Fabiane Goulart dos Santos Silva
A ATENÇÃO BÁSICA COMO EIXO
ESTRUTURADOR DE UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO: AVANÇOS E DESAFIOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família, Universidade Federal de Minas Gerais, para obtenção do Certificado de Especialista.
Orientador: Prof.Dr. Ângela Maria de Lourdes Dayrell de Lima
Belo Horizonte, 2010
Fabiane Goulart dos Santos Silva
A ATENÇÃO BÁSICA COMO EIXO ESTRUTURADOR DE UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO: AVANÇOS E
DESAFIOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família, Universidade Federal de Minas Gerais, para obtenção do Certificado de Especialista.
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Orientador: Prof. Dr. Ângela Maria de Lourdes Dayrell de Lima
Banca Examinadora
Prof. Maria Terezinha Gariglio Prof. Patrícia Diniz
Aprovado em Belo Horizonte: 18/12/2010
Resumo
O fortalecimento da Atenção Primária é uma forte tendência mundial com o objetivo de oferecer melhores serviços de saúde para a população, além de racionalizar os gastos em saúde. Avanços no sistema de saúde brasileiro vieram com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) o qual trazia a saúde como direito de todo o cidadão e dever do Estado. O Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado visando estruturar a atenção básica como porta de entrada para os serviços de saúde, além de ser visto como um meio para a promoção dos princípios do SUS, tais como a universalidade, a integralidade e a equidade. Belo Horizonte destaca-se no cenário nacional ao adotar precocemente e de maneira eficiente os princípios, as indicações do SUS e implantar amplamente o PSF. Melhoras no sistema de saúde desta metrópole podem ser demonstradas através da análise de dados epidemiológicos, porém muitos entraves ainda impedem um maior avanço das práticas de saúde propostas pelo PSF e alguns deles foram analisados e discutidos objetivando a melhoria dos serviços de saúde prestados à população.
Palavras chave: Atenção Primária, Sistema Único de Saúde (SUS), Programa de Saúde da Família
Abstract
Strengthening Primary Health Care is a strong global trend with the goal of providing better health services for the population, in addition to rationalize spending on health. Advances in the Brazilian health system came with the creation of the Unified Health System (SUS) which brought the health for all citizens and the duty of the state. The Family Health Program (PSF) was implemented in order to structure primary care as gateway to health services, and is seen as a means for promoting the principles of the SUS, such as universality, comprehensiveness and fairness. Belo Horizonte stands out on the national stage to take early and effectively the principles, indications of the SUS and widely deploy the PSF. Improvements in the health system in this city may be demonstrated through the analysis of epidemiological data, but many obstacles still prevent a further advancement of health practices proposed by the PSF and some of them were analyzed and discussed aiming at the improvement of health services rendered to the population.
Key words: Primary health care, Unified Health System, Family Health Program.
Lista de Tabelas e Gráficos
Gráfico 1
Tabela 1
Tabela 2
Gráfico 2
Percentual de partos de partos de mãe adolescentes em Belo Horizonte, 1996 a 2004
Distribuição das gestantes cadastradas no SISPRENATAL, Belo Horizonte, 2001 a 2004
Taxas de internação por asma e pneumonia em menores de 5 anos em Belo Horizonte em 2003 e 2004
Coeficiente de mortalidade por causas externas, BH, 1980 a 2004 39
40
42
43
Sumário
1- Introdução ...
2 - Objetivos...
3 - Metodologia...
4 - Desenvolvimento ...
4.1 - Origens da Atenção Primária ...
4.2 – Evolução do sistema de saúde brasileiro e o fortalecimento da Atenção Primária em Saúde ...
4.3 - Histórico do Sistema de Saúde de Belo Horizonte ...
4.4 – A Atenção Primária em Saúde no município de Belo Horizonte e o Programa de Saúde Família ...
4.5 – O PSF como eixo norteador da atenção primária em Belo Horizonte:
avanços e desafios. ...
