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1 INTRODUÇÃO

O estado do Espírito Santo, durante o século XIX, recebeu milhares de imigrantes europeus. Destes, quase 80% eram originários da Itália, especialmente das províncias ao norte desse país. Assolados por uma crise social e econômica que se abateu sobre a Europa nesse século, a qual atingiu principalmente a população mais pobre, aos camponeses italianos não restou outra solução senão o abandono de sua terra e de sua gente e a procura por melhores condições de vida em solo estrangeiro.

Dentre os destinos mais procurados, na América, estava o Brasil e, de uma maneira especial, o Espírito Santo. Esses imigrantes desembarcaram nos portos de Vitória ou de Benevente – atual Anchieta – e, depois da quarentena em abrigos destinados a esse fim, foram encaminhados para regiões desabitadas das montanhas capixabas, cobertas de matas virgens e de animais selvagens. Dentre as áreas destinadas ao povoamento pelos imigrantes, encontra-se Santa Teresa. Esse município foi o primeiro a receber os italianos, que chegavam com famílias, amigos e vizinhos, originários de diversas regiões da Itália setentrional.

A imigração italiana no Espírito Santo foi tema de pesquisas em várias áreas do conhecimento, como a Sociologia, a História e até a Arquitetura, mas ainda contamos com relativamente poucos estudos acerca do contato que ocorreu entre a(s) língua(s) falada(s) por esses imigrantes e o português, tanto no nível linguístico quanto no nível social. Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo descrever e analisar as consequências sociolinguísticas do contato entre as línguas de imigração italianas e o português falado atualmente na zona urbana de Santa Teresa, um dos municípios do estado mais fortemente colonizados por esses imigrantes.

Especificamente, buscamos registrar a realização variável dos fonemas /t/ e /d/ diante de /i/ pelos informantes, tendo em vista que esse é um dos traços em que os sistemas fonológicos dessas línguas se diferenciam, isto é, nas línguas italianas, essas consoantes não sofrem o processo de palatalização que ocorre no português, o que acarreta a diferença de sua pronúncia pelos descendentes desses imigrantes.

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Para alcançarmos nossos objetivos, foram feitas entrevistas com 24 (vinte e quatro) descendentes de italianos residentes na zona urbana de Santa Teresa, classificados de acordo com seu sexo/gênero – feminino e masculino –, idade (de 12 a 25, de 26 a 50 e acima de 50 anos) e escolaridade (até 08 anos e acima de 08 anos de escolarização), de acordo com os pressupostos da Sociolinguística, em sua vertente da Teoria da Variação (LABOV, 2008).

Em resumo, nosso objetivo geral é contribuir com as pesquisas sobre o Contato Linguístico no Espírito Santo, identificando os contextos linguísticos e sociais que exercem influência sobre os fenômenos envolvidos na variação linguística resultante do contato entre o português e as línguas de imigração italianas.

Como objetivos específicos, temos:

i) identificar as variáveis linguísticas e sociais condicionadoras da variação da pronúncia das oclusivas dentais diante de /i/;

ii) verificar se está havendo mudança em progresso quanto aos traços fonético-fonológicos do línguas de imigração italianas no português falado pelos moradores da comunidade estudada.

Com base nos resultados de estudos variacionistas com a mesma temática que o nosso, estipulamos algumas hipóteses, com o propósito de nortear a realização desta pesquisa:

1. A variação das oclusivas dentais /t/ e /d/ diante de /i/ sofre influências tanto de fatores de ordem linguística quanto sociais;

2. A influência dos traços da língua de imigração se faz mais presente na linguagem dos homens, dos informantes menos escolarizados e das faixas etárias mais altas.

Este trabalho foi organizado em seis capítulos, além desta Introdução. No segundo, intitulado Revisão Bibliográfica, expomos os principais trabalhos que trataram sobre nosso tema, em alguns estados do país, como de Bisol (1986, 1991), Hora (1990), Santos (1996), Almeida (2000), Abaurre e Pagotto (2002) e Pagotto (2001). Dessa

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forma, foi possível comparar e, consequentemente, fundamentar a interpretação de nossos dados.

No terceiro capítulo, intitulado Contexto Histórico da Imigração Italiana, resumimos a situação italiana no século XIX, bem como descrevemos resumidamente a história dessa imigração no Brasil, no Espírito Santo e no município de Santa Teresa, com o objetivo de compreender a vida desses descendentes de italianos e a situação sociolinguística atual do português aí falado.

Em seguida, no quarto capítulo, intitulado Procedimentos Metodológicos, descrevemos os passos dados para a realização desta investigação: apresentamos os motivos pelos quais escolhemos essa comunidade, descrevemos o perfil dos informantes e como se deu a coleta de dados, a transcrição das narrativas e o tratamento estatístico dos dados, com a ajuda do programa computacional Goldvarb X (SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2005).

No quinto capítulo, Referencial Teórico, expomos os conceitos fundamentais para a compreensão de nosso objeto de estudo. São apresentados os pressupostos teóricos da Sociolinguística, nas vertentes da Teoria da Variação e Mudança e do Contato Linguístico.

No sexto capítulo, Análise de Dados, apresentamos os resultados obtidos por meio das entrevistas sociolinguísticas e procedemos à análise quantitativa e qualitativa de nossos dados.

No sétimo capítulo, Considerações Finais, sintetizamos os resultados encontrados, confrontando-os com as hipóteses estipuladas.

Por fim, apresentamos as Referências utilizadas neste trabalho e, em seguida, encontram-se os Anexos.

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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Neste capítulo, apresentaremos alguns dos estudos realizados sobre a realização variável das oclusivas dentais do português brasileiro e o processo de palatalização.

Essas pesquisas são de grande préstimo para o presente trabalho, pois nos possibilitam dar uma melhor explicação para nossos resultados.

2.1 Hora (1990)

O primeiro trabalho a que nos reportaremos é o de Hora (1990), que pesquisou a palatalização das oclusivas dentais em 70 entrevistas sociolinguísticas na região de Alagoinhas, na Bahia. De acordo com o programa Varb2000, todas as variáveis linguísticas foram selecionadas, quais sejam: tonicidade, contexto seguinte e procedente, contexto fonológico simultâneo à vogal, posição e sonoridade.

Os resultados indicam que o fenômeno é favorecido por: i) contexto fonológico precedente (contexto nasal e a vogal média); ii) o contexto seguinte (vogal alta e vogal baixa); iii) a tonicidade (a sílaba pretônica inicial); iv) o contexto fonológico simultâneo à vogal (a vogal nasal); v) a posição do alvo na palavra (início de palavra em início de frase); e vi) a sonoridade (as consoantes surdas).

Quanto às variáveis sociais, o pesquisador analisou as seguintes: faixa etária, sexo, classe social e estilo. Seus resultados revelaram que o fenômeno da palatalização é favorecido pelas classes média e alta; pelos indivíduos da faixa etária entre 37 e 47 anos; e pelos estilos mais formais – a leitura de frases e de lista de palavras. A variável sexo não foi selecionada pelo programa como significativa para a realização do fenômeno. Com relação à faixa etária, os resultados revelaram um baixo índice de palatalização pelos jovens, o que aponta para uma ameaça à variante prestigiada.

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2.2 Bisol (1991)

O segundo estudo a que nos reportaremos é o de Bisol (1991). A pesquisadora investigou a palatalização das oclusivas dentais /t/ e /d/ diante de /i/ em quatro comunidades do Rio Grande do Sul: a região metropolitana de Porto Alegre, uma fronteiriça, uma alemã e uma italiana. As variáveis linguísticas analisadas foram:

acento, juntura1, sílaba e contextos fonológicos precedente e seguinte. As variáveis sociais selecionadas foram: grupo étnico e idade.

