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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO: PRISÃO CAUTELAR SEGUIDA DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E HUMANAS CURSO DE DIREITO

FÁBIO DE WEIMAR THÉ FILHO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO: PRISÃO CAUTELAR SEGUIDA DE SENTENÇA

ABSOLUTÓRIA

MOSSORÓ/RN

2018

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO: PRISÃO CAUTELAR SEGUIDA DE SENTENÇA

ABSOLUTÓRIA

Artigo apresentado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Rural do Semiárido, no curso de Direito.

Orientador: Prof. Ms. Wallton Pereira Souza Paiva.

MOSSORÓ/RN

2018

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FÁBIO DE WEIMAR THÉ FILHO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO: PRISÃO CAUTELAR SEGUIDA DE SENTENÇA

ABSOLUTÓRIA

Artigo apresentado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Rural do Semiárido, no curso de Direito .

APROVADO EM: _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Prof. Ms. Wallton Pereira Souza Paiva (UFERSA) Presidente

_______________________________________________

Prof. Ms. José Albenes Bezerra Júnior (UFERSA) Primeiro Membro

_______________________________________________

Prof. Ms. Rodrigo Ribeiro Vitor (UFERSA)

Segundo Membro

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A Deus, quem me deu vida e sustenta cada passo do meu dia.

Ao meu pai, Fábio Thé, por ter provido meus estudos e me auxiliado nesta caminhada de aprendizado.

À minha mãe, Alberice Carvalho, por todo amor e atenção dedicados incessantemente a mim.

À minha irmã, Sarah Carvalho, por ser inspiração na minha vida.

À minha avó, Socorro, pela torcida em prol de

minha formação acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor orientador Wallton Pereira Souza Paiva, pela disponibilidade e auxílio não somente na elaboração deste artigo, mas durante todo o período de minha graduação.

Ao coordenador do curso de Direito, professor José Albenes Bezerra Júnior, profissional ímpar da Academia potiguar.

Ao professor Rodrigo Ribeiro Vitor, membro da banca examinadora, pela aceitação do convite para a avaliação deste trabalho.

À Universidade Federal Rural do Semi-árido, por ter me proporcionado um ensino

público de qualidade e contribuído em meu enriquecimento intelectual.

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO:

PRISÃO CAUTELAR SEGUIDA DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

Fábio de Weimar Thé Filho

RESUMO: O artigo trata da Responsabilidade do Estado, com enfoque nos casos de prisão indevida. O trabalho foi desenvolvido em três etapas, tendo sido utilizada a pesquisa bibliográfica e o método dedutivo em todas elas para realizar estruturação sobre o tema.

Inicialmente, fazem-se considerações gerais sobre a Responsabilidade do Estado, bem como a evolução histórica desse tema nas Constituições brasileiras. Depois, analisa-se literatura jurídica pertinente, bem como teses favoráveis e contrárias à Responsabilidade do Estado em tais situações. Ao final, esquadrinha-se a jurisprudência do tema, sob a ótica do Supremo Tribunal Federal. Conclui-se que, mesmo sendo as decisões judiciais manifestações da soberania estatal, resta presente o dever de indenizar, caso o acusado, após ser preso cautelarmente, seja ao fim absolvido.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Erro judicial. Prisão indevida.

STATE LIABILITY FOR MISCARRIAGE OF JUSTICE:

IMPRISONMENT FOLLOWED BY ACQUITTAL

ABSTRACT: The article deals with state liability, with focus on cases of imprisonment followed by acquittal. It is divided in three stages, and bibliographical research and deductive method was used in all of them to carry out structuring on the theme. First, are made general considerations about State Liability, as also the evolution of the treatment of this theme in Brazilian Federal Constitutions. Then, the literature is analyzed, presenting contrary and favorable arguments about State Liability in these cases. After, several precedents of Brazilian Federal Court are analized. At the end, it is concluded that even though the judicial decisions mean States’ soberany, there’s the duty of indemnify in cases os imprisonment followed by acquittal.

Keywords: State liability. Miscarriage of justice. Imprisonment followed by acquittal

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1 INTRODUÇÃO

Sob a égide do Estado Absolutista, no qual o monarca era soberano e concentrava todos os poderes em suas mãos, entendia-se que esse indivíduo era representante divino e insuscetível de erro, razão pela qual o Poder Público jamais era responsabilizado por eventuais danos que causasse. Contudo, após séculos de enfrentamento desse sistema, ele foi paulatinamente sendo abandonado, conforme demonstram os marcos históricos da Carta Magna (1215), Bill of Rights (1689) Declaração dos Direitos de Virgínia, (1776) e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Desse modo, sucessivamente entram em cena os Estados Liberal, Social, Democrático e Democrático de Direito, cada um a permitir, com nuances próprias, a responsabilização do Poder Público pelas ações danosas que seus agentes praticarem. Todavia, em que pese esse espectro de responsabilização seja focado, ordinariamente, na função administrativa, também não questiona que os atos emanados das funções legislativa e jurisdicionais estejam alcançados por tal regra matriz do Estado da Lei.

Nesse sentido, é possível observar que, no campo de atuação do Poder Judiciário, muito mais do que em outros Poderes estatais, tem-se a possibilidade de arruinar-se a vida de um indivíduo. Isso porque, grosso modo, enquanto a função legislativa é geral e abstrata, e a executiva apenas efetiva políticas públicas, a judiciária tem a missão de realizar justiça no caso concreto, interferindo de modo agudo na vida do particular, seja por meio da imposição de multas e obrigações de fazer no processo civil, seja por meio da restrição de liberdade no processo penal.

E foi justamente essa possibilidade de desgraçar-se a vida de um indivíduo que sucedeu sobre Jesus de Nazaré. De acordo com Rui Barbosa (1957, apud Ribeiro, 2010, p. 33), Yeshua, submetido a um “processo tumultuário, extrajudicial e atentatório dos preceitos legais”, vertido, portanto, de máculas, foi injustamente condenado à pena da cruz. Todavia, a despeito de essa pena ter resultado em salvação e plenitude de vida para a humanidade, o mesmo não se pode afirmar quanto aos demais injustiçados nos tribunais.

A título de ilustração, menciona-se o primeiro e considerado o maior caso de erro

de judicial da história brasileira: o episódio dos Irmãos Naves, ao qual se dedicará tópico

específico neste artigo. Em apertada síntese, no ano de 1937, no Município de Araguari/MG,

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Sebastião e Joaquim Naves, acusados de matar e roubar seu primo Benedito Caetano, foram presos e torturados pelos agentes policiais. Coagidos a confessarem o delito, os irmãos foram condenados, tendo, cerca de 15 anos após o suposto homicídio, reaparecido o primo Benedito Caetano. A essa altura, todavia, Joaquim Naves já havia falecido em razão de doenças adquiridas durante o cárcere. A Sebastião Naves, restou provar a inocência, assim como pleitear indenização pelos danos sofridos, o que foi concedido pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1960.

Assim, percebe-se que o tema é curioso e instigante. Apesar disso, a doutrina administrativista não lhe tem dedicado a devida atenção. Os manuais disponíveis no mercado abordam o tema em alguns parágrafos; quando muito, em algumas páginas. Surge, então, o questionamento: como a ordem jurídica brasileira, através da legislação e jurisprudência, trata a Responsabilidade Civil do Estado por erro judiciário, notadamente os casos de prisão cautelar seguida de sentença absolutória?

