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FIANÇA E EXECUÇÃO – PROBLEMÁTICAS PROCESSUAIS INERENTES À SUBSIDIARIEDADE DA GARANTIA PESSOAL

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FIANÇA E EXECUÇÃO – PROBLEMÁTICAS PROCESSUAIS INERENTES À SUBSIDIARIEDADE DA GARANTIA PESSOAL

Célia Marlene Mendes Borges

Orientadora: Professora Doutora Lurdes Varregoso Mesquita

Coorientadora: Mestre Diana Leiras

Dissertação apresentada no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria - Empresarial

dezembro, 2016

(2)
(3)

FIANÇA E EXECUÇÃO – PROBLEMÁTICAS PROCESSUAIS INERENTES À SUBSIDIARIEDADE DA GARANTIA PESSOAL

Célia Marlene Mendes Borges

Orientadora: Professora Doutora Lurdes Varregoso Mesquita

Coorientadora: Mestre Diana Leiras

Dissertação apresentada no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Solicitadoria - Empresarial

dezembro, 2016

(4)

Nome: Célia Marlene Mendes Borges Endereço eletrónico: a7378@alunos.ipca.pt Telemóvel: 925461713

Número do Cartão de Cidadão:14046416 6 ZY8

Título da dissertação: Fiança e Execução – Problemáticas Processuais Inerentes à Subsidiariedade da Garantia Pessoal

Orientadora: Professora Doutora Lurdes Varregoso Mesquita Coorientadora: Mestre Diana Leiras

Ano de conclusão:2016

Designação do Curso de Mestrado: Solicitadoria Empresarial

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, 23 de dezembro de 2016

Assinatura:

(5)

i

RESUMO

A fiança é uma garantia pessoal das obrigações através da qual um terceiro, designado de fiador, assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento, perante o credor. Trata-se do exemplo paradigmático das garantias pessoais, servindo de referência para a construção do regime de outras figuras.

A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor, distinguindo-se, assim, do aval e da garantia autónoma, uma vez que a obrigação do avalizado e do garante autónomo é autónoma em relação à obrigação principal. Esta é uma característica essencial da fiança, não podendo ser afastada por vontade das partes. A obrigação do fiador pode também ser subsidiária da obrigação principal, sendo que a subsidiariedade da fiança concretiza-se no benefício da excussão prévia. O benefício da excussão prévia tem como finalidade evitar a agressão judicial imediata dos bens do fiador, uma vez que a sua invocação obsta à penhora dos seus bens sem que antes e insatisfatoriamente hajam sido excutidos todos os bens do devedor. O facto de o fiador gozar ou não deste benefício e do credor poder optar entre demandar apenas o fiador, o devedor ou até mesmo ambos os devedores, tem implicações na forma do processo aplicável.

Deste modo, o momento de alegabilidade deste benefício está dependente da forma do processo e correspondente tramitação da ação executiva.

Além disso, o facto de existir uma garantia real sobre bens de terceiro ou sobre os bens dos próprios devedores e a circunstância de o fiador ter meios de defesa próprios comportam também consequências na execução. Assim, o objetivo principal desta dissertação consiste em descortinar quais as implicações que a prestação de uma fiança pode ter na tramitação da ação executiva, o que pressupõe o estudo do regime da penhorabilidade subsidiária e considerações de Direito substantivo a ela inerentes.

Palavras-chave:

Fiança, Ação Executiva, Benefício da Excussão Prévia, Penhorabilidade

Subsidiária.

(6)

ii

ABSTRACT

The guarantee is a personal guarantee of the obligations, through which, a third party, designated as guarantor, ensures the performance of an obligation of the debtor, taking personal responsibility for his/her assets, for this compliance with the creditor. This is the paradigmatic example of personal guarantees, serving as a reference for the construction of the regime of other figures.

The guarantor’s obligation is ancillary to that of the debtor, thus distinguishing itself from the autonomous guarantee, once the obligation of the appraised and the guarantor is autonomous with regards to the main obligation. This is an essential characteristic of the guarantee, not being able to be withdrawn at the discretion of the parts. The guarantor’s obligation can also be subsidiary of the main obligation, being that the subsidiarity of the guarantee is embodied in the benefit of the previous excussion. The previous excussion benefit has the purpose of avoiding the judicial aggression of the guarantor’s assets, since its invocation prevents the pawning of his possessions without having previously and unsatisfactorily excuted all the debtor’s possessions.

The fact that the guarantor may or may not have enjoyed this benefit and the creditor being able to choose between suing only the guarantor or the debtor or maybe even both the debtors, has implications in the form of the applicable procedure. So, the moment of annul ability of this benefit depends on the form of the process and the correspondent executive action process.

Besides this, the fact that there is a real guarantee over third party goods, or over the debtors themselves and the circumstance that the guarantor has self-defence means also consequences in the execution. Thus, the main objective of this dissertation consists of uncovering which the implications are that the provision of a guarantee can have in the proceedings of the executive action, which presupposes the study of the subsidiary liability regime and considerations of substantive law inherent thereto.

Keywords:

Guarantee, Executive Action, Benefit from the Previous Excussion, Subsidiary

liability.

(7)

iii

AGRADECIMENTOS

À Orientadora Professora Doutora Lurdes Varregoso Mesquita e à Coorientadora Mestre Diana Leiras desta Dissertação de Mestrado, o meu sincero agradecimento pela disponibilidade, pela compreensão, pelas sugestões pertinentes, pela motivação, pelos conhecimentos transmitidos e por terem aceitado o meu pedido. Sem a vossa colaboração e orientação a realização deste trabalho não seria possível.

À minha família um profundo agradecimento pelo apoio incondicional, amor, ajuda e encorajamento que sempre me demonstraram ao longo da vida.

Ao meu namorado um agradecimento muito especial por todo o apoio, por todas as palavras de incentivo e por sempre acreditar em mim.

Às minhas amigas agradeço toda a força, motivação, ajuda, carinho e amizade ao longo desta caminhada.

Agradeço também a todos os docentes do Instituto Politécnico do Cavado e do Ave pelos conhecimentos e ensinamentos transmitidos. Foi um privilégio aprender convosco.

A todos, o meu muito obrigado. Levo-vos comigo para a vida!

(8)

iv

LISTA DE ABREVIATURAS

Ac.

- Acórdão

al.

- alínea

als.

- alíneas

art.

- artigo

arts.

- artigos

CC

- Código Civil

CCom

- Código Comercial

Cfr.

- Conferir

cit.

- citada

CPC

- Código de Processo Civil em vigor, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho

CPC1961

- Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro

CPC1995

- Código de Processo Civil, na versão após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro

CPC2003

- Código de Processo Civil, na versão após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de março

CPC2008

- Código de Processo Civil, na versão após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro

CRP

- Constituição da República Portuguesa

CSC

- Código das Sociedades Comerciais

DL

- Decreto-Lei

ed.

- edição

LOSJ

- Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto

LULL

- Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças estabelecida pela Convenção Internacional assinada em Genebra, em 7 de junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de março de 1934, e ratificada pela Carta de 21 de junho de 1934

LUCh

- Lei Uniforme relativa ao Cheque estabelecida pela Convenção Internacional assinada em Genebra em 19 de março de 1931, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de março de 1934, e confirmada e ratificada pela Carta de 10 de maio de 1934

NRAU

- Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redação da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro

n.º

- número

n.ºs

- números

ob.

- obra

p.

- página

(9)

v pp.

- páginas

proc.

