VI SIMPÓSIO MUNDIAL DE ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA
A UNIÃO NA DIVERSIDADE
Escola Superior de Educação de Santarém
Departamento de Línguas e Literaturas
SIMPÓSIO 76
A nomeação da cor do vinho em Português Europeu
Sílvia BARBOSA1
NOVA FCSH, Centro de Linguística da Nova de Lisboa (CLUNL), silviabarbosa@fcsh.unl.pt, Lisboa, Portugal
Resumo:
O presente trabalho aborda o universo das cores, em especial na Análise Sensorial Enológica. O ato de degustar um vinho desencadeia uma verbalização de sensações associadas à cor. Essa verbalização corresponde, de forma geral, a um conjunto de termos para expressar as tonalidades do vinho, como os habituais e genéricos
“branco”, “rosé”, “tinto”, “amarelo-palha”, “rosado”, “vermelho-púrpura”, etc. No entanto, essa verbalização ativa, quase sempre, a criação de novas unidades lexicais, que permitem a diversidade e criatividade lexical para nomear o espectro luminoso e ajuda o especialista a categorizar a experiência cromática. Para conhecer mais sobre este domínio e compreender de que modo é feita a nomeação da cor do vinho em Português Europeu, foram recolhidos dados na revista de especialidade de vinho ENOTECA (2001-2015), para fazer uma breve análise de cada um deles, com ênfase nos aspetos semânticos e, em particular, descrever a estrutura interna dos nomes e adjetivos de cor, dando conta de aspetos relacionados com a produtividade dos processos de construção de palavras envolvidos, associando esses aspetos com as capacidades referenciais dessas palavras. Em suma, com este trabalho, espera-se contribuir para o desenvolvimento de investigação no domínio da denominação da cor em português e, simultaneamente, compreender como o especialista se expressa quanto ao domínio cromático do vinho.
1 This research has been financed by Portuguese National Funding through the FCT Fundação para a
Palavras-chave: degustação; neologia; cores; cronónimos, sintagmas cromáticos
1. Introdução
A degustação é o modo pelo qual se determinam as características do vinho, através
do uso da Análise Sensorial, uma “(...) disciplina da Ciência usada para evocar, medir,
analisar e interpretar as reações às características dos alimentos e materiais tal como são percebidas pelos sentidos da visão, olfato, paladar, tato e audição” (IFT, 1981 apud Esteves, 2014:5) e através de “princípios do planeamento experimental
e da análise estatística para analisar os resultados da utilização dos sentidos”
(Esteves, 2006:1) funciona como uma ferramenta que permite a descrição e avaliação do vinho. Ao especialista permite adquirir informação sobre como melhorar as características da vinha ou decidir comercializar ou não um vinho. Ao não-especialista possibilita um maior conhecimento do vinho que irá degustar.
1.1.A degustação
Vários estudos revelam que a verbalização da perceção sensorial não é fácil de se efetuar. Diferentes autores (Croijmans & Majid (2016), Swiegers, Chambers & Pretorius (2005)) referem que há uma maior facilidade na descrição da cor do que na descrição do aroma e do sabor. Referem também que para o exame visual é usado, regra geral, um número restrito e reduzido de descritores, enquanto os descritores utilizados nos exames olfativo e gustativo são em maior número, mais metáforas e/ou analogias, de difícil compreensão imediata. Ao que tudo indica os últimos são de uma maior complexidade e menor facilidade de descrição, como referem Morrot, Brochet & Dubourdieu (2001), por exemplo.
A prova de um vinho é realizada através de três exames (visual, olfativo e gustativo) que desencadeiam a verbalização de sensações. O ato de degustar um vinho desencadeia uma verbalização de sensações associadas à cor, que ativa um campo lexical para expressar o aspeto do vinho: as cores, as tonalidades, a limpidez, a fluidez e a efervescência.
