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Academic year: 2022

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ESPAÇO E TEMPO DE APRENDIZAGEM: QUE LUGAR É ESTE?

Autores: Caroline Brandelli Garziera (PUCRS)

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carolinebrandelligarziera@gmail.com ; Gerusa Bondan (UCS)

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gerusabondan@gmail.com

Resumo: As teorias críticas e pós-críticas do currículo apontam que o currículo de uma escola é muito mais que seus próprios documentos; ele supera as escolhas dos conteúdos a serem ensinados e perpassa, também, pelos que não são. O currículo emerge nas metodologias empregadas e na predileção dos materiais, livros e recursos utilizados. Além disso, está presente em cada elemento escolhido para compor o cenário, nos espaços e tramas constituídas e nos silêncios ali produzidos, assim como na forma como as relações se estabelecem nele e com ele – são as práticas inseridas nas rotinas da escola e dos próprios estudantes. O currículo percorre os olhares de consentimentos e/ou negações praticados por quem medeia as relações dentro da escola. Neste sentido, supera seus próprios documentos e se corporifica naquilo que é realmente praticado, vivido, experimentado e sentido para além do entendido, superando sua própria compreensão. A presente pesquisa aborda, a partir dessa perspectiva e com o aporte teórico nos estudos de Tomaz Tadeu da Silva e Maria da Graça Souza Horn, uma possibilidade para a problematização e análise sobre as representações do currículo expressas nas percepções e discursos de um grupo de professoras de 1º ano do Ensino Fundamental. O campo investigativo para o recorte desta pesquisa é uma escola da rede privada que vem realizando ações específicas de formação continuada e de reformas estruturais, com vistas a consolidar o seu planejamento estratégico alinhado à sua proposta pedagógica. Optou-se, para tanto, em realizar uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório para captar as impressões sobre o currículo e o movimento de 10 professores cujas salas receberiam nova estrutura física com demandas para outras possibilidades nos arranjos e articulações dos espaços e tempos de aprendizagem. Os encontros de formação continuada propostos para a reflexão e alinhamento conceitual serviram como cenário para a coleta dos excertos que foram posteriormente analisados. As alterações sugeridas nos ambientes de aprendizagem desencadeiam algumas inquietações no corpo docente, na medida em que mobilizam suas certezas e provocam outras posturas. Os questionamentos realizados durante este percurso reflexivo revelam uma cultura escolar e práticas pedagógicas que cada professor se propõe a realizar efetivamente. Este relato de experiência, sobre o percurso reflexivo deste grupo de professores, elucida alguns movimentos e resistências pertinentes ao processo de mudança dentro da escola e na possibilidade de inovação a partir da formação continuada como espaço de reflexão na relação dialógica com as colegas professoras. Nos posicionamentos assumidos pelos professores evidencia concepções sobre a potência da criança, a fragmentação da infância, a centralidade do professor, as aprendizagens significativas e a relação família e escola como temas a serem aprofundados ao término desta pesquisa e como continuidade da ação reflexiva nos espaços e tempos de aprendizagem que a escola constrói também com os professores.

Palavras-chave: currículo, espaço, tempo, professor reflexivo.

1Especialista em Psicopedagogia e Gestão Curricular Marista.

2 Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade.

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INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido e problematizado sobre o papel e a função da escola no cenário contemporâneo. Como ela pode ser e se tornar interessante para as crianças e jovens de hoje? Onde e como ela precisa mudar? Eis uma instituição secular que, mesmo em um contexto de vertiginosas e aceleradas mudanças, ainda preserva estruturas físicas, conceituais, metodológicas e de condução de processos de um outro tempo histórico, conservando, desta forma, uma estrutura por vezes fechada em si mesma. Afinal, por que a escola continua a mesma do tempo de nossos avós? É possível inovar na escola? É uma questão de recursos? Tecnologia? Esses questionamentos entre outros, provocaram a sensibilidade para perceber os movimentos da inovação presentes na cultura escolar e as tensões por eles provocadas. Este estudo pretende elucidar algumas destas percepções pertinentes ao processo de mudança dentro da própria cultura escolar investigando o currículo que se revela nos discursos de um grupo de professores quando se aborda este tema.