Os resultados indicaram que a variável linguística acento, em posição de sílaba tônica, foi mais frequente na região metropolitana. Nas regiões de colonização alemã e italiana, a posição de sílabas átonas favoreceu a palatalização de /t/ e /d/ em maior escala. A juntura, relacionada à borda direita, como em pente, foi o fator que mais favoreceu a palatalização do /t/ e /d/ nas quatro regiões. No que se refere aos fatores sociais, foi possível verificar que os jovens palatalizam mais que os velhos, com exceção dos metropolitanos; e que o grupo étnico apontou para a influência da palatalização das oclusivas /t/ e /d. A autora concluiu que, das quatro regiões pesquisadas, a palatalização possui regra quase categórica na região metropolitana, enquanto que, nas demais localidades, o fenômeno ainda está se desenvolvendo.

2.3 Santos (1996)

Santos (1996) analisou a palatalização das oclusivas dentais /t/ e /d/ diante de todas as vogais em Maceió, Alagoas. A pesquisa foi realizada com professoras e faxineiras de uma escola particular, em um total de 20 entrevistas. As variáveis linguísticas selecionadas pelo programa foram a tonicidade da sílaba e os contextos seguinte e precedente. Quanto às variáveis sociais, a única investigada foi escolaridade: as informantes foram classificadas como mais escolarizadas (professoras) e menos escolarizadas (faxineiras).

1 A juntura se caracteriza pela transição entre domínios, podendo envolver sílabas, pés métricos, morfemas, palavras ou sentenças. (CRISTÓFARO-SILVA, 2011)

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A escolaridade demonstrou ser um fator pouco significativo, ou seja, esse fator não foi um diferenciador no que se refere às oclusivas dentais /t/ e /d/. A variável contexto seguinte mostrou que o fone [ɪ], como em noiti, foi o mais favorável a palatalização das oclusivas dentais. A variável contexto precedente apontou que, quando a oclusiva /t/ antecede o glide [j], há a palatalização, como em feito. A tonicidade – postônica final – como em noite foi considerada a mais significativa no que se refere à aplicação da regra de palatalização.

Diante dos resultados, foi possível verificar que, em todos os casos analisados, a aplicação do [d] é categórica. Outro dado importante é que a palatalização é maior quando a oclusiva [t] precede [j] e é seguida por [i] em postônica final.

2.4 Almeida (2000)

Almeida (2000) analisou a variação das oclusivas dentais /t/ e /d/ seguidas de [i] e [j]

na comunidade bilíngue em português e dialeto italiano de Flores da Cunha, no Rio Grande do Sul. Os dados foram obtidos por meio de 24 entrevistas do banco de dados do Projeto VARSUL.

As variáveis linguísticas selecionadas pelo programa estatístico Varb2000 foram:

tonicidade, contextos fonológicos precedente e seguinte, tipo de vogal e sonoridade.

Os resultados indicaram que a regra da palatalização foi favorecida pelos seguintes fatores: i) quanto à tonicidade, quando as sílabas estão em posição postônica final ou pretônica inicial; ii) quanto ao contexto seguinte, pela consoante lateral, como em predileto, e a consoante labial, como em tipo; iii) quanto ao contexto precedente, pela consoante nasal; iv) quanto à sonoridade, pelas consoantes desvozeadas; e v) quanto ao tipo de vogal, pela alta [i].

As variáveis sociais investigadas foram: gênero, idade (superior ou inferior a 50 anos) e escolaridade (ensino fundamental e médio). Os resultados indicam que o processo de palatalização foi favorecido pelo gênero feminino, pela faixa etária mais jovem e pelos informantes com o ensino médio.

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2.5 Pagotto (2001)

O quinto estudo a que nos reportaremos é o de Pagotto (2001), que realizou uma pesquisa sobre a palatalização das oclusivas dentais em três regiões de Florianópolis:

a região central, Freguesia do Figueirão da Ilha e Sertão do Ribeiro. Três variantes foram analisadas: oclusivas dentais, africadas alveolares e africadas palato- alveolares. As variáveis linguísticas investigadas foram: sonoridade, contexto antecedente, natureza da vogal que segue a variável, contexto seguinte à vogal, posição da sílaba na palavra, posição da sílaba com relação ao acento da palavra, acento da frase sobre a sílaba em que se encontra a variável, posição morfológica da variável e classes de palavras. As variáveis extralinguísticas, por sua vez, foram:

idade, sexo e escolaridade dos informantes, além da localidade.

Como resultados, tem-se que: i) o uso das oclusivas dentais aumentou à medida que a idade aumentava; ii) as africadas são produzidas com maior frequência pelos informantes jovens da região urbana e pelos mais escolarizados; e iii) as africadas palato-alveolares foram mais pronunciadas por indivíduos abaixo de 25 anos e pelos que tinham ensino médio ou formação universitária.

2.6 Abaurre e Pagotto (2002)

Abaurre e Pagotto (2002) investigaram as oclusivas dentais em cinco capitais brasileiras: São Paulo, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Com base em 30 inquéritos, os autores analisaram as variáveis extralinguísticas idade, grupo geográfico, sexo e tipo de inquérito. O grupo de fatores considerado mais relevante foi a região geográfica. Dentre os resultados obtidos, temos que: i) as cidades do Rio de Janeiro e Salvador apresentaram alto índice de palatalização; já Porto Alegre e Recife foram desfavoráveis ao fenômeno, enquanto que os dados de São Paulo não se mostraram significativos; ii) em relação à faixa etária, nota-se uma menor aplicação da regra nos informantes jovens, ao passo que os de idade intermediária utilizaram mais a palatalização; iii) no Rio de Janeiro, não foi possível verificar a faixa etária, pois o resultado é de africação em aproximadamente 100% das ocorrências; iv) em Recife, os mais velhos palatalizam mais, embora não seja grande a diferença entre os outros

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resultados; v) para São Paulo, Porto Alegre e Salvador, a faixa intermediária palataliza mais do que a faixa etária mais velha.

Quanto às variáveis linguísticas, a sonoridade, contexto precedente, contexto seguinte e natureza do contexto seguinte à vogal [i] foram selecionadas como relevantes pelo Varb 2000. Os resultados são estes: i) quanto à sonoridade, nas cidades de São Paulo, Salvador, Recife e Porto Alegre, a consoante desvozeada foi a que mais favoreceu a palatalização das oclusivas dentais; ii) para o contexto precedente, os fones [ʃ] e [j] foram os mais favoráveis à palatalização de /t/ e /d/; e iii) o contexto seguinte apontou que, em Recife e Porto Alegre, a vogal [i] foi a que mais favoreceu a palatalização das oclusivas dentais.

2.7 Pires (2003)

Pires (2003) analisa as oclusivas dentais /t/ e /d/ seguidas de /i/ na comunidade de São Borja (Rio Grande do Sul), com o objetivo de verificar a influência dos fatores linguísticos e extralinguísticos para a realização do processo de palatalização. O corpus se compõe de vinte e quatro informantes do banco de dados do projeto VARSUL. As variáveis linguísticas estudadas foram: contexto precedente, contexto seguinte, nasalidade da vogal alta, sonoridade, tonicidade da sílaba e tipo de vogal alta. As variáveis extralinguísticas foram: gênero, idade e escolaridade.

Os resultados encontrados foram: i) o contexto fonológico - tipo de vogal alta – foi a variável mais significativa no que se refere à palatalização das oclusivas; ii) quanto à tonicidade da sílaba, as pretônicas foram mais palatalizadas; iii) para o contexto seguinte, as consoantes [-anterior] e a vogal obtiveram maior peso relativo; e iv) quanto à sonoridade, as consoantes surdas foram as mais favorecedoras da palatalização das oclusivas.

Quanto às variáveis extralinguísticas, verificou-se que a palatalização é favorecida: i) pelas mulheres; ii) pelos informantes com menos de 50 anos; iii) pelos informantes com menos escolaridade (ensino fundamental). Os resultados mostraram ainda que a

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palatalização das oclusivas dentais está em expansão na comunidade estudada, se considerarmos a influência das variáveis linguísticas e extralinguísticas.

