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A articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação de nível superior dos profissionais de saúde

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“A articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação de nível superior dos

profissionais de saúde”

por

Mônica de Rezende

Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tatiana Wargas de Faria Baptista

Rio de Janeiro, março de 2013.

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Esta tese, intitulada

“A articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação de nível superior dos

profissionais de saúde”

apresentada por

Mônica de Rezende

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Ruben Araújo de Mattos

Prof.ª Dr.ª Laura Camargo Macruz Feuerwerker Prof.ª Dr.ª Maria Inês Carsalade Martins

Prof. Dr. Carlos Otávio Fiúza Moreira

Prof.ª Dr.ª Tatiana Wargas de Faria Baptista – Orientadora

Tese defendida e aprovada em 27 de março de 2013.

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Catalogação na fonte

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

R467 Rezende, Mônica de

A articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação de nível superior dos profissionais de saúde. / Mônica de Rezende. -- 2013.

214 f.

Orientador: Baptista, Tatiana Wargas de Faria Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013.

1. Política de Saúde. 2. Ação Intersetorial.

3. Educação. 4. Formação de Recursos Humanos.

5. Análise de Políticas. I. Título.

CDD – 22.ed. – 378.199

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“O espaço social me engloba como um ponto. Mas esse ponto é um ‘ponto de vista’, princípio de uma visão assumida a partir de um ponto situado no espaço social,

de uma ‘perspectiva’ definida em sua forma e em seu conteúdo pela posição objetiva a partir da qual é assumida. O espaço social é a realidade primeira e última

já que comanda até as representações que os agentes sociais podem ter dele.” (Pierre Bourdieu)

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Agradecimentos

A travessia de doutoramento é um longo percurso; um caminho cheio de obstáculos e descobertas fascinantes, de desvios interessantes com atalhos curiosos, que eu jamais teria conseguido percorrer sozinha. Acredito profundamente que as coisas acontecem a partir das relações que se estabelecem e relações se estabelecem porque coisas acontecem. Ao longo desse grande movimento que ocupou os últimos quatro anos de minha vida, fiz muita coisa; e muitos encontros foram possíveis. Inseri- me em grupos e conheci diversas pessoas, para além daquelas que já faziam parte da minha vida. Inúmeras trocas ocorreram com as quais aprendi um bocado. Todas, de uma forma ou de outra, me ajudaram a completar essa importante jornada. Por isso, agradeço...

A cada um dos membros com os quais convivi ou convivo nos grupos profissionais dos quais fiz ou ainda faço parte: a minha turma de doutorado, incluindo alunos e professores; a equipe de coordenação técnica da Rede EAD/SENASP; o Mestrado Profissional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (MPGTES/ENSP), segunda turma, incluindo alunos e equipe de coordenação; a ‘Escola de Governo’ da ENSP, incluindo as trocas com a ‘Rede de Escolas’ e com a EAD/ENSP; o grupo de pesquisa “Estado, proteção social e políticas de saúde”; e o grupo de análise de políticas “Construindo caminhos...”.

Aos professores que participaram da minha banca de qualificação com contribuições valiosíssimas;

Àqueles que compartilharam comigo seus conhecimentos e informações e muito contribuíram para apurar meu olhar, chamados de ‘informantes-chave’, mas que prefiro chamar de ‘iluminadores de caminhos’ (Henri Jouval Jr., em especial);

Àqueles que aceitaram meu convite para serem entrevistados, colaborando imensamente para o desenvolvimento deste estudo;

Aos funcionários e trabalhadores da ENSP/FIOCRUZ, da biblioteca e da Livraria ABRASCO, sempre prestativos;

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Aos meus orientadores, pessoas extremamente generosas e competentes que acreditaram em mim, me motivaram imensamente e estiveram, de jeitos tão diferentes, sempre junto comigo. À Tatiana, agradecimento especial pela acolhida carinhosa, por ter sido tão parceira nessa construção e pelas portas que me abriu;

Ao Ruben, que embora se encaixe em alguns dos grupos aos quais agradeci preciso mencionar pessoal e especialmente, pelos convites irrecusáveis que me fez, pelos diálogos estabelecidos e pelos ensinamentos proporcionados com tanta generosidade;

Aos meus amigos, pelo apoio imenso, por me suportarem nos momentos em que estive tão estranha e por compreenderem meus momentos de sumiço e de tão pouca disponibilidade;

Ao povo brasileiro, pela bolsa de estudos paga através do CNPq; e

Ao meu povo, minha família: tenho tanto a agradecer, que dedico essa Tese.

Muito obrigada!

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Dedicatória

Ao meu querido e eterno orientador, que não pôde me acompanhar presencialmente até o final dessa investida,

mas que esteve comigo em todos os momentos deste longo processo, Antenor (in memoriam).

Ao meu amado companheiro de todas as horas, Fagundes.

Aos meus preciosos pais, Jó e Cristina.