- processo

ss

- seguintes

STJ

- Supremo Tribunal de Justiça

TC

- Tribunal Constitucional

TRC

- Tribunal da Relação de Coimbra

TRE

- Tribunal da Relação de Évora

TRG

- Tribunal da Relação de Guimarães

TRL

- Tribunal da Relação de Lisboa

TRP

- Tribunal da Relação do Porto

v.g.

- verbi gratia

vol.

- volume

(10)

vi

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I – FIANÇA – ENQUADRAMENTO, REGIME JURÍDICO E FIGURAS AFINS ... 3

I – ENQUADRAMENTO ... 3

1. NOÇÃO E FORMA ... 4

2. CARACTERÍSTICAS ... 7

3. MODALIDADES ... 10

3.1. SUBFIANÇA ... 10

3.2. RETROFIANÇA ... 12

II – REGIME JURÍDICO ... 13

1. RELAÇÕES ENTRE CREDOR E FIADOR ... 13

1.1. BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA ... 13

1.2. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA... 15

1.3. MEIOS DE DEFESA OPONÍVEIS AO CREDOR PELO FIADOR ... 16

2. RELAÇÕES ENTRE DEVEDOR E FIADOR ... 19

3. RELAÇÕES ENTRE DEVEDOR E CREDOR ... 22

4. PLURALIDADE DE FIADORES ... 23

5. EXTINÇÃO DA FIANÇA ... 25

III – FIGURAS AFINS ... 27

1. MANDATO DE CRÉDITO ... 27

2. AVAL ... 29

3. GARANTIA AUTÓNOMA ... 33

CAPÍTULO II – PROBLEMÁTICAS PROCESSUAIS INERENTES À SUBSIDIARIEDADE DA GARANTIA PESSOAL ... 40

I – TÍTULO EXECUTIVO ... 40

1. ESPÉCIES DE TÍTULOS EXECUTIVOS ... 40

1.1. TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAIS E PARAJUDICIAIS ... 40

1.2. TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS ... 42

II – LEGITIMIDADE DAS PARTES ... 54

1. CRITÉRIO GERAL ... 54

2. FIANÇA E BENS DE TERCEIRO VINCULADOS À GARANTIA DO CRÉDITO ... 55

(11)

vii

3. LITISCONSÓRCIO INICIAL E SUPERVENIENTE ... 57

III – TRAMITAÇÃO INICIAL DA AÇÃO EXECUTIVA ... 63

1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA PENHORABILIDADE SUBSIDIÁRIA ... 63

2. IMPLICAÇÕES DE FORMA DO PROCESSO ... 67

3. INVOCAÇÃO DO BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA PELO DEVEDOR SUBSIDIÁRIO

... 72

4. MEIOS DE DEFESA DO FIADOR EXECUTADO ... 78

CONCLUSÕES ... 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 90

LISTA DE JURISPRUDÊNCIA ... 93

(12)

1

INTRODUÇÃO

Numa altura em que se vivem tempos de crise financeira e o sobreendividamento tem vindo a crescer, é cada vez mais frequente os devedores deixarem de ter capacidade para continuarem a cumprir com as suas obrigações. Assim, comummente, os credores exigem que o devedor garanta o cumprimento da obrigação através da prestação de uma garantia a seu favor, nomeadamente, a fiança.

A fiança é uma garantia pessoal das obrigações, mediante a qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento, perante o credor.

A constituição de uma fiança a favor do credor é uma forma de este se salvaguardar face a uma eventual impossibilidade de cumprimento da obrigação por parte do devedor. No entanto, pode suceder que o fiador também não cumpra a obrigação e, neste caso, o credor que possua um título executivo pode recorrer à ação executiva para exigir a realização coativa da prestação ao fiador e ao devedor.

Tendo em conta que uma das principais características da fiança é a subsidiariedade e que esta característica se concretiza no benefício da excussão prévia importa saber as suas implicações na execução. O fiador é, assim, um devedor subsidiário e está, portanto, sujeito ao regime da penhorabilidade subsidiária. Contudo, o momento de alegabilidade do benefício da excussão prévia está dependente da forma de processo aplicável e da correspondente tramitação da ação executiva.

Por seu turno, a forma de processo aplicável à execução está dependente dos sujeitos demandados e da circunstância de o fiador gozar ou não do benefício da excussão prévia. Além disso, no caso de existirem garantias reais sobre bens de terceiro, o fiador terá também direito à execução prévia dos bens sobre que recai a garantia. Neste sentido, o objetivo principal desta dissertação é saber as implicações que a subsidiariedade desta garantia tem na execução e analisar as problemáticas processuais que se verificam nesta matéria.

A presente dissertação encontra-se dividida em dois capítulos.

O primeiro capítulo contempla o enquadramento, o regime jurídico e as figuras afins da fiança para conhecer o instituto, estando, portanto, divido em três subcapítulos.

Quanto ao primeiro subcapítulo, este versa sobre a noção e forma da fiança, as suas características e as suas modalidades. No entanto, no que concerne às modalidades, apenas analisaremos a subfiança e a retrofiança, uma vez que não se pretende fazer um estudo exaustivo de todas as modalidades desta garantia.

O segundo subcapítulo é dedicado ao regime jurídico da fiança, atendendo às relações entre o credor e fiador, às relações entre devedor e fiador, às relações entre devedor e credor, à pluralidade de fiadores e, por último à extinção da fiança. No âmbito das relações entre credor e fiador analisaremos o benefício da excussão prévia, as situações em que este benefício é afastado e os meios de defesa oponíveis ao credor pelo fiador.

Relativamente ao terceiro subcapítulo, este contempla as figuras afins, nomeadamente o

mandato crédito, o aval e a garantia autónoma. Neste caso, pretende-se concluir se estas figuras

(13)

2

estão sujeitas ao regime da penhorabilidade subsidiária previsto no art. 745.º, do Código de Processo Civil (CPC).

Em seguida, o segundo capítulo respeita às problemáticas processuais inerentes à subsidiariedade da garantia pessoal. Este capítulo encontra-se também dividido em três subcapítulos, nomeadamente, no título executivo, na legitimidade das partes e na tramitação inicial da ação executiva, por serem as questões mais relevantes no estudo do tema.

No que concerne ao primeiro subcapítulo, este versa sobre as espécies de títulos executivos. No âmbito das espécies de títulos executivos optamos por autonomizar os títulos executivos judiciais e parajudiciais e os títulos executivos extrajudiciais. Pretende-se saber quais são os títulos executivos que podem fundamentar uma ação executiva instaurada contra o fiador.

Pretende-se também analisar a problemática existente na jurisprudência e na doutrina em torno do art. 14.º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), isto é, saber se o título executivo a que se refere este preceito abrange o fiador ou, se pelo contrário, abrange apenas o arrendatário.

No segundo subcapítulo analisaremos a legitimidade das partes, mais concretamente, o critério geral da legitimidade, a fiança e bens de terceiro vinculados à garantia do crédito e, por último, o litisconsórcio inicial e superveniente. No âmbito do litisconsórcio superveniente discute-se se poderá ser deduzido o incidente de intervenção principal provocada na ação executiva, pelo que pretendemos analisar a relevância prática que a dedução deste incidente terá para o fiador. Além disso, como se disse, pode suceder que existam garantias reais sobre bens de terceiro e neste caso pretendemos analisar as regras da legitimidade para a ação executiva.

Por fim, o último subcapítulo é dedicado à tramitação inicial da ação executiva. Neste subcapítulo analisaremos a evolução legislativa da penhorabilidade subsidiária, as implicações sobre a forma do processo, a invocação do benefício da excussão prévia pelo devedor subsidiário e, por último, os meios de defesa do fiador executado.