Pois bem, para elaborar o artigo, foi utilizado o método indutivo, na medida em que se parte de uma observação ampla e generalizada – com fulcro na doutrina e no ordenamento pátrio, para, então, explicar as características particularizadas de cada um dos precedentes que consubstanciam a jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros.

Inicialmente, no primeiro tópico, será realizado breve exame legal e bibliográfico a respeito do tema, ancorando-se em artigos, monografias, livros pertinentes, assim como em leis e Constituições brasileiras, abarcando fontes primárias e secundárias. Desse modo, fazem-se considerações gerais sobre a Responsabilidade do Estado, bem como a evolução histórica desse tema nas Constituições brasileiras. Depois, analisa-se literatura jurídica pertinente, bem como teses favoráveis e contrárias à Responsabilidade do Estado em tais situações.

Já no segundo tópico, que trata da jurisprudência de uma forma mais detalhada,

a pesquisa sobre o tema será realizada, prioritariamente, através de acórdãos disponibilizados

nos sites dos Tribunais. Para tanto, foram examinados quatro casos relacionados a pedidos

de indenização decorrentes de prisão indevida. Em dois deles, impôs-se dever de indenizar

(RE 42.723/MG e RE 385.493/SP), e nos restantes eliminou-se tal dever (RE 70.121/MG e

RE 505.393/PE).

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Contempla-se, assim, o entendimento da Suprema Corte, desde a década de 1960,

até a segunda metade dos anos 2000, fixando-se, como critério temporal inicial, a

promulgação da Constituição de 1946, que inaugurou no ordenamento a responsabilidade

objetiva do Estado.

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2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 2.1 Considerações gerais

Segundo Amaro Cavalcanti (1905), a tese de que o Estado seria irresponsável em razão dos danos que causasse tem lugar, pelo menos, desde a Roma Antiga, fundada no século VIII, a.C. À época, poder-se-ia, no máximo, demandar diretamente contra o agente público, sem, contudo, que o Poder Público fosse chamado a reparar os prejuízos causados. Esse pensamento subsistiu por toda a Idade Média, período compreendido entre os séculos V e XV.

Ainda na Europa, mas agora entre os séculos XV e XVIII, vigorou na maior parte desse continente o regime Absolutista, pelo qual, dentre outras características, o Estado não era responsável pelos danos que seus agentes causassem aos particulares. Como ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2017, p. 868):

a figura do Monarca se confundia com o próprio Estado, como demonstra a célebre frase atribuída a Luis XIV ("L'État c'est moi": o Estado sou eu), bem como o poder estatal era normalmente encarado como poder divino, o que justificava a impossibilidade de atribuir falhas aos governantes ("Theking cando nowrong": o rei não erra;"Leroine peutmalfaire": o rei não pode fazer mal) .

Todavia, após um longo processo de enfrentamento, o Absolutismo foi derrotado e, pouco a pouco, essa ideia de irresponsabilidade caiu por terra. Lentamente, então, constroem-se teorias que permitem a responsabilização do Poder Público.

Num primeiro momento, isto é, à época do Código Civil Francês, datado de 1804, surgiu a doutrina civilista da culpa, segundo a qual o Estado respondia apenas pelos atos culposos de seus agentes, excluídos, portanto, os atos de império, uma vez que estes não se submeteriam ao regime comum privado, mas sim às normas de direito público, com prerrogativas exorbitantes. O fundamento seria o art. 1384 do Code de France, que determinava a responsabilidade do comitente ou dono do negócio pelos atos de seus funcionários ou prepostos.

Entretanto, conforme anota José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 373):

Essa forma de atenuação da antiga teoria da irresponsabilidade do Estado provocou

grande inconformismo entre as vítimas de atos estatais, porque na prática nem

sempre era fácil distinguir se o ato era de império ou de gestão. Ao mesmo tempo, a

jurisprudência procurava distinguir, de um lado, as faltas do agente atreladas à

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função pública e, de outro, as faltas dissociadas de sua atividade. Logicamente, tais critérios tinham mesmo que proporcionar um sem-número de dúvidas e confusões.

Diante disso, a literatura jurídica, pela voz, dentre outros, do administrativista francês Paul Duez (La Responsabilité de la Puissance Publique, 1927), cuidou de desenvolver a teoria da culpa administrativa, segundo a qual o cidadão lesado não precisaria identificar o agente público causador do dano, nem sua eventual culpa pessoal, bastando que fosse demonstrada a fault du service, por uma de suas três vertentes: a inexistência de serviço, o mau funcionamento ou o seu retardamento. Assim, provada a falta do serviço e o fato danoso, a responsabilização da Administração era certeira.

O primeiro aceno em favor dessa teoria ocorreu no julgamento do Caso Rothschild, em 1855, na França. Na ocasião, um indivíduo buscava reparação, em razão do extravio de uma encomenda de diamantes, por um funcionário do serviço postal. No tribunal administrativo, reconheceu-se a obrigação de indenizar do Estado por falta, erro ou negligência do serviço público, embora se tenha salientado que essa responsabilidade não seria geral nem absoluta, além do que não seria regida unicamente pelas normas de direito privado.

Então, apenas em 1873, também na França, no histórico julgamento do Caso Agnès Blanco, foi que a teoria da culpa administrativa se consagrou. Nessa oportunidade, um vagão de uma empresa estatal de tabaco, conduzido por quatro empregados, teria saído subitamente de dentro do estabelecimento e atingido a menina Agnès Blanco, de 5 anos de idade, que precisou amputar a perna. Diante disso, O Tribunal de Conflitos consagrou o reconhecimento da responsabilidade estatal pelos danos causados a particulares por seus agentes públicos, bastando que fosse demonstrada a falta do serviço.

Nesse passo, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, os

ordenamentos jurídicos ao redor do mundo passaram, sem abandonar a teoria da culpa do

serviço público, a adotar a teoria do risco, estabelecendo um novo paradigma acerca do tema,

de modo que a responsabilidade do Estado passa a ser de natureza objetiva, dispensando

análise acerca da culpa do agente ou do serviço público. Desse modo, seria suficiente que

houvesse conduta oficial – independentemente de ser lícita ou ilícita –, dano – em qualquer de

suas modalidades –, e o respectivo nexo causal.

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Os fundamentos dessa guinada são sobretudo políticos, resultando da valorização da dignidade humana, fator marcante dos Estados Democráticos de Direito, em vez do patrimonialismo do Estado Liberal. Nesse passo, Ricardo Alexandre e João de Deus (2017, p. 359) também elencam outras razões justificadoras dessa doutrina:

[…] ao menos na teoria é legítimo afirmar que toda atividade administrativa é exercida visando ao interesse público, aliás, é justamente esse raciocínio que justifica a existência das prerrogativas estatais. Assim, por uma questão de justiça, a coletividade que aufere o bônus da atividade do Estado também deve ser chamada a arcar com os respectivos ônus quando o risco decorrente da atividade estatal se converter em dano a membros específicos e determinados do grupo. Tal efeito é alcançado mediante o dever de indenizar por parte do Estado, uma vez que os recursos utilizados na reparação são obtidos mediante a cobrança de tributos a todos os componentes do grupo social.

Inclusive, é importante notar que essa teoria tem variações internas, isto é, a subdivisão entre risco administrativo, risco integral e risco social.

A teoria do risco administrativo determina que o Estado é responsável pelos danos que seus agentes causem, independentemente de culpa destes ou falta do serviço público. Por ser uma teoria mais prudente, admite hipóteses nas quais o Poder Público pode furtar-se do dever de indenizar. São elas: força maior, caso fortuito, culpa da vítima e culpa de terceiro.