Aos meus meninos grandes, filhotes amados, Eduardo, Felipe e Gabriel

Aos meus irmãos (Marcos, Helena e Carolina), cunhados (Carla e Henrique) e sobrinhos (Rafael, André,

João Pedro, Gabriela e Théo), pelas trocas generosas produzidas na bela casa de Teresópolis, onde se planta e

colhe amor diariamente.

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Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar a articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação dos profissionais de saúde de nível superior. Aproximou-se da epistemologia construcionista como modo de fazer ciência, buscando construir um caminho metodológico que permitisse encontrar respostas para as questões que mobilizaram esta pesquisa, tanto relacionadas ao objeto de estudo quanto às escolhas feitas diante de cada desafio encontrado no exercício da investigação. Optou-se por caracterizar a formação dos profissionais de saúde (‘formação’) como um campo do qual a AES é elemento estruturante. Guiou-se, inicialmente, por dois conjuntos de questões: (1) como foi se conformando o campo da ‘formação’, no âmbito federal, até a criação do SUS; com que marcas ele se apresentou na Constituição Federal de 1988 e na Lei 8080/90, que regulamenta o SUS; e que desafios se colocaram para a AES a partir de então; e (2) Como se deu essa articulação a partir do SUS, no cenário estabelecido; que políticas de ‘formação’ foram pensadas e formuladas; e que novos desafios surgiram.

Operou-se a análise das políticas procurando compreender o movimento delas, considerando-as como textos, mas também como discursos. Assim, buscou-se compreender a interação de seus elementos nas trajetórias traçadas pelos seus diferentes contextos, que não possuem entre si dimensão temporal ou sequencial e podem mesmo ser encontrados uns dentro dos outros: o contexto de influências, o contexto da produção de textos e o contexto da prática. Consideramos a principal contribuição deste estudo a visibilidade dada às continuidades e descontinuidades, tanto da própria AES quanto da relação estabelecida entre os espaços do saber e os serviços de saúde nos processos de formulação das políticas nacionais, tomadas como sendo o ‘Programa de Preparação Estratégica do Pessoal de Saúde’ (PPREPS), a

‘Política de Gestão do Trabalho e da Educação para a Saúde’ (NOB/RH-SUS) e as duas versões da ‘Política Nacional de Educação Permanente em Saúde’ (PNEPS), de 2004 e 2007.

Palavras-chave: Política de saúde; Ação Intersetorial; Educação; Formação de Recursos Humanos; Análise de Políticas.

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Abstract

This study aimed to discuss the articulation between the Education and Health areas ("articulação educação-saúde" / AES) in the formulation of national policies for health professional’s higher education in Brazil. The following policies were considered:

the ‘Strategic Preparation of Health Personnel's Program’ (PPREPS), the ‘National Policy of Human Resources for Health’ (NOB/RH-SUS) and the two versions of ‘National Policy of Permanent Health Education’ (PNEPS) – 2004 and 2007. The education of health professionals was considered like a field that has the AES as its structuring element. We approached the constructionist epistemology as a methodological path that allows finding answers to our research questions related to the object of study and others faced during the course of the investigation. Two sets of questions guided this research: (1) How was constituted the field of health professionals education (‘formation’) at the federal level, before the implementation of the Public Health System, SUS?; Which traces were incorporated to this field by the Brazilian Federal Constitution (1988) and the Public Health System legislation (Law 8080/90)?; What are the challenges to the health professionals education since the new Constitution and Health Legislation?; and (2) How have been articulated the autonomous/ specific fields of Health and Education within the new Public Health System, SUS?; What new policies, aimed at health professional’s higher education, were conceived and formulated?; What new challenges have emerged thereafter? During the analytical process, the policies were considered as texts and as discourse. The AES were analyzed in the formulation of health professional education’s policies seeking the understanding of their processes and consequences. This involved the comprehension of the interaction of its elements in their trajectories traced in different contexts: “the context of influences”, “the context of text production” and “the context of practice”.

These contexts have neither temporal nor sequential relation among themselves. The main contribution of this study was to give visibility to the continuities and discontinuities of the AES and the relationship between the production of knowledge and the health services in the formulation of health professional’s education policies.

Keywords: Health Policy; Intersectorial Action; Education; Human Resources Formation; Policy Analysis

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Índice

Resumo ... 8

Abstract ... 9

Lista de Siglas e Abreviações ... 11

Lista de Quadros ... 14

Introdução ... 15

Capítulo 1: A conformação do campo da ‘formação’: aspectos político-institucionais e construções epistemológicas ... 29

1.1. Assuntos/problemas em pauta na 4ª Conferência Nacional de Saúde ... 49

Planejamento... 50

Qualificação do pessoal de saúde pública... 63

Integração / cooperação educação-saúde. ... 74

Capítulo 2: A entrada da ‘formação’ na agenda decisória do governo federal ... 78