O que os professores sentem e dizem sobre estas modificações? O que acreditam ser a inovação nos espaços e tempos escolares? Elas realmente têm impacto nas mudanças de propostas? Têm interferência sobre o modo em que se ensina na escola?

A ideia propulsora é que as certezas dos professores, manifestadas em seus discursos, expressões, posturas, olhares e silêncios, desenham um currículo. Os professores estão no currículo e o currículo está nos professores. A prática de se olhar para dentro da própria cultura escolar, aquela que é praticada pelos professores e gestores, é essencial quando se trata de uma proposta que visa a uma mudança estrutural na organização de seu currículo, como é o caso da escola aqui investigada. Afinal, conforme provoca Silva (2005),

Não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes. O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (p. 150).

Com o intuito de se olhar para esta identidade da escola e contribuir em seu processo constitutivo é

que o presente trabalho está estruturado em três momentos: o primeiro se refere ao alinhamento conceitual,

que apresenta a abordagem de alguns autores sobre o posicionamento assumido para a compreensão dos

temas aqui explorados; o segundo diz respeito ao mapeamento desta pesquisa, que aborda o relato do

percurso metodológico e a categorização e análise dos excertos das professoras; o terceiro sinaliza

possibilidades para uma trajetória de ressignificação da inovação do espaço e tempo escolar.

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ESPAÇO E TEMPO: O TEMPO E O LUGAR DA INTENCIONALIDADE PEDAGÓGICA

As formações continuadas realizadas na escola, campo investigativo para a presente pesquisa, propôs realizar um alinhamento conceitual necessário para garantir a implementação de seus documentos.

Estes preconizam um currículo aberto à contemporaneidade em seus aspectos sociais, culturais, éticos, científicos, enfim, que favoreçam a reflexão crítica, potencializem o uso das múltiplas linguagens, permitam a experimentação e problematização da realidade.

Nesta perspectiva, há conceitos carregados de significados e que dão intencionalidade à proposta, cuja apropriação dos professores deve ser, a priori, para que se possa desencadear processos coerentes com o que postula o Projeto Educativo da instituição.

Hall (1997), ao se referir ao evento denominado virada cultural na segunda metade do século XX, deflagra reflexões importantes sobre concepções de cultura e suas repercussões na produção do conhecimento. Ora, há cultura no âmbito escolar que também é produto de significações de ser professor, advindas de uma diversidade de outros produtos culturais que, da mesma forma, forjaram subjetividades nas formas de ver, pensar, explicar, ser, sentir e estar no mundo, e, neste caso, especificamente, na escola. Neste sentido, para propor uma mudança ou inovação no âmbito escolar, é preciso estar atento às práticas discursivas que constituem a cultura local, da própria escola, aquela que circunda e que está expressa na forma com que os professores falam, em seus silêncios, nas conversas de corredor, nas situações em que se omitem ou em que se manifestam com veemência, no modelo de atividade que propõem, nos registros que elegem expor nas paredes da sala, na forma com que se relacionam com os pares, estudantes e lideranças...

uma teia de relações que revelam o currículo que realmente se efetiva, e não aquele dos documentos técnicos.

O planejamento do professor deve contemplar a reflexão dos elementos, recursos que irão compor o cenário da aprendizagem e o tempo da vivência. É fundamental pensar de que forma o ambiente possibilitará uma construção mais desafiadora e significativa. Considerar a relação interssistêmica dos fatores presentes no contexto pedagógico – onde a estrutura, a organização, os recursos, o tempo e as interações são pensadas como dimensões pedagógicas indispensáveis para a promoção da aprendizagem – é igualmente imprescindível.