Já pelo risco integral, também se impõe a responsabilidade do Estado pelos prejuízos que seus agentes causem, independentemente de culpa destes ou falta do serviço público. Contudo, apresenta um viés mais garantista, uma vez que não aceita quaisquer excludentes de responsabilidade, ainda que o dano resulte de culpa ou dolo da vítima, conforme ensina Helly Lopes Meirelles (2003, p. 623).

Inclusive, vale destacar que há vozes em doutrina, como Di Pietro (2004, p. 552) e Cahali (2007, p. 40), que contemplam a distinção entre risco administrativo e integral como artificiosa e carente de embasamento científico, sendo mera questão terminológica. Entretanto, a doutrina moderna, inclusive com amparo da jurisprudência, segue a linha proposta por Meirelles, vislumbrando duas teorias diferentes.

Por último, a terceira, também chamada de responsabilidade sem risco, busca que

o Poder Público se responsabilize mesmo por danos que não tenham sido causados por ele, a

fim de que nenhuma vítima fique alijada de reparação. Uma crítica a ser feita é que, na prática,

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acabaria por tornar o Estado um segurador universal, o que é inviável diante do fato de que os recursos públicos são finitos, e as necessidades coletivas, infinitas.

2.2 Breve escorço histórico da legislação brasileira

Diferentemente de outros Estados, o Brasil nunca adotou a tese da irresponsabilidade. Mesmo que em certos momentos inexistisse norma constitucional imputando, de modo expresso, responsabilidade ao Estado, a doutrina e a jurisprudência já reconheciam esse ônus ao Poder Público.

Por exemplo, a Constituição Imperial, em seu artigo 179, XXIX, e a Carta de 1891, em seu art. 82, apenas proclamavam a responsabilidade pessoal do agente público, nos seguintes termos: “Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos”.

Todavia, segundo lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 1018) os Tribunais não reconheciam o dispositivo como excludente de responsabilidade, mas sim como norma impositiva de solidariedade entre Estado e agente público.

Com o advento do Código Civil de 1916, consagrou-se em seu art. 15 o entendimento pretoriano, conforme a registrado seguir:

As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano .

Conforme o supracitado doutrinador (op. cit, p. 1018), apesar de se entender que o Código fez opção pela teoria subjetiva da responsabilidade pública, diversos juristas de renome, como Ruy Barbosa e Pedro Lessa, passaram a defender a tese de responsabilidade objetiva, em razão da dubiedade do trecho “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei”.

De certo modo alheias a esse debate, as Cartas de 1934, no art. 171, e de 1937, no

art. 158, apenas inovaram ao estabelecer, em plano constitucional, a solidariedade entre agente

e Poder Público, consoante se anota: “Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente

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com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos”.

A grande inovação no ordenamento jurídico brasileiro ficou a cargo da Constituição de 1946, que introduziu a teoria da responsabilidade objetiva, nos termos do art. 194, que não mais faz menciona negligência, omissão, abuso ou termos afins em sua redação: “As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.

Disposições semelhantes podem ser encontradas na Carta de 1967 e em sua Emenda de nº I, datada de 1969.

Finalmente, a Constituição Cidadã inova mais uma vez ao estabelecer em seu art.

37, §6º, que: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Assim, atualmente, a doutrina é concorde em afirmar que o ordenamento brasileiro adota a tese da responsabilidade objetiva do Estado, com base no Risco Administrativo.

Contudo, há situações pontuais em que se acolhe a teoria do Risco Integral para responsabilizar o Poder Público, como nos caso dos acidentes nucleares (CF, art. 21, XXIII, “d”, disciplinado pela Lei 6.453/1977) e danos decorrentes de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras (Leis 10.309/2001 e 10.744/2003, respectivamente).

Por último, vale tomar nota do Projeto de Lei nº 412/2011, originário da Câmara dos Deputados, e que dispõe sobre a matéria de Responsabilidade Civil do Estado. Quanto ao exercício da função jurisdicional, a lege ferenda dedica dois artigos:

Art. 15. O Estado indenizará o condenado por erro judiciário e aquele que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

Parágrafo único. A indenização não será devida, se o erro ou a injustiça da condenação decorrer de ato ou falta imputável ao próprio interessado, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder.

Art. 16. Pelos danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, o Estado é civilmente responsável, sem prejuízo do direito de regresso, quando o juiz: I - proceder com dolo ou fraude, ou II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Enquanto não se esgotarem previamente os recursos previstos no

ordenamento processual, descabe a caracterização de dano oriundo da função

jurisdicional.

(15)

O referido projeto de lei já foi, inclusive, aprovado no Plenário da Câmara em 2015 e aguarda apreciação pelo Senado da República.

2.3 Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais

Em relação à indenização decorrente de atos jurisdicionais, a Constituição dedica dispositivo específico, estabelecendo no art. 5º, LXXV, que: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Acerca do dispositivo, vale destacar que a prisão além do tempo fixado na sentença não ocorre por força de ato judicial, mas sim administrativo – Administração Penitenciária, em sede de execução de pena. Desse modo, no texto Constitucional, a única possibilidade restante de indenização por ato jurisdicional é a do condenado por erro judiciário.

Acerca do conceito de erro judiciário, Giovanni Nanni (1999) esclarece:

O erro judiciário é aquele oriundo do Poder Judiciário e deve ser cometido no curso de um processo, visto que na consecução da atividade jurisdicional, ao sentenciarem, ao despacharem, enfim, ao externarem qualquer pronunciamento ou praticarem qualquer outro ato, os juízes estão sujeitos a erros de fato ou de direito, pois a pessoa humana é falível, sendo inerente a possibilidade de cometer equívocos.

Ainda sobre a responsabilização por erro judiciário, a doutrina discute se é restrita à esfera penal ou se abrange, além desta, a jurisdição cível. Conforme Rafael Carvalho Rezende de Oliveira (2017, p. 889), manifestam-se em prol da primeira corrente José dos Santos Carvalho Filho, Odete Medauar e Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Pela segunda, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Sergio Cavalieri Filho, Clèmerson Merlin Clève e Zulmar Fachin.

De todo modo, apesar do nobre esforço por parte dos autores mencionados, o entendimento clássico na literatura – por todos, José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 385), e na jurisprudência – como será destacado no tópico seguinte, é da regra de irresponsabilidade do Estado por eventuais danos decorrentes de atos jurisdicionais.

Como pontua Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p. 905), os que encampam essa

tese se fundamentam na soberania do Poder Judiciário; na independência com que os juízes

devem agir no exercício das funções; no fato de o magistrado não se enquadrar na categoria de

funcionário público; e, por último, na regra da imutabilidade da coisa julgada, tendo em vista

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que a indenização por dano decorrente de decisão implicaria o reconhecimento de que a decisão anterior foi proferida com violação da lei.

Entretanto, como a própria autora esclarece, os argumentos não se justificam:

Com relação à soberania, o argumento seria o mesmo para os demais Poderes; a soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele; ela é una, aparecendo nítida nas relações externas com outros Estados. Os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – não são soberanos, porque devem obediência à lei, em especial à Constituição. Se fosse aceitável o argumento da soberania, o Estado também não poderia responder por atos praticados pelo Poder Executivo, em relação aos quais não se contesta a responsabilidade.

A ideia de independência do Judiciário também é inaceitável para o fim de excluir a responsabilidade do Estado, porque se trata de atributo inerente a cada um dos Poderes. O mesmo temor de causar dano poderia pressionar o Executivo e o Legislativo.