O nosso estudo cinge-se ao ordenamento jurídico português, uma vez que não se pretende

proceder ao estudo de Direito comparado. Pelo contrário, pretende-se limitá-lo às problemáticas

existentes sobre esta matéria na doutrina e na jurisprudência portuguesa.

(14)

3

CAPÍTULO I – FIANÇA – ENQUADRAMENTO, REGIME JURÍDICO E FIGURAS AFINS

I – ENQUADRAMENTO

A fiança é o exemplo paradigmático das garantias pessoais e é o instituto dessa natureza que se encontra regulado no Código Civil (CC), sendo, por isso, utilizado como referência para a construção do regime de outras garantias, como o aval ou a garantia autónoma

1

.

É uma garantia pessoal típica, cujo regime está previsto nos arts. 627.º a 654.º do CC

2

. A fiança encontra antecedentes no Direito Romano, designadamente nos institutos da sponsio, da fidepromissio e da fideiussio. A sponsio resulta da ius civile, ao passo que, a fidepromissio e a fideiussio decorrem do ius gentium. A fideiussio emerge da sponsio e da fidepromissio e é a figura que mais se aproxima da fiança. Tal como o nome indica, a fideiussio era baseada na fides e expressa na fórmula “in fide tua esse iubes? Iubeo”, através da qual se fazia surgir a obrigação de o fiador assegurar o pagamento da obrigação principal, constituindo uma verborum obligatio. Essa obrigação do fiador tinha caráter acessório, visto que previa uma obrigação já existente, independentemente de qual a sua fonte ou de já estar ou não vencida

3

.

O crescimento da fiança acentua-se particularmente nos períodos de incremento do tráfico jurídico, visto que a constituição de uma fiança confere aos credores uma maior segurança na satisfação do seu direito de crédito. Assim, na eventualidade de incumprimento da obrigação pelo devedor, o fiador responde pela obrigação garantida.

No entanto, a fiança é uma figura delicada, na medida em que o fiador pode vir a cumprir débitos significativos, ainda que não tenha obtido qualquer vantagem com a constituição daquele crédito, sendo o reembolso contra o devedor frequentemente difícil

4

, uma vez que se o fiador, enquanto garante, é chamado a cumprir a obrigação, significa que o devedor deixou de ter capacidade económica para cumprir com as suas obrigações. Assim, se o devedor não consegue cumprir a sua obrigação perante o credor, dificilmente conseguirá cumprir essa mesma obrigação perante o fiador que, após proceder ao pagamento da dívida, fica sub-rogado nos direitos do credor perante o devedor

5

. Nada impede que o fiador demande o devedor, porém, corre o risco de incobrabilidade.

Apesar das suas fraquezas, a fiança acarreta grandes vantagens para o comércio jurídico, nomeadamente no que diz respeito à concessão de crédito, visando reforçar a confiança do credor na efetiva satisfação do seu direito de crédito. Trata-se, assim, de um instituto que assume enorme relevância prática e é livremente acordado pelas partes.

1 Cfr. GONZÁLEZ, J. A. – Código Civil Anotado, vol. II, Lisboa: Quid Juris, 2012, p. 414 e GOMES, M. J. C. – Estudos de Direito das Garantias, vol. I, Coimbra: Almedina, 2004, p. 8.

2 O art. 655.º, do CC, foi revogado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU (art. 2.º, n.º 1, do NRAU).

3 Cfr. LEITÃO, L. M. – Garantias das Obrigações, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2012, p. 106.

4 Cfr. CORDEIRO, A. M. – Tratado de Direito Civil IX, Direitos das Obrigações, Cumprimento e não cumprimento, transmissão, modificação e extinção, garantias, Coimbra: Almedina, 2014, p. 546.

5 Sobre a sub-rogação nos direitos do credor, cfr., infra, capítulo I, II- regime jurídico, 2.

(15)

4

1. NOÇÃO E FORMA

Nos termos do disposto no art. 627.º, n.º 1, do CC, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”. A fiança é, portanto, uma garantia pessoal das obrigações, mediante a qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento perante o credor. Assim, o valor do património do fiador é, em regra, o valor garantido pela fiança

6

. No entanto, as partes podem convencionar limitar a responsabilidade do fiador apenas alguns dos seus bens (art. 602.º, do CC

7

), caso em que o valor da fiança será o valor total desses bens. Contudo, se a garantia incidir sobre todo o património do fiador, todas as oscilações que o venham a atingir refletem-se na fiança, uma vez que, tal como se disse, o valor da fiança corresponde ao valor do património do fiador.

Apesar de a obrigação do fiador ser acessória da que recai sobre o devedor principal, o fiador é verdadeiro devedor do credor

8

, uma vez que a constituição de uma fiança a favor do credor, visa fundamentalmente protegê-lo, podendo mesmo a fiança ser prestada sem necessidade de consentimento do devedor e até mesmo contra a sua vontade

9

(art. 628.º, n.º 2, do CC)

10

.

Do exposto resulta que, quando alguém afiança o cumprimento de uma obrigação, há um alargamento quantitativo da massa de bens penhoráveis, na medida em que o credor passa a ter a possibilidade de executar, para além do património do devedor, o património do fiador enquanto devedor subsidiário

11

.

Em princípio, a fiança abrange apenas uma ou algumas dívidas do devedor. Todavia, pode compreender todas as suas dívidas presentes ou futuras (art. 628.º, n.º 2, do CC), desde que, no caso destas últimas, estas possam ser determináveis. O negócio será nulo, por indeterminabilidade do seu objeto, caso não seja estabelecido qualquer critério para determinação das obrigações

6 Cfr. LEITÃO, L. M. – Direito das Obrigações, vol. II, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2014, p. 311.

7 O art. 602.º, do CC, refere-se à limitação convencional da responsabilidade do devedor a certos bens, sendo aplicável quer ao devedor principal, quer ao fiador, enquanto devedor subsidiário do credor.

8 Neste sentido, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. II, p. 479, MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, vol. II, p.

311 e M. J. COSTA GOMES, Estudos de Direitos das Garantias, vol. I, p. 11. Em sentido oposto, GOMES DA SILVA, Conceito e estrutura da obrigação, p. 66, considera que, apesar das garantias pessoais serem obrigações impostas ou assumidas por terceiros, estes não podem ser considerados verdadeiros devedores. No entanto, ainda que o fiador seja um devedor subsidiário não deixa de ser um devedor do credor, pois, em caso de incumprimento da obrigação pelo devedor, terá que cumprir a obrigação.

9 Aliás, o art. 767.º, do CC, estabelece que a prestação tanto pode ser realizada pelo devedor, como por um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.

10 Cfr. VARELA, J. M. A. – Das obrigações em geral, vol. II, 7.ª ed., 9.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, 2013, p. 479.

11 Cfr. VASCONCELOS, L. M. P. – Direito das Garantias, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, p. 85.

(16)

5

futuras a afiançar pelo fiador

12

(art. 280.º, n.º 1, do CC)

13

. Além disso, a obrigação pode ser ainda condicional, constituindo-se, neste caso, na dependência de condição suspensiva ou resolutiva (art.

628.º, n.º 2, do CC).

A fiança poderá ainda ser qualificada como onerosa ou gratuita, consoante o fiador seja ou não remunerado. Se o fiador for remunerado pela outra parte, isto é, pelo devedor ou pelo credor, a fiança é onerosa (como sucede na fiança bancária

14

). Caso não o seja, a fiança é gratuita

15

. Em regra, a fiança constitui um negócio gratuito.