4.5.1 – Valores do sistema de saúde ...
4.6– Diretrizes assistenciais do sistema municipal. ...
4.6.1 - Atuação em equipe / Recursos Humanos...
4.6.2 – Primeiro contato (porta de entrada ao sistema de saúde) ...
4.6.3– Acolhimento e demanda espontânea ...
4.6.4 – Atenção Domiciliar ...
4.6.5 – Estabelecimento de vínculo / Responsabilização do cuidado / Autonomização do usuário ...
4.7– Infra - estrutura das unidades básicas de saúde ...
4.8 – Educação em Saúde ...
4.9 – Registros em Saúde ...
4.10 – Resultados do PSF no Perfil Epidemiológico e nos indicadores de saúde de Belo Horizonte ...
5 – Conclusão ...
6- Referências Bibliográficas...
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1 – Introdução
No sistema de saúde de vários países do mundo existe forte tendência de investimento na atenção básica. O fortalecimento deste nível de atenção é de fundamental importância para reorganização de sistemas de saúde em nações que buscam promover o acesso igualitário aos serviços e o alcance de um ótimo nível de saúde a todas as classes sociais. Alguns países europeus já valorizam a atenção básica há algumas décadas e tem obtido resultados expressivos no nível de satisfação dos usuários e na racionalização com os gastos em saúde. Tal fato se deve às ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, além do emprego de tecnologias apropriadas.
Segundo Giovanella (2008), na atenção primária em saúde tem-se a preocupação com os custos crescentes da assistência médica em decorrência do uso de novas tecnologias, que permanecem em grande parte, sem avaliação adequada de benefícios para a saúde das populações, razão pela qual se introduziu o termo tecnologias apropriadas: tecnologias relevantes para as necessidades de saúde da população, que fossem corretamente avaliadas e tivessem elevada relação custo-benefício.
A Conferência de Alma-Ata, realizada em 1978 foi um marco na valorização da atenção primária em saúde por todo o mundo. Participaram deste evento 134 países os quais discutiram a responsabilização dos governos sobre a saúde dos povos enfatizando medidas sanitárias e sociais.
A concepção de atenção primária expressa na Declaração de Alma-Ata é abrangente, pois considera a atenção primária em saúde como função fundamental do sistema nacional de saúde e como parte do processo mais central de desenvolvimento social e econômico das comunidades. Portanto, envolve a cooperação com outros setores de modo a promover o desenvolvimento social e enfrentar os determinantes de saúde mais amplos de caráter sócio-econômico (GIOVANELLA, 2008).
Segundo Starfield (2002), são características específicas da APS: a prestação
de serviços de primeiro contato; a assunção de responsabilidade longitudinal
pelo paciente com continuidade da relação clínico-paciente ao longo da vida; a
garantia do cuidado integral considerando-se os âmbitos físicos, psíquicos e sociais da saúde dentro dos limites de atuação do pessoal de saúde; e a coordenação das diversas ações e serviços indispensáveis para resolver as necessidades menos freqüentes e mais complexas.
É importante ressaltar que o início de organização dos serviços da atenção primária aconteceu em países desenvolvidos, como a Grã-Bretanha em 1920.
Nesta época, já se propunha a formação de equipes, o desenvolvimento de atividades preventivas e o centro de saúde como local para desenvolvimento de tais ações.
No Brasil, o processo de consolidação da atenção primária se arrastou por várias décadas e sofreu influência dos sistemas de saúde de outros países, além de se alterar devido aos problemas políticos e econômicos passados pelo país.
Avanços no sentido de mudanças mais contundentes no sistema de saúde brasileiro aconteceram na década de 80, com a reformulação da Constituição Federal e com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual tem como princípios básicos a universalidade, a integralidade e a equidade. Este sistema também valoriza a participação popular e a estruturação dos serviços de forma descentralizada, regionalizada e hierarquizada.