Quanto a não ser o juiz funcionário público, o argumento não é aceitável no direito brasileiro, em que ele ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria funcional. Ainda que se entenda ser ele agente político, é abrangido pela norma do artigo 37, § 6 o , da Constituição Federal, que emprega precisamente o vocábulo agente para abranger todas as categorias de pessoas que, a qualquer título, prestam serviços ao Estado.

[…]

O argumento mais forte é o que entende que o reconhecimento de responsabilidade do Estado por ato jurisdicional acarreta ofensa à coisa julgada. No direito brasileiro, a força da coisa julgada sofre restrições na medida em que se admite a ação rescisória e a revisão criminal.

Com efeito, o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece inatingível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário.

Há, ainda, vozes em doutrina – a exemplo de Hely Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes (2010), citados por Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2017, p. 890), que exigem não somente a comprovação do erro judiciário, mas também a desconstituição da coisa julgada, por meio de revisão criminal, como condição para responsabilização do Estado.

Dessa forma, percebe-se que a clássica literatura jurídica é, de um modo geral,

avessa à tese de responsabilidade pública por atos do Judiciário, somente admitindo-a nas

(17)

específicas hipóteses previstas em lei, dentre as quais se tem, principalmente, a revisão criminal, nos termos dos arts. 626 1 e 630 2 , do Código de Processo Penal.

2.4 Responsabilidade civil do Estado nos casos de prisão cautelar seguida de sentença absolutória

Como se sabe, a regra em um Estado Democrático de Direito é a liberdade, de sorte que apenas nas hipóteses previstas em lei, é possível a restrição desse direito fundamental.

Naturalmente, quando o Poder Público cercear o jus libertatis à margem da lei, não existem dúvidas quanto ao surgimento do dever de indenizar os danos causados. Contudo, uma situação problemática é aquela em que, no curso de um inquérito policial ou processo criminal, decreta- se a prisão cautelar do investigado, que, posteriormente, vem a ser absolvido, o que comprova sua cabal inocência e injustiça da ordem prisional.

Conforme ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2017, p. 891), a literatura jurídica divide-se em duas correntes: uma, sustentada por vozes como Sergio Cavalieri Filho, Yussef Said Cahali e Rui Stoco, pregam a inexistência da obrigação de indenizar. A segunda, capitaneada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Ruy Rosado de Aguiar Júnior, manifesta- se em sentido diverso.

Pela primeira corrente, o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 325) afirma que “decretada a medida nos termos e nos limites da lei, não há como responsabilizar o Estado, ainda que gravosa ao seu destinatário, porque não há nenhuma ilicitude no ato”. Arremata, ironicamente, ao indagar (op. cit. p. 326): “se cabe indenização por danos morais em razão de prisão preventiva quando o réu venha a ser absolvido por falta de provas, por que não caberia também pelo fato de ter sido processado, ou ainda quando o inquérito vem a ser arquivado?”.

Endossando esse pensamento, Rui Stoco (2013, p. 171) argumenta:

1

Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.

2 Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos

prejuízos sofridos. § 1o Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a

condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela

respectiva justiça. § 2o A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato

ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação

houver sido meramente privada.

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O dia em que a prisão cautelar ou qualquer outra medida for considerada erro judicial ou judiciário apenas em razão da absolvição do suspeito, indiciado ou acusado, todo o arcabouço e o sistema jurídico-penal estarão abalados e irremediavelmente desacreditados.

[…]

Também o magistrado que decretou a prisão e o representante do Ministério Público que a requereu poderão ser responsabilizados se tiverem agido mediante dolo ou fraude.

O Direito Positivo, expresso na lei processual penal, perderá efetividade e se instalará o medo e se fomentará e incentivará a criminalidade. Não haverá segurança jurídica para a sociedade, nem mesmo para o aplicador da lei. Ora, se as medidas de caráter cautelar são previstas e permitidas, não podem se transmudar em ato ilícito apenas porque houve absolvição posterior.

Prisão indevida não significa nem se confunde com prisão que se mostrou necessário em certo momento da persecutio criminis. Prisão indevida é aquela que ocorreu de forma ilegítima e abusiva em desobediência à realidade fática e aos requisitos formais.

Somente quando a prisão se transporta para a ilicitude é que poderá ensejar reparação.

No mesmo sentido, Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2017, p. 892) opina pela inexistência de responsabilidade do Estado, pelos seguintes argumentos:

a) inexistência de "erro judiciário" e inaplicabilidade da regra especial da responsabilidade por ato judicial prevista no art.5º , LXXV, da CRFB; b) a decretação da prisão cautelar fundamenta-se na necessidade de garantir a instrução criminal e não por objetivo formular juízo definitivo quanto à culpabilidade do acusado; c) caso se admita a responsabilidade na hipótese em comento, seria possível cogitar da responsabilidade estatal em todos os casos em que o indivíduo fosse processado, pois a mera existência do processo acarreta aborrecimento e custos, o que inviabilizaria a independência da atividade jurisdicional.

Ademais, outro argumento, inclusive com amparo jurisprudencial – conforme ver- se-á no tópico seguinte –, em prol dessa tese é que a ordem prisional, quando decretada de acordo com os pressupostos legais, não geraria dever de indenizar, ante a inexistência de ilicitude no comportamento estatal.

Sintetizando, as principais teses doutrinárias pela irresponsabilidade nesses casos se fundamentam nas seguintes razões: soberania do Poder Judiciário, independência dos magistrados no exercício de suas funções, não inclusão dos magistrados na norma constitucional que prevê a responsabilidade do Estado por danos provocados aos particulares e, por último, desrespeito à coisa julgada.

Entretanto, quanto ao primeiro argumento, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo

Meirelles (2004) rebate:

(19)

Totalmente infundada é a pretensão do primeiro argumento ao afirmar a irresponsabilidade do Poder Judiciário, tendo em vista que a soberania não pode funcionar como atributo de uma das funções estatais, de maneira exclusiva, só se permitindo o reconhecimento de tal prerrogativa à nação.

[...]

A interpretação levantada chega a equiparar os poderes, em especial a função Judiciária à totalidade do próprio Estado, como se fosse possível cindir e exercer a soberania livremente, sem vinculação alguma ou subordinação a outros elementos.

Ademais, mesmo que o exercício da jurisdição fosse considerado ato de soberania, não poderia isso significar irresponsabilidade do Estado, não se contrapondo a soberania à noção de responsabilidade.

No mesmo passo, a administrativista Maria Silvia Zanello Di Pietro (2014, p. XXX) se contrapõe ao segundo argumento da corrente contrária, ao aduzir em suas lições que "A ideia de independência do Judiciário também é inaceitável para o fim de excluir a responsabilidade do Estado, porque se trata de atributo inerente a cada um dos Poderes. O mesmo temor de causar danos, poderia pressionar o Executivo e o Legislativo”.

Quanto à inexistência de ilicitude na ordem prisional regularmente decretada – argumento que seria capaz de ilidir o pleito indenizatório, vale lembrar que ela (inexistência de ilicitude) não é pressuposto da responsabilidade civil do Estado. Com efeito, apenas o são a conduta, o dano e o nexo causal, de modo que nem mesmo a Constituição Federal exige a presença da ilicitude, para que subsista o pedido indenizatório.

Já em relação à não inclusão dos magistrados na norma constitucional que prevê a responsabilidade do Estado por danos provocados aos particulares, é cogente destacar que a responsabilidade não é do agente público, mas sim do Ente ao qual pertence. Trata-se de lição administrativa basilar que desmonta esse argumento.