Os postulados de Foucault (2006) já deflagravam o espaço e o tempo dentro das instituições como

uma engrenagem carregada de intencionalidade. Na obra Vigiar e Punir – o nascimento da prisão, o autor

denuncia um comparativo sobre a semelhança na organização expressa na arquitetura das prisões, hospitais e

escolas, evidenciando, desta forma, alguns elementos comuns com propósitos de disciplinamento e controle

– como a organização por fileiras, por grupos etários ou alas, o isolamento das disciplinas ou setores, a

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centralidade do pátio... estes conceitos pós-estruturalistas sobre a instituição escolar ilustram o que e como a organização do espaço e do tempo podem revelar sobre o currículo da escola.

A composição, organização do espaço evidencia as escolhas institucionais, de acordo com Horn (2004) não é algo natural, mas construído socialmente, a partir dos elementos eleitos, do que ali é apresentado, permitido e desafiado propor na interação com ele. Uma escola é um contexto social composto por atores que participam, que se relacionam, interagem entre si e com o meio. Conforme Horn (2004),

não basta a criança estar em um espaço organizado de modo a desafiar suas competências; é preciso que ela interaja com esse espaço para vivê-lo intencionalmente. Isso quer dizer que essas vivências, na realidade, estruturam-se em uma rede de relações (p. 15).

A dimensão do espaço e do tempo é um continuum em um processo inter-relacionado de experimentação e interação com o meio. Constitui-se como um cenário de aprendizagem e nunca será neutro, já que a interdependência entre todos os elementos incidirá na sensibilidade estética e sensorial dos sujeitos.

Conforme Gandini (1999), o ambiente sempre é educador e precisa ser flexível, se modificar e atualizar à sensibilidade necessária para o exercício do protagonismo, das necessidades etárias e da construção do conhecimento.

Um ambiente é um sistema vivo, em transformação. Mais do que o espaço físico, inclui o modo como o tempo é estruturado e os papéis que devemos exercer, condicionando o modo como nos sentimos, pensamos e nos comportamos, e afetando dramaticamente a qualidade de nossas vidas. O ambiente funciona contra ou a nosso favor, enquanto conduzimos nossas vidas (GREENMAN,1988, p. 5, apud GANDINI, 1999, p. 156).

O tempo, assim como o espaço, também é construção social, processo de experimentação, da experiência vivida e do que é sentido. Ao realizar o planejamento das propostas escolares, o tempo é um elemento que precisa ser considerado e reavaliado constantemente quando se pensa em aprendizagem significativa. A organização da rotina, a grade de horários, o tempo da brincadeira “livre”, o tempo da escuta, a composição das aulas especializadas, o tempo destinado para cada proposta são configurações que precisam ser problematizadas. O tempo da experiência precisa contemplar e respeitar a interação a que se propõe ser vivenciada.

A compreensão dos conceitos espaços e tempos necessitam ser vislumbrados e contemplados de

forma articulada e inter-dependente. Leva em conta as especificidades de ambas no planejamento das

propostas de aprendizagem em uma dimensão operacional, possibilitando que se pense nas relações que se

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estabelecerão naquele ambiente a partir dos elementos e recursos que ali estarão presentes. A intencionalidade pedagógica deve pautar a organização do tempo destinado a cada proposta, bem como à configuração e composição do espaço – objetos, mobiliários, recursos, símbolos – que irão compor o ambiente de aprendizagem; espaço que não precisa, necessariamente, ser a sala de aula, podendo ser estruturado no pátio, em um jardim, museu...

ESPAÇOS E TEMPOS: MAPA DO CONTEXTO

No acompanhamento efetivo dos professores da referida escola, objetivou-se investigar as percepções sobre o currículo reveladas nos posicionamentos assumidos em um grupo de 10 professoras de 1º ano do Ensino Fundamental, todas mulheres, pós-graduadas, diante do desafio e provocações de propor práticas diferenciadas na reestruturação dos espaços e tempos de aprendizagem de crianças em processo de alfabetização. A produção dos dados ocorreu através do registro das falas das professoras em diferentes momentos, as quais foram cruzadas com as diversas possibilidades de leitura permeadas pela análise dos documentos, de algumas teorias que sustentam a proposta da escola e das observações do grupo focal.

