práticos e teóricos da educação, possibilitando, assim, a articulação entre os saberes científicos e os saberes docentes, oriundos das práticas cotidianas.

Para tanto, adotamos a pesquisa-ação colaborativo-crítica, alicerçada na crítica-emancipatória (HABERMAS, 1987) e na colaboração entre pesquisadores e participantes (CARR; KEMMIS, 1988), fomentando o

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envolvimento dos professores em um processo autorreflexivo crítico e colaborativo que visa “[...] melhorar a racionalidade e a justiça de suas próprias práticas sociais ou educativas assim como a compreensão de suas práticas e das situações em que estas estão inseridas” (CARR; KEMMIS, 1988, p. 174).

Nossa aposta é que a pesquisa-ação, na perspectiva aqui adotada, colabore com a superação da racionalidade instrumental substituindo-a pela racionalidade comunicativa, ao nosso ver, capaz de sustentar outras/novas concepções de formação de professores mais críticas e comprometidas com as mudanças necessárias para garantir a inclusão escolar (HABERMAS, 2012).

Esta pesquisa tem como sujeitos professores e outros profissionais da educação de uma escola municipal. Nela, realizamos dois movimentos que se entrecruzam: a) observação participante, buscando acompanhar os movimentos de formação continuada na escola e conhecer as concepções docentes acerca de formação continuada e de inclusão escolar; b) colaboração com os movimentos de formação continuada instituídos na escola, tanto em momentos de planejamento docente quanto em grupos de estudos ou mesmo em outros espaços formativos possíveis, considerando os alunos PAEE.

Destacamos, no entanto, que os dados aqui apresentados se referem exclusivamente ao movimento de observação participante, com registros em diário de campo, e através entrevistas semiestruturadas. A análise empreendida baseia-se na teoria crítica de Habermas (1987), sendo desenvolvida por meio de análise de conteúdo, visando “caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado” (GOMES, 2010, p. 84).

Formação continuada na perspectiva inclusiva

Um breve olhar sobre a história revela que as pessoas com características físicas ou comportamentais tomadas como diferentes ou fora dos padrões sociais, estiveram durante muito tempo excluídas da vida em

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sociedade e, portanto, dos processos de escolarização. Ao longo de diferentes períodos, as atitudes para com tais pessoas passaram pelo extermínio, abandono social, assistencialismo e segregação em instituições médicas/psiquiátricas (MAGALHÃES, 2003).

Somente na década de 1990, a partir de movimentos internacionais que influenciaram as políticas de educação no Brasil, tivemos um avanço significativo na área da Educação Especial rumo à inclusão, ou seja, defendendo o acesso, a permanência e o ensino de qualidade para todos, reconhecendo, assim, os diferentes processos de aprendizagem e a necessidade de transformação da escola para atender as diferenças (JESUS, 2010). Com esses movimentos, emergiu um profícuo debate sobre a Educação Inclusiva, bem como um sólido arcabouço legal, culminando com o crescente ingresso de alunos PAEE nas escolas. O desafio, então, passa a ser

[...] construir e pôr em prática no ambiente escolar uma pedagogia que consiga ser comum ou válida para todos os alunos da classe escolar, porém capaz de atender os alunos cujas situações pessoais e características de aprendizagem requeiram uma pedagogia diferenciada. Tudo isso sem demarcações, preconceitos ou atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. (BEYER, 2006, p. 76)

Nesse contexto, a formação continuada de professores vem sendo sistematicamente apontada como uma das maiores demandas dos profissionais da educação e como uma potente possibilidade de superação das contradições e dos entraves que desafiam a construção de escolas inclusivas (VIEIRA, MARTINS, 2013; MATOS, MENDES, 2015).

Para tanto, a formação precisa assumir um caráter reflexivo-crítico, concebendo os professores como sujeitos ativos e competentes e suas práticas como espaços de construção de conhecimentos e não de mera aplicação das teorias (PIMENTA, 2005). Nessa perspectiva, o fazer docente é concebido como “[...] um espaço prático específico de produção, de transformação e de mobilização de saberes, e, portanto, de teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao ofício de professor” (TARDIF, 2014, p. 234), pois partimos do entendimento que

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As crenças simétricas de que todo ‘o teórico’ não é prático e de que todo ‘prático’ não é teórico são, portanto, completamente errôneas [...]. As teorias não são corpos de conhecimento que podem gerar-se num vazio prático, como tampouco o ensino é um trabalho do tipo robótico-mecânico, alheio a toda reflexão teórica. (CARR; KEMMIS, 1988, p. 126)