Por último, quanto à coisa julgada, ela não constitui óbice para o impedimento do dever de indenizar, na medida em que a própria Constituição Federal admite a relativização desse instituto por meio, no processo penal, da Revisão Criminal e, no processo civil, da Ação Rescisória.

3 A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

Como fonte do direito, a jurisprudência constitui a reiterada aplicação da lei ao caso

concreto. Essa tarefa é confiada aos magistrados, a quem se impõe a missão de particularizar a

(20)

vontade do ordenamento à lide apresentada. Resta, assim, analisar o tratamento que o tema tem recebido na Suprema Corte.

Para tanto, foram examinados quatro casos relacionados a pedidos de indenização decorrentes de prisão processual sucedida de decreto absolutório. Em dois dos acórdãos, impôs- se dever de indenizar (RE 42.723/MG e RE 385.493/SP), e nos restantes eliminou-se tal dever (RE 70.121/MG e RE 505.393/PE).

Contempla-se, assim, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, desde a década de 1960, até a segunda metade dos anos 2000, fixando-se, como critério temporal inicial, a promulgação da Constituição de 1946, que inaugurou no ordenamento a responsabilidade objetiva do Estado.

3.1 RE 42.723/MG (1960)

O episódio dos Irmãos Naves é considerado o primeiro e mais emblemático caso de erro judicial da história brasileira. Seus contornos peculiares o aproximam de um processo kafkiano, temperado com a crueldade das autoridades tupiniquins. O final da história é ainda mais enigmático, razão pela qual se requer especial atenção do leitor.

Segundo ensina o historiador Marcos Paulo de Sousa (1996), o evento se inicia no Município de Araguari/MG, em novembro de 1937. O contexto sociopolítico é de extremo caos:

a Intentona Comunista, ocorrida dois anos antes, fez com que Getúlio Vargas, presidente até então democraticamente eleito, instituísse o Estado Novo, a pretexto, dentre outros motivos, de combate à criminalidade. Como previsível, esse período ficou marcado pelo autoritarismo das forças policiais e violação sistemática dos direitos humanos.

Em Araguari/MG, cuja economia se fundava na atividade agrícola, era período de

colheita. Meses antes, Benedito Caetano, primo dos irmãos Naves – todos moradores da mesma

casa –, havia pego elevada quantia de dinheiro emprestado com amigos e familiares, a fim de

investir na plantação de arroz. Todavia, a safra ficou aquém do esperado, resultando em dívida

para o plantador.

(21)

De posse do valor obtido com a venda do insumo, a saber, 90 contos de réis, Benedito Caetano deixa, na madrugada de 29 para 30 de novembro de 1937, a casa onde morava com os primos, partindo com rumo incerto.

Após alguns dias sem que o plantador retornasse, os irmãos Sebastião e Benedito Naves comunicam o sumiço à polícia, que inicia as investigações. Cerca de um mês depois, os irmãos têm a notícia de um possível paradeiro do desaparecido. Comparecem, então, à Delegacia, para relatar os fatos; entretanto, um militar recém-chegado à cidade assumira as investigações: o Tenente Francisco Vieira dos Santos.

A autoridade adhoc, por desconfiar de que os irmãos tivessem assassinado o primo, a fim de subtrair a fortuna, prende-os e os submete a sessões de torturas, mediante o arrancamento de unhas e dentes com alicate. Inclusive, a mãe dos Naves, uma idosa de 66 anos de idade, que também foi presa, chegou a ser estuprada em frente a eles, por um dos policiais.

Em 17 janeiro de 1938, decreta-se prisão preventiva contra os irmãos, com fundamento, em relação a Joaquim Naves, na ausência de profissão definida, e em relação a Sebastião Naves, na possibilidade de fuga, ante o fato de este ser caminhoneiro.

Paulatinamente, formava-se no senso coletivo a ideia de que Sebastião e Joaquim eram culpados. Todavia, ao tomar conhecimento dos fatos, o advogado João Alamy Filho patrocina-lhes a defesa técnica.

Em 27 junho de 1938, os irmãos vão a julgamento perante o Tribunal Popular. As torturas e arbitrariedades sofridas são tornadas públicas, pelos réus e testemunhas. Ao final, são absolvidos por 6 votos a 1. Contudo, o Ministério Público apela ao Tribunal de Justiça, que anula o processo, com fundamento na falta de votação dos quesitos de coautoria.

Em 21 de março de 1939, os Naves vão a novo julgamento e, novamente, são absolvidos por 6 votos a 1. Uma vez mais, o Órgão Ministerial recorre, desta vez à Câmara do Tribunal de Apelação.

Em 4 de julho de 1939, em razão da ausência da regra de soberania do veredito popular, a Câmara cassa a decisão do júri e condena os réus a uma pena de 25 anos e 6 meses de prisão, com fulcro na inexistência de prova nos autos que corroborasse a decisão do povo.

Desta vez, quem apela são os irmãos, que conseguem, em 14 de agosto de 1940, uma redução

para 16 anos e 6 meses.

(22)

Em 12 de agosto de 1946, após mais de 8 anos no cárcere, Sebastião e Joaquim Naves alcançam liberdade condicional, por bom comportamento e terem cumprido de mais da metade da pena.

Dois anos depois, Joaquim Naves falece num Asilo em Araguari/MG, em razão de complicações decorrentes de doenças adquiridas no presídio.

Em 24 julho de 1952, isto é, aproximadamente 15 anos após o sumiço, o suposto morto, Benedito Pereira Caetano reaparece, provocando um turbilhão na pequena cidade.

Negou ter conhecimento sobre a condenação dos seus primos e foi ameaçado de linchamento pela população. Ficou preso durante 9 dias, tendo nesse período tentado suicídio. Por não haver indício do cometimento de qualquer crime, e considerando o Ministério Público e a Justiça que a possível apropriação indébita contra seus credores já estaria prescrita, Benedito Caetano foi posto em liberdade, após o que nunca mais foi visto.

Em 30 de setembro de 1952, o irmão supérstite e a viúva de Joaquim ajuízam pedido de revisão criminal, obtendo provimento judicial em 14 de outubro de 1953. O Tribunal mineiro assim decidiu:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Revisão Criminal, nº1.632, da Comarca de Araguari, PETICIONÁRIOS – Sebastião José Naves e Dª Antônia Rita de Jesus (viúva de Joaquim Naves Rosa), ACORDAM os Juízes do Tribunal de Justiça, infine assinados, em Câmaras Criminais reunidas, havendo como relatório o de fls. 52 e 53 no Parecer sintético do Dr. Sub-Procurador Geral do Estado, Dr. Mauro Gouveia, em, julgado válido deferir o pedido – e absolvendo os réus, Sebastião José Naves e Joaquim Naves Rosa, reconhecer-lhes o direito a uma indenização justa, pelo Estado, dos prejuízos sofridos, a qual se liquidará no juízo cível, f. Legal, o que assim decidem pelos motivos seguintes, em resumo:

É patente dos autos, pelo reaparecimento de Benedito Pereira Caetano (justificação de fls. 1 a 32), o êrro do acórdão condenatório de fls. 129 a 131, do Tribunal de Justiça.

Realmente.

Crime algum ocorreu no caso dos autos, como reconhece, probamente, o Parecer, citado, a fls. 153, linhas 1 a 7.