2.8 Margotti (2004)

Margotti (2004) realizou um estudo social e geográfico do português em contato com o italiano com 120 informantes de oito municípios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Foram analisadas as seguintes variáveis: zona urbana e rural, sexo (feminino e masculino), idade (de 45 a 60 anos e de 15 a 30 anos), ser descendente de italianos ou luso-brasileiros, escolaridade (até a 8ª série e acima da 8ª série) e estilo de fala (resposta a Questionário, leitura e conversa semidirigida). Quanto aos condicionadores linguísticos, o autor analisou: tamanho do vocábulo, classe morfológica, contexto precedente, acento lexical, contexto seguinte e posição no vocábulo.

Margotti (2004) controlou as dimensões sociais e geográficas, visando verificar a pronúncia do ditongo nasal tônico [ãῶ], do [r] forte, da vogal [a] seguida de consoante nasal, do alçamento das vogais átonas finais [e] e [o], da africação de [t] e [d] diante de [i], da realização das fricativas [ʃ] e [ʒ]. Sua pesquisa seguiu a perspectiva da Dialetologia pluridimensional e relacional, voltada para a ciência da variação linguística.

Como resultado geral, tem-se que a pronúncia com influência da língua portuguesa se mostrou bastante variável: i) para [ãῶ], [aN], [ ʃ ] e [ʒ], em mais de 70% dos casos;

ii) para a consoante /r/ e a vogal átona final /o/, em torno de 50%; iii) para as consoantes /t/ e /d/ seguidas de /i/, apenas 40% do total; e iv) para a variação da vogal [a] seguida de consoante nasal, apenas 12%.

Diante desses resultados, o autor conclui que a difusão do português ocorreu de forma mais intensa em Orleans (SC) e Caxias do Sul (RS), ao passo que, em Rodeio (SC) e Sananduva (RS), foi detectada uma maior resistência à inovação linguística. Quanto ao plano diassocial, o uso de variantes sem interferência do italiano é liderado, sucessivamente, pelos falantes urbanos, pelos mais jovens e mais escolarizados. Por fim, o autor afirma que as comunidades pesquisadas funcionam como ilhas, cada uma apresentando características próprias e peculiares.

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2.9 De Paula (2006)

De Paula (2006) realizou um estudo em tempo real sobre a palatalização das oclusivas dentais com 24 informantes dos municípios de Taquara e Panambi, no Rio Grande do Sul, seguindo a perspectiva de Labov (1994).

As variáveis foram as mesmas estudadas por Pagotto (2001): oclusivas dentais, as africadas alveolares, e as africadas palato-alveolares. Quanto às variáveis linguísticas, foram analisados os contextos precedente e seguinte, sonoridade, tonicidade e tipo de vogal. As variáveis extralinguísticas foram: grupo geográfico, gênero, idade e análise individual dos informantes.

Dentre os resultados encontrados, tem-se que: i) a aplicação da regra de palatalização é mais favorável no grupo geográfico de Taquara, apresentando 43%, e, no grupo geográfico de Panambi, 32%; ii) o fenômeno é favorecido pelas mulheres jovens, em ambas as comunidades; iii) no grupo geográfico de Panambi, a palatalização de /t/ e /d/ na sílaba postônica não final ocorreu em 90% das vezes; iv) a vogal alta não derivada, como em dia, apresentou 81% de ocorrência e a surda, como em contente, 65%. Em relação a Taquara, a aplicação da palatalização das oclusivas dentais mostra-se significativa nos fatores extralinguísticos e linguísticos. No grupo geográfico de Panambi, foram analisadas 5.115 ocorrências e, destes, 1.642 são casos de aplicação da palatalização das oclusivas dentais.

2.10 Dutra (2007)

Dutra (2007) estudou a palatalização das oclusivas dentais no município de Chuí, no Rio Grande do Sul. A pesquisa foi constituída por 24 informantes, classificados segundo os seguintes critérios: faixa etária, escolaridade, sexo e atividade profissional. As variáveis linguísticas são: contexto precedente, contexto seguinte, tonicidade, sonoridade, tipo de vogal e tipo de sintagma. Quanto às variantes, o autor selecionou a oclusiva dental, a africada alveolar e a africada palato-alveolar. O programa selecionado foi o Varbrul 2S.

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Os resultados para as duas localidades apontaram que a regra de palatalização das oclusivas dentais é favorecida: i) pelos falantes da faixa etária mais jovem, do sexo masculino, estudantes com nível fundamental e também comerciantes, apesar de ser um fenômeno de baixa aplicação (26%), na cidade de Chuí; iii) por sílabas tônicas e pretônicas, na variável tipo de vogal alta; iv) por vogal derivada; vi) pelos fones [g, ʃ, x, t ʃ, d ʒ, f] e contexto vazio, no contexto seguinte; v) pelo segmento [-voz], ou seja, /t/. No que se refere ao Tipo de sintagma, os resultados foram parciais, obtendo-se um número reduzido de dados.

2.11 Silva Jr. (2009)

Por fim, Silva Júnior (2009) analisa a realização variável das oclusivas /t/ e /d/ diante de /i/ em Santa Vitória do Palmar e Chuí, no Rio Grande do Sul. O corpus consta de 14 entrevistas, e os dados foram analisados com base no referencial teórico da Sociolinguística Variacionista de Labov (1972) e com o apoio do pacote estatístico Goldvarb, nas versões 2001 e 2005. Foram analisadas as dentais/alveolares, as africadas alveolares, as africadas palato-alveolares e as africadas alveolares sem vogal. Quanto às variáveis linguísticas, temos os contextos fonológicos precedente e seguinte, tonicidade, qualidade da consoante, posição ocupada por /t/ e /d/ no vocábulo e tipo de vogal. As variáveis sociais foram faixa etária, sexo, escolaridade, município de origem e informante.

Os resultados encontrados para ambas as comunidades mostram que a variante africada alveolar apresentou 55% das ocorrências; em seguida, a oclusiva dental, com 28%; logo após vem a africada palato-alveolar, com 11%, e a africada alveolar sem vogal, com 4%. O uso da africada alveolar - mais frequente entre mulheres mais velhas e de baixa escolaridade - mostrou-se em expansão nessas localidades. A tonicidade apresentou baixo índice de ocorrências quanto aos fatores pretônica não inicial e postônica não final. Os dados mostraram neutralidade relacionada à sílaba tônica, com 67% das ocorrências. Os fatores vogal, consoante nasal, consoante líquida e semivogal foram amalgamados, continuando próximo ao ponto neutro. O contexto fonológico precedente mais favorável à regra foi a fricativa alveolar. E, no

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que se refere ao tipo de vogal alta, a não derivada [i] aparece como fator mais favorável, com 66% das ocorrências.

A única variável extralinguística selecionada foi sexo. Os resultados apontaram as mulheres como as mais favorecedoras da regra, com PR = .59 contra 0.44 para o sexo masculino. A partir de suas análises, o autor concluiu que o processo de africação alveolar é uma regra em expansão nas duas comunidades pesquisadas.

Como dissemos, os resultados dos estudos listados neste capítulo lançam luz para a análise dos resultados obtidos por nós, nesta pesquisa, os quais serão explanados no capítulo 6. Dessa forma, depois de expostos os trabalhos que abordam o mesmo tema que o nosso, no próximo capítulo traçaremos o percurso histórico dos imigrantes italianos em Santa Teresa, a fim de caracterizarmos melhor os sujeitos deste estudo.

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3 O CONTEXTO HISTÓRICO DA IMIGRAÇÃO ITALIANA

Este capítulo tem por objetivo descrever, resumidamente, a emigração italiana e a chegada desse grupo ao Brasil, ao Espírito Santo e ao município de Santa Teresa.

Essa contextualização se faz necessária, visto que conhecer a história dos imigrantes e as características da colonização do estado contribuirá para compreendermos melhor os contatos linguísticos que ocorreram nessa região.