O primeiro encontro sobre a temática contou com a participação do arquiteto responsável pela obra de reforma das salas. O momento tinha como objetivo apresentar algumas perspectivas na reestruturação física. Após expor elementos básicos como qualidade do piso, iluminação e isolamento acústico, o grupo então foi questionado sobre a possibilidade da transparência das salas com a utilização de grandes janelas de vidro permitindo a visibilidade para o pátio.

A reação do grupo diante deste questionamento evidenciou grande desconforto:

O grande problema será lidar com os pais pendurados nas janelas. Sabemos que eles não respeitam.

(P1, 2016)3

Os pais de nossas crianças são muito invasivos. (P5, 2016)

Os pais são desrespeitosos e teremos problemas para gerenciar uma escola do porte da nossa. (P2, 2016)

O agrupamento destes excertos evidencia um ponto comum, que é a presença, neste caso incômoda, da família na escola. Tais considerações revelam o desafio em se estabelecer, de acordo com os documentos norteadores da escola, uma relação de “confiança recíproca” e de corresponsabilidade entre família e escola.

Ao se considerar a família como parte integrante da comunidade escolar, é preciso pensar para além de um processo inicial de acolhida. Afinal, apenas abrir as portas da escola também não garante que ela aconteça. É necessário que se reconheça que ações a escola tem desenvolvido para a construção de um processo colaborativo e de aproximação. Ou as famílias são chamadas somente em datas comemorativas, eventos

3 P1 – Professor pesquisado cuja identidade será preservada.

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festivos e entrega de resultados? Que práticas têm sido pautadas para evocar esta participação das famílias na vida escolar? Ao referir-se aos ideais de Mallaguzzi, Faria (2007) afirma que, quando escola e família convergirem para uma cultura-interativa, então se entenderá o quanto a pedagogia da participação e da investigação pode ser fecunda em um movimento aberto para uma rede comunicativa que é realmente colaborativa e profícua. A escola precisa trilhar estas possibilidades e descobrir como pode realizar este movimento. Tem, portanto, um papel importante, por meio da atuação e envolvimento efetivo dos professores, na construção de uma relação dialógica – que qualifique o próprio processo educativo – com as famílias.

Nesta mesma reunião, ainda sobre a presença da transparência nas paredes das salas, outro grupo demonstrou preocupação em relação à concentração das crianças, fato verificado nas falas:

Eu me preocupo muito é com a distração das crianças ao verem os colegas lá fora... brincando... (P4, 2016)

Até porque eles já têm uma grande dificuldade em se concentrar nas tarefas que estão fazendo normalmente. (P8, 2016)

As crianças têm chegado cada vez mais imaturas no 1º ano, imaginem o quanto se dispersariam. (P7, 2016)

Para ponderar a discussão no momento, fez-se referência a outras escolas e modelos educativos que utilizam a transparência como elemento de relação com o mundo a ser aprendido, lido, explorado. A partir desse olhar, mencionou-se que, talvez, ocorresse um impacto inicial, mas, que, gradativamente, este se minimizaria diante da habitualidade dos estudantes com o “novo” elemento. Também foi oportuna a situação para provocar a reflexão: Será que a dificuldade está na criança em se concentrar em uma tarefa com outras coisas acontecendo ao seu redor? Ou é nossa a dificuldade, como adultos, de não termos tudo sob o nosso controle, com a turma toda realizando uma mesma tarefa? Será que o receio não está em perdermos o controle e a centralidade da relação?