Tendo em conta o disposto no art. 457.º, do CC, e, apesar de a lei não o mencionar expressamente, o negócio que dá origem à fiança tem caráter bilateral e não unilateral, ou seja, a fiança resulta sempre de um contrato celebrado entre o fiador e o credor ou entre fiador e o devedor, sendo que, neste último caso, revestirá a natureza de um contrato a favor de terceiro (arts. 443.º e ss, do CC), não sendo necessária a intervenção do credor para o efeito. No entanto, nada impede que resulte de um contrato plurilateral entre as três partes, credor, devedor e fiador

16

. Na hipótese de a fiança ser constituída por um negócio unilateral, estaríamos perante uma oposição ao princípio da tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais, uma vez que o art. 457.º, do CC, estabelece que “a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei”. No entanto, a fiança é sempre elemento de uma relação trilateral entre o fiador, o credor e o devedor, ainda que possa resultar de um contrato celebrado entre apenas duas partes, ou seja, entre o credor e o fiador ou entre este e o devedor.

No que concerne à forma da fiança, o art. 628.º, n.º 1, do CC, consagra que “a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para obrigação principal”. Com efeito, a forma da declaração de prestação de fiança é a forma exigida para a obrigação principal

12 Vide o Ac. do TRL, de 6 de dezembro de 2005, segundo o qual, o fiador não pode, nem deve correr o risco de se expor à ruína, por efeito da imprudência com que o credor consentiu na dívida principal e o devedor na multiplicação dos seus débitos, só porque o respetivo pagamento está garantido. Assim, a obrigação do fiador é determinável quando este, no momento da celebração do negócio, pode prefigurar o tipo, o montante e a medida da obrigação do devedor principal. Nesta linha, também o Ac. do TRL, de 17 de setembro de 2009, o qual refere que “não é nula por indeterminabilidade do seu objeto, se, quando foi emitida a declaração de fiança, estavam perfeitamente identificados nos termos do contrato que a mesma visava assegurar – partes contratantes, finalidade do crédito aprovado e montante máximo, o prazo do contrato, os encargos e a forma de pagamento” e o Ac. do TRC, de 9 de fevereiro de 2010, o qual estabelece que o art. 280.º, do CC, comina com nulidade o negócio jurídico indeterminável, mas não o negócio jurídico indeterminado, desde que seja determinável, nos termos do disposto no art. 400.º, do CC.

13 Cfr. LEITÃO, L. M., Direito das Obrigações, ob. cit., pp. 311-312.

14 A fiança bancária é prestada por uma instituição de crédito, resultando do cumprimento de um contrato celebrado entre o banco e o devedor, seu cliente, no qual o banco se obriga, a título oneroso, à prestação da fiança perante o credor. Esta modalidade de fiança não dispõe de regime legal próprio, ainda que seja mencionada no art. 623.º, n.º 1, do CC.

15 Cfr. ALMEIDA, C. F. – Contratos III, Contratos de liberalidade, de cooperação e de risco, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, p. 199.

16 Neste sentido, na doutrina, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, p. 313, PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, p. 85, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. II, pp. 486-487, M. J. COSTA GOMES, Estudos de Direito das Garantias, vol. I, p. 34 e ALBERTO GONZÁLEZ, Código Civil Anotado, vol. II, p. 422. Na jurisprudência, o Ac. do STJ, de 26 de outubro de 2010 e o Ac. do TRP, de 13 abril de 2015. Em sentido oposto, na doutrina, VAZ SERRA, BMJ 71 (1957), p. 26 e

CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, contratos de liberalidade, de cooperação e de risco, p. 196. Na jurisprudência, o Ac. do TRG, de 11 de maio de 2005.

(17)

6

(mera declaração oral, documento escrito simples ou autenticado ou documento autêntico), apesar de se exigir que a declaração do fiador seja expressa (art. 217.º, n.º 1, do CC). Contudo, esta forma é estabelecida somente para a declaração do fiador, uma vez que a lei não exige tal requisito quanto à declaração da outra parte no contrato de fiança, independentemente de ser o devedor ou o credor

17

, estando, portanto, estas declarações sujeitas ao regime da consensualidade previsto no art. 219.º, do CC.

Sempre que a obrigação principal não esteja sujeita a qualquer forma (v.g. o pagamento do preço da compra de uma joia), a fiança pode revestir a forma consensual, não tendo necessariamente de ser prestada por escrito. Contudo, no caso de se exigir para a constituição da obrigação principal forma superior à forma escrita, a fiança só será válida se observar a forma exigida para a obrigação principal (v.g. a obrigação do mutuário superior a 25.000,00 euros, em que se exige para a sua constituição a celebração de um documento autêntico ou de um documento particular autenticado – art. 1143.º, do CC).

No entanto, para que o contrato de fiança seja título executivo é necessário que observe alguma das formas prescritas no n.º 1 do art. 703.º, do CPC. Assim, se a fiança revestir a forma consensual ou se constar apenas de um simples documento escrito, o credor não está munido de um título executivo, uma vez que não dispõe de um documento a que a lei reconhece força bastante para tal, não podendo recorrer de imediato à ação executiva em caso de incumprimento da obrigação. Neste caso, o credor pode recorrer à ação declarativa para obter uma sentença condenatória (art. 703.º, n.º 1, al. a), do CPC), como, poderá também recorrer ao procedimento de injunção, no caso de se tratar de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00 euros (art. 1.º, do diploma preambular, do DL 269/98, de 1 de setembro) ou, independentemente do valor, se se tratar de uma transação comercial (art. 10.º, do DL n.º 62/2013, de 10 de maio). Diferentemente, se o contrato de fiança for celebrado por documento autêntico ou documento particular autenticado, o credor já possui um título executivo contra o fiador (art. 703.º, n.º 1, al. b), do CPC).

Ainda no que concerne à forma da fiança, refira-se que esta poderá ser prestada em documento autónomo, separado daquele em que consta a obrigação principal, uma vez que a lei não obriga que constem do mesmo documento

18

. Enquanto negócio jurídico, a constituição de uma fiança está sujeita a todos os requisitos dos negócios jurídicos (respeitantes à capacidade, à vontade das partes)

19

.

17 Neste sentido, o Ac. do TRC, de 29 de setembro de 2009, no qual se menciona que na prestação de fiança relativa a obrigação dependente de determinada forma, só a declaração do fiador tem de revestir essa mesma forma, sendo que a declaração do outro contraente (credor ou devedor) não necessita de ser escrita, nem sequer expressa, podendo ser tácita.

18 Assim, o Ac. do TRL, de 2 de novembro de 2006.

19 Vide os arts. 66.º e ss e 217.º e ss, do CC.

(18)

7

2. CARACTERÍSTICAS

As principais características da fiança são a acessoriedade e a subsidiariedade. A acessoriedade é uma característica essencial da fiança, ao contrário da subsidiariedade que pode ser afastada

20

.

A acessoriedade não pode ser afastada por vontade das partes, uma vez que faz parte da própria natureza da fiança. Assim, se não se verificar a acessoriedade da garantia em relação à dívida principal, não estamos perante uma fiança

21

.

Como resulta do art. 627.º, n.º 2, do CC, “a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”, ou seja, a obrigação do fideiussor está dependente estrutural e funcionalmente da obrigação daquele, sendo determinada em termos genéticos, funcionais e extintivos por essa obrigação

22

. Trata-se, portanto, de uma característica que se manifesta nos diversos preceitos que disciplinam o seu regime, desde logo, na forma da declaração da prestação da fiança que obedece à forma exigida para obrigação principal, ainda que a declaração do fiador tenha de ser expressa (art. 628.º, n.º 1, do CC).