A observação da cor permite (i) avaliar a qualidade e decidir se está apto a ser consumido (ou não) o mesmo em função da sua aparência, (ii) influenciar o sabor – a observação da intensidade da cor de uma comida/bebida ativa o julgamento do componente açúcar, que é um fator decisivo para determinar a escolha de um produto em detrimento de outro (Clydesdale, 1993). A aparência do vinho é a única característica que pode ser identificada isoladamente (comportando-se de forma distinta do aroma e do sabor, que, de certa forma se complementam), mas de extrema importância para as descrições olfativas e gustativas (Morrot, Brochet & Dubourdieu (2001)), ou seja, quando se refere “aroma a frutos vermelhos” ativa-se a memória olfativa, mas também a visualização do fruto com a cor vermelha.
1.2. A nomeação da cor
O ser humano categoriza as múltiplas cores que observa num pequeno conjunto de palavras. A categorização da cor envolve um mecanismo cognitivo que nomeia a cor percecionada. No estudo pioneiro de Berlin & Kay (1969) foi proposta a existência de 11 nomes de cor básicos universais, iniciando a teoria universalista de cariz evolucionista. Desde essa altura, vários estudos têm sido propostos para apoiar ou refutar esta evidência.
De acordo com Berlin & Kay (1969/1999:6-7), um nome de cor básico é classificado como tal se: (i) for monolexemático; (ii) o seu significado não estiver abrangido por outro nome de cor básico; (iii) não designar apenas uma classe de objetos; (iv) for psicologicamente relevante para os falantes. Ainda segundo estes autores, as línguas que se encontram no estádio I de desenvolvimento apresentam dois nomes de cor básicos (cores preta e branca); as línguas no estádio VII, onde se situa a língua portuguesa, apresentam 11 nomes de cor básicos (preto, branco, vermelho, verde, amarelo, azul, castanho, cinzento, rosa e roxo); as línguas em estádios intermédios apresentam, sucessivamente, três, quatro, cinco e sete nomes de cor básico.
palavras. Em suma, com este trabalho, espera-se contribuir para o desenvolvimento de investigação no domínio da denominação da cor em português e, simultaneamente, compreender como o especialista se expressa quanto ao domínio cromático do vinho.
2. Metodologia
Para este trabalho foram selecionados 23 números, desde 2001 até 2015, da revista ENOTECA, uma revista trimestral dedicada à apresentação, divulgação e venda de vinhos. A revista é constituída por diversas secções, tais como: entrevistas, reportagens e publicidade a eventos (e produtos) e fichas técnicas. Escolhemos apenas o material correspondente às fichas técnicas, sendo estas compostas na sua maioria por vários campos, a saber: a designação oficial do vinho, o produtor, a denominação de origem, a(s) casta(s), a vinificação, o teor alcoólico, a nota de prova, a cave, o serviço e, por fim, o(s) enólogo(s). Destes campos, apenas os dados referentes ao campo “nota de prova” (em concreto, a descrição sobre a cor) foram extraídos, dado a sua relevância para o estudo.
Após uma verificação manual das várias fichas técnicas, foram apenas selecionadas 334 para análise. As razões desta seleção prendem-se com o facto de algumas das fichas técnicas estarem: (i) duplicadas (é uma revista de divulgação de vinhos e com pendor comercial e publicitário, logo as repetições do mesmo produto são necessárias e ocorrem com frequência por motivos de comercialização); e/ou (ii) não terem informação no campo da nota de prova relativo à cor (em alguns casos, apresentava-se o vinho expondo apenas a(s) casta(s) e dando ênfase ao produtor, por exemplo).
As fichas técnicas foram convertidas em formato digital e, posteriormente, em formato txt., de forma a ser possível a extração semiautomática das unidades deste
domínio.
2.1. Corpus
Após a compilação das 334 fichas técnicas, verificou-se que apenas 184 correspondiam a descrições únicas relativas à cor do vinho (cor vermelho-granada intenso – quatro frequências no corpus). Posteriormente, foi feita uma extração semiautomática dos potenciais nomes e adjetivos de cor, tomando por base a grafia do radical, como, por exemplo, amarel-, vermelh-, e, de seguida, foi realizada uma verificação manual, relativa a nomes de entidades, sem base de nome de cor, como, por exemplo: carmim, salmão. Este processo devolveu uma lista de 73 candidatos a
nomes e adjetivos de cor.