2.1. O Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) ... 94

Capítulo 3: A AES no contexto da Reforma Sanitária Brasileira ... 104

3.1. Os caminhos até o SUS ... 107

3.2. A Década de 1990 e a NOB/RH-SUS ... 129

Capítulo 4: O retorno da ‘formação’ para a agenda decisória do governo federal ... 147

4.1. Os desafios do PSF e a AES no Governo FHC... 151

4.2. A ‘formação’ e as estratégias de AES no Governo Lula... 164

A SGTES e a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) ... 165

A nova versão da PNEPS e a parceria com o Ministério da Educação ... 178

Considerações Finais ... 189

Referências Bibliográficas... 195

ANEXO 1 - Relação dos entrevistados e inserção institucional que nos fez buscá-los para contribuir para a pesquisa... 207

ANEXO 2 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 208

ANEXO 3 - Linha do Tempo...209

ANEXO 4 - Listagem de expositores da 4CNS e os assuntos abordados ... 210

ANEXO 5 – Conteúdo da 7CNS relacionado à formação de recursos humanos ... 211

ANEXO 6 – Temas abordados nos Cadernos RH Saúde (vol.3, mar. 2006) ... 213

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Lista de Siglas e Abreviações

ABEM - Associação Brasileira de Educação Médica

ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

‘Acordo’ - Acordo para um Programa Geral de Desenvolvimento de RH para a Saúde AES - articulação educação-saúde

AIS - Ações Integradas de Saúde APS - Atenção Primária em Saúde

CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões CDS - Conselho de Desenvolvimento Social Cebes - Centro Brasileiro de Estudos de Saúde CES - Câmara da Educação Superior

CF88 - Constituição Federal de 1988

CGPRH - Coordenação Geral da Política de Recursos Humanos CGR - Colegiados de Gestão Regional

CIB - Comissão Intergestora Bipartite

CIES - Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço

CINAEM - Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas CIPLAN - Comissão Interministerial de Planejamento

CIRH - Comissões Intersetoriais de Recursos Humanos CNE - Conselho Nacional de Educação

CNRH - Centro Nacional de Recursos Humanos CNRS - Comissão Nacional da Reforma Sanitária

CNRHS - Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde CNS - Conselho Nacional de Saúde

COC - Casa de Oswaldo Cruz

CONASP - Conselho Nacional de Assistência à Saúde da Previdência Social CONASS - Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde

CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde Crub - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras

DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais

DEGERTS - Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde DEGES - Departamento de Gestão da Educação na Saúde

ENSP - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca EPS - Educação Permanente em Saúde

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FHC – [Presidente/governo] Fernando Henrique Cardoso

FNEPAS - Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área de Saúde GIT - Grupo Interministerial de Trabalho

HUE - Hospitais Universitários de Ensino IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões IDA - Integração docente-assistencial

IES - Instituições de Ensino Superior IMS - Instituto de Medicina Social

INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira/MEC INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicado LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LOS - Leis Orgânicas da Saúde

MEC - Ministério da Educação e Cultura

MESP - Ministério da Educação e Saúde Pública MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social MS - Ministérios da Saúde

MTIC - Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio NOB - Norma Operacional do SUS

NOB/RH-SUS - Norma Operacional Básica de Recursos Humanos OEA - Organização dos Estados Americanos

OMS - Organização Mundial de Saúde OPAS - Organização Pan-americana de Saúde

PACS - Programa de Agentes Comunitários em Saúde

PAREPS - Plano de Ação Regional de Educação Permanente em Saúde PEC - Programa de extensão de cobertura

PEPPE - Programa de Estudos e Pesquisas Populacionais e Epidemiológica PEPS - Pólos de Educação Permanente em Saúde

PESES - Programa de Estudos Sócio-Econômicos em Saúde PET-Saúde - Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde PET - Programa de Educação Tutorial / Ministério da Educação

PIASS - Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento PITS - Programa de Interiorização do Trabalhador de Saúde

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

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PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

PNEPS - Política Nacional de Educação Permanente em Saúde PPREPS - Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde PREVSAÚDE - Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde

PROMED - Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina PROSOCI - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Social

PSF - Programa Saúde da Família PT - Partido dos Trabalhadores RSB - Reforma Sanitária Brasileira

SEPLAN - Secretaria de Planejamento da Presidência da República SES - Secretaria Estadual de Saúde

SESu - Secretaria da Educação Superior

SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica SGTES - ecretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SINAES - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SPS - Secretaria de Política de Saúde/Ministério da Saúde SUS – Sistema Único de Saúde

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro UISS - Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho’

UnB - Universidade de Brasília UNE - União Nacional dos Estudantes

VER-SUS - Vivências e Estágios na Realidade do SUS 4CNS - 4ª Conferência Nacional de Saúde