3.1 A EMIGRAÇÃO ITALIANA E A VINDA PARA O BRASIL

No século XIX, a Itália sentia as consequências de profundas transformações políticas, sociais e econômicas, em decorrência especialmente da Revolução Industrial que a Europa viveu, nos séculos XVIII e XIX (BIGAZZI, 2006). A substituição do trabalho manual pelas máquinas, na agricultura, e a necessidade de mão de obra para as indústrias levaram milhares de camponeses para as cidades.

Além disso, a Itália sofreu as consequências das guerras para a unificação do país, o que também provocou crises que desestruturaram sua política e sua economia.

Outras circunstâncias altamente desfavoráveis que esse país viveu, antes da Grande Emigração, foram as más condições climáticas - secas, enchentes, chuvas de granizo, terremotos -, as pragas nas lavouras, os altos impostos, a concorrência desleal da produção italiana com a de outros países mais desenvolvidos, a situação de exploração dos camponeses por parte dos donos da terra e seu consequente endividamento, a falta de higiene em setores trabalhistas, o analfabetismo e, finalmente, as doenças - tuberculose, raquitismo e escorbuto - que acometiam a população.

De acordo com Bigazzi (2006), toda essa situação levou o povo italiano à fome e à miséria. A autora assim resume a situação italiana:

Nos primeiros marcos da unificação da Itália (1861), a agricultura nacional – apesar de representar um papel de fundamental importância na economia do

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país e construir a principal e, muitas vezes, a única fonte de renda para a maioria da população ativa – não recebeu a devida consideração e atenção por parte da classe dirigente. A concorrência dos países além-mar nos mercados de trigo, seda e arroz, e a Revolução Industrial que substituiu a mão de obra pelas máquinas, tiveram como consequência uma grave crise com repercussões econômicas e sociais (BIGAZZI, 2006, p. 15).

Franzina (2006, p.39) também cita as razões da emigração italiana:

Os resultados do Relatório agrário [...] permitem vislumbrar facilmente as principais causas do êxodo, para o qual concorrem os esforços de um setor agrícola em crise, devido à drástica queda internacional dos preços do trigo, cujas primeiras vítimas não eram os camponeses pobres, mas os pequenos arrendatários, os pequenos proprietários, ou seja, os pequenos produtores capazes de inserir-se no mercado por si mesmos, mas incapazes, por causa da sua objetiva fragilidade, de resistir à violência das crises conjunturais.

Dessa forma, não era possível sobreviver a tanta pobreza e, por isso, os italianos almejavam um lugar em que pudessem obter terra para plantar e viver bem. A solução que se colocou para os italianos seria: abandonar seu país e procurar um outro, com melhores condições de vida. E a América se apresentou como uma saída para essas pessoas.

Por sua vez, a essa época, o Brasil estabelecia seus limites territoriais, implantava novas indústrias e ainda vivia a expectativa do fim da escravatura, sendo necessários, portanto, mais trabalhadores, a fim de garantir o crescimento econômico da nação.

Dessa forma, havia um forte interesse, por parte de nosso país, em receber imigrantes, o que motivou a abertura de agências especializadas em recrutar mão de obra estrangeira, especialmente europeus.2 Dessa forma, agentes brasileiros se dirigiam ao norte da Itália, fazendo promessas aos camponeses de uma vida melhor num país idílico, repleto de empregos e terras cultiváveis. Portanto, os que se

2Dentre os estrangeiros que o Brasil recebeu, havia, além de italianos, poloneses, japoneses, suíços, austríacos, alemães etc. (BIASUTTI, LOSS e LOSS, 2003). Adiante, apresentaremos os imigrantes adentrados ao Espírito Santo, especificamente.

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estabelecessem no Brasil poderiam conseguir a tão sonhada estabilidade financeira (BIGAZZI, 2006; FRANZINA, 2006).3

Entretanto, ao chegarem ao novo país, as boas expectativas dos imigrantes foram substituídas pela dura realidade que encontraram: pobreza e trabalho excessivo sem recompensa. Em outras palavras, continuaram vivendo em péssimas condições. Além disso, muitos imigrantes foram encaminhados para diferentes regiões do Brasil, perdendo o contato com os amigos e familiares. Sobre a atuação dos agentes de recrutamento e a situação dos imigrantes em solo brasileiro, observa Bigazzi (2006, p. 31):

Por tal postura, os agentes foram responsabilizados pelas histórias mais tristes da emigração, que nem sempre trouxe felicidade e riqueza fácil: uma vez chegados ao país receptor, além de encontrar uma realidade bem diferente daquela que havia sido prometida, os emigrantes se viam sem nenhuma garantia, tendo de assumir dívidas com os novos patrões. Dívidas que aumentavam a cada dia, transformando-os de trabalhadores livres em semi-escravos, sem nenhum direito à terra que deviam cultivar.

Os constantes relatos da situação vivida pelos imigrantes italianos no Brasil preocuparam o governo italiano, que, para diminuir a emigração, promoveu sua regulamentação, a fim de manter os cidadãos vinculados à pátria (FRANZINA, 2006).

Por fim, vários anos depois de seu início, é promulgado um decreto proibindo a emigração para o Brasil. Não obstante essa regulamentação, a Itália continuava em crise, e a saída de grandes contingentes populacionais continuou.

A chegada dos imigrantes trouxe grandes avanços ao Brasil, pois eles contribuíram para o desenvolvimento da agricultura, para o crescimento da industrialização, para a urbanização e para as reformas políticas, o que levou ao fortalecimento gradativo do país. Situação semelhante aconteceu no Espírito Santo, como veremos a seguir.

3Vale ressaltar que, nas entrevistas coletadas de descendentes de italianos em Santa Teresa, diversos moradores descreveram esse fato. Seus pais, avós ou bisavós, relatavam os sonhos que os italianos tinham ao sair de suas terras, a maioria no norte da Itália.

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3.2 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO ESPÍRITO SANTO

Para entendermos a importância da imigração italiana para o Espírito Santo, é preciso antes falarmos sobre a história da ocupação do estado. Os primeiros registros sobre a capitania do Espírito Santo apontam para a chegada de Vasco Fernandes Coutinho, que aportou no atual município de Vila Velha em 23 de maio de 1535. Em sua chegada, o grupo de Vasco Coutinho, segundo descreve Oliveira (2008), foi recepcionado hostilmente pelos índios tupiniquins, goitacases, temiminós e tupinambás, entre outros, que habitavam o lugar e seus arredores. Sobre esse episódio, Oliveira (2008, p. 37), afirma:

O primeiro contato com a terra revelou os tropeços que aguardavam aquele pugilo de aventureiros: os índios prepararam uma recepção nada cordial.

Postando-se armados em grupos na praia, mostravam-se dispostos a impedir o desembarque. Alguns disparos das peças de bordo, porém, anularam a pretensão, afugentando-os para a floresta.

Apesar de os índios não aceitarem a chegada de estrangeiros em suas terras, inicialmente acabam se submetendo às regras impostas pelos portugueses.

Inconformados, porém, travam lutas, mas são punidos com diversos tipos de castigos.

De acordo com Daemon (2010), em 1558, os índios foram vencidos, e os portugueses, então, ocuparam o território.

Já no século XVII, no governo de Francisco Aguiar Coutinho, inicia-se o tráfico negreiro no estado. Segundo Moreira e Perrone (2007), com o passar dos anos, não houve, na capitania, um tráfico negreiro internacional constante, o que significa que os descendentes dos primeiros escravos ocupavam o lugar de seus pais e avós, nas fazendas, ao longo de várias gerações. Isso significa dizer que a(s) língua(s) falada(s) pelos imigrantes não teve (tiveram) contato direto com as línguas africanas.

