A ANÁLISE DO BRINCAR DA CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL NO CONTEXTO ESCOLAR
Maria Lucia Chicarelli Marques Camila Boarini Dos Santos Aila N. Dahwache Criado Rocha Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP/Marilia Eixo Temático:3 - Identificação, encaminhamento, diagnóstico e inclusão escolar Agência Financiadora: PROEX
Palavras chave: Paralisia Cerebral. Brincar. Escola
1.Introdução
O brincar permite a criança experiências fundamentais para o seu desenvolvimento e gera situações de interação e de construção de conhecimento da realidade, de sociabilidade, de experimentação da relação com o outro, de aproximação da cultura e de exercício da decisão e da invenção, permitindo à criança, colocar-se em contato com seus limites e capacidades, bem como, com seus sentimentos, num clima favorável de satisfação pela possibilidade de criação das próprias decisões, ação sobre as situações concretas do cotidiano e realização de seus desejos e escolhas (OLIVEIRA, 2000; FERLAND, 2006).
A utilização de recursos lúdicos, os estímulos e motivação gerados pelo mesmo, desperta à vontade na criança de realizar a atividade proposta, em busca de novas descobertas e exploração do seu próprio corpo, tornando assim a terapia mais proveitosa, interessante e prazerosa. Entretanto, a criança com paralisia cerebral pode apresentar dificuldades em diversas atividades, incluindo o brincar por diversos fatores como: barreiras no acesso ao brinquedo, dificuldades de manuseio do mesmo, relações interpessoais e condições ambientais (FERLAND, 2006; ID, 2011).
Objetivo
O objetivo deste estudo foi analisar o brincar da criança com paralisia cerebral no contexto escolar
Materiais e Métodos
Este estudo faz parte de um projeto maior que articula a extensão e a pesquisa, sendo que esta foi submetida à avaliação pelo Comitê de Ética, respeitando as prerrogativas da resolução 196/96 do CONEP que versa sobre ética em pesquisa com seres humanos, tendo recebido parecer favorável.
Neste projeto as atividades estão programadas em duas etapas: 1) Identificação do brincar na rotina escolar da criança com paralisia cerebral, em escolas municipais de um município do interior de São Paulo e 2) promover um programa de intervenção por meio da consultoria colaborativa entre o terapeuta ocupacional e os profissionais da escola com objetivo de sanar as dificuldades identificadas na Etapa 1.
Participaram 2 professores e 2 crianças com deficiência física, inseridas em salas de comuns de escolas de um município do interior do estado de São Paulo. O critério de seleção foi por conveniência, e as crianças foram indicadas pela diretora da escola. As duas crianças são irmãos gêmeos e ambos têm paralisia cerebral.
A Criança 1 é do sexo masculino, com 6 anos, possui diagnóstico de paralisia cerebral, e frequenta sala de aula do Infantil II, no período da tarde. Faz uso de cadeira de rodas, apresenta quadriparesia, não apresenta uma comunicação funcional e utiliza a comunicação alternativa.
A Criança 2 também é do sexo masculino, com 6 anos, possui diagnóstico de paralisia cerebral, e frequenta sala de aula do Infantil II, no período da tarde. A criança marcha com dificuldade, apresenta hemiplegia e apresenta uma comunicação funcional.
Também foi utilizado para a caracterização das crianças o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa para paralisia cerebral – GMFCS ( PAULISANO, ROSENBAUM, WALTER, RUSSEL, WOOD, GALLUPPI, 1997), que apresenta cincos níveis de classificação motora por faixa etária de (0 a 2 anos, 2 a 4 anos, 4 a 6 anos e 6 a 12 anos).
Também foi utilizado o Sistema de Classificação da Habilidade Manual (MACS) que descreve como as crianças com paralisia cerebral (PC) usam suas mãos para manipular objetos em atividades diárias. As crianças são classificadas em 5 níveis baseados na habilidade da criança em iniciar sozinha a manipulação de objetos e a necessidade de assistência ou adaptação para realizar atividades manuais na vida diária.
A intervenção ocorreu entre os meses de abril a novembro de 2014. Foi elaborado um
colaborativo entre saúde e educação”, no qual constava 35 perguntas abertas com os seguintes temas: dados sobre a escola, dados sobre atendimento multidisciplinar, considerações do professor sobre o aluno, aspectos sensoriais, comunicação, alimentação, higiene, transporte e trabalho colaborativo. O protocolo foi elaborado a partir de referências bibliográficas em relação a temática.
Foram realizadas entrevistas com os professores a fim de caracterizar o aluno e o contexto escolar no qual está inserido. Também foram realizadas observações das crianças em salas de aula durante atividades lúdicas propostas pelas professoras. Foram realizadas de 1 a 3 visitas nas escolas, conforme necessidade e disponibilidade dos profissionais e alunos.
Para o registro das informações foram utilizados gravador digital, diário de campo e o protocolo de entrevista. Após a organização dos dados coletados foi realizada a Analise de Conteúdo proposta por Bardin (2001).