Trata-se, assim, de uma perspectiva que rompe com a ideia tradicional de formação de professores, de caráter reducionista e instrumental, “[...] desvinculada da autonomia teórica, crítica e reflexiva, da autoria docente e do potencial da educação solidária no processo de emancipação e humanização de alunos e professores na escola” (COSTA, 2015, p. 414). Essa perspectiva instrumental é “contrária à realidade”, criando uma ilusão que

[...] nega aos profissionais do ensino e às suas práticas o poder de produzir saberes autônomos e específicos ao seu trabalho. Noutras palavras, a ilusão tradicional de uma teoria sem prática e de um saber sem subjetividade gera a ilusão inversa que vem justificá-la: a de uma prática sem teoria e de um sujeito sem saberes” (TARDIF, 2014, 236).

O reconhecimento da dialética teoria-prática e do professor como “[...] um sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve e possui sempre teorias, conhecimento e saberes de sua própria ação” (TARDIF, 2014, p. 235) leva-nos a defesa de formações continuadas no contexto da escola, onde, através do diálogo, os professores podem problematizar questões relativas às experiências, às posturas assumidas e às relações estabelecidas no contexto escolar, permitindo envolvimento profissionais com a luta pela inclusão escolar. (VIEIRA; MARTINS, 2013; SANTOS; MARTINEZ, 2016).

As perspectivas de formação continuada dos professores: resultados parciais

A necessidade de formação continuada emerge como unanimidade entre os docentes da escola acompanhada em nossa pesquisa, principalmente quando consideram o processo de inclusão escolar. Contudo, as razões mais citadas referem-se à necessidade de receber novas informações, o que pensamos demonstrar um entendimento de natureza instrumental, que reduz a

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formação à mera transmissão de informações e retira o professor do lugar de autor, de produtor de conhecimentos:

Sempre tem algo importante pra agregar. Sempre vai ter coisas que você não sabe para ser informado (PROFESSORA DE SALA COMUM).

Contudo, em algumas falas, mesmo com a persistência do termo informação, há expressões como “pesquisando” e “trocas de experiências” que remetem a perspectivas críticas de formação de professores, na medida em concebem-nos como pesquisadores e tendem a valorizar suas experiências como saberes oriundos das práticas (TARDIF, 2014):

Porque cada dia tem que estar aprendendo, se informando, pesquisando. Todo dia muda tudo (PROFESSORA DE SALA COMUM).

[...] porque existe a troca de experiências e existe a troca de informação. Tudo se renova, então ele tem que estar se formando sempre (PROFESSORA DE SALA COMUM).

Já a pedagoga, ao afirmar a necessidade de formação continuada para a inclusão escolar, revela sua preocupação com o atendimento das demandas atuais e futuras de alunos PAEE na escola:

Eu to (sic) muito preocupada com essa demanda que nós vamos receber aí, já no ano que vem, desses meninos com microcefalia. Nós não estamos preparados [...] a gente já tem dificuldade com esses casos que a gente já encontra no nosso cotidiano e eu acho primordial, eu acho que a escola já tem que estar pensando em alguma coisa pra poder começar a se preparar para essa demanda que a gente vai receber. [...] A gente tem que estar sempre antenado, a gente tem que estudar, a gente tem que buscar caminhos, porque a inclusão é uma coisa muito desafiadora. Então, a gente tem que estar bem qualificado para estar recebendo esses meninos. Esses que vão vir, que nós não estamos preparados e dessa demanda que nós já temos, que a gente ainda não consegue lidar (PEDAGOGA).

É interessante notar que ao mesmo tempo em que apresenta uma visão de formação continuada de cunho instrumental, visando “preparar os profissionais” para determinadas demandas, a pedagoga indica, visto que a inclusão escolar é considerada por ela como desafiadora, a necessidade de estudos e de buscar caminhos — expressão que parece apontar a inexistência de modelos prontos. A concepção de formação dessa profissional, embora ainda baseada na racionalidade instrumental, também apresenta indícios de

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transformação, na medida em que considera os desafios impostos pelo processo de inclusão e a possibilidade de buscar caminhos, o que vai além de uma formação técnica, baseada em informações hierarquicamente transmitidas por teóricos externos à escola. Haveria aqui o desenvolvimento, mesmo que embrionário, de uma concepção de formação crítica, de natureza comunicativa (HABERMAS, 2012)?

A pedagoga relata sentir falta de momentos de formação continuada na escola, fato também destacado por professores, e exemplifica como trabalhava em outra unidade de ensino:

Se a gente tinha, por exemplo, durante o trimestre, recebido um público-alvo muito grande de meninos da Educação Especial a gente levava uma formação voltada para aquilo. [...] E sempre assim, não a equipe técnica dando formação. A gente conseguia alguns profissionais ou até mesmo os relatos de experiência dos professores (PEDAGOGA).