Outro acontecimento que merece destaque na história do Espírito Santo foi a descoberta de ouro em Minas Gerais. A partir desse evento, o Governo Imperial

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impediu a ocupação do solo do Espírito Santo, tornando-o uma proteção natural contra o ataque de invasores e ladrões estrangeiros às minas da região de Ouro Preto. Além disso, a descoberta do ouro levou boa parte da esparsa população do Espírito Santo para a província vizinha, o que contribuiu ainda mais para a diminuição dos indivíduos que aqui viviam. Dessa forma, no século XVIII, um total de 90% do território capixaba era coberto pela Mata Atlântica. Apenas em 1813, com o declínio da produção das jazidas de Minas Gerais, a ocupação do Espírito Santo foi estimulada, construindo-se uma estrada que ligava Vitória a Ouro Preto, sob a administração do então presidente da província, Francisco Rubim.

Dessa forma, no século XIX, o Espírito Santo encontrava-se praticamente desabitado e sem muitos interessados em ocupar seu território. Portanto, a solução encontrada pelo Governo Imperial foi a imigração. Como afirmamos na seção anterior, as razões para trazer imigrantes para o Brasil eram muitas, mas o Espírito Santo se encontrava em uma situação particularmente difícil, pela necessidade de povoamento. Assim, em 1847, inicia-se, de fato, a imigração europeia, com a chegada de 163 prussianos para a Colônia de Santa Izabel e 140 suíços para a colônia de Santa Leopoldina. Em 1856, a Colônia de Rio Novo recebe imigrantes de várias nacionalidades (OLIVEIRA, 2008).

Neste ponto, cabe considerar que a principal leva de imigrantes italianos – e também europeus – chegou ao Espírito Santo no século XIX. No século XX, segundo dados do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES, 2014), vieram para o estado 1.633 italianos, mas não podemos dizer que estes vivenciaram o mesmo processo de colonização que os que chegaram no século anterior. Portanto, neste trabalho, estamos fazendo referência à imigração italiana do século XIX.

A seguir, vemos o contingente de imigrantes entrados no Espírito Santo, segundo dados do APEES (2014, adaptado).

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Países séc. XIX sec. XX Total

Itália 35.033 1.633 36.666

Alemanha 4.013 853 4.866

Espanha 2.942 527 3.469

Portugal 2.080 1.347 3.427

Polônia 699 898 1.597

Líbano 1 568 569

Áustria 295 131 426

Estados Unidos 167 219 386

San Marino 360 3 363

Holanda 329 13 342

Suíça 289 21 310

Rússia 185 58 243

França 162 66 228

Bélgica 185 5 190

Síria 0 130 130

China 66 57 123

Inglaterra 9 105 114

Luxemburgo 97 0 97

Ucrânia 130 8 138

OUTROS 44 511 555

TOTAL 47.026 7.129 54.155

Quadro 1 – Quantitativo de imigrantes adentrados no Espírito Santo, séc. XIX e XX.

Fonte: APEES, 2014. Acesso em 20 jul. 2015

Vemos, pelo Quadro acima, que os italianos superavam em muito os imigrantes de outros países: praticamente 78% do quantitativo de imigrantes chegados ao Espírito Santo era de italianos.

Os primeiros registros sobre a imigração italiana para o Espírito Santo datam de 1874, sob o comando de Pietro Tabacchi, o qual, pelo decreto imperial 5.295, de 31 de maio de 1872, obteve autorização para trazer imigrantes para trabalhar em suas terras, na Colônia de Nova Trento, atualmente o município de Ibiraçu (DERENZI,1974).

Os imigrantes italianos eram originários especialmente das províncias do norte, como o Vêneto, a Lombardia e o Trentino Alto Ádige, dentre outras. Embora a expressiva maioria fosse originária da região do Vêneto, em Santa Teresa chegaram italianos de

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diferentes procedências. No mapa abaixo, vemos as diferentes regiões da Itália, em sua composição atual4.

Mapa 1 – Atual divisão política da Itália

Fonte: Google Maps. Acesso em: 15 mar. 2015.

4 A Itália sofreu várias mudanças em sua configuração geográfica e política, desde sua unificação, em 1861, até o momento atual: o Vêneto foi unificado em 1866; Roma, em 1870; e o Trento, Trentino, Trieste e Venezia Giulia, entre 1915 e 1918.

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Ao chegarem ao Espírito Santo, os italianos eram encaminhados para as hospedarias, onde deveriam ficar de quarentena. A partir daí, eram distribuídos pelo interior do estado, para os lotes de terra destinados a cada família. Desde a chegada às hospedarias e até depois de se instalarem em suas terras, enfrentaram muitos problemas, como a falta de higiene, de alimentação e de moradia adequada, dentre outros. Sobre as péssimas condições de vida a que foram expostos, Nagar (1895, p.

47) comenta:

Os barracões nos quais os imigrantes são alojados no interior, nas vizinhanças da área a ser colonizada, são mal construídos, em cima de estacas e subdivididos por paredes, com muitos beliches, e são cobertos com folhas de palmeiras, bem como as paredes laterais. Vivem sob esse teto todos juntos, sem distinção de família, sexo ou idade, por períodos mais ou menos longos.

Assim, nota-se que o Espírito Santo não estava preparado para receber os imigrantes.

Necessitava-se de mão de obra, mas não existia a preocupação com a forma como esses trabalhadores e suas famílias seriam recebidas. Pelo fato de chegarem muitos imigrantes, a situação piorava a cada ano, pois não havia alojamento para todos.

Apenas em 1854 foi promulgada uma lei que tentava solucionar esses problemas, favorecendo os imigrantes. Nesse sentido, eles poderiam ser dispensados do serviço militar, fazer deslocamento gratuito dentro do país ou obter financiamento para a compra de um lote com até dez anos para a quitação da dívida. Enfim, muitos incentivos são propostos, mas várias dificuldades ainda persistiam.

Uma dessas dificuldades estava relacionada ao trabalho: muitos se empregavam como meeiros, sendo necessário muito esforço para conseguir um lote. Aqueles que o conseguiam deveriam obter um empréstimo para iniciar o desmatamento, construir suas cabanas e cultivar a terra para o plantio. Alguns outros se tornavam diaristas, operários ou trabalhavam na construção de ferrovias ou estradas, para conseguir comprar um pedaço de terra e/ou liquidar suas dívidas.

As condições de vida também não eram favoráveis: o clima tropical e a falta de alimentação adequada trouxeram consequências graves aos imigrantes. Sem recursos financeiros, sua saúde se tornava cada vez mais debilitada, registrando-se,

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nesse período, altos índices de mortalidade. Sobre o assunto, Derenzi (1974, p. 108) afirma:

A provação porque passou o imigrante, além da resistência hostil do meio físico - clima, floresta e toda a gama de obstáculos à penetração - recai sobre as condições simplistas do acordo estatístico entre os governos brasileiro e italiano. Não se resguardaram os princípios fundamentais dos direitos humanos. O imigrante era considerado apenas como um instrumento animal de trabalho. Uma vez que se lhe assegurasse a subsistência, todos os demais atributos ficavam sob os desígnios da sorte.

Com o passar dos anos, à custa de muito trabalho, os obstáculos foram sendo vencidos. Por sua vez, as famílias iam crescendo e foi preciso buscar novas terras.

Atualmente, os descendentes de imigrantes italianos se encontram na maior parte dos municípios do Espírito Santo, como mostra o mapa a seguir.

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Mapa 2 – Colonização italiana no Espírito Santo

FONTE: Instituto Jones dos Santos Neves, 2012. Acesso em 15 mar. 2015

Como vimos, a imigração italiana no Espírito Santo está diretamente relacionada ao trabalho (quase) escravo, à luta pela sobrevivência e à busca por melhores condições de vida. O imigrante almejava ascender e, para isso, ele e toda a sua família trabalhavam arduamente. Com o passar do tempo, após muito esforço, conseguiram dar a seus descendentes a estabilidade financeira que fizeram por merecer. Sua marca foi perpetuada não somente pelos traços físicos das pessoas que atualmente vivem no interior, mas também pelas músicas, danças, comidas, festas e traços da

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língua que esses imigrantes trouxeram de sua antiga pátria. Depois de muitos anos de trabalho, conseguiram vencer os obstáculos e instruíram seus filhos, legando a eles respeito e dignidade.