Em 1994, na tentativa de fortalecer a atenção básica, o Ministério da Saúde cria o Programa Saúde da Família (PSF). Esta estratégia além de priorizar a promoção da saúde, a prevenção dos agravos e a reabilitação, busca prestar o cuidado de maneira integral e contínua. Segundo Starfield (2002), outra expectativa do PSF é a diminuição dos custos em saúde. Acredita-se que, concentrar o atendimento na atenção básica contribua para a diminuição dos custos por meio do aumento da resolutividade e uso racional de tecnologias, além do desenvolvimento de atividades de promoção e prevenção à saúde.
A mudança no sistema de saúde brasileiro ainda pode ser considerada recente,
se comparada a outros países que seguiram a tendência da valorização da
atenção básica. No entanto, percebe-se que diferenças no modo como essas
mudanças foram apresentadas à população e os apegos culturais ao modelo
médico-centrado baseado em especialidades têm se tornado pontos dificultadores para o progresso do PSF em nosso país.
De acordo com Franco & Merhy
O Programa de Saúde da Família é hoje uma das principais respostas do Ministério da Saúde à crise vivida no setor. Um estudo comparativo do PSF com a Medicina Comunitária e as Ações Primárias de Saúde (Alma Ata, 1978) mostra similaridades entre as três propostas, que se organizam a partir de um ideal racionalizador e operam através do núcleo teórico da epidemiologia e vigilância à saúde. (FRANCO E MERHY, 1999, p.1)
Em Belo Horizonte - BH, o sistema está implantado desde 2002 e, inicialmente foram priorizadas áreas de maior risco para adoecer e morrer, segundo o índice de vulnerabilidade, um indicador que associa indicadores de base populacional do IBGE com indicadores da saúde (MINAS GERAIS, 2009 – b).
Quanto à questão da adesão dos profissionais ao novo programa foram oferecidos incentivos para os que já atuavam nos centros de saúde. Para a Prefeitura de Belo Horizonte a estratégia de saúde da família deveria substituir a forma de organização anterior e possibilitar uma mudança na rede de serviços, sem redes paralelas e concorrentes.
Antes da implantação do PSF a atenção básica no município de Belo Horizonte era voltada para o atendimento médico com foco nas três clínicas principais:
geral, pediatria, ginecologia/obstetrícia. A lógica de atendimento era centrada na doença e no atendimento médico hospitalar (MINAS GERAIS, 2009 – b).
Em 2003 foi lançado pela Secretária Municipal de Saúde o documento “BH Vida: Saúde Integral”, com o objetivo de realizar um processo de discussão e avaliação da nova política de saúde implantada no município. Com relação à atenção básica foram levantados pontos que eram considerados entraves ao funcionamento dos centros de saúde e a qualidade do atendimento prestado. A partir de toda essa discussão no âmbito da gestão municipal, foram feitas definições estratégicas descritas em um documento denominado:
“Recomendações para a organização da atenção básica na rede municipal –
2003”. Neste documento, o Programa de Saúde da Família passou a ser
compreendido como eixo norteador da atenção básica, com diretrizes
definidas, a ser implementado pelos diversos profissionais dos Centros de Saúde. Além disso, foram apontadas as diretrizes assistenciais do processo de trabalho: o acesso universal, o estabelecimento de vínculo e a responsabilização do cuidado, a autonomização do usuário, a atuação em equipe, a assistência integral e resolutiva, a atenção generalista do médico de saúde da família, a equidade, a participação no planejamento, desenvolvimento de ações intersetoriais e o acolhimento.