Considerar relatos de experiências como possibilidade de formação continuada indica a abertura dessa profissional para o desenvolvimento de um outro tipo de formação no contexto da escola — uma formação que toma o professor como sujeito de conhecimento e pode até mesmo disparar processos coletivos de reflexão-crítica sobre as práticas. Mais uma vez identificamos indícios de transformação ou de superação de uma perspectiva baseada na racionalidade técnica e de possibilidade de construção de uma perspectiva crítica e comunicativa (HABERMAS, 1987; 2012). Estariam, pedagoga e professoras, ressignificando suas concepções de formação continuada?

Esse indício de ressignificação, porém, parece não se materializar nas ações da escola. As professoras, de certo modo, confirmam a ausência de formação continuada — aqui entendida como momentos coletivos de estudo e reflexão crítica — na escola. Embora algumas delas afirmem existir tais momentos coletivos, identificamos que os mesmos possuem caráter informativo e não formativo, como exemplifica a fala abaixo:

Tem essas reuniões que a gente faz. E [nos planejamentos integrados] é a gente sozinha, não tem o pedagógico não... [...] troca de figurinhas, troca de informação mesmo, mas uma coisa bem

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assim, informal. Nada daquela coisa de toda semana a gente sentar junto para fazer isso, não. (PROFESSORA DE SALA COMUM) As reuniões, de caráter técnico e não dialógico, são lembradas pela professora como momentos coletivos, aos ser questionada sobre os movimentos de formação continuada e/ou momentos coletivos de estudo e reflexão na escola. Percebemos, em nossas observações, que tais reuniões se dão nos trinta minutos finais do turno, após a saída dos alunos, constituindo-se em momentos em que o corpo técnico-pedagógico informa e orienta o corpo docente sobre assuntos diversos, com pouca ou nenhuma intervenção por parte dos professores — seja para questionar ou contribuir com que está sendo posto —.

Ao mesmo tempo, a professora indica a possibilidade de reflexão coletiva nos planejamentos integrados — planejamentos coletivos entre professoras que lecionam em uma mesma turma/ano —. Consideramos, porém, que para se constituir em formação, esses momentos precisam ser utilizados de forma crítica, transformando a “troca de figurinhas” em troca saberes oriundos das práticas, num processo colaborativo de autorreflexão-crítica (CARR; KEMMIS, 1988).

Há ainda outras visões sobre o uso do planejamento integrado como momento de formação continuada na escola, pois uma das professoras entrevistadas foi enfática ao dizer que esse planejamento integrado não se constitui em momento de formação, pois para ela não há estudo ou mesmo reflexão sobre as práticas:

[Não há formação] nem nos planejamentos. Esse planejamento é mais para ver o que vai ser trabalhado em sala de aula, mais voltado para o conteúdo, não em relação a mudanças da prática (PROFESSORA DE SALA COMUM).

Algumas professoras consideraram, quando questionadas sobre os movimentos de formação continuada e/ou momentos coletivos de estudo e reflexão na escola, as reuniões já mencionadas e as formações oferecidas pela secretaria municipal de educação que ocorrem fora da escola acompanhada, atendendo profissionais de toda a rede municipal. Demonstraram, no entanto,

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não haver discussões destinadas ao processo de inclusão escolar dos alunos PAEE:

No geral tem, mas não suficiente. Separado [para a questão da inclusão] não tem não, se eu falar que tem eu to (sic) mentindo. (PROFESSORA DE SALA COMUM)

Não. Nunca vi. Bom pelo menos nunca fui convidada [...] eu sou da Educação Especial... Que eu lembre só a BNCC [Base Nacional Comum Curricular], feita pela SEDU (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Considerando a fala acima transcrita e um relato feito em outro momento pela professora de Educação Especial, no qual dizia sentir-se isolada na escola, algumas perguntas se impõem: por que ser professora da Educação Especial poderia justificar a exclusão da professora em processos coletivos de formação continuada na escola? Como a Educação Especial tem sido pensada e conduzida na instituição escolar? Como se dá o processo de inclusão dos alunos PAEE numa escola cuja própria professora não se sente incluída? O processo de inclusão escolar sido considerado nas reuniões, planejamentos e nas formações dessa escola?

Tais questões reforçam a relevância da formação continuada na perspectiva da inclusão escolar para os professores e demais profissionais da escola. Assim, perguntamos aos professores como deveria ser uma formação para atender as demandas da inclusão escolar.