3.3. A IMIGRAÇÃO ITALIANA EM SANTA TERESA

Atualmente, Santa Teresa é um município com uma população estimada de 23.432 habitantes (IBGE, 2013), localizado na Microrregião Central Serrana do Espírito Santo e que dista a 78 km da capital do estado, Vitória, pela BR 101 Norte.5 Entretanto, à época de sua colonização, a situação era bastante diversa da encontrada hoje.

Em 31 de maio de 1875, chegou ao Espírito Santo o navio Rivadavia, trazendo 150 famílias italianas para Santa Leopoldina e Santa Teresa. Em 26 de junho desse mesmo ano, foi realizado o sorteio dos lotes coloniais e, em 15 de outubro, foi escolhido o nome de Santa Teresa para a cidade.6

À semelhança do que sucedeu aos demais imigrantes europeus ao chegarem a outras cidades do estado do Espírito Santo, os italianos encontraram muitas dificuldades em Santa Teresa. Primeiramente, seria preciso desbravar o local, totalmente tomado por densa mata virgem. Por isso, passaram fome e frio, e não apenas homens, mas também mulheres e crianças. Derenzi (1974, p. 53) narra as condições dos imigrantes após as caminhadas pelo meio da mata:

Uma semana depois pareciam refugiados de guerra. Mãos calosas, sapatos em frangalhos, roupa rasgada, ferimentos, pustemas, fisionomias deformadas por picadas de mosquitos e insetos daninhos. Esta foi a grande provação porque passaram as primeiras turmas de imigrantes povoadores de Pau Gigante, Santa Tereza, Alfredo Chaves, Rio Novo e demais colônias.

5 Disponível em: http://santateresa.es.gov.br/pagina/6/Localizacao.html. Acesso em: 12 out. 2014.

6 Derenzi (1974) afirma que a origem do nome Santa Teresa está relacionada à história da localidade. Conta-se que, no dia 15 de outubro de 1875, os imigrantes italianos estavam à sombra do grande Pau Peba, onde se reuniam constantemente para rezar. Uma senhora devota, chamada Maria Zonta, expôs uma imagem de Santa Teresa, a mesma que trouxera da Itália. A partir desse ato, os imigrantes passaram a chamar o lugar de Santa Teresa.

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Teve seus mártires cujas cruzes rústicas, por muitos anos, serviram de guardas simbólicas às covas à beira dos caminhos. Paz às suas almas!

Em segundo lugar, não houve um planejamento em Santa Teresa para receber os imigrantes, como dissemos. Havia, sim, muito interesse em povoar e desenvolver economicamente as localidades desabitadas da província do Espírito Santo. Dessa forma, muitos direitos foram violados, e as necessidades básicas referentes à educação e à saúde foram negligenciadas. O que se vê na literatura é um triste Quadro de desumanidade. Sair de sua pátria, almejar um futuro de estabilidade financeira para toda a família, trazer mais imigrantes para compartilhar o sonho de conquistas, tudo isso foi avesso à realidade que encontraram.

Apesar dessa lamentável situação, após anos seguidos de muito trabalho, os italianos conseguiram adaptar-se à mudança de clima e de forma de cultivo e garantir a sobrevivência de sua família. A expressiva maioria não teve a intenção de retornar ao país de origem, mas os imigrantes e seus descendentes mantiveram as tradições trazidas da Itália até os dias atuais. Hoje se tem consciência de que os italianos contribuíram de forma muito significativa para o Espírito Santo. No âmbito cultural, mantiveram sua culinária, seus jogos e brincadeiras, suas músicas e, durante muito tempo, sua língua. Na arquitetura, também deixaram suas marcas nas construções pela cidade: casas, lojas, capelas e igrejas. Sua contribuição também se estende à economia do estado, com a agricultura e o turismo.

Pelas entrevistas realizadas com os informantes desta pesquisa, é claramente perceptível a identidade do povo de Santa Teresa com os antepassados. Muitos dos costumes ancestrais ainda são cultivados como forma de valorização e respeito às gerações anteriores. Para essas pessoas, preservar a cultura italiana é um dever, uma homenagem aos homens e mulheres que construíram do nada uma cidade e uma vida próspera. Daí o orgulho encontrado nas feições dos teresenses.

Tendo sido expostos os caminhos que trouxeram os imigrantes da Itália até Santa Teresa, no próximo capítulo vamos nos reportar ao Referencial Teórico que sustenta nossas análises.

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4 REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, encontram-se os pressupostos teóricos que embasaram a análise de nossos dados, a Sociolinguística, na vertente da Teoria da Variação e Mudança. Na segunda parte, encontram-se alguns aspectos dos sistemas fonético-fonológicos do português e das línguas de imigração do norte da Itália, especialmente do vêneto, dando-se ênfase aos fonemas /t/ e /d/ e ao processo de palatalização diante de /i/.

4.1 A SOCIOLINGUÍSTICA

Os estudos sobre o caráter social da língua tiveram início com Antoine Meillet, que se preocupou em defini-la como um fato social (CALVET, 2002 [1993]). Entretanto, Meillet não formulou nenhuma metodologia capaz de descrever e analisar a influência dos aspectos sociais sobre a linguagem. Essa tarefa coube à Sociolinguística, corrente teórica que se firmou a partir do Congresso organizado por William Bright, em 1964, na Universidade da Califórnia – Los Angeles. Esse evento reuniu pesquisadores que se tornariam referência nos estudos de língua e sociedade, como Dell Hymes, John Fisher, Henry Hoenigswald, Einar Haugen, Charles Ferguson e, principalmente o mais importante teórico, William Labov, quem sistematizou a variação inerente às línguas naturais (CALVET, 2002). Labov, portanto, muitos anos mais tarde, concretiza o que Meillet havia postulado: para ambos os autores, o estudo da língua se pauta no contexto social, formado pela comunidade linguística. Calvet (2002, p. 33) estabelece uma comparação entre o trabalho dos dois autores:

Meillet, comparatista de alto nível, trabalhou sobretudo com línguas mortas, enquanto Labov trabalha continuamente com situações contemporâneas concretas, enfrenta problemas de metodologia da pesquisa, em suma, constrói um instrumento de descrição que tenta ultrapassar, integrando-os, os métodos heurísticos da linguística estrutural.

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Assim, a área que se ocupa da integração da língua com o contexto social passa a ser intitulada Sociolinguística Variacionista, Teoria da Variação ou Sociolinguística Quantitativa, entendendo a variação e a mudança linguística como pressupostos básicos de todas as línguas naturais. Labov (2008 [1972]) afirma ainda que a comunidade de fala é o lugar privilegiado da língua, sendo este o campo para as análises linguísticas. Em outras palavras, analisar a língua dentro de uma comunidade de fala significa conhecer sua sócio-história e a de seus falantes.

De acordo com Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), ao se analisar o momento atual de uma determinada língua, é possível descobrir os fenômenos ali apresentados, relacioná-los a processos linguísticos anteriores e, então, analisar suas transformações no decorrer do tempo.

Dessa forma, a Sociolinguística, com seus pressupostos teórico-metodológicos, fornece subsídios para a descrição da variação linguística. Com isso, ela dá a conhecer os aspectos sociais relevantes para um determinado fenômeno linguístico, como o nível de escolaridade, o sexo/gênero, a idade e o perfil socioeconômico dos sujeitos e a localização da comunidade. Esses conceitos, utilizados nas pesquisas de base variacionista, são reportados a seguir.