Atualmente, a rede de atenção básica de Belo Horizonte é formada por 145 centros de saúde, considerados as principais portas de entrada para os serviços do SUS-BH. O atendimento é realizado por 508 equipes de Saúde da Família formadas por profissionais como médicos, enfermeiros, agentes comunitários, auxiliares de enfermagem, dentistas, psicólogos, dentre outros profissionais (MINAS GERAIS, 2009 – c)
A atenção básica da capital mineira vem sendo considerada referência nacional devido à ampla cobertura do Programa de Saúde da Família, uma vez que, os grandes centros urbanos, de forma geral, apresentam baixa cobertura. O referido programa é o eixo estruturador do sistema de saúde de Belo Horizonte alcançando a cobertura de 76% da população do município, o que corresponde a 1,8 milhões de habitantes (MINAS GERAIS, 2009 – a)
Apesar de todos os avanços demonstrados através de dados epidemiológicos (redução de mortalidade infantil, de mortes por agravos evitáveis e etc.) e ampliação do acesso aos serviços prestados pela atenção básica percebemos vários entraves para sucesso do Programa de Saúde da Família, apontados tanto por profissionais de saúde quanto por especialistas em saúde coletiva.
Atualmente temos uma população insatisfeita e não conhecedora das características do programa que as assiste, uma mídia que promove a degradação do sistema público de saúde e profissionais da saúde saturados, insatisfeitos e desesperançosos com a realidade na qual atuam.
Belo Horizonte, apesar de ser referência nacional devido à ampla cobertura do
PSF, também apresenta os problemas que acometem a atenção básica no
restante do país. Deste modo, faz se necessário um estudo geral sobre as
características do sistema de saúde com ênfase na atenção básica, e em particular, sobre o sistema de saúde belo-horizontino, objetivando uma análise sistemática para colaborar com alguns indicativos e proposições, que apontem na perspectiva de superação dos problemas visando à construção de um sistema mais eficaz e resolutivo para todos os atores envolvidos com o SUS.
2 - Objetivos
2.1- Objetivo Geral:
- Conhecer os avanços e entraves do sistema de saúde Belo Horizontino após mudanças advindas com a implantação do Programa de Saúde da Família.
2.2 - Objetivos Específicos:
• Conhecer o histórico do SUS e da implantação do PSF em Belo Horizonte referenciando o processo ocorrido no Brasil;
• Analisar a importância do PSF como eixo estruturador do sistema de saúde em Belo Horizonte.
• Descrever e analisar as melhorias ocorridas no sistema de saúde
brasileiro e belo-horizontino após a implantação do PSF.
3 - Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo realizado por meio de revisão de literatura, análise de dados e indicadores sobre o Sistema Único de Saúde, a Atenção Primária em Saúde e o Programa de Saúde da Família, com foco no processo ocorrido no município de Belo Horizonte.
O levantamento bibliográfico foi realizado no período de novembro de 2009 a março de 2010, utilizando-se as bases de dados virtuais LILACS e SCIELO.
Pesquisou-se artigos com os seguintes descritores: Sistema Único de Saúde, Programa Saúde da Família, Brasil e BH e Atenção Primária em Saúde, Brasil e BH. Foram encontrados nestas duas bases de dados, aproximadamente, 254 artigos e após a leitura dos resumos foram analisados 46 artigos, entre estes, 11 foram citados no trabalho.
Além das bases de dados virtuais realizou-se pesquisa no acervo da biblioteca do campus saúde da UFMG, sendo analisados livros de autores especialistas em saúde pública, assim como manuais do Ministério da Saúde, guias e documentos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH) disponíveis visando reconstituir o processo histórico do SUS nacional e municipal.
Como fonte de dados epidemiológicos utilizou-se os sistemas de informação
disponibilizados pelo governo, como o Sistema de Informações de Nascidos
Vivos (SINASC) e o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), dados
disponíveis no site da Prefeitura de Belo Horizonte e nos relatórios de gestão
do município. A análise destes dados serviu como base para demonstrar a
influência do PSF em alguns indicadores de saúde da capital mineira.
4 - Desenvolvimento
4.1 - Origens da Atenção Primária
A organização de um modelo com atenção primária expressiva teve início na Grã-Bretanha em 1920, quando foi proposta a instituição de três níveis de atenção no sistema de saúde deste país. Tal modificação no arranjo organizacional influenciou muitos países, os quais passaram a enfocar a atenção primária dentro de seus modelos de atenção (STARFIELD, 2002).