- E o Estado pagará aos Réus, injustamente condenados – uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

A injusta condenação, ressaltada pela ressurreição do ‘morto’ imaginário, decorreu,

na espécie, principalmente, de não haver o acórdão condenatório se estribado em

corpo de delito de qualquer, direito ou indireto, para reconhecer o assassínio de

Benedito com o escôpo do furto. É, também, de se haver com libre uma confissão

manifestamente extorquida pela violência policial, confissão que, assim, impede a

imunização do Estado prevista no §2º do art. 630 do C.P.P. como é de uniforme

doutrina. E custas na forma da lei. Belo Horizonte, 14 de outubro de 1953.” (fls. 109,

3º volume).

(23)

A decisão do Tribunal foi arrematada pelo voto do Relator, Des. José M. Burnier Pessoa Melo:

[…] E, assim, pela pressão das circunstâncias, reconheçamos, pro justicia, que isto (os três volumes dos autos) não mais é que uma amálgama de equívocos, o parto da violência e uma torpeza incrustada num embuste.

[…] Do Sr. Milton Camp, grande jurista e cidadão perfeito são estas palavras: ‘Errar é humano, e seria crueldade exigir do juiz que acertasse sempre. O erro é um pressuposto da organização judiciária que, por isso mesmo, instituiu a instância do julgamento a instância de revisão’.

Realmente, a ‘linha de perfeição é uma assíntola à curva descrita pelo progresso humano’ (Clarindo Burnier).

E, agora, o próprio Tribunal, reformando-se a sim mesmo, ensina, e prega, pela técnica de exemplo, a juventude do Direito e a eterna realeza da Justiça [...] (fls. 110 a 119, 3º volume).

No juízo cível de primeiro grau, estabeleceu-se indenização fixada em doze milhões de cruzeiros. No entanto, após sucessivos recursos por parte do Estado de Minas Gerais, em relação à contagem de juros aplicável à espécie, bem como ao cabimento de danos morais, o caso chega à Primeira Turma Suprema Corte, que, sob relatoria do Ministro Nelson Hungria, decidiu na forma da seguinte ementa:

Êrro judiciário não é crime, não havendo, portanto, falar-se na espécie em juros compostos.

Por outro lado não é indenizável o dano moral considerado em si mesmo, conforme reiterada jurisprudência desta Côrte.

Embargada a decisão pelas vítimas, o recurso foi julgado em 6 de janeiro de 1960, pelo Tribunal pleno, sob relatoria do Ministro Henrique D'ávila. Em decisão unânime, nos termos do voto conducente, o pleito dos irmãos foi provido, todavia apenas em parte, como se observa a seguir:

[…]

Trata-se, na realidade, de fixar indenização justa, consoante o prescrito no art. 650, do Código de Processo Civil.

Quais seria, portanto, os prejuízos sofridos pela injusta e ilegal condenação dos autores?

Foram êles de ordem material e moral, indubitavelmente.

O venerado acórdão embargado disse, abôrdoando a jusrisprudência, que o dano moral, considerado em si mesmo, não é indenizável.

Tal afirmativa, é certa e irrecusável. Mas, em verdade, a questão não foi posta nestes recursos pelo M. Julgador da primeira instância.

A sentença, reportando-se ao laudo pericial, atribuiu a cada um dos injustiçados ‘a

importância que lhe deve ser paga como indenização dos danos materiais que lhes

foram causados pelos danos morais’.

(24)

Não se cogitou, portanto, do ressarcimento de danos morais, considerados em si mesmos. Mas, de suas naturais e indisfarçáveis consequências.

Se o sofrimento moral é acompanhado de repercussão de ordem econômica, geradora de danos materiais ao patrimônio individual, é evidente que êstes prejuízos devem ser devidamente indenizados.

Ficou perfeitamente elucidado pela Justiça Local que Joaquim Naves Rosa faleceu na prisão, em consequência de torturas incríveis, físicas e morais, a que foi submetido (fls. 425).

Por outro lado, Sebastião Naves, a segunda vítima da sanha policial, também definhou e aniquilou-se no cárcere, física e moralmente.

Afirmam as testemunhas, a seu rôgo, que suas respectivas famílias encontram-se na miséria, pela morte de um e incapacidade de outro para qualquer serviço. O caso vincula-se estritamente ao conceito de ato ilícito. O erro judiciário ocorreu, exclusivamente, como consequência inelutável das incríveis violências policiais, imputáveis ao Estado de Minas, que escolheu pêssimamente seus agentes para a apuração do suposto a malsinado delito.

Tudo isso foi reconhecido e proclamado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Nestas condições, a indenização, para ser justa, nos precisos têrmos em que foi deferida em gráu de revisão criminal, deve abranger tôdo prejuízo sofrido pelas pobres vítimas, que perderam sua liberdade, vida e patrimônio.

Ante o exposto, recebo os embargos para restabelecer a sentença de primeira instância, excluído o anatocismo, por incorporável na espécie.

Os juros deverão ser computados na forma prevista pelo art. 3º, do decreto 22.875, de 31 de maio de 1933.

É o meu voto, Senhor Presidente.

Com efeito, observa-se que o Supremo Tribunal reconheceu ser o caso hipótese erro judiciário, ressaltando, em contrapartida, que a falha no serviço judicial decorreu dos arbítrios cometidos pela autoridade policial, e destacando a ocorrência de ato ilícito. Vincula, ademais, a indenizabilidade dos danos morais à repercussão na esfera econômica do prejudicado.

Indubitavelmente, o julgado é uma síntese do pensamento jurídico assentado no Brasil até a primeira metade do século XX. O Código Civil de 1916, impregnado pelos valores do Código Napoleônico, carregava a ideia de não indenizabilidade do dano moral, este entendido como “as dores da alma”. Posteriormente, em torno da década de 1950 evoluiu-se ao pensamento de que essa espécie de dano poderia ser reparada, desde que reverberasse na esfera patrimonial. Hoje, em contrapartida, entende-se que o dano moral pode ser reparado, inclusive de forma autônoma.

Sob outro aspecto, o codex civilista pátrio condicionava a responsabilidade civil

à ocorrência de ato ilícito. Este, por sua vez, gerava responsabilidade civil, de maneira que os

conceitos quase que se confundiam. Entretanto, desde o início do século passado, Pontes de

(25)

Miranda, citado por Cristiano Chaves (2014, p. 183) sustentava ideia contrária, no sentido de que o “delito civil pode importar, não indenização, mas outra sanção; de forma que não há perfeita coincidência entre o conceito de delito civil e o de prestação de perdas e danos”.

Modernamente, o que prevalece é o entendimento ponteano.

Em relação à Responsabilidade do Estado, o acórdão tratou o tema de maneira brevíssima, limitando-se a reconhecer a ocorrência de erro judiciário, sem conceituá-lo e ressaltando este que decorreria das arbitrariedades praticadas pelos agentes policiais. Não foram tangenciadas, assim, as teorias pertinentes, nem se abordou o dispositivo da Carta de 1946 o qual impunha, embora de maneira genérica, o dever de indenizar 3 .

O fundamento para a imposição de responsabilidade do Estado não foi a prisão cautelar seguida de absolvição, mas sim a possibilidade pavimentada pelo instituto da revisão criminal, previsto no art. 630 do Código de Processo Penal e que garantia, de modo inequívoco, a compensação patrimonial pelos prejuízos sofridos.

De todo modo, a despeito da aridez na fundamentação, o Recurso Extraordinário sob exame representa um caso paradigmático na jurisprudência do Supremo, que, pela primeira vez, imputou, ainda que genericamente, responsabilidade civil ao Poder Público, em decorrência de erro cometido pelo Judiciário.