4.1.1 A Teoria da Variação e Mudança Linguística

Vimos que foi William Labov o primeiro pesquisador a sistematizar a variação e a mudança linguística. Com suas pesquisas, Labov descreve a relação entre língua e sociedade, considerando os fatores extralinguísticos, ausentes nos modelos teóricos anteriores – o Estruturalismo e o Gerativismo. Em 1966, ao realizar seu estudo sobre a pronúncia do fonema /r/ em final de sílaba em três lojas de departamentos de Nova York, o autor verificou que essa pronúncia estava ligada a fatores relacionados às classes socioeconômicas dos clientes; à estrutura física e status da localização das lojas; aos preços dos itens vendidos; e aos salários pagos aos funcionários.

Em suma, os resultados obtidos por Labov revelaram uma estratificação social da pronúncia do fonema /r/, e essas questões extralinguísticas foram cruciais para o

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desfecho da pesquisa. A partir desse estudo, muitos outros foram realizados e se descobriu a influência de cada aspecto social no uso da língua em comunidades reais de fala. Em outras palavras, as variáveis linguísticas estão intimamente relacionadas às variáveis extralinguísticas. Isso posto, a seguir apresentaremos as variáveis pesquisadas neste estudo, a fim de embasarmos teoricamente as análises de nossos dados.

4.1.1.1 As variáveis linguísticas

Como dissemos, os fenômenos linguísticos ocorrem de acordo com o contexto em que se encontram e sob a influência de fatores sociais. Assim, a variação acontece por influência do contexto linguístico em que se encontra a forma variante, abrangendo o léxico e os sistemas fonético-fonológico e morfossintático da língua.

Neste trabalho, pretendemos analisar um fenômeno fonético-fonológico variável: a presença ou a ausência de um traço da língua de imigração na língua portuguesa falada por nossos informantes; especificamente, a variação na pronúncia dos fonemas /t/ e /d/ diante de /i/, que se realizam de formas diferentes nessas línguas: enquanto o português falado em Vitória, a capital do Espírito Santo, apresenta o processo de palatalização, nas línguas de imigração esse processo não se dá.

Assim, a variação ocorre devido à influência do sistema fonético-fonológico da língua de imigração, falada por muitos anos pelos imigrantes e seus descendentes, no português aprendido tardiamente pelos primeiros imigrantes e passado às gerações seguintes. Os sistemas fonológicos das línguas envolvidas serão descritos, resumidamente, ao final deste capítulo. A seguir, então, abordaremos as variáveis sociais pesquisadas.

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4.1.1.2 As variáveis sociais ou extralinguísticas

Como sabemos, numa pesquisa sociolinguística, não basta descrever e analisar os aspectos relacionados estritamente à língua, mas também é preciso que seja levado em conta tudo aquilo que diz respeito ao contexto social pesquisado. Assim, é fundamental estudarmos as variáveis sociais, pelo fato de que elas condicionam a variação linguística. A seguir apresentaremos as variáveis extralinguísticas que são pesquisadas neste trabalho: sexo/gênero, idade e escolaridade dos informantes.

4.1.1.2.1 A variável sexo/gênero

Antes de abordarmos especificamente esta variável, achamos importante estabelecer a diferença entre estes dois conceitos: sexo e gênero. Sobre isso, Chambers (2003, pág. 103) diz:

A distinção entre “sexo” e “gênero” reconhece essencialmente diferenças biológicas e socioculturais. A biologia da masculinidade e da feminilidade isto é, diferenças de sexo – começa a se diferenciar antes do nascimento, logo após a concepção. (...) A sociologia da masculinidade e da feminilidade – gênero – se diferencia após o nascimento.7

Chambers (2003) afirma que o termo sexo se refere aos aspectos biológicos de homens e mulheres, e aí as diferenças são variadas. Já o termo gênero, segundo o autor, diz respeito aos papéis sociais exercidos por eles em cada sociedade.

Não há, ainda, um consenso entre os autores sobre a adoção de cada um desses termos; um e outro são utilizados pelos sociolinguistas do Brasil e do exterior. Pelo fato de não nos atermos a essa questão terminológica, utilizaremos, nesta pesquisa, a expressão sexo/gênero.

7 No original: “The distinction between “sex” and “gender” essentially recognizes biological and sociocultural differences. The biology of masculinity and femininity – that is, sex differences – begins to differentiate prenatally, soon after conception. (…) The sociology of masculinity and femininity – gender – differentiates postnatally”.

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Voltando ao principal objetivo desta subseção, cumpre dizer que os diversos estudos sociolinguísticos levados a cabo em muitas e diferentes localidades do mundo atestam que existem diferenças entre a linguagem de homens e mulheres (cf. CHAMBERS, 2003). Essas pesquisas demonstram que:

a) as diferenças entre homens e mulheres se dão principalmente no nível lexical.

Por exemplo, os diminutivos e os termos de conotação mais afetiva são preferencialmente usados pelas mulheres;

b) as mulheres são mais sensíveis às normas de prestígio que os homens, ou melhor, as mulheres normalmente dão preferência às formas não estigmatizadas na comunidade;

c) no caso de mudança linguística, as mulheres tenderão à liderá-la, desde que não se trate de uma variante inovadora estigmatizada socialmente.

É inegável o fato de que homens e mulheres se comportam de formas diferenciadas, seja na maneira de se vestir, de trabalhar ou de se comunicar em vários ambientes e, evidentemente, essas diferenças se estenderão à língua.

A razão do comportamento diferenciado entre homens e mulheres tem originado discussões entre os sociolinguistas. É fato que as mulheres geralmente se saem melhor que os homens em testes de habilidades verbais, independentemente de seu país e de sua cultura. Dessa forma, a melhor performance feminina se justificaria cognitivamente, pela compleição de seu cérebro ou de suas faculdades intelectuais (CHAMBERS, 2003).

Por outro lado, a superioridade do desempenho linguístico feminino não é expressiva nem categórica, o que leva os sociolinguistas a buscarem no contexto social as causas para a predileção das mulheres para as formas padrão da língua. Para esses pesquisadores, o comportamento linguístico feminino está relacionado à pressão social que ela sofre, não somente em termos de linguagem, mas também de suas atividades em família, de sua atuação profissional e até de sua aparência física.

Assim, as diferentes maneiras de homens e mulheres exercerem seu papel como

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elementos da comunidade e a maior preocupação das mulheres com os aspectos sociais que a envolvem se estendem para a forma como cada um deles fala (CHAMBERS, 2003; LABOV, 2001; etc.)

É importante salientar também que o fator sexo/gênero não deve ser analisado isoladamente, pois sua atuação depende de outros fatores extralinguísticos. Portanto, ao analisarmos as diferenças linguísticas entre homens e mulheres, devemos avaliar a idade e a escolaridade dos indivíduos em questão, pois elas poderão esclarecer os resultados encontrados.

Assim sendo, para que a análise desta variável seja satisfatória, é preciso que se atentem para as peculiaridades de cada comunidade, pois, para se chegar a qualquer conclusão a respeito do comportamento linguístico de homens e mulheres, é necessário analisar outros aspectos sociais aí envolvidos.

4.1.1.2.2 A variável idade

A variável extralinguística idade também é de extrema relevância para as pesquisas sociolinguísticas variacionistas, pois, por meio dela, é possível averiguar se está havendo uma mudança linguística em determinada comunidade.

De acordo com Chambers (2003), diversas pesquisas sociolinguísticas, realizadas em diferentes comunidades do mundo, demonstram que a linguagem muda ao longo do tempo, e os indivíduos, principalmente pela influência dos amigos e pelas pressões sociais, alternam sua forma de falar. Assim, os pesquisadores, tradicionalmente, relacionam o desenvolvimento psicobiológico das pessoas às suas condutas sociais, para proporem diferentes períodos linguísticos.

Chambers (2003), por exemplo, ao tratar da variável idade, apresenta basicamente quatro faixas etárias, vinculadas às diferentes fases de vida do indivíduo: a infância, a adolescência, a idade adulta e o período da maturidade.