Outra manifestação desta característica é no âmbito da fiança, uma vez que a garantia não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas (por exemplo, não pode estabelecer-se um prazo mais curto do que o da obrigação principal para o cumprimento da obrigação pelo fiador) conforme dispõe o n.º 1 do art. 631.º, do CC. Contudo, quando tal aconteça, procede-se à sua redução - princípio da redução do negócio parcialmente nulo - não sendo a fiança nula (art. 631.º, n.º 2, do CC).

É também manifestação da acessoriedade desta garantia, a circunstância de a sua natureza civil ou comercial estar dependente da natureza da obrigação principal

23

. A natureza civil ou comercial da obrigação permite-nos saber se o fiador goza ou não do benefício da excussão prévia, uma vez que tratando-se de uma fiança de obrigação mercantil, este benefício não existe, nos termos do disposto no art. 101.º, do Código Comercial (CCom)

24

. O facto de o fiador gozar ou não do benefício da excussão prévia terá implicações na tramitação inicial da ação executiva, desde logo, na forma do processo aplicável à execução

25

.

Além disso, o facto de a fiança não ser válida se a obrigação principal não o for também, seja qual for a causa da sua invalidade (mera anulabilidade ou a nulidade) é igualmente manifestação desta característica (art. 632.º, n.º 1, do CC). No entanto, quando a causa da invalidade da obrigação principal seja a anulabilidade, a obrigação do fiador só deixa de existir se o facto constitutivo daquela obrigação for efetivamente anulado (cfr. arts. 287.º a 289.º do CC)

26

. Existe aqui uma relação de dependência unilateral entre o ato constitutivo da fiança e o da obrigação

20 “A fiança tem como características principais a acessoriedade e a subsidiariedade, sendo essencial apenas aquela” (Ac.

do TRE, de 13 de janeiro de 2011). Neste sentido, também o Ac. do TRP, de 21 de março de 2013.

21 Cfr. MARTINEZ, P. R. e FUZETA DA PONTE, P. – Garantias de cumprimento, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, p. 88.

22 Cfr. LEITÃO, L. M., Direito das Obrigações, ob. cit., p. 314.

23 Cfr. CORDEIRO, A. M., ob. cit., p. 547.

24 Sobre a exclusão do benefício da excussão prévia, cfr., infra, capítulo I, II – regime jurídico, 1.2.

25 Sobre a tramitação inicial da ação executiva, cfr., infra, capítulo II, III – tramitação inicial da ação executiva.

26 Cfr. LEITÃO, L. M., Direito das Obrigações, ob. cit., p. 314.

(19)

8

principal, por força do qual, o que suceder a este, à partida, reflete-se automaticamente sobre aquele

27

. Contudo, se obrigação principal for anulada por incapacidade ou por falta ou vício de vontade do devedor, a fiança mantém-se, se o fiador conhecia a causa da anulabilidade ao tempo em que a prestou (art. 632.º, n.º 2, do CC), isto porque a fiança prestada nestes moldes deve valer como garantia de que a obrigação principal não será anulada, respondendo o fiador pelo incumprimento da obrigação, caso tal venha acontecer. Um exemplo desta situação é a fiança prestada para garantir uma dívida contraída por um menor, sabendo o fiador que o devedor é menor.

Nesta situação, a acessoriedade da fiança desaparece, uma vez que a obrigação principal foi anulada. No entanto, o fiador continua a poder invocar os meios de defesa que lhe são próprios e, ainda, os que o devedor teria se a obrigação não fosse invalidada (art. 637.º, do CC)

28

. Note-se que, o n.º 2 do art. 632.º, do CC, apenas se refere à situação de anulabilidade, pelo que, em caso de nulidade vigora o regime geral estabelecido no n.º 1 deste preceito.

É ainda manifestação desta característica da fiança, a possibilidade concedida ao fiador de poder opor os meios de defesa próprios do devedor, salvo se forem incompatíveis com a sua obrigação (art. 637.º, n.º 1, do CC). Assim, o n.º 1 do art. 637.º, do CC, permite que o fiador invoque os meios de defesa próprios do devedor, como por exemplo, a prescrição da obrigação principal (ainda que a obrigação do fiador não tenha prescrito), a nulidade desta (com ressalva do disposto no art. 632.º, do CC), a sua extinção, entre outros. No entanto, excetuam-se destes meios de defesa, os que sejam incompatíveis com a sua obrigação, o que significa que, tal como enunciado, o fiador não pode invocar, por exemplo, a anulabilidade resultante da falta de capacidade do devedor ou da falta ou vícios de vontade deste se conhecia a causa de anulabilidade, conforme dispõe o n.º 2 do art. 632.º, do CC

29

.

Por último, é igualmente manifestação da acessoriedade da fiança, o facto de a extinção da obrigação principal desencadear a extinção da fiança (art. 651.º, do CC). Trata-se de uma consequência necessária da natureza acessória da garantia (art. 627.º, n.º 2, do CC)

30

. Efetivamente, se o fiador garante o cumprimento da obrigação principal e esta se extingue, a fiança deixa de ter objeto, pelo que a obrigação contraída pelo fiador perde, em princípio, a sua razão de ser. “Em princípio” porque o fiador garante implicitamente que, nos casos de anulação da obrigação principal consagrados no n.º 2 do art. 632.º, do CC, o devedor não fará uso do seu poder de anulação

31

. Assim, se o devedor cumpre a sua obrigação, a obrigação do fiador extingue-se porque nada mais há para garantir, uma vez que o direito de crédito do credor já se encontra satisfeito.

No entanto, a fiança extingue-se também pela verificação de qualquer das causas extintivas das obrigações, por isso, é que se admite que o fiador possa opor ao credor, para além dos meios que lhe são próprios, os meios de defesa que competem ao devedor (art. 637.º, do CC). Assim,

27 Cfr. GONZÁLEZ, J. A., ob. cit., pp. 426-427.

28 Cfr. GOMES, M. J. C., Estudos de Direito das Garantias, ob. cit., p. 22.

29 Sobre os meios de defesa oponíveis ao credor pelo fiador e sobre os meios de defesa do fiador executado, cfr., infra, capítulo I, II – regime jurídico, 1.3. e capítulo II – III tramitação inicial da ação executiva, 4, respetivamente.

30 Cfr. VARELA, J. M. A. e LIMA, P. (com a colaboração de M. H. Mesquita) – Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra:

Coimbra Editora, 2011, pp. 654-669.

31 Cfr. VARELA, J. M. A., Das obrigações em geral, ob. cit., p. 507.

(20)

9

sendo declarado nulo ou anulado o ato extintivo da obrigação principal parece que devia renascer a fiança. Contudo, a esta regra a lei estabelece algumas exceções, de forma a proteger a boa-fé do fiador. Neste sentido, o art. 766.º, do CC, que se refere à extinção por cumprimento, estabelece que

“se o cumprimento for declarado nulo ou anulado por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício na data em que teve notícia do cumprimento da obrigação”. No mesmo sentido, vai também o art. 839.º, do CC, em relação à dação em pagamento, o art. 856.º, do CC, relativamente à compensação, o art. 860.º, n.º 2, do CC, quanto à novação, o art. 866.º, n.º 3, do CC, em relação à remissão e, por último, o art. 873.º, n.º 2, do CC, relativamente à confusão

3233

.