5CNS - 5ª Conferência Nacional de Saúde 6CNS - 6ª Conferência Nacional de Saúde 7CNS - 7ª Conferência Nacional de Saúde 8CNS - 8ª Conferência Nacional de Saúde 10CNS - 10ª Conferência Nacional de Saúde 11CNS - 11ª Conferência Nacional de Saúde 12CNS - 12ª Conferência Nacional de Saúde

1CNRHS - 1ª Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde

3CNGTES - 3ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde

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Lista de Quadros

Quadro 1: Responsabilidades atribuídas, na 4CNS, ao MEC e Ministério da Saúde ... 75

Quadro 2: Temas e questões sobre formação de recursos humanos abordados na 5CNS ...108 Quadro 3: Princípios relacionados com a política de recursos humanos apontados como aqueles que deveriam reger o novo Sistema Nacional de Saúde na 8CNS...118 Quadro 4: Principais pontos abordados na 7CNS em relação à política de recursos humanos em saúde...211

(15)

Introdução

O objetivo inicial, que mobilizou a realização deste estudo foi analisar a articulação entre as áreas de educação e saúde no processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação de nível superior dos profissionais da saúde, no período de 1990 a 2010, ou seja, no âmbito do SUS.

No movimento de investigar a trajetória histórica da problemática da ‘formação dos profissionais de saúde no Brasil’, doravante referido como ‘formação’, buscando os elementos envolvidos, tanto nos seus processos político-institucionais (organização e interações) quanto nas construções epistemológicas (saberes que se constituíam), pudemos perceber que essa trajetória permitia admiti-la como se fosse um campo, tal como o define a obra de Bourdieu: “uma esfera da vida social, que se autonomizou progressivamente através da história, em torno das relações sociais, de conteúdos, de recursos próprios, diferentes dos de outros campos” (Corcuff, 2001, p.53). Como um campo de forças e lutas, marcado por uma distribuição desigual de recursos e por disputas para manter ou transformar a relação de forças estabelecida, no qual estão inseridos agentes e instituições que realizam suas produções culturais (literária, artística, jurídica ou científica), relacionados entre si e a um determinado contexto social (Bourdieu, 1997).

Ao admitir a ‘formação’ como um campo, tornou-se importante buscar compreendê-lo. A partir de que circunstâncias e em torno de que questões a

‘formação’ foi se diferenciando (se autonomizando) e ganhando contornos próprios;

quem eram os agentes que estavam criando os espaços e construindo os fatos; que posições eles ocupavam nos diversos momentos; que relações objetivas se estabeleciam entre eles; e que possibilidades e impossibilidades eram definidas a partir dos posicionamentos e relacionamentos estabelecidos.

Isso nos remeteu à década de 1960, quando a problemática da ‘formação’

começou a ganhar peso no país, no contexto da discussão do planejamento da administração e das atividades de saúde, que vinculava as questões da saúde às do desenvolvimento econômico e social. Era um cenário marcado, também, pela concepção produtivista da educação, que tinha como parte de seu acervo teórico as teorias do capital humano, nas quais os trabalhadores e a sua capacidade de trabalho

(16)

eram considerados como um dos recursos-chave a serem mobilizados na empreitada desenvolvimentista.

Diante de todo esse processo inicial de revisão da construção do nosso objeto de pesquisa, ampliamos o período de delimitação do estudo, que passou a ser desde a 4º Conferência Nacional de Saúde (4CNS), em 1967, assinalada por nós como um marcador para a conformação do campo, até 2010, considerando o encerramento do Governo Lula. Além disso, elaboramos nossa base argumentativa: a articulação educação-saúde (AES) é elemento estruturante do campo da ‘Formação’, que se constituiu desde antes da criação do SUS, mostrou-se importante para a própria construção da reforma sanitária brasileira, realizada no final da década de 1980, e seguiu se reproduzindo diante dos inúmeros desafios que tal reforma ajudou a criar.

O olhar para a AES como elemento estruturante do campo da ‘Formação’ se fundamentou na afirmativa de Bourdieu (1997) de que as relações objetivas são constitutivas da estrutura do campo. Ao buscar entender quem eram os agentes em questão, que posições eles ocupavam e que relações se estabeleciam entre eles pudemos identificar o alto grau de entrelaçamento dos elementos da educação e saúde que o campo da ‘formação’ carrega em si, desde quando começou a se consolidar, a partir da assunção da saúde para si de uma problemática que, até então, encontrava-se totalmente no escopo da educação.

Explicando melhor: a formação de profissionais sempre foi uma questão da educação. O que vai produzir uma arena na qual as lutas e disputas serão traçadas é a percepção e valorização, por parte dos agentes da saúde, da associação entre essa formação e o desempenho do sistema de saúde. Isso trouxe para o foco as especificidades da formação dos profissionais que atuam nessa área e a necessidade de se trabalhar sobre elas. Este campo emerge, portanto, da interação entre os agentes da educação envolvidos com as questões da saúde e os agentes da saúde envolvidos com os processos educacionais / formativos, num arranjo de tal forma imbricado, que muitas vezes torna-se difícil distinguir um grupo do outro.