Tais constatações deixaram evidente uma possibilidade de aprofundamento conceitual no que concerne à compreensão das infâncias e da criança como sujeito potente. Ao salientar a participação da criança em seu processo de aprendizagem Malaguzzi (1999) destaca que “elas são capazes, de um modo autônomo, de extrair significado de suas experiências cotidianas através de atos mentais envolvendo planejamento, coordenação de ideias e abstrações” (p.91) é preciso ter presente, conforme, Rinaldi (1999)

“a imagem das crianças como ricas, fortes e poderosas [...] como sujeitos únicos com direitos, em vez de simplesmente com necessidades. Elas têm potencial, plasticidade, desejo de crescer, curiosidade, capacidade de maravilharem-se e o desejo de relacionarem-se com outras pessoas e de comunicarem- se.” (p.114)

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Este encontro forneceu elementos para a construção de um plano de formação que dessa conta, inicialmente, de um alinhamento conceitual indispensável para a concretização das ideias e princípios da proposta pedagógica. Como sensibilização das potentes possibilidades no uso dos diferentes arranjos espaciais propôs-se um encontro de aproximação com a Educação Infantil onde a prática do conceito espaço e tempo através das reconfigurações por territórios temáticos e de interesse já estava disseminada pela implementação de suas diretrizes. Além deste aspecto conhecer a proposta de trabalho ali realizada, era fundamental para a compreensão do sujeito-criança que ingressa no Ensino fundamental. Na formação, as professoras do segmento narraram suas experiências e projetos. Também foi proporcionada a experimentação e vivência de algumas propostas nos diferentes espaços, que haviam sido cuidadosamente preparados para recebê-las e convidá-las à exploração. Neste percurso, pôde-se ouvir:

Poderíamos ter estes materiais também no 1º ano, não é?!” – referindo-se a uma diversidade de elementos artísticos disponíveis para a criação. (P7, 2016)

Olha que bacana a caverna que construíram. (P6, 2016) Que legal, as mochilas ficam fora da sala. (P5, 2016)

Nossa, quantas coisas eles aprendem! – apontando para um esquema de planejamento exposto na parede da sala. (P5, 2016)

Permitir esta aproximação colaborou para se refletir sobre a construção de uma escola sem rupturas.

Conforme Kramer (2006), afinal, “educação infantil e ensino fundamental são frequentemente separados, porém do ponto de vista da criança, não há fragmentação” (p. 19), uma vez que ela é o sujeito cultural e histórico que vive a escola.

Em outro momento formativo foi possível reiterar a importância de se manter tal diálogo institucional e pedagógico entre os dois segmentos, mesmo com propostas curriculares bem definidas e distintas, as quais mantivessem, porém, sintonia.

A educação infantil não tem como função preparar a criança para o ensino fundamental [...] a educação infantil possui objetivos próprios, os quais devem ser alcançados a partir de duas dimensões do atendimento: o cuidar e o educar as crianças, com respeito à sua faixa-etária e às suas especificidades oriundas da infância. No que se refere ao ensino fundamental, cabe a esse segmento garantir a continuidade de um atendimento que tenha como princípio o respeito pelas particularidades da infância através de um currículo sólido, articulado e em sintonia com a educação infantil e também com segmentos posteriores do ensino (LOBO, 2012, p. 77).

Era perceptível, no grupo, o encantamento pela proposta vivenciada, bem como certa segurança e tranquilidade, sendo que os professores identificaram uma proposta consistente na educação infantil: “É que nós não conhecíamos a proposta da Educação Infantil!.” (P2, 2016), “Tínhamos outra visão” (P7, 2016).

Para começar a se pensar com o grupo nas proposições do 1º ano, procurou-se resgatar as vivências

de infância, já que, no discurso inicial, a “imaturidade” foi citada como característica da faixa-etária, pois

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conforme Tonucci (2005) “recordar nossa infância pode ser de grande importância para sermos bons adultos [...]. Isso pode ser feito falando com os pais, olhando os velhos cadernos ou desenhos, olhando as fotografias de quando éramos crianças... ( p. 171).

O movimento para se permitir brincar nos diferentes espaços organizados para a reunião provocou reações diferentes no grupo; algumas professoras se entregaram mais para as propostas, enquanto outras permaneciam tímidas, receosas da vivência e outras, ainda, “fingiam” brincar.