Nesse sentido, é possível entender, à primeira vista, que essa imposição de responsabilidade abriria margem para condenação à Fazenda Pública em qualquer hipótese de erro judiciário. No entanto, o que sobreveio nas décadas seguintes foi uma reviravolta jurisprudencial no âmbito da própria Suprema Corte, que, de regra, acabou por limitar tal responsabilidade do Estado, conforme registrado a seguir.

Em sede do RE 35.500/SP, julgado pelo Corte Máxima no ano de 1966, assentou-se a seguinte tese:

O Estado só responde pelos erros dos órgãos do Poder Judiciário na hipótese prevista no art. 630 do Cód. de Proc. Penal. Fora dela, domina o princípio da irresponsabilidade, não só em atenção à autoridade da coisa julgada como também à liberdade e independência dos magistrados.

3 Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus

funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os

funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

(26)

Em seu voto, o relator Min. Villas Boas afirmou de modo categórico que:

No momento atual, só é possível requerer ao Estado indenização por erro judicial, na hipótese do art. 630 do Código de Proc. Penal. Não há outra previsão porque a do art.

121 do Cód. Proc. Civil se refere à responsabilidade pessoal do juiz.

Conforme relata Adhemar Ferreira Maciel, esse entendimento sofreu forte influência das lições de Pedro Lessa, para quem:

A irresponsabilidade do poder público neste caso é um corolário fatal da autoridade da res judicata. Ao particular lesado por uma sentença judicial só poderia ser facultada a propositura de uma ação de indenização, depois de ter esgotado todos os recursos processuais; mas, depois de esgotados todos esses recursos, a sentença é irretratável.

Reclamar do Estado uma indenização por essa rescisão inalterável fora iniciar um novo litígio sobre a questão já ultimada por uma sentença passada em julgado.

Consequentemente, só nos casos de revisão e de rescisão da sentença é que podem os particulares obter o ressarcimento do prejuízo infligido por uma sentença ilegal.

Percebe-se, então, a ocorrência de uma virada conservadora no pensamento da Corte, que passou a replicar o entendimento exarado nesse Recurso Extraordinário a aos casos seguintes, inclusive no analisado a seguir.

3.2 RE 70.121/MG (1971) e REsp 427.560/TO (2002)

O caso apreciado se passou no Município de Carmo de Minas/MG, no início da década de 1960. Júlio Batista da Silva, comerciante, é denunciado após ter supostamente emitido cheques sem fundos, tendo, inclusive, sido decretada sua prisão preventiva.

Após interrogatório do réu em 15 de abril de 1961, o magistrado, sem proferir

qualquer decisão, conservou os autos conclusos para si, até 16 de janeiro de 1964, a despeito

das reiteradas solicitações de devolução do feito por parte do Ministério Público. Desse modo,

o acusado permaneceu encarcerado durante 3 anos e 17 dias, dos quais 2 anos e 9 meses, em

razão da desídia da autoridade judicial. Ao final do processo, inclusive com parecer Ministerial

favorável ao réu, o comerciante foi absolvido.

(27)

Diante disso, Júlio Batista da Silva buscou reparação econômica contra o Estado de Minas Gerais, alegando que o encarceramento culminou na falência de seu estabelecimento comercial.

Em primeiro grau, teve seu pedido indeferido, sob o fundamento de inexistência de nexo causal entre a prisão e a bancarrota. Ademais, destacou o juízo de piso que o próprio autor teria concorrido para a longa permanência na clausura, visto que, apesar de ter tido oportunidade, não teria lançado mão dos mecanismos processuais que garantissem sua liberdade.

Em grau recursal, a decisão foi mantida, destacando o Tribunal Mineiro que:

[…] o Estado não é civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei, porquanto a administração da justiça é um dos privilégios da soberania. Assim, pela demora da decisão de uma causa responde civilmente o Juiz, quando incorrer em dolo ou fraude, ou ainda sem justo motivo recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de ofício ou a requerimento da parte (art. 121 do Cod. Proc. Civil). Além disso, na espécie não se trata de responsabilidade civil decorrente de revisão criminal (art. 630 e seus parágrafos do Cod. Processo Penal).

Em recurso excepcional, o caso chegou à apreciação pela Suprema Corte. Da Primeira Turma, o caso foi remetido diretamente ao Pleno, com relatoria inicial do Min.

Aliomar Baleeiro, que, vencido, assim manifestou seu entendimento vanguardista:

[...]

II. O primeiro fundamento do recurso repousa no art. 105 da Constituição Federal de 1967: “As pessoas jurídicas de Direito Público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.” O caso ocorreu sob o regime da Constituição Federal de 1946, que continha norma igual no art. 194.

Entende o Recorrente que os magistrados, nesse dispositivo, a exemplo do que ocorre noutros diplomas, como o Código Penal, estão abrangidos no conceito genérico de

“funcionários”.

[…]

De início, admito a tese do Recorrente:- “funcionários”, no art. 105 da Constituição Federal de 1967, ou 194 da Constituição Federal de 1946, são os mesmos

“representantes” do art. 15 do Código Civil, inclusive os órgãos e agentes dos três Podêres, e não apenas aquêles que as leis antigas chamavam de “empregados públicos” da Administração.

[…]

Assim, a meu ver, o art. 105 da Constituição Federal de 1967 abarca em sua aplicação

os órgãos e agentes do Estado, como os chefes do Poder Executivo, os Ministros e

Secretários d´Estado, os Prefeitos, ainda que não sejam funcionários no sentido do

Direito Administrativo. E, com maior razão, também os juízes, como agentes do

(28)

Estado para a função jurisdicional dêste, que os coloca sob regime especial de garantias no interesse de tal função. Êsse regime especial e a natureza específica de sua atividade não lhes tiram o caráter de funcionários, lato sensu.

[…]

Casos como os dêstes autos não podem ser aferidos pelos votos dos gloriosos magistrados das gerações anteriores, que nos precederam nesta Corte há cerca de meio século, quando ainda vacilava o espírito jurídico contra os privilégios da irresponsabilidade do Estado pelos atos dolosos ou culposos de seus agentes em serviço.

[…]

Hoje, ou melhor, desde 1946, a regra não pode ser posta em dúvida, nem sofrer restrições, que não existem no art. 194 da Constituição Federal 1946 ou 105, da Constituição Federal de 1967.

VI. Por essas razões suficientes, - e que não são tôdas – conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de julgar a ação procedente, liquidando-se as perdas e danos na execução.

No entanto, o Min. Djaci Falcão abriu divergência que restou vencedora, qualificado-se, dessa forma, como Relator para acórdão. Em seu voto, manifestou-se da seguinte maneira:

[…]

É fora de dúvida a responsabilidade do Estado, em razão de danos causados por funcionários administrativos. Porém, quando se cogita da responsabilidade do Estado em virtude de ato jurisdicional, a quaestio jure assume feição polêmica na doutrina e mesmo na jurisprudência. No caso concreto, como ficou explícito no relatório, as decisões das instâncias ordinárias seguiram a diretriz predominente na jurisprudência pátria, ou seja de que a responsabilidade do Estado por ato judicial somente se verifica quando prevista em lei, como se dá na hipótese da revisão criminal julgada procedente e em que se reconhece ao interessado o direito a indenização pelos prejuízos sofridos (§1º do art. 630, do Código de Processo Penal).