Assim, podemos justificar o olhar desde as produções da saúde pelo argumento de que a formação dos profissionais de saúde não é uma temática que encerra-se em

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si mesma. Ao contrário, é nítido o caráter recursivo1 que incide sobre a visão dela como um elemento fundamental para a garantia da qualidade da atenção à saúde.

É importante relatar que esse processo inicial de reconstrução do nosso objeto de estudo nos fez abandonar nossos pressupostos do projeto de pesquisa, tendo em vista que eles se baseavam no referencial teórico da intersetorialidade.

Num primeiro momento, ao olharmos para as questões que nos motivaram a desenvolver esse estudo, consideramos a formação de profissionais como uma questão do setor educação e os profissionais de saúde como um elemento do setor saúde. Diante disso, tratar da formação dos profissionais de saúde significava lidar com um espaço de interseção considerado intersetorial. Na construção do projeto, seguimos essa linha.

Entretanto, no exercício de deixar interagir nossas ousadias e habilidades criativas com o que conseguimos apreender do referencial teórico disponível, empenhando considerável esforço sistemático de crítica2, percebemos o quão mais interessante nos parecia olhar para as relações no campo para além da divisão entre setores governamentais. Ao considerarmos a articulação educação-saúde como uma construção que se realiza primeiro dentro de cada agente do campo, a partir da sua inserção institucional e do processo de constituição do seu próprio fazer profissional, expressando-se em seguida nos atos e fatos que eles constroem, nos vimos estimulados a construir uma abordagem capaz de dar visibilidade a essa trama de relações que está por trás da formulação das normas e textos legais: das Leis, Decretos e Portarias, etc. Abordagem capaz de permitir a compreensão dos debates e interações estabelecidos, que muitas vezes saem das agendas dos governos e depois voltam... E saem novamente... Mas que continuam acontecendo, produzindo as continuidades e descontinuidades nos discursos das políticas.

Neste processo de construir um caminho metodológico, partimos do pressuposto apresentado por Ball (1994) de que as políticas – compreendidas em sua complexidade e caracterizadas por elementos instáveis e contraditórios – estão em permanente movimento através do tempo e do espaço, delineando uma trajetória e

1 Referência ao caráter recursivo da vida social trabalhado por Giddens (2003). Trata dos processos de rotinização presentes na vida cotidiana. Ou seja, da reprodução crônica da conduta social, através do tempo e espaço, que se expressa na manutenção de práticas e, também, nos discursos e narrativas

22 Processo denominado por Mattos (2011) como construção do objeto.

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mantendo sempre um grau de incerteza sobre onde vai “chegar”. Contudo, o desfecho de cada política, vislumbrado a partir do olhar para o processo de implementação, não nos interessou. Restringimo-nos às questões que estavam em jogo enquanto elas eram formuladas. Principalmente, que grupos estavam envolvidos e quais os objetos de disputa, as apostas feitas, as estratégias utilizadas e os desdobramentos desse processo para o campo da ‘Formação’ e para a AES.

Vale destacar que enxergamos a formulação e implementação das políticas como processos e não como etapas, como sugere a compreensão tradicional do ciclo das políticas que o divide, grosso modo, em: formação da agenda, formulação da política, implementação e avaliação dos resultados. O rompimento, proposto por Ball e Bowe (1992), com a noção de que as políticas possuem um padrão sistematizado de etapas, que em última instância servem para organizar a análise dos processos políticos, deve-se à compreensão de que esses processos ocorrem desordenadamente ao longo da trajetória de movimento das políticas. Tal movimento envolve a interação dos elementos da política, em diferentes contextos, inter-relacionados, mas que não possuem entre si dimensão temporal ou sequencial e podem mesmo ser encontrados uns dentro dos outros: o contexto de influências, o contexto da produção de textos e o contexto da prática.

O contexto da influência é aquele no qual os discursos políticos que servem de base para a política são construídos. No qual as políticas ou o pensamento sobre as políticas, são ou podem ser formados e/ou transformados, a partir da ação política. É neste contexto que os grupos de interesse e as redes sociais operam, dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo, buscando adquirir apoio para seus argumentos e legitimidade para seus conceitos e soluções propostas para os problemas sociais destacados. Neste contexto estão envolvidas, também, as influências globais e internacionais que podem ser entendidas tanto pelo fluxo de ideias por meio de redes políticas e sociais que envolvem a circulação internacional de ideias, o processo de “empréstimo de políticas” e os grupos e indivíduos que

“vendem” suas soluções no mercado político e acadêmico quanto pelo patrocínio e, em alguns aspectos, pela imposição de algumas “soluções” oferecidas e recomendadas por agências multilaterais (Banco Mundial, UNESCO, FMI, entre outros).