Em documento resultante da reunião da Assembléia Mundial, em 1977, foi apresentado o conceito amplo de saúde como direito humano fundamental, ressaltou-se a inaceitável desigualdade existente no estado de saúde dos povos, destacou-se a importância do desenvolvimento econômico e social baseados numa ordem econômica internacional e apontou-se como direito e dever dos povos participar do planejamento e da execução de seus cuidados de saúde. Neste contexto, a atenção primária foi discutida e apontada como caminho para alcance deste conjunto de objetivos (DECLARAÇÃO DE ALMA – ATA, 1978).
Na Conferência de Cuidados Primários em Saúde, realizada em Alma-Ata no ano de 1978, a saúde foi caracterizada por um estado de completo bem estar físico, mental e social. Para tanto, percebeu-se a necessidade de articulação do setor de saúde com os setores sociais e econômicos devido às grandes desigualdades sociais entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento (ALEIXO, 2002).
Nesta conferência, os cuidados primários foram considerados essenciais à
saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem
fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal dos
indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um
custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu
desenvolvimento. Nota-se que, já nesta época falava-se em um cuidado
envolvendo a família e não o indivíduo isoladamente. Percebia-se, também, a
preocupação com o uso racional de tecnologias para a manutenção do
equilíbrio financeiro no sistema de saúde, que possibilitasse o tratamento dos indivíduos de acordo com suas reais necessidades.
A partir da Conferência de Alma-Ata vários países, inclusive muitos deles industrializados com sistemas de saúde já consolidados, passaram a investir na atenção primária. Entretanto, estes investimentos tiveram como entrave o imperativo tecnológico do século XX, o qual foi responsável pela tendência à especialização e à inferioridade do generalista (STARFIELD, 2002).
4.2 – Evolução do sistema de saúde brasileiro e o fortalecimento da Atenção Primária em Saúde
Desde a chegada da família real ao Brasil foi possível identificar ações para o controle de doenças em nosso território. O enfoque dado era ao combate de doenças pestilenciais e a criação de serviços hospitalares de maneira bastante rudimentar (GIOVANELLA, 2008).
No século XIX, a prestação de serviços de saúde no Brasil se organizava em duas vertentes: as ações de saúde pública - voltadas para a população de maneira geral - e o atendimento individualizado, o qual era usufruído pelos habitantes da zona urbana detentores de condições econômicas para pagar por estes serviços (ACURCIO, 2005).
No início do século XX, devido a necessidades políticas e econômicas, foram desenvolvidas campanhas sanitárias que tinham caráter, sobretudo, emergencial. Numa época onde as exportações estavam ocorrendo a todo o vapor um controle sanitário fazia-se necessário para o combate às doenças, tais como: malária, varíola, febre amarela, peste bubônica, tuberculose dentre outras. Nesta época se destacava o trabalho de Osvaldo Cruz, Carlos Chagas, Emílio Ribas e Saturnino de Brito (GIOVANELLA, 2008).
Em 1930, a saúde pública tornou-se uma função do Estado em nosso país.
Campanhas de cunho preventivo e sanitarista continuavam a ser amplamente
desenvolvidas incluindo atividades de profilaxia nas áreas rurais. Na década de
1940, destaca-se o trabalho do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que
aliou ações de caráter coletivo e preventivo à assistência médica curativa vigente. Estas mudanças foram influenciadas pelo modelo de medicina preventiva norte-americana apresentada ao Brasil pela Fundação Rockfeller. A conseqüência mais marcante dessa parceria foi a incorporação de um modelo de campanha de saúde pública no Brasil que iria marcar a área muitos anos após a saída formal da Rockfeller do país (LACERDA, 2002).