A primeira fase é a da infância. Conforme Chambers (2003), a criança aprende a falar sob influência direta da família ou daqueles que estão mais próximos a ela. À medida

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que ela cresce e começa a frequentar a escola ou outros lugares públicos, seu contato com os novos amigos e com os professores faz com que seu vocabulário se expanda e sua linguagem se modifique. É nessa fase que a linguagem infantil se torna semelhante à da comunidade, e os sotaques familiares, se houver, são uniformizados.

Na adolescência, apresenta-se um novo quadro: o indivíduo se encontra vivendo uma fase de turbulência, estando psicologicamente instável, e isso se reflete em sua linguagem. Os sentimentos de contestação e de rebeldia fazem dos adolescentes seres propícios a iniciar mudanças sociais e também linguísticas. O uso de gírias ou de marcas próprias de certos grupos torna a linguagem do adolescente diferente da linguagem do adulto e da criança. Daí serem eles os introdutores de variantes inovadoras e os impulsionadores das mudanças linguísticas.

Outra questão importante acerca dos adolescentes e de sua linguagem é a associação e a fidelidade a seu grupo, características que os fortalecem e os tornam capazes de criar vínculos bastante sólidos com os amigos. Transportando essas características para a língua, temos que, nesse estágio, as normas linguísticas do grupo podem ser mais fortes que as da família e, principalmente, da escola, não lhes importando as regras da variedade de prestígio.

Passada a fase turbulenta da adolescência, o indivíduo entra na idade adulta, a qual é marcada pela busca da realização profissional. Nesse contexto, a linguagem também sofre modificações, pois o indivíduo procura adequá-la ao seu desejo de ascensão e ao que o mercado de trabalho lhe exige em termos linguísticos. Daí que a ambição profissional é um forte estímulo ao desempenho linguístico do adulto:

quanto mais desejar ascender socialmente e/ou ter carreiras elitizadas, mais o indivíduo tenderá a adequar sua fala à dos companheiros de profissão, optando pela variedade padrão da língua.

A última fase proposta pelos autores é a da maturidade, da aposentadoria, quando os sujeitos, livres da pressão social e do mercado linguístico, podem voltar a utilizar a linguagem mais descontraída de sua juventude. Entretanto, vale esclarecer que, depois da adolescência, normalmente as modificações pelas quais passa a linguagem

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são majoritariamente lexicais. Poucas alterações nos níveis mais profundos da língua se verificam.

4.1.1.2.3 A variável escolaridade

Outra variável de suma importância para esta pesquisa é a escolaridade dos informantes, tendo em vista que a escola, ao privilegiar a variedade padrão da língua, normalmente tenta erradicar todas as formas que dela se desviam. Assim, quanto mais tempo o indivíduo frequentar a escola, mas deverá apropriar-se das formas de prestígio, impostas por ela, e a abandonar a linguagem de sua família e de seu grupo social, se ela for diferente da variedade padrão. Por outro lado, quanto menos escolaridade esse indivíduo tiver, mais o seu vernáculo deverá ser mantido. Segundo Votre (2008, pág. 51):

A observação do dia-a-dia confirma que a escola gera mudanças na fala e na escrita das pessoas que as frequentam e das comunidades discursivas.

Constata-se, por outro lado, que ela atua como preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudanças em curso nessas comunidades.

Veículo de familiarização com a literatura nacional, a escola incute gostos, normas, padrões estéticos e morais em face da conformidade de dizer e de escrever. Compreende-se, nesse contexto, a influência da variável nível de escolarização, ou escolaridade, como correlata aos mecanismos de promoção ou resistência à mudança.

Nessa perspectiva, a escolaridade pode determinar o grau de manutenção de formas estigmatizadas em uma determinada comunidade. No caso específico desta pesquisa, ao conversarmos com nossos informantes, foi possível perceber a influência da escola para que a língua de imigração deixasse de ser falada e que suas marcas desaparecessem.

Temos, então, que a presença dos traços fonéticos da língua ancestral no português está diretamente relacionada ao tempo que os sujeitos passaram na escola. Assim, partimos da hipótese de que os descendentes de italianos com até oito anos de escolarização deverão falar o português com influência de traços da língua de imigração, ao passo que os informantes com mais de oito anos de escolarização

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deverão pronunciar o português sem essa influência. E, como veremos adiante, esse fato é atestado na presente pesquisa.

Diante do exposto, pode-se concluir que existem, de fato, muitas diferenças na linguagem dos indivíduos, dependendo de sua faixa etária e de outros fatores a ela relacionados. Crianças, adolescentes, adultos e idosos se comportam de forma diferenciada fisiológica e socialmente; assim, seu comportamento linguístico acompanha essas diferenças. Segundo Naro (2008, pág. 43),

(...) Nos eixos sociais, por exemplo, os falantes mais velhos costumam preservar mais as formas antigas, o que pode acontecer também com as pessoas mais escolarizadas, ou das camadas da população que gozam de maior prestígio social, ou ainda de grupos sociais que sofrem pressão social normalizadora, a exemplo do sexo feminino de maneira geral, ou das pessoas que exercem atividades socioeconômicas que exigem uma boa apresentação para o público. E mesmo uma única pessoa pode escolher uma forma mais conservadora numa situação formal, preferindo outra forma mais atual em conversa informal.

Por isso, nesta pesquisa, foram entrevistados indivíduos de diversas faixas etárias, o que nos auxiliará na compreensão dos motivos pelos quais suas escolhas linguísticas foram feitas.

Tendo sido expostas as variáveis que serão testadas neste estudo, a seguir abordaremos algumas questões a respeito da mudança linguística.

4.1.2 A mudança linguística

Os estudos sobre a mudança linguística iniciaram-se no século XIX, com os comparatistas, os quais recebem esse nome por compararem elementos gramaticais de línguas vivas com a estrutura de línguas já não mais faladas, como o latim, o grego antigo e o sânscrito (WEEDWOOD, 2002). Duas das principais conclusões a que esses pesquisadores chegaram, as quais interessam mais de perto a esta pesquisa, foram: a) todas as línguas variam; e b) com o tempo, essa variação pode levar às

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mudanças linguísticas8. Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 125), a respeito dos princípios da mudança linguística, afirmam:

A mudança linguística não deve ser identificada como deriva aleatória procedente da variação inerente na fala. A mudança linguística começa quando a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo da comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter de uma diferenciação ordenada.

Dessa forma, chegamos ao seguinte postulado: nem toda variação leva à mudança linguística, mas esta é obrigatoriamente originada pela variação. Ambas são partes constitutivas das línguas e têm ligação estreita com as relações que os indivíduos estabelecem em uma determinada comunidade. Nesse viés, para compreender a mudança linguística, é preciso conhecer a comunidade, saber como se dá a sua dinâmica. Com base nesses dados, será possível determinar a influência de fatores como a idade, escolaridade, procedência geográfica - entre outros - sobre os fatores linguísticos.

Para se proceder à análise da mudança, levando-se em conta os aspectos linguísticos e extralinguísticos envolvidos, Weinreich, Labov e Herzog (2006) apresentam cinco princípios, ou cinco problemas, a serem resolvidos. Tarallo (1994, p. 73-74), discutindo esses mesmos princípios, transforma-os em perguntas, as quais reproduzimos abaixo:

Fatores condicionadores. Quais são os fatores gerais efetivos para a mudança – se é que existem – que determinam e distinguem possíveis mudanças de mudanças impossíveis do sistema e que, ao mesmo tempo, apontam direções de mudança?

Encaixamento. Como uma determinada mudança linguística se encaixa no sistema circundante de relações sociais e linguísticas?

8 Outra conclusão a que os comparatistas chegaram foi a regularidade das leis fonéticas, na mudança linguística.

Segundo eles, a mudança sonora não admitia exceção. Se houvesse, ela seria explicada por analogia ou por empréstimo (cf., entre outros, WEEDWOOD, 2002; ROBINS, 2004)

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