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No contexto da produção de textos são elaborados os diversos textos políticos que representam as políticas. Geralmente, estão articulados com a linguagem do interesse público mais geral e podem tomar várias formas, dentre elas: os textos legais oficiais e textos políticos, comentários formais e informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos oficiais, vídeos, entre outros. São resultado de disputas e acordos produzidos por grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos e que competem pelo controle das representações da política, possuindo uma relação simbiótica com o contexto de influência, porém não evidente ou simples, ao passo que o contexto de influência está frequentemente relacionado com interesses mais estreitos e ideologias dogmáticas. Desta forma, os textos políticos não mantêm, necessariamente, clareza e coerência interna, podem ser contraditórios e utilizar os termos-chave da política de modo diverso, e precisam ser lidos com relação ao tempo e ao local específico de sua produção, tendo em vista que não são feitos nem finalizadas no momento legislativo.

O contexto da prática é como uma arena de conflitos e contestação, que envolve a interpretação e a tradução dos textos para a realidade, tal como ela é vista pelos ‘leitores’. Um dos aspectos que evidenciam isso e ajudam a compreender a singularidade da maneira como a política é estruturada em cada instituição é a necessidade de interação de uma nova política com aquelas existentes e, portanto, presentes anteriormente no contexto da prática, tendo em vista que políticas diferentes, muitas vezes, solicitam que ações diversas sejam realizadas simultaneamente. Outro aspecto refere-se à base material da interpretação da política – verbas, infra-estrutura, etc. Tal interpretação envolve distribuição de recursos que interfere na tradução das políticas e nas relações estabelecidas.

Trabalhamos com a noção apresentada por Ball (1994), que afirma a “política como texto”, mas também como discurso.

Como texto, as políticas são mediações; são codificadas de formas complexas a partir de embates, acordos e interpretações e reinterpretações por parte das autoridades públicas, e decodificadas, também de maneiras complexas, pela interpretação por parte dos agentes envolvidos, atribuindo significados em função de suas histórias, experiências e possibilidades. Isso significa admitir a política como um

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produto inacabado de esforços coletivos em múltiplos níveis de interpretação e tradução.

Entretanto, para além de seu aspecto formal de enunciado oficial, a política é uma prática social de embates e conflitos de interesses, posições e percepções do mundo que produz acordos momentâneos e dinâmicos e que, em última instância, expressam uma forma historicamente construída de reprodução da sociedade (Baptista e Mattos, 2011). É resultado de uma disputa de poderes, pelo controle de bens (recursos) e de discursos, em termos de vantagens e legitimidade sociais, que ocorrem inseridas numa determinada conjuntura histórica. Como resultado, há o predomínio de um discurso sobre os demais, que aponta para certas possibilidades de pensamentos (ideias, conceitos) e caminhos, e exclui outras. Exclui do discurso oficial, mas não do cotidiano das instituições e das práticas.

O foco da pesquisa nas políticas públicas nos levou a pensar nos espaços institucionalizados como elemento fundamental do processo político. Os discursos presentes, as percepções e interpretações dos problemas sociais e textos políticos, assim como sua elaboração, ocorrem num ambiente institucional, que inclui não apenas as organizações e suas regras ou convenções, mas também os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem “padrões de significação” que guiam a ação humana. Nesta perspectiva, “a identidade e a imagem de si dos atores sociais são elas mesmas vistas como sendo constituídas a partir de formas, imagens e signos institucionais fornecidos pela vida social” (Hall e Taylor, 2003, p.210). Assim, as instituições especificam o que se deve fazer e, também, o que se pode imaginar fazer numa dada conjuntura, estruturando as interações sociais e engendrando situações políticas que elucidam tanto os conflitos entre os diferentes grupos de interesse quanto às escolhas estratégicas adotadas por eles.

Para além do foco na ação das instituições governamentais, consideramos as diferentes formas de relação e interação existente com outras instituições e grupos da sociedade. Buscamos identificá-los, bem como a seus interesses, pelo menos os explícitos, tentando compreender seu envolvimento na formulação das políticas e suas influências sobre a agenda do governo federal, tendo em vista nosso olhar específico para as políticas nacionais.

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Foi-nos bastante útil o conceito de agenda tal como apresentado por Kingdon (1995) em seu estudo sobre o processo de conformação da agenda3 (“the agenda- setting process”) e de especificação de alternativas de solução para os problemas da agenda, a partir das quais uma escolha deve ser feita. Segundo o autor, o conceito de agenda, refere-se a ‘uma lista de assuntos ou problemas aos quais os funcionários do governo e pessoas de fora do governo, porém intimamente associadas a estes funcionários, estão dedicando alguma atenção séria em um dado momento qualquer’4.