Apesar de todas estas tentativas para o fortalecimento de atividades preventivas e sanitaristas, o modelo médico-curativo continuou sendo forte e hegemônico no sistema de saúde brasileiro. Nem a criação do Ministério da Saúde, em 1953, foi capaz de alterar o cenário que estava consolidado.
Com a crise financeira da década de 1970, observou-se um aumento nas taxas de morbidade e mortalidade, uma vez que, o sistema de saúde vigente dependia de tecnologias de alto custo e era dominado pelo setor privado.
Tentativas para melhoria deste quadro foram realizadas, porém a situação política e econômica do país não permitia a evolução do sistema de saúde tendo-se como regra a prática de uma medicina excludente e de pouca qualidade.
A década de 80 encontrou o sistema de saúde brasileiro sob forte contestação frente as suas características básicas. Surgiram daí, propostas alternativas de um modelo de saúde, que tivesse como pano de fundo a democratização, com participação popular; a universalização dos serviços de saúde; a relevância do sistema público; e a descentralização. Nesta década, a crise da previdência se aprofundou e as possibilidades de solução achavam-se, politicamente limitadas, por outro lado, havia maior participação e organização dos trabalhadores em todos os níveis, inclusive na área da saúde. Paralelamente à crise da previdência, intensificaram-se os movimentos de crítica ao modelo de saúde vigente. O próprio Ministério da Saúde convocou e organizou, em 1980, a VII Conferência Nacional de Saúde, tendo como tema os "Serviços Básicos de Saúde" (SOARES E MOTTA, 1997 p.1).
Houve, nesta década, uma ampla defesa de um Sistema Único de Saúde. A VIII Conferência Nacional de Saúde foi palco para discussões que levaram ao projeto de Reforma Sanitária, o qual teve influência direta na elaboração da Constituição Brasileira.
Segundo o Ministério da Saúde (2004):
O movimento da Reforma Sanitária realizou, nos anos 80, uma ampla mobilização da sociedade, de forma pluralista e suprapartidária, na luta pelo direito à saúde. Como movimento de reformas introduziu um comportamento distributivo ao afirmar uma agenda de democratização social e econômica, sincrônica à democratização política. Esta compreensão embasou a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que teve a participação de mais de 5.000 delegados e aprovou as bases da proposta de criação do Sistema de Seguridade Social e do Sistema Único de Saúde - um marco, em nosso país, não só pelo embate do direito à saúde como da construção democrática e participativa de políticas públicas, o que permitiu sua inclusão na Constituição Federal.
Os direitos sociais foram apresentados no artigo 6° da Constituição Brasileira e, entre eles, a saúde é apontada, assim como, a educação, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à infância e à maternidade e a assistência social. No artigo 196, a saúde é considerada direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas para a redução do risco de doença e de outros agravos, para o acesso universal e igualitário às ações e serviços visando a promoção, proteção e recuperação dos indivíduos (BRASIL, 1988).
É importante ressaltar que, políticas sociais e econômicas são citadas para a garantia de saúde aos cidadãos. Percebe-se que o conceito de saúde é apresentado de uma maneira bem mais ampla do que anteriormente, o que abriu precedentes para novos programas e estratégias. Deu-se assim, a construção do SUS, sistema universal de atenção à saúde tendo como alguns de seus princípios a descentralização, a integralidade e a participação comunitária.
Além do conceito ampliado de saúde, os conceitos de sistema e unicidade também são trazidos com o advento do SUS. A noção de sistema significa que não se trata de um novo serviço ou órgão público, mas de um conjunto de instituições, dos três níveis de governo e do setor privado contratado e conveniado que interagem para um fim comum. Já o conceito de unicidade traz a idéia de que a mesma doutrina e a mesma dinâmica de organização devem vigorar em todo o país (CUNHA, 1996 apud CAMPOS, 1998).