3. Apresentação dos dados
Tendo em conta os vários candidatos apresentados, foi possível dividi-los em dois grupos: os nomes de cor básicos (branco, vermelho, amarelo, rosa) e os nomes de cor não básicos, dos quais faziam parte os nomes de cor associados a entidades (plantas (violeta), animais (salmão), substâncias (carmim, púrpura), minerais (citrino, granada, rubi), frutas (cereja), entre outros), que são nomes de entidades que apresentam essa cor como característica distintiva para descrever e nomear algo no mundo real.
1. Afixação
1.1. Prefixação (prefixo + nome de cor) 1.1.1. retinto
Como se pode verificar, apenas existe um exemplo de prefixação, que é definido
como “que apresenta coloração escura, carregada”, sublinhando a ideia de tom
intenso de cor denominada pelo radical.
1.2. Sufixação (nome de cor + sufixo)
1.2.1. Adjetivos denominais com os sufixos -áceo e -ado: violáceo, rosado
Nos dois exemplos apresentados, verifica-se uma relação de modificação do nome de cor ao qual o adjetivo denominal se associa. Este tipo de adjetivo expressa uma tonalidade cujo nome lhe serve de base (ex.: violáceo – a cor arroxeada da violeta, ou semelhante a ela; violeta [Houaiss]; rosado – que tem cor tirante a rosa; roseado, róseo
[Houaiss]). Estes adjetivos podem surgir em dois tipos de estruturas: como adjetivo de cor (Vinho de cor rosada.) ou como nome de objeto numa estrutura composta (Vinho de cor rosada-cereja). Já violáceo surge apenas numa estrutura do tipo “Cor vermelho-escuro com tons violáceos”, o que demonstra que existe uma cor base
(vermelho) adjetivada relativamente à limpidez (escuro) e esse resultado ( vermelho-escuro) é ainda modificado por uma tonalidade associada ((com tons) violáceos).
Estes quatro exemplos são compostos pela adjunção de prefixo e sufixo em simultâneo (em nenhum dos casos há atestações de *verdeado ou de *esverde), dado que derivam de verbos (esverdear, atijolar, acastanhar, avermelhar). Todos eles
surgem em estruturas do tipo “Cor (nome de cor) com laivos/reflexos X (adjetivo)” (cor amarelo com reflexos esverdeados). Neste tipo de estruturas, verifica-se uma modificação do nome de cor base (amarelo) através da associação do adjetivo (esverdeado), mas fazendo menção ao facto de não ser uma modificação total (por
exemplo, amarelo-esverdeado), mas sim, uma alteração/acréscimo de tonalidade ao nome de cor base (com reflexos esverdeados).
2. Composição
Nesta secção, apresentaremos vários exemplos de nomes de cor envolvidos em processos de composição.
2.1. N (cor) + N (objeto)
2.1.1. rosada-cereja, amarelo-citrino, amarelo-limão, amarelo-palha, vermelho-cereja, vermelho-granada, vermelho-púrpura, vermelho-rubi,
vermelho-tijolo, vermelho-violeta
Nos exemplos desta secção, verifica-se que os compostos apresentam, numa primeira posição, um nome de cor básico (rosa, amarelo, vermelho), e, numa segunda posição, nomes de objetos (cereja, citrino, limão, palha, granada, púrpura, rubi, tijolo e violeta) que apresentam tonalidades como características mais representativas dos mesmos (cereja – da cor da cereja). Pode-se inferir que esta associação (nome de cor seguida de nome de objeto) facilita a visualização da cor, dado que o nome de objeto faz parte do mundo real e partilhado, o que torna a cor facilmente identificável.
Estes dois únicos exemplos são particulares. Por um lado, a estrutura conta com a presença de uma preposição, por outro lado, podem ser substituídos por uma
espécie de equivalente simples (pétala de rosa equivale a rosa; cor do rubi equivale a
rubi). No entanto, a motivação de utilizar esta estrutura composta vai além dos
motivos de nomeação da cor, podendo inferir-se que há uma vontade expressa do autor para que o leitor ative não só a cor, mas também algumas características/propriedades do objeto. Por exemplo, no caso de pétala de rosa, ativa
não só a tonalidade, mas também o formato arredondado, a estrutura discoide, e, ainda, a suposta delicadeza/ fragilidade do objeto.