Kingdon considera que ‘o processo de conformação da agenda restringe o conjunto de assuntos/problemas possíveis para um conjunto que, na realidade, se torna o foco da atenção dos governos’5 (p. 3). Neste sentido, reconhece a existência de diferenças nas listas das distintas partes do governo e distingue as agendas mais amplas, como da presidência do país, que contém os “maiores itens”, como por exemplo, as crises internacionais e o modelo econômico, das agendas especializadas, mais específicas, como as agendas setoriais. Diferencia, também, a ‘agenda de governo’ (ou governamental), que contém os assuntos/problemas que estão recebendo atenção, da ‘agenda de decisão’ (ou decisória), que significa a lista de assuntos/problemas contidos na agenda de governo que “estão prontos”6 para a tomada de decisão, ou melhor, para tornarem-se políticas públicas, demonstrando que são afetadas por diferentes processos.

Identificar os momentos nos quais a problemática da ‘formação’ foi priorizada pelos governos a ponto de tornarem-se políticas públicas fez parte do estudo do movimento das políticas. Procuramos compreender os elementos que influenciaram tal priorização, porém, sem fazer uso do método desenvolvido e proposto por Kingdon.

3 Tradução nossa em função do que Kingdon aponta como sendo esse processo, que é mais que definição da agenda: é configurar a agenda, tornando-a conforme; conciliando e adequando interesses.

4 Tradução nossa. Texto original: “The agenda, as I conceive of it, is the list of subjects or problems to which governmental officials, and people outside of government closely associated with those officials, are paying some serious attention at any given time.” (Kingdon, 1995, p. 3)

5 Tradução nossa. Texto original: “The agenda-setting process narrows this set of conceivable subjects to the set that actually becomes the focus of attention.” (Kingdon, 1995, p. 3)

6 As aspas foram colocadas por nós, tendo em vista que os assuntos/problemas não ficam prontos, mas são destacados por escolha dos atores envolvidos, com base nos interesses e acordos produzidos no processo político das políticas.

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Para justificar tal decisão, nos aproximamos da epistemologia construcionista7 como modo de fazer ciência e procuramos o tempo inteiro respostas para nossas próprias questões, relacionadas não apenas ao nosso objeto de estudo, mas também às escolhas que fazíamos diante de cada desafio encontrado no exercício da investigação. Sentimo-nos livres para pensar, criar e construir nosso caminho metodológico, porém cientes da responsabilidade que tal liberdade imprime ao nosso percurso, demandando imenso rigor autocrítico, que buscamos expressar ao longo de todo esse trabalho.

Em relação às nossas questões de pesquisa, podemos dividir esse estudo em duas partes, que não apresentam relação direta com a divisão dos capítulos.

Na primeira parte, fomos guiados pela tentativa de entender como o campo da

‘formação’ foi se conformando, no âmbito federal, até a criação do SUS; com que marcas ele se apresentou na Constituição Federal de 1988 (CF88) e na Lei 8080/90, que regulamenta o SUS; e que desafios se colocaram para a articulação educação- saúde a partir de então.

Para tanto, optamos pelo exame crítico detalhado dos Relatórios finais e/ou Anais das oito Conferências Nacionais de Saúde, que aconteceram no período entre 1941 e 1986, quando existentes8, incluindo a 1ª Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde (1CNRHS). Foram examinados também, na mesma perspectiva de buscar reconhecer o que vinha ou não se conformando como AES, os documentos relacionados ao ‘Acordo para o Desenvolvimento dos Recursos Humanos para a Saúde’, estabelecido a partir de 1973 entre o governo brasileiro e a Organização Pan- americana de Saúde (OPAS) e as Leis Orgânicas da Saúde (LOS 8080/90 e 8142/90).

A opção pelos textos das conferências deveu-se a um conjunto de fatores. Um deles foi o fato destes documentos expressarem as agendas governamentais, na esfera federal, relacionadas à área da saúde, o que permitiu o reconhecimento dos seus movimentos com o passar dos anos. Outro referiu-se à busca de ‘pistas’ sobre um possível discurso oficial sobre ‘Formação’ no âmbito destas Conferências. Um terceiro fator, porém não menos importante, foi a procura do entendimento da articulação

7 SPINK, Mary J. ; MENEGON, Vera Mincoff. A pesquisa como prática discursiva: superando os horrores metodológicos. In: SPINK, Mary Jane. (org). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. São Paulo, Cortez, 2004. P.63-92.

8 1ª e 2ª Conferências Nacionais de Saúde não possuem Anais nem Relatórios.

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com a educação na discussão da temática, mesmo cientes de que é um olhar desde o espaço da saúde.

Vale considerar que apenas a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde (8CNS) as conferências passaram a contar com a participação da sociedade organizada.

Até então, caracterizavam-se como encontros técnicos produzidos pelos governos, restritos à participação de convidados. Dessa forma, os documentos oficiais produzidos nestes eventos, apontavam o discurso daqueles que estavam, naquele determinado momento, no poder e que, portanto, falavam de suas ações tal como idealizadas, na perspectiva de suas boas intenções, o que de certo modo abafava as disputas existentes. Ou seja, faltavam críticas nos documentos. O discurso carecia de superposição de diferentes olhares, dando a falsa impressão de que viemos, ao longo da trajetória histórica do país, evoluindo, num crescente de aprimoramentos e realizações bem sucedidas.