A partir da Constituição de 1988 e da implantação do SUS inicia-se o processo
de descentralização político administrativa no Brasil. Desta forma, amplia-se a
participação das esferas estadual e municipal, as quais passaram a
desempenhar novos papéis no sistema de saúde por meio de um conjunto de
atribuições e novo modelo de distribuição de recursos financeiros. Fleury &
Carvalho et al (1997) consideram que:
A revisão das experiências de reforma do Estado em diversos países revelou a presença, em quase todas as agendas, da proposta da descentralização como caminho para a melhoria de desempenho das políticas públicas. Podem ser, entretanto, identificados dois grandes padrões de mudança, a nível dos governos locais. Um, privatizante, onde o melhor desempenho é entendido como aumento da eficiência na prestação de serviços, o que é buscado através da transferência de funções públicas a terceiros e da adoção de mecanismos de mercado.
Outro, publicizante, onde o melhor desempenho é entendido também como um incremento da sensibilidade do governo em detectar e agir conforme as demandas da sociedade, o que é buscado através da instituição de novos mecanismos de interlocução e do aprimoramento da relação entre Estado e Sociedade, ou seja, pela maior influência da população organizada na elaboração e no controle de políticas públicas (Fleury e Carvalho et al, 1997 p 54).
No cenário político brasileiro, observa-se no início da década de 90, a presença de uma política neoliberal privatizante com a eleição de Fernando Collor de Mello. Todos os setores do governo foram profundamente atingidos com esta
“política de redução do Estado”, sobretudo o da saúde. São editadas, neste período, as Normas Operacionais Básicas (NOB) as quais tinham o objetivo de regular a transferência de recursos financeiros da união para os estados e municípios, o planejamento das ações de saúde, os mecanismos de controle social, dentre outros (POLIGNANO, 2003).
Segundo Negri (2002), as crises financeiras continuadas marcaram os primeiros anos do SUS e comprometeram a sua qualidade, a sua valia e o seu desenvolvimento. A partir da segunda metade dos anos 90, o orçamento da saúde cresceu. As soluções de emergência são substituídas por formulações que asseguram correções no orçamento federal e no compromisso das demais instâncias de governo, entretanto, sem garantir o financiamento necessário.
Em todo este cenário de mudanças no sistema de saúde brasileiro, inicia-se na década de 1990 o Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS. Com este novo programa surge um novo profissional: o Agente Comunitário de Saúde (ACS). As principais funções do ACS eram orientar e instruir a população sobre cuidados e boas práticas de saúde.
Na segunda metade da década de 1990, integra-se ao PACS o Programa
Saúde da Família- PSF, que tem o objetivo de reafirmar a atenção primária
como eixo norteador do sistema de saúde de vários municípios brasileiros.
4.3 - Histórico do Sistema de Saúde de Belo Horizonte
Belo Horizonte foi planejada para ser uma capital moderna, a qual pudesse oferecer boas condições de vida para seus habitantes. No entanto, desde o início, sua infra-estrutura foi projetada de maneira excludente o que favoreceu um processo de urbanização descontrolado. Este fator teve implicação direta no sistema de saúde deste município (BH, 2009)
Segundo Campos (1998), a ausência de uma política agrária que fixasse o homem do campo no interior do estado e o processo de industrialização deliberadamente centralizado na capital provocou um intenso movimento migratório, registrando-se, em determinados períodos, taxa de crescimento de até 7% ao ano em Belo Horizonte. Registrou-se nas décadas de 1920 a 1940 um grande processo de invasões de terras e formação de cortiços, o que contribuiu para uma aceleração do processo de favelização, o qual já vinha acontecendo desde o início da formação da cidade.
Essa forma de ocupação do espaço urbano determinou a existência de grupos sociais com diferenças importantes no acesso aos serviços de saúde, configurando perfis epidemiológicos e problemas de saúde diferentes (MG, 2009-a).
Vários movimentos foram realizados por parte da população com o objetivo de obter uma resposta do governo para esta situação de condições de vida precária, que vinha trazendo muitos malefícios para saúde dos habitantes de Belo Horizonte. Poucas atitudes, no entanto, foram tomadas e por interesses políticos mantinha-se o planejamento original e excludente projetado para a capital mineira (Campos, 1998).