Após estas considerações sobre a acessoriedade, importa analisar a subsidiariedade da fiança. Embora seja uma das suas principais características, a subsidiariedade não é uma característica essencial, uma vez que pode ser afastada por vontade das partes. No entanto, esta característica não pode entender-se isolada da anterior, uma vez que não haverá fiança se a obrigação for apenas subsidiária

34

.

A subsidiariedade da fiança concretiza-se com o benefício da excussão prévia, isto é, consiste na faculdade de o fiador invocar este benefício, impossibilitando o credor de executar o seu património enquanto não se mostrem excutidos todos os bens do devedor. Assim, o credor só poderá atingir o património do fiador se após a excussão do património do devedor, os bens deste se revelarem insuficientes, não conseguindo o credor obter a satisfação integral do seu crédito (art.

638.º, do CC e art. 745.º, do CPC). Aliás, no caso de existirem garantias reais constituídas por terceiro anteriores ou contemporâneas à fiança, o fiador tem igualmente o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia, operando também, neste caso, a subsidiariedade da fiança (art. 639.º, do CC). Deste modo, o benefício da excussão prévia assume enorme relevância prática no processo executivo, uma vez que, tal como se disse, sendo instaurada uma ação executiva contra o fiador não poderão ser penhorados os seus bens, sem que antes se mostrem excutidos todos os bens do devedor. No entanto, o momento de alegabilidade do benefício da excussão prévia varia consoante a forma de processo aplicável à execução e correspondente tramitação que, por sua vez está dependente do fiador gozar ou não deste benefício e dos sujeitos demandados para a execução. O mesmo acontece se existir garantia real sobre bens de terceiro, pois o fiador poderá também invocar a execução prévia do bem sobre que recai a garantia (art.

639.º, do CC)

35

.

Trata-se de uma característica que, como se disse, não é essencial à fiança. Assim, é possível o fideiussor renunciar a ela, conforme dispõe a alínea a) do art. 640.º, do CC. Por sua vez, a alínea b) deste normativo, afasta igualmente esta característica, ao estabelecer que o fiador não pode invocar o benefício da excussão prévia, quando o devedor ou o dono dos bens onerados com

32 Cfr. VARELA, J. M. A. e LIMA, P. (com a colaboração de M. H. Mesquita), Código Civil Anotado, ob. cit., pp. 669-670.

33 Sobre a extinção da fiança, cfr., infra, capítulo I, II – regime jurídico, 5.

34 Cfr. COSTA, M. J. A. – Direito das Obrigações, 12.ª ed. revista e atualizada, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 894-895.

35 Sobre o benefício da excussão prévia, cfr., infra, capítulo I, II – regime jurídico, 1.1. e 1.2. Sobre as implicações de forma do processo e a invocação do benefício da excussão prévia pelo devedor subsidiário, cfr., infra, capítulo II, III- tramitação inicial da ação executiva, 2 e 3.

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10

a garantia não puder, em virtude de facto posterior à constituição da garantia, ser demandado no território continental ou das ilhas adjacentes. Por último, a subsidiariedade da fiança é igualmente excluída no caso de se tratar de uma obrigação comercial (art. 101.º, do CCom).

3. MODALIDADES

A fiança apresenta diversas modalidades, nomeadamente, a subfiança, a retrofiança, a fiança geral, a fiança ao primeiro pedido, a fiança bancária e a fiança prestada por sociedades comerciais. No entanto, analisar-se-á com mais detalhe apenas a subfiança e a retrofiança, uma vez que não se pretende com este estudo fazer uma análise exaustiva de todas as modalidades da fiança. Pelo contrário, apenas se pretende saber as implicações que esta garantia poderá ter no processo executivo. Assim, só serão tecidas algumas considerações gerais acerca das restantes modalidades.

A fiança geral, também denominada fiança omnibus, garante um conjunto indeterminado de obrigações, quer sejam presentes, quer sejam futuras. Deste modo, o que caracteriza esta fiança é o seu conteúdo genérico, uma vez que pode referir-se a obrigações já constituídas, bem como a obrigações futuras (art. 628.º, n.º 2, do CC). No entanto, no caso destas últimas, estas terão que ser determináveis, sob pena de o negócio ser nulo, por indeterminabilidade do seu objeto (art. 280.º, n.º 1, do CC).

Por sua vez, na fiança ao primeiro pedido, o fiador tem de proceder ao pagamento logo que seja interpelado pelo credor. Todavia, a acessoriedade da fiança não desaparece, apenas fica suspensa, isto porque o fiador mantém igualmente o direito de invocar os meios de defesa que eram invocáveis pelo devedor, após proceder ao pagamento.

Por seu turno, a fiança bancária, como o próprio nome indica, é prestada por uma instituição de crédito, resultando do cumprimento de um contrato celebrado entre o banco e o devedor, no qual o banco se obriga, a título oneroso, à prestação da fiança perante o credor. Apesar desta modalidade de fiança não dispor de um regime legal próprio, vem mencionada no art. 623.º, n.º 1, do CC.

Finalmente, a fiança prestada por sociedades comerciais está sujeita aos limites estabelecidos no n.º 3 do art. 6.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), para a prestação de garantias

36

.

3.1. SUBFIANÇA

Nos termos do disposto no art. 630.º, do CC, o “subfiador é aquele que afiança o fiador perante o credor”. Neste sentido, sempre que alguém garante pessoalmente ao credor o cumprimento da obrigação do fiador presta uma subfiança, denominada abonação no Código de Seabra (art. 827.º, do antigo CC).

A subfiança consiste na fiança de uma fiança, na medida em que a obrigação do subfiador está para a obrigação do fiador como a deste está para a obrigação principal. Com efeito, a subfiança apresenta as mesmas características que a fiança, e, portanto, encontra-se sujeita ao

36 Cfr. ALMEIDA, C. F., ob. cit., pp. 199-202.

(22)

11

mesmo regime, com as necessárias adaptações. Sem prejuízo de alguma norma ou de as próprias partes estabelecerem coisa diversa

37

.

Tal como o fiador, também o subfiador goza do benefício da excussão prévia, quer em relação ao fiador, quer em relação ao devedor (art. 643.º, do CC). Assim, o subfiador goza de um duplo benefício da excussão prévia, na medida em que, invocando-o, em primeiro lugar, o credor terá que executar o património do devedor e o património do fiador e só após a excussão de todos os bens destes dois patrimónios é que poderá executar o património do subfiador. É evidente que, para que tal aconteça, é necessário que o subfiador não tenha renunciado ao benefício da excussão prévia em relação ao devedor e ao fiador

38

ou este não tenha sido afastado nos termos gerais (arts.

640.º e 641.º, do CC e art. 101.º, do CCom).

Do exposto resulta que se for proposta uma ação executiva contra o subfiador e gozando este de um duplo benefício da excussão prévia, os seus bens só poderão ser penhorados, após a excussão do património do devedor, mas não só, também os bens do fiador terão que ser executados e mostrar-se insuficientes para a satisfação do direito de crédito do credor. Assim, só perante a insuficiência dos bens dos patrimónios do devedor e do fiador é que poder-se-á atingir os bens do subfiador. No entanto, este terá que alegar o benefício da excussão prévia quando for citado para ação executiva, sendo que o momento da citação do subfiador e, consequentemente, o momento de alegabilidade do benefício da excussão prévia está dependente da forma do processo aplicável e correspondente tramitação da ação executiva. Além disso, tendo em conta que se existir garantia real sobre bem de terceiro, o fiador tem direito à execução prévia do bem sobre que recai a garantia, o mesmo sucede com o subfiador que, sendo demandado para o processo executivo, poderá invocar o benefício à excussão real (art. 639.º, do CC). Também neste caso, o momento de alegabilidade deste benefício está dependente da forma do processo aplicável à execução. Logo, podemos concluir que o subfiador é também um devedor subsidiário e, portanto, está sujeito ao regime da penhorabilidade subsidiária previsto no art. 745.º, do CPC.