Sendo assim, o fato de trabalharmos debruçados no discurso oficial, com base nos relatórios finais e Anais das conferências nacionais de saúde, nos obrigou a explorar os textos e acontecimentos das Conferências com bastante cuidado, buscando, na literatura científica, a análise de outros pesquisadores e a compreensão de outros acontecimentos importantes que marcaram o período correspondente. O atravessamento de duas ditaduras (Estado Novo e Golpe Militar) e o movimento pela reforma sanitária no escopo da luta pela democratização do país são bons exemplos.

Na segunda parte do estudo, o conjunto de questões que nos conduziu, considerando as marcas com as quais o campo chegou ao SUS e os desafios colocados, foi: como se deu a AES a partir de então; que políticas de ‘formação’ foram pensadas e formuladas; que novos desafios surgiram.

Na linha que vínhamos trabalhando anteriormente, analisamos os relatórios finais das conferências nacionais que se mostraram relevantes, tendo em vista os documentos produzidos para as conferências específicas de recursos humanos e a força que a problemática adquiriu nos espaços institucionalizados dentro do governo ou fora dele, ampliando bastante a disponibilidade de textos políticos e referências bibliográficas sobre as políticas adotadas. A análise destes textos e documentos, por serem específicos sobre a temática da ‘formação’, exigiram outro tratamento, diferente da análise na primeira parte do estudo. Neste momento, não se mostrou

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importante seguir buscando reconhecer a existência de um campo, mas como o debate existente em torno da AES estava refletido.

Em ambas as partes do estudo, a apuração do olhar crítico foi favorecida pelo conjunto de entrevistas realizadas com alguns agentes-chave dos grupos reconhecidos, que atuaram no campo em distintos momentos de sua trajetória histórica.

Convidamos a participar agentes dos diversos grupos, mas nem todos aceitaram o convite. A lista com os nomes e inserção institucional dos entrevistados encontra-se no Anexo 1, tendo em vista que todos autorizaram, por intermédio do ‘Termo de Consentimento Livre e Esclarecido’9 (Anexo 2), a divulgação de seus dados pessoais.

As entrevistas foram realizadas com o objetivo de conduzir os entrevistados à reflexão sobre as escolhas que fizeram ao invés de defenderem o que foi feito. Ou seja, sobre o que foi feito e porque foi feito. Pensarem sobre as alternativas que haviam e como foram construídas as escolhas; que nível de diálogo foi estabelecido entre educação e saúde e como estava esse diálogo antes. Para isso, foram guiadas por uma questão inicial aberta (como você localiza a articulação educação-saúde na sua trajetória profissional?), pontuada por outras questões estabelecidas caso a caso, em função da participação estudada de cada um desses agentes nos processos das políticas e dos elementos trazidos por eles ao falarem de suas trajetórias. Desta forma, buscamos acessar a “capacidade reflexiva” (ou “reflexividade”) destes sujeitos políticos, indagando sobre questões que nos permitiram entender melhor as respostas que estávamos construindo para nossas perguntas.

Acreditamos ser uma tarefa bastante complexa conseguir resgatar acontecimentos, ações e intenções de ações na memória dos agentes, após tanto tempo, considerando que, em alguns casos, estávamos falando da década de 1960.

Contudo, conforme apontado por Giddens (2003), o cunho recursivo da vida social encontra-se no escopo da constituição da vida cotidiana, de caráter rotinizado, que permite a reprodução crônica das formas de conduta social através do tempo e do espaço. Assim, devido à manutenção de práticas que se repetem, recriadas rotineira e continuamente pelos agentes implicados, a reflexividade se torna possível.

9 A pesquisa obedeceu às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS, que incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética:

autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.

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Vale frisar, entretanto, que em momento algum saímos em busca de uma

“verdade” dos fatos. Optamos pelo pensamento sobre a ciência que nos incita a tratá- la como um modo de produzir narrativas, de conversar e construir argumentos10. Com essa perspectiva realizamos e analisamos as entrevistas, atentos também ao que Giddens descreve como “consequências impremeditadas da ação” (2003, p.XXXV), que se caracterizam como eventos que acontecem em função da atuação dos agentes, sem que eles tenham tido intenção de produzir.

De acordo com o autor, tais consequências só podem ser empiricamente apreendidas de forma adequada se os aspectos premeditados ou intencionais da ação forem identificados. Assim, propõe o foco da reflexão nas decorrências do que foi feito, em contraste com o que foi feito, trazendo para o estudo a complexidade “do fato de um ato aparentemente trivial poder deflagrar eventos cada vez mais distanciados dele no tempo e no espaço” (Giddens, 2003, p. 13).

A perspectiva de explorar a reflexividade dos entrevistados olhando para as consequências premeditadas e impremeditadas de suas ações nos permitiu identificar construções e rupturas