Resultados e Discussão
Em relação a classificação das crianças por meio da GMFCS na faixa etária entre o quarto e o sexto aniversário a criança 1 apresentou nível V e a criança 2 nível II. Em relação ao nível V é esperado que as deficiências físicas restrinjam o controle voluntário do movimento e a habilidade para manter posturas antigravitacionais de cabeça e tronco. As limitações funcionais no sentar e ficar em pé não são completamente compensadas por meio do uso de equipamento adaptativo e tecnologia assistiva. No nível V, as crianças não têm como se movimentar independentemente e são transportadas. Algumas crianças alcançam auto locomoção usando cadeira de rodas motorizada com extensas adaptações. Quanto ao Nível II é esperado que as crianças se sentem na cadeira com ambas as mãos livres para manipular objetos. As crianças saem do chão e da cadeira para a posição em pé, mas geralmente requerem uma superfície estável para empurrar-se ou impulsionar-se para cima com os membros superiores. As crianças andam sem a necessidade de um dispositivo manual de mobilidade em espaços internos e em curtas distâncias em espaços externos planos. As crianças sobem escadas segurando-se no corrimão, mas são incapazes de correr e pular.
Também foram identificadas a classificação da habilidade manual por meio do MACS, onde a criança 1 obteve a classificação no Nível III, ou seja, manipula com dificuldade;
necessita de ajuda para preparar e/ou modificar as atividades. Em relação a criança 2 esta foi
classificada no nível II pois manipula a maioria dos objetos, mas com a qualidade e /ou velocidade da realização um pouco reduzida.
Em relação aos ambientes onde a professora identificou que as crianças realizam atividades lúdicas na escola, é possível identificar no Quadro 1 a necessidade de ajuda ou não durante o brincar.
Quadro 1 – Ambientes que brincam na escola e nível de dependência da criança Lugares que brincam na
escola
Criança 1 Criança 2
Escorregador Realiza com ajuda Realiza com ajuda
Balanço Não realiza Realiza com ajuda
Escalada Não realiza Realiza com ajuda
Areia Realiza com ajuda Realiza
Sala de aula Realiza Realiza
A literatura identifica que a criança com paralisia cerebral necessita de ajuda dos adultos para iniciar uma brincadeira.Entre os elementos necessários para o desempenho de atividades lúdicas é possível destacar: o sensorial (olhar, tocar e pegar objetos), o motor (movimentos e reações praticados durante o brincar), o cognitivo (clareza quanto ao funcionamento dos objetos), o afetivo (expressão, senso de humor, prazer, inciativa, curiosidade) e o social (compartilhar os brinquedos com outros, considerar a opinião do outro, esperar sua vez) (GONÇALVES, 2011).
As crianças deste estudo apresentaram alterações nesses componentes, dificultando seu acesso aos brinquedos e aos companheiros durante as atividades lúdicas. O desempenho das duas crianças fez com que a sequência natural da atividade lúdica descrita nas diversas teorias e visível nas crianças não-deficientes, fosse prejudicada pela falta de acesso da criança com paralisia cerebral e pela falta de interlocutores capacitados a mediar essas atividades.
Segundo Blanche (2002) as limitações de movimento afetam a capacidade de acessar o ambiente de forma ativa e, consequentemente de explorá-lo, e limitam o potencial de entrar espontaneamente em uma brincadeira.
Conclusões
Conclui-se neste estudo que é necessário modificar os ambientes e capacitar profissionais a fim de adaptar as atividades lúdicas de acordo com as potencialidades de cada criança, valorizando suas capacidades, suas características motoras e percepção-cognitivas, tornando um ambiente favorável ao brincar.
O espaço escolar é fundamental para que a criança desenvolva suas habilidades, amplie seus relacionamentos sociais e participe em igualdade com seus pares. É fundamental a capacitação dos profissionais a fim de identificar os recursos e as estratégias necessárias a fim de promover a acessibilidade do brincar no contexto escolar.
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa:
Edições 70, 2004.
BLANCHE, E. I. Fazer Junto Com - Não Fazer Para: A Recreação e as Crianças Portadoras de Paralisia Cerebral. In: PARHAM, L. D.; FAZIO, L. S. A Recreação na Terapia Ocupacional pediátrica. São Paulo: Santos, 2002. p. 202-218.
ELIASSON AC, KRUMLINDE SUNDHOLM L, ROSBLAD B, BECKUNG E, ARNER M, ÖHRVALL AM , Rosenbaum P. The Manual Ability Classification System (MACS) for children with cerebral palsy: scale development and evidence of validity and reliability
Developmental Medicine and Child Neurology 2006
FERLAND, F. O Modelo Lúdico: o Brincar, a Criança com Deficiência Física e a Terapia Ocupacional. São Paulo: Editora Roca, 2006.
GONÇALVES, C. A. Recursos Lúdicos no Tratamento Fisioterapêutico de Crianças com Paralisia Cerebral. Mogi das Cruzes, 2011. p. 17.
OLIVEIRA, A. I. A. D. et al. Aplicabilidade do sistema de classificação da função motora grossa (GMFCS) na paralisia cerebral – Revisão da literatura. Arquivo Brasileiro de Ciência e Saúde, Santo André, v. 35, n, 3, p. 220-224, set./dez. 2010.
PAULISANO, ROSENBAUM, WALTER, RUSSEL, WOOD, GALLUPPI, Development and reliability of a system to classify gross motor function in children with cerebral palsy.
Dev Med Child Neurol, April, 1997.