Outra proposta sensibilizadora para aprofundar o conceito de infância foi a partir da escolha de uma fotografia que retratasse, simbolizasse uma memória afetiva de seu tempo de criança. Nas partilhas, novamente emergiu a temática da família, elemento presente na maior parte das escolhas feitas pelo grupo, que se emocionava ao narrar para as colegas suas lembranças. Nesse contexto, de narrativas de suas infâncias e ao referirem as ricas e inventivas explorações vividas como crianças, uma das professoras então sinalizou: Fico pensando o quanto a gente perde de criatividade da criança ao longo do caminho por entregar sempre tudo tão pronto na escola. (P2, 2016)

Esta fala indicou a possibilidade de se avançar com o grupo sobre as reflexões da organização das propostas que desencadeiam o processo de ensino aprendizagem, situações onde, conforme Malaguzzi (1999), “as crianças não são moldadas pela experiência, mas dão forma à experiência.” (p. 98).

Conforme os encontros avançavam, era possível perceber um certo entusiasmo do grupo de professores evidenciando uma crescente predisposição para discutir as temáticas.

Fico preocupada como gerenciaremos a sala de aula enquanto um grupo estiver realizando uma proposta e a outra parte estiver brincando, por exemplo. (P3, 2016)

O problema é que dividimos a sala com outros anos e nem sempre conseguiremos manter a configuração como gostaríamos. (P6, 2016)

Como faremos para gerenciar o trabalho de grupos com atividades simultâneas? Diferente da Educação Infantil não temos monitoras na sala! (P8, 2016)

Tais menções já sinalizavam possibilidades de mudança no encaminhamento pedagógico, pois propunham atividades de acordo com as individualidades, desafiando os grupos de formas diferenciadas, porém, ainda com a dúvida diante do como fazer. “Também não sairemos mudando tudo radicalmente!”

(P2, 2016), referiu uma colega quando a discussão parecia estar fora do alcance e da realidade daquele momento.

Em outra oportunidade, realizou-se uma análise dos elementos presentes dentro das salas de aula com a intenção de categorizá-los, verificar os que poderiam ser ressignificados, permanecer ou sair.

Identificou-se uma descontração e integração forte no grupo, com relações de reciprocidade que então

começavam a aparecer. Percebeu-se que as colegas conseguiam se expor sem receios, mesmo falando sobre

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os elementos das salas umas das outras: Só agora que me dei conta! Este cartaz deve estar aí desde o início do ano! (P6, 2016). E, ao fazer referências às produções das crianças que estavam expostas na sala:Por que sempre dizemos que materiais devem ser usados nas produções e não deixamos eles escolherem? (P7, 2016) Sim! Aí fazemos uma exposição de trabalhos no painel e todos são iguais...(rindo) – (P4, 2016)

A direcionalidade e centralidade nos comandos do professor pareciam ficar evidentes diante dos olhos das professoras. Como cultivar a sensibilidade da criança e a sua capacidade criativa enquanto as práticas, inclusive plásticas, não permitiam a exploração dos recursos e suas possibilidades? Onde se evidenciava a presença das múltiplas linguagens e o protagonismo infantil?

Em determinado momento, em que ocorria o planejamento das proposições para o ano letivo seguinte, uma professora solicitou: “Nosso encontro com o arquiteto deveria ser agora. Com certeza nosso posicionamento seria diferente” (P5, 2016).

Marcou-se, assim, novo encontro, em que as propostas da reforma foram partilhadas e o arquiteto referiu que as janelas ficariam um pouco mais reduzidas e a parede que dividiria com o parque de areia seria fechada. Uma professora se manifestou prontamente: “Ah, não! Agora que entendemos que o pátio é como uma extensão, prolongamento da sala de aula, queremos a parede de vidro!” (P7, 2016). Nesse momento houve um questionamento ao grande grupo, que concordou com a colega. A mudança de posicionamento quanto ao uso da transparência nas divisórias com o ambiente externo, revela uma importante quebra de paradigma para este grupo, já que a relação não é mais de quem olha de fora para dentro, como quem vigia e tudo vê, no caso da sensação de “espionagem” pelas famílias sobre o que aconteceria dentro da sala - conceito do olho do panóptico, explorado por Foucault (2006) na obra Vigiar e Punir – O nascimento da prisão - mas passa a ser percebido sob a perspectiva de quem olha de dentro para fora e se vê dentro o mundo, pertencendo e se relacionando com ele.