Naturalmente que para recorrer à ação executiva o credor tem que possuir um dos títulos executivos taxativamente enumerados no n.º 1 do art. 703.º, do CPC. No entanto, se não possuir um título executivo pode sempre recorrer à ação declarativa ou ao procedimento de injunção.

Contudo, neste último caso terá que se tratar de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00 euros (art. 1.º, do diploma preambular, do DL n.º 269/98, de 1 de setembro), ou independentemente do valor no caso de se tratar de uma transação comercial (art.

10.º, do DL n.º 62/2013, de 10 de maio).

Além disso, tendo em conta que acessoriedade é uma característica essencial da fiança e que a subfiança não é mais do que uma fiança de uma fiança, se o devedor cumprir a obrigação extingue-se a fiança e a subfiança (art. 651.º, do CC). Se for o fiador a cumprir, adquire o crédito por sub-rogação em relação ao devedor (art. 644.º, do CC) e extingue-se também a subfiança. Por sua vez, se o subfiador vier eventualmente a cumprir a obrigação adquire o crédito por sub-rogação,

37 Cfr. COSTA, M. J. A., ob. cit., p. 906.

38 Cfr. GONZÁLEZ, J. A., ob. cit., p. 439.

(23)

12

mas o crédito garantido com a fiança (art. 582.º, por força do disposto no art. 594.º, do CC)

39

. Note- se que, o crédito garantido com a fiança é o crédito do devedor.

No caso de existir pluralidade de fiadores e se algum deles tiver subfiador, “este não responde, perante os outros fiadores, pela quota do seu afiançado que se mostre insolvente, salvo se o contrário resultar do ato da fiança” (art. 650.º, n.º 4, do CC), isto porque, o subfiador garante apenas o fiador em relação ao credor e não em relação aos outros fiadores

40

.

3.2. RETROFIANÇA

Diferentemente do que sucede com a subfiança, a retrofiança não se encontra prevista na lei, podendo as partes recorrer a esta figura com base no princípio da autonomia privada, previsto no art. 405.º, do CC. Trata-se de uma fiança do crédito que o fiador que cumpre adquire por sub- rogação em relação ao devedor (arts. 644.º e 592.º, do CC)

41

.

Sempre que o fiador cumpre e é prestada uma fiança nestes moldes, funciona a retrofiança que tem como finalidade garantir esse crédito eventual. Assim, se o fiador vier a cumprir a obrigação, adquire um crédito em relação ao devedor que está garantido por uma fiança prestada pelo retrofiador.

Com a constituição de uma retrofiança a seu favor, o fiador transfere o risco de incumprimento ou de insolvência do devedor para o terceiro. Deste modo, o fiador garante o credor e, caso venha a cumprir a obrigação, face ao incumprimento por parte do devedor, é garantido por um terceiro relativamente ao crédito que adquire. No fundo, a retrofiança é uma modalidade de contragarantia.

Em tudo o resto, é aplicável à retrofiança o regime geral da fiança previsto nos arts. 627.º a 654.º do CC

42

. Daqui resulta que também o retrofiador goza do benefício da excussão prévia (art.

638.º, do CC), desde que a ele não tenha renunciado ou este não tenha sido afastado nos termos gerais (arts. 640.º e 641.º, do CC e art. 101.º, do CCom). Assim sendo, o retrofiador é um devedor subsidiário e, por isso, sujeito ao regime da penhorabilidade subsidiária previsto no art. 745.º, do CPC. No entanto, se o subfiador é chamado a cumprir a obrigação, significa que já houve o cumprimento da obrigação a que o devedor estava adstrito por parte do fiador, pelo que só atendendo ao caso em concreto poderemos ver a relevância prática da invocação do benefício da excussão prévia pelo retrofiador. Note-se que para se recorrer ao processo executivo é necessário possuir um título executivo contra o retrofiador (art. 703.º, n.º 1, do CPC).

A particularidade desta figura é a circunstância de ser constituída sob a condição suspensiva de o fiador (eventualmente) se tornar credor

43

.

39 Cfr. VASCONCELOS, L. M. P., ob. cit., p. 99.

40 Cfr. COSTA, M. J. A., ob. cit., p. 907.

41 De forma também a garantir-se na eventualidade de vir a cumprir a obrigação, é comum o fiador constituir uma hipoteca sobre os bens do devedor a seu favor.

42 Cfr. VASCONCELOS, L. M. P., ob. cit., p. 100.

43 Cfr. GONZÁLEZ, J. A., ob. cit., p. 424.

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13

II – REGIME JURÍDICO

1. RELAÇÕES ENTRE CREDOR E FIADOR

1.1. BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA

O direito que melhor caracteriza o reforço da garantia patrimonial trazido pela fiança é o que confere ao credor o poder de exigir a realização da prestação devida caso o devedor não cumpra a sua obrigação. Assim, face ao incumprimento do devedor, o fiador não irá responder apenas pela prestação inicial, mas também pelas consequências legais e contratuais do não cumprimento, incluindo a mora do devedor (art. 634.º, do CC)

4445

. Daqui resulta que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer estes digam respeito à ação de cumprimento, quer respeitem à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso

46

. Deste modo, o fiador assegura ao credor que ele obterá o resultado do cumprimento da obrigação principal (exceto se a fiança tiver sido contraída em condições menos onerosas - art.

631.º, n.º 1, do CC), não sendo necessário que seja interpelado ou que se tenha constituído em mora, bastando apenas a interpelação do devedor (art. 805.º, do CC).

Por seu turno, o direito concedido ao fiador que mais se destaca é o benefício da excussão prévia. Nos termos do disposto no art. 638.º, n.º 1, do CC, “ao fiador é lícito recusar o cumprimento, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito”. Significa que, o fiador pode opor-se à agressão dos bens penhoráveis que fazem parte do seu património, enquanto não se mostrem excutidos todos os bens do devedor.

O benefício da excussão prévia visa fundamentalmente evitar a agressão judicial dos bens do fiador, uma vez que a sua invocação obsta à penhora dos seus bens sem que antes e insatisfatoriamente hajam sido excutidos todos os bens do devedor. Todavia, nada impede que na ação declarativa de condenação destinada a obter o reconhecimento da existência e da violação do direito do crédito, o credor demande simultaneamente o devedor e o fiador ou apenas o fiador, consoante o que melhor satisfaz os seus interesses, isto é, contra quem pretenda obter título executivo. Assim, ainda que o fiador goze do benefício da excussão prévia, nada impede que seja demandado sozinho, pois este benefício incide sobre a execução e não sobre a demanda. Se o credor optar por demandar apenas o fiador, este tem sempre a possibilidade de chamar o devedor à demanda para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado (art. 641.º, n.º 1, do CC), mesmo que não goze do referido benefício. Este chamamento ocorre através da dedução do incidente de intervenção principal provocada passiva (arts. 316.º e ss, do CPC)

47

. Independentemente de gozar ou não do benefício da excussão prévia, o chamamento do devedor à demanda tem interesse para o fiador, na medida em que obtém contra ele um título executivo que

44 Vide o Ac. do TRP, de 2 de julho de 2013.

45 No que diz respeito às obrigações a prazo, a perda do benefício do prazo pelo devedor (arts. 780.º e ss, do CC) não é extensiva ao fiador (art. 782.º, do CC). Trata-se de um desvio à regra estabelecida no art. 634.º, do CC.