A professora de Educação Especial apresenta a necessidade de que a temática ocupe papel central nas formações:

Olha tem que saber como usar essa formação. Precisa ter, só que deveria ter uma para Educação Especial. Deveria incluir a Educação Especial, não como uma coisa básica, no finalzinho, igual ao PNAIC, que passa no finalzinho sobre a inclusão (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Há ainda professores que defendem uma formação de cunho instrumental, reduzindo a formação à informação acerca das deficiências dos alunos que estudam na escola:

Tinha que ter as informações referentes a esses assuntos. Abordar tudo que envolve alunos assim, com deficiência. (PROFESSORA DE SALA COMUM)

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Talvez de acordo com a realidade da escola. Quais são os problemas que a gente recebe mais aqui. Apesar que cada ano tem um diferente, né? Seria isso, especifico para a criança. (PROFESSORA DE SALA COMUM)

Eu penso, por exemplo, que teria que ser com uma pessoa especialista da saúde, para dar as informações do problema de saúde. E com psicólogos para entender o comportamento, [...] E com... a respeito das leis que protegem essas crianças, né? Profissional da saúde, profissional autoridade da lei e profissional da educação também... Porque só muda se tiver tratamento (PROFESSORA DE SALA COMUM)

Essas falas revelam a supremacia dos conhecimentos clínico-terapêutico, cuja ênfase está nas deficiências e não nas possiblidades de aprendizagem dos alunos, em detrimento do conhecimento pedagógico que deveria constituir-se em foco da escola e de seus profissionais (MAGALHÃES, 2003; JESUS et al, 2010). Demonstram, também, a pertinência da formação continuada crítico-reflexiva na perspectiva da inclusão escolar, para que os professores, ao se assumirem como sujeitos de conhecimentos da educação, assumam, consequentemente, outras formas de conceber as diferenças e de desenvolver a docência no contexto da inclusão escolar.

É possível afirmar que as concepções de formação apresentadas pelos profissionais sujeitos dessa pesquisa têm suas raízes na racionalidade instrumental, amplamente difundida em suas formações iniciais e continuadas, criando dicotomias entre o saber e o fazer, a teoria e prática, etc. Ao mesmo tempo, percebemos indicativos de transição entre tal visão, caminhando para a construção de uma perspectiva de natureza mais crítica na fala da pedagoga e de professoras que questionam o desenvolvimento dos momentos coletivos na escola e apontam a possibilidade de tomar o professor como pesquisador e suas experiências como ponto de partida para as formações.

Nossa defesa é de que é preciso superar a lógica da racionalidade instrumental, impregnada nas concepções dos professores, influenciando os modos como concebem sua própria formação e também os alunos PAEE. Sustentados pelos pressupostos de Habermas (1987; 2012) acreditamos na

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possibilidade de construção de outras/novas concepções de natureza comunicativa, capazes de ressignificar os espaços-tempos de formação continuada na escola, tomando a autorreflexão colaborativo-crítica como potência para o processo de inclusão escolar.

Considerações parciais

O processo de inclusão escolar de alunos PAEE vivenciado nas escolas brasileiras tem suscitado demandas relacionadas à garantia do direito de acesso, mas principalmente de permanência e de aprendizagem desse alunado, sendo a formação continuada uma das demandas mais apontadas pelas pesquisas atuais, visando a construção de escolas inclusivas.

A análise inicial dos dados indica que embora os profissionais reconheçam a necessidade de formação continuada para a inclusão escolar, os únicos momentos possíveis para a reflexão coletiva têm sido os planejamentos integrados, dando-se através de movimentos voluntários e informais, considerados insuficientes pelos próprios professores. Parece-nos, assim, que viabilizar espaços-tempos de formação continuada, aqui entendida como reflexão-crítica coletiva sobre a práticas, ainda se configura como um desafio para a organização escolar e para o processo de inclusão escolar.

Em relação as perspectivas de formação continuada presentes nas falas dos profissionais, observamos que ainda estão atreladas à racionalidade instrumental, o que leva alguns professores a acreditar que as soluções para as demandas da inclusão escolar estão fora da escola, inclusive em outras áreas do conhecimento. Ressaltamos, porém, que alguns profissionais sinalizam para uma transição, ainda que inicial, da racionalidade instrumental para a racionalidade comunicativa (HABERMAS, 2012).

Nossa aposta é que a pesquisa-ação colaborativo-crítica, através da autorreflexão coletiva pode potencializar essa transição, rumo à racionalidade comunicativa, sendo capaz de engendrar novas concepções e práticas

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pedagógicas voltadas à garantia da permanência e do aprendizado dos alunos PAEE.

Referências

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Referências

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