Talvez este enredo aqui narrado ecoe como uma história de final feliz. Ele se mostra, todavia, como uma possibilidade de percurso reflexivo, muito mais que formativo, de que a escola precisa trilhar a partir de uma relação dialógica com os professores. São movimentos de idas e vindas, tensões e alegrias, frustrações e conquistas, segundo aquilo em que se consegue provocar e avançar naquele momento.

ESPAÇO E TEMPO: POSSIBILIDADES PARA RESSIGNIFICAÇÃO

Ao final desta pesquisa, fica evidente que o processo reflexivo deste grupo de professores continua

em movimento e que os conceitos mais que construídos precisam ser vividos, experimentados, colocados em

prática e refletidos novamente. Os apontamentos aqui relatados revelam uma escola que pulsa quando reflete

sobre o seu fazer.

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Os professores querem experimentar; precisam apenas ser encorajados e desafiados, tendo espaço e tempo para refletir, problematizar e dialogar na escola e com a escola. Conforme Alarcão (2004) o pensamento reflexivo deve ser cultivado e desenvolvido pois, por ser uma habilidade, não desabrocha espontaneamente.

O professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local de trabalho, que ele, com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Mas se a vida dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições de reflexividade individuais e coletivas (ALARCÃO, 2004, p. 44).

Pensar nos espaços e tempos passa pela transposição de outras operações. Dentre essas operações, os encontros com os professores mostram a possibilidade de construção de um currículo móvel que adquire significado pela intencionalidade pedagógica de quem o reflete. A formação continuada, quando pautada na prática do professor permite o burilamento das ideias a partir da relação dialógica com os demais colegas.

Todos estão relacionados à cultura escolar e se estendem a outros sistemas na mesma medida em que indicam, no contexto deste trabalho, a existência da interseccionalidade observada na complexidade do processo de construção desses espaços e tempos, não apenas dos estudantes, mas também daqueles que são construídos para as discussões e reuniões pedagógicas para e com os professores.

Os espaços e tempos como abordados neste trabalho, como elementos carregados de significado que revelam um currículo e o materializam pela proposta que convocam, possibilitam um constante agir e sofrer ações, pois estão estritamente relacionados na interação estabelecida nele e com ele. Como consequência, e, por que não dizer, extensão, permitem superar à categorização, fragmentação e cartesianismo do conhecimento e comportamento - característica das instituições educacionais que por séculos promoveu a inibição da capacidade criadora, interpretativa e relacional das crianças em âmbito individual e coletivo.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2004.

FARIA, Ana Lúcia Goulart de. “Loris Malaguzzi e os direitos das crianças pequenas”. In: OLIVEIRA- FORMOSINHO, Júlia. Pedagogia(s) da Infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 16 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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GANDINI, Lella. “Espaços Educacionais e de Envolvimento Pessoal”. In: EDWARDS, Carolyn. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação e Realidade.

Porto Alegre, v. 22, n. 2, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 15-46, jul-dez, 1997.

HORN, Maria da Graça Souza. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

KRAMER, S. A. A infância e sua singularidade. In: Ministério da Educação. Ensino Fundamental de 9 anos: orientações para a inclusão da criança de 6 anos de idade. Brasília: FNDE, 2006.

LOBO, Ana Paula S. L. L. “A educação infantil, a criança e o ensino fundamental de nove anos”. In:

BARBOSA, Maria Carmem S. et al. A infância no Ensino Fundamental de 9 anos. Porto Alegre: Penso, 2012.

MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia. Pedagogia(s) da Infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

RINALDI, Carlina. O currículo emergente e o construtivismo social. In: EDWARDS, Carolyn. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ª edição.

Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

TONUCCI, Francesco. Quando as crianças dizem: agora chega! Porto Alegre: Artmed, 2005.

Referências

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