46 Cfr. LEITÃO, L. M., Direito das Obrigações, ob. cit., p. 316.

47 Tem-se discutido na doutrina e na jurisprudência se a dedução deste incidente pode ter lugar na ação executiva. A este propósito, cfr., infra, capítulo II, II – legitimidade das partes, 3.

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lhe possibilitará, sem nova ação, exercer os seus direitos caso venha a cumprir a obrigação. Assim como, não lhe é indiferente a defesa que o devedor possa apresentar, podendo esta fundamentar- se em factos que desconheça.

De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 641.º, do CC, a relação processual pode influenciar na sorte da relação substantiva, isto porque se o fiador for demandado sozinho e não chamar o devedor à demanda, apesar de gozar do benefício da excussão prévia, presume-se que a ele renunciou, salvo se apresentar declaração expressa em sentido contrário nos próprios autos.

Ainda no que concerne à extensão do benefício da excussão prévia, pode acontecer que executados todos os bens do devedor, o crédito garantido com a fiança continue por satisfazer, no todo ou em parte, mas por culpa do credor, sendo que, nesse caso, continua a ser lícita a recusa de cumprimento por parte do fiador (art. 638.º, n.º 2, do CC). Esta situação verifica-se, por exemplo, se o devedor à data do vencimento tinha bens suficientes para cumprir a obrigação e o credor não exigiu o seu cumprimento. Outro caso em que se poderá verificar esta situação é no processo executivo, nomeadamente, se o fiador indicar bens do devedor principal que hajam sido posteriormente adquiridos ou que não fossem conhecidos (art. 745.º, n.º 4, do CPC). Neste caso, o agente de execução deve proceder à penhora dos bens indicados. Mas, se não o fizer e os bens desaparecerem, o fiador poderá invocar a não satisfação do crédito por culpa do exequente, ao qual será dado conhecimento da indicação de bens realizada pelo fiador

48

. Nestes casos, o crédito não foi satisfeito, mas por culpa do credor/exequente.

Pode também suceder que, ao lado da fiança, tenham sido constituídas outras garantias reais para assegurarem o cumprimento da obrigação principal. É, aliás, comum um determinado crédito estar assegurado com múltiplas garantias, visto que o património do devedor está sujeito a constantes alterações. Além disso, é frequente haver mais do que um credor do mesmo devedor, pelo que os credores acabam por ter dúvidas quanto à suficiência da garantia patrimonial oferecida.

Assim, é fundamental saber qual é a escala de prioridades existentes entre as diversas garantias.

Existindo concorrência entre a fiança e as garantias reais (como o penhor, a hipoteca ou a consignação de rendimentos) constituídas por terceiro, torna-se necessário saber se as garantias reais são contemporâneas, anteriores ou posteriores à fiança (art. 639.º, do CC).

Se as garantias reais prestadas por terceiro forem contemporâneas ou anteriores à fiança, a lei concede ao fiador a possibilidade de exigir a execução prévia dos bens sobre os quais recaem as garantias reais (art. 639.º, n.º 1, do CC). Nesta situação, presume-se que o garante ao prestar a fiança, responsabilizando-se pelo cumprimento da obrigação principal, teve em conta o valor das garantias reais existentes. Assim, em princípio, só responderá pelo saldo negativo de tais garantias.

No entanto, nada impede que o fiador se obrigue em primeiro lugar, ainda que as garantias reais prestadas para tutelar o crédito sejam anteriores ou contemporâneas à fiança, uma vez que esta disposição não tem caráter imperativo.

Pelo contrário, no caso de as garantias reais serem posteriores à fiança, a lei já não reconhece este benefício ao fiador, pois no momento em que prestou a sua garantia, o fiador não

48 Cfr. FREITAS, J. L. - A Ação Executiva: À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 262-263.

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podia ter em conta as garantias reais futuras. No entanto, se os bens onerados pelas garantias reais, garantirem ao mesmo tempo outros créditos do mesmo credor, também não se concede ao fiador a possibilidade de invocar o benefício da excussão prévia em relação à dívida afiançada, se esses bens não chegarem para satisfizer todos os créditos (art. 639.º, n.º 2, do CC), uma vez que não seria razoável o fiador poder exonerar-se por completo da responsabilidade por esta dívida, em prejuízo injusto do credor.

O autor da garantia real que tenha sido executado não fica sub-rogado nos direitos do credor contra o fiador (art. 639.º, n.º 3, do CC). Efetivamente, o fiador quando se responsabiliza pelo cumprimento da obrigação principal está a contar com o valor das garantias reais anteriores ou contemporâneas à fiança que asseguram igualmente a realização da prestação. Assim, não pode o autor da garantia real depois ressarcir-se à custa do fiador

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, uma vez que, se tal solução fosse possível, estar-se-ia a negar o benefício da excussão prévia ao fiador. Não faria sentido o fiador ter direito à excussão prévia dos bens sobre que recai a garantia real (art. 639.º, n.º 1, do CC) e depois o autor da garantia real que cumpriu exigir-lhe o cumprimento da obrigação. Com esta solução, a lei limitou-se a estabelecer que, entre o autor da garantia real e o fiador a hierarquia se resolve a favor deste último

50

.

A existência de garantias reais sobre bens de terceiro tem implicações na ação executiva, em sede de legitimidade

51

. Mas não só, pois como veremos o fiador também pode invocar o benefício à excussão real de forma a evitar a penhora dos seus bens

52

. Além disso, também a existência de garantias reais sobre os bens do próprio fiador tem implicações no processo executivo, uma vez que a penhora terá que se iniciar por esses bens, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.

1.2. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA

O benefício da excussão prévia tem como finalidade salvaguardar os interesses do fiador, mas não corresponde a nenhum interesse de ordem pública, podendo ser afastado pelas partes, uma vez que não é estabelecido em termos imperativos

53

. O seu afastamento pode ocorrer no momento da constituição da fiança ou posteriormente. Contudo, se não tiver sido afastado, o fiador pode também simplesmente não o invocar (cfr. art. 641.º, n.º 2, do CC)

54

.

A subsidiariedade, apesar de ser um elemento normal da fiança, não é essencial, visto que em certos casos o fiador não goza do benefício da excussão da prévia. Assim, o fiador não goza do referido benefício quando a ele renúncia

55

, o que acontece quando se assume como principal

49 Cfr. VARELA, J. M. A., Das obrigações em geral, ob. cit., pp. 487-492 e VARELA, J. M. A. e LIMA, P. (com a colaboração de M. H. Mesquita), Código Civil Anotado, ob. cit., pp. 656-658.

50 Cfr. GONZÁLEZ, J. A., ob. cit., p. 436.

51 Sobre esta matéria, cfr., infra, capítulo II, II – legitimidades das partes, 2.

52 Sobre a invocação do benefício da excussão prévia pelo devedor subsidiário e sobre os meios de defesa do fiador executado, cfr., infra, capítulo II, III- tramitação inicial da ação executiva, 3 e 4.

53 Cfr. VARELA, J. M. A., Das obrigações em geral, ob. cit., p. 492.

54 Cfr. GONZÁLEZ, J. A., ob. cit., p. 434.

55 Esta renúncia pode ser efetuada expressa ou tacitamente, nos termos gerais (art. 217.º, do CC). Vide o Ac. do TRL, de 27 de novembro de 2008 e o Ac. do TRC, de 20 de abril de 2010.

Referências

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