Nas décadas de 1960 a 1980, Belo Horizonte continuou com seu forte
processo de industrialização e com isso as condições de saneamento básico,
serviços de saúde e educação apresentavam-se cada vez mais precárias. Tal
fato não pode ser considerado uma particularidade da capital mineira, visto que
ocorreu em várias outras cidades brasileiras, que optaram por um crescimento
industrial acelerado atraindo moradores do campo para a metrópole.
O modelo assistencial vigente em Belo Horizonte era o médico-centrado e a indústria farmacêutica exercia forte influência sobre o mesmo. O acesso aos serviços continuava desigual impossibilitando a universalidade e a equidade.
As pessoas que se encontravam doentes encaminhavam-se, principalmente, aos hospitais, onde, muitas vezes, não conseguiam atendimento. Os postos de saúde ofereciam consultas limitadas por distribuição de senhas o que fazia com que os usuários passassem as madrugadas nas filas para conseguir atendimento. Foram registrados nas décadas de 70 e 80 vários casos de óbitos nas portas das unidades de saúde de usuários devido a este fato.
Outro fato que contribuiu para o entrave de oferta de melhores serviços de saúde e educação para os moradores de Belo Horizonte foi a formação e o crescimento também exagerado das cidades do entorno da capital. Com serviços ainda mais precários que os da capital, os moradores destes municípios procuravam em Belo Horizonte atendimento médico o que tornava ainda mais complicado um desenvolvimento favorável do setor.
Para Campos (1998), a formação da Rede Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) gerou grandes problemas sociais. Talvez o mais sério de todos tenha sido o da saúde de seus habitantes. Neste aspecto é preciso notar um agravante, Belo Horizonte tornou-se referência quanto aos equipamentos de saúde de forma maciça, mas perdeu tributos para os municípios de Contagem e Betim, cidades industriais, fato que concorreu muito para a redução da arrecadação tributária.
Na década de 1990, com influência direta do movimento que se fortaleceu em todo o Brasil para a implementação do SUS, o governo que tomou posse em 1993 em Belo Horizonte viu no setor saúde uma prioridade e um desafio.
Investimentos maciços em todos os níveis de atenção eram necessários para
garantir à população os direitos assegurados pela Constituição Federal de
1988. Assim, foram necessários investimentos em várias áreas para que a
capital mineira conseguisse reduzir o processo de desigualdade fortalecido por
várias décadas. Realizou-se uma política de urbanização tentando melhorar as
condições de vida dos moradores das regiões periféricas, houve expansão dos
serviços de limpeza urbana, saneamento básico e abastecimento de alimentos,
além de investimentos na educação.
Para modificação deste quadro, Belo Horizonte optou por ser a primeira metrópole a adotar indicações do SUS. Entende-se por estas indicações o processo de municipalização com a assunção da gestão plena, da distritalização e da participação popular.
O processo de municipalização teve o objetivo de transferir as atribuições do atendimento à saúde para o município. Desse modo, esta esfera de governo passou a ter mais responsabilidade acerca do modelo assistencial e da prestação dos serviços de saúde. Brito (2004) considera que:
A principal mudança que o SUS apresenta é a descentralização da gestão dos serviços ou a municipalização da saúde, que transfere a responsabilidade de gerir a oferta de serviços de saúde da União e dos Estados para o Município. A municipalização define explicitamente o município como responsável pelo provimento e pela gestão dos serviços de saúde no seu território. Esta estratégia de descentralização significa uma tentativa de transformar os municípios em unidades gestoras de fato, além de uma tentativa de aproximar a identificação e a busca de soluções dos problemas de saúde para perto dos lugares onde eles acontecem. A municipalização sugere também que a proximidade do gestor de saúde local pode facilitar a identificação das reais necessidades de saúde da população, que participará da definição de prioridades nesta área (BRITO, 2004 p. 11).