2.3. N (objeto) + N (cor) 2.3.1. citrino-amarelo
Este é um caso único, de nome de objeto seguido de nome de cor. Pode-se pensar que é um caso de inversão do tipo descrito em 2.1., apresentando na primeira posição, um nome de objeto (citrino) e, numa segunda posição, um nome de cor básico (amarelo), ativando, em primeiro lugar, a cor característica do objeto. No entanto, dado o número reduzido de unidades deste tipo no corpus, não é possível estabelecer uma regularidade semântica e morfológica.
2.4. N (objeto) + N (objeto)
2.4.1. palha-citrino, cereja-salmão, granada-rubi, granada-violeta, rubi-violeta
2.5. N (cor) + Adjetivo
2.5.1. N (cor) + Adjetivo de cor
2.5.1.1. amarelo-dourado, amarelo-esverdeado
Nestes dois exemplos, observa-se uma relação de modificação do nome de cor pelo adjetivo de cor, denotando uma cor básica (amarelo) que corresponderá a uma tonalidade semelhante à tonalidade secundária (dourado).
2.5.2. N (cor) + Adjetivo simples
2.5.2.1. rosa-claro, amarelo-pálido, vermelho-carregado, vermelho-vivo
2.5.3. N (objeto) + Adjetivo simples
2.5.3.1. salmão-claro, púrpura-escuro, granada profundo, cereja-claro, citrino-intenso, rubi-aberto, violeta-carregado
Os exemplos recolhidos em 2.5.2. e em 2.5.3. apresentam tonalidades das cores denominadas pelo nome de cor/objeto presente na primeira posição do composto. Já o adjetivo, em segunda posição, permite qualificar o grau de saturação (ou de intensidade).
2.5.4. N (cor) + N (objeto) + Adjetivo simples
2.5.4.1. amarelo-citrino intenso, amarelo-palha pálido, vermelho-violeta intenso, rubi-violeta escuro, vermelho-escuro carregado
2.5.5. N (objeto) + N (objeto) + Adjetivo simples 2.5.5.1. rubi-violeta escuro
4. Considerações finais
Com este trabalho, pretendeu-se observar e levar a cabo uma descrição extensiva dos processos morfológicos disponíveis em PE para a nomeação da cor do vinho. Verificou-se que, de entre os diferentes processos, o mais produtivo foi o de composição (mais eficaz na nomeação da cor, da tonalidade e da intensidade) e o menos produtivo foi o de prefixação.
Tendo em conta a dimensão do corpus e da identificação de 56 nomes e adjetivos de cor, foi possível verificar que a afixação permite nomear as tonalidades de cor de forma mais geral, enquanto a composição possibilita uma nomeação facilmente identificável pela ativação de um nome de objeto do mundo real e das suas características cromáticas, quer pelas tonalidades, quer pelo grau de intensidade. Destes, o processo mais produtivo em termos de unidades registadas é o de composição (com destaque para os processos N (cor) + N (objeto), N (objeto) + Adjetivo simples, N (cor) + N (objeto) + Adjetivo simples, e, por fim, N (objeto + N (objeto)), seguido do de afixação (a parassíntese, seguida da sufixação e, finalmente da prefixação).
Estes resultados contrariam as conclusões do estudo de Correia e Barbosa (2014) – sobre os nomes de cor registados no Portal da Língua Portuguesa –, onde o processo mais produtivo em termos de unidades registadas foi o de derivação por sufixação, seguido do de composição e, finalmente, do de derivação por prefixação. Contudo, estes resultados vão ao encontro do que foi apresentado em Carvalho (1994), – um estudo pioneiro, mas restrito ao domínio da moda em PE –, onde o processo mais produtivo de construções de denominação da cor foi o de composição, mais concretamente N (cor) + N (objeto).
um estudo exploratório, que poderia ser enriquecido por outros trabalhos com
corpora mais extensivos sobre a mesma temática.
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