[…]

No caso concreto a decisão impugnada cingiu-se a emitir um juízo interpretativo não só razoável, por encontrar apoio de juristas do porte de Carlos Maximiliano (Comentário à Constituição Brasileiro de 1946, 4

a

. Edição, vol. III, pág. 260), dentro outros, mas que afina com a jurisprudência predominante (como por exemplo RE 35.500, rel. Ministro Villas Boas in Rec. For. 194/159 e 160; RE 35.518, rel. Min Vilas Boas, in Rec. For. 220/105 a 111).

[…]

Com estas singelas considerações, preliminarmente, não conheço do recurso.

Ao final, o acórdão restou assim ementado:

No acórdão objeto do recurso extraordinário ficou acentuado que o Estado não e

civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos

expressamente declarados em lei, porquanto a administração da justiça e um dos

privilégios da soberania. Assim, pela demora da decisão de uma causa responde

civilmente o Juiz, quando incorrer em dolo ou fraude, ou ainda sem justo motivo

(29)

recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de oficio ou a requerimento da parte (art. 121 do Cod. Proc. Civil) Além disso, na espécie não se trata de responsabilidade civil decorrente de revisão criminal (art. 630 e seus parágrafos do Cod. de Processo Penal).

Impõe-se a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público quando funcionário seu, no exercício das suas atribuições ou a pretexto de exercê-las, cause dano a outrem.

A pessoa jurídica responsável pela reparação e assegurada a ação regressiva contra o funcionário, se houve culpa de sua parte.

In casu, não se caracteriza negativa de vigência da regra do art. 15 do Código Civil, nem tão pouco ofensa ao princípio do art. 105 da Lei Magna. Aferição de matéria de prova (súmula 279).

Recurso extraordinário não conhecido.

Como se observa, apesar da tentativa do Min. Eliomar Baleeiro no sentido de proceder a um overruling 4 no conservador tratamento dispensado ao tema, prevaleceu o clássico entendimento jurisprudencial do Supremo, isentando o Estado de responsabilização por atos do Judiciário, salvo nos casos previstos em lei.

Esse pensamento manteve-se firme durante as décadas seguintes, sendo replicado pelos Tribunais estaduais e federais de todo o país. Entretanto, começa a perder força no início dos anos 2000, com a vanguarda do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido é o REsp 427.560/TO:

PROCESSO CIVIL. ERRO JUDICIÁRIO. ART. 5º, LXXV, DA CF. PRISÃO PROCESSUAL. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. 1. A prisão por erro judiciário ou permanência do preso por tempo superior ao determinado na sentença, de acordo com o art. 5°, LXXV, da CF, garante ao cidadão o direito à indenização. 2. Assemelha-se à hipótese de indenizabilidade por erro judiciário, a restrição preventiva da liberdade de alguém que posteriormente vem a ser absolvido. A prisão injusta revela ofensa à honra, à imagem, mercê de afrontar o mais comezinho direito fundamental à vida livre e digna. A absolvição futura revela da ilegitimidade da prisão pretérita, cujos efeitos deletérios para a imagem e honra do homem são inequívocos (notoria non egent probationem ). […] 6. Recurso especial desprovido. (rel. Min. Luiz Fux, pub. DJ 30/09/2002, p. 204).

A partir de então, abre-se possibilidade de superação ou, pelo menos, mitigação da jurisprudência clássica do Supremo, que alterou seu entendimento, conforme se observa a seguir.

4

O overruling é a a reavaliação dos fundamentos que levaram à formação de um precedente, de modo que se

acaba por cancelar a fórmula anterior e atribuir uma nova interpretação, que pode ser total ou parcialmente

diferente da anterior ( VOLPE CAMARGO, 2012, p. 569).

(30)

3.3 RE 505.393/PE (2007)

O caso concreto se passa na década de 1980 e envolve o ex-Reitor da Universidade Federal Rural de Pernambuco Waldecy Fernandes Pinto, titular de renomado currículo acadêmico.

Após informações preliminares de que ele, em concurso com o Vice-Reitor e com a Diretoria de Contabilidade da referida Autarquia, teria inserido servidores fantasmas na folha de pagamento e se apropriado da remuneração devida a estes, os três investigados foram, de maneira estrepitosa, com repercussão na mídia nacional, presos preventivamente e denunciados por peculato doloso.

Em primeiro grau, a sentença desclassificou o delito para a modalidade culposa, impondo pena de sete meses de detenção. Em grau recursal, o extinto Tribunal Federal de Recursos manteve a condenação, embora reduzisse em um mês a pena aplicada, e a coisa julgada assim se formou no ano de 1989.

No entanto, após pouco mais de um ano do trânsito em julgado do acórdão condenatório, sobreveio Tomada de Contas Especial, por parte do Tribunal de Contas da União, que eximiu de toda responsabilidade os servidores. Diante disso, foi proposta Revisão Criminal junto ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que absolveu os três condenados.

Após, o ex-Reitor propôs ação de indenização contra a União, com fundamento na condenação desconstituída pela Revisão, na prisão preventiva e em declarações difamatórias pelo Membro do Ministério Público Federal envolvido.

No juízo de piso, todos os pedidos foram julgados improcedentes. Em segundo grau, repeliu-se a indenização pelas declarações Ministeriais, embora se tenha garantido indenização com base na desconstituição da condenação, assim como pela prisão preventiva indevida, tudo somando um valor final de R$100.000,00 (cem mil reais).

A União recorreu, pleiteando total improcedência da ação e aduzindo que a regra

seria a não responsabilização do Estado por ato do Judiciário, além do que eventual condenação

dependeria de demonstração de dolo ou erro grosseiro por parte do magistrado – nos parâmetros

da teoria subjetiva. O Superior Tribunal de Justiça negou seguimento, por ser a questão de

cunho eminentemente constitucional, e os autos subiram ao STF.

(31)

Sob relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, a Primeira Turma decidiu na forma da seguinte ementa:

ERRO JUDICIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO.

DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE CONDENAÇÃO DESCONSTITUÍDA EM REVISÃO CRIMINAL E DE PRISÃO PREVENTIVA. CF, ART. 5º, LXXV. C. PR. PENAL, ART. 630. […] 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. (no original, sem grifo).

Desse modo, constata-se que os argumentos da União foram no todo repelidos, reforçando-se o entendimento de que a responsabilidade do Estado não depende de dolo ou culpa do magistrado, bem como ser cabível indenização por prisão preventiva indevida.

Em seu voto, o relator, ao tempo em que destaca a curiosidade que o tema desperta, frisa a pobreza jurisprudencial em torno deste. Após traçar um panorama histórico sobre responsabilidade do Estado por erros judiciais, ressalta:

Enfim, teria outras considerações a fazer, mas o que se discute, hoje, muito, é o problema da prisão preventiva indevida; são outras hipóteses de indenização por decisões errôneas ou por “faute de service” da administração da Justiça, que não estão efetivamente previstos no art. 5º, LXXV, da Constituição, que não barra a discussão infraconstitucional da matéria, porque o art. 5º, LXXV, é uma garantia. Portanto, um mínimo que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público, como é o doloroso caso objeto do Recurso Extraordinário nº 70.121, a que me referi’.

O voto do relator foi seguido pela Min. Carmem Lúcia, embora dele tenha discordado o Min. Ricardo Lewandowski, que restou vencido. De todo modo, sinaliza-se para mais uma virada jurisprudencial, desta vez em favor do jurisdicionado.

3.4 RE 385.943/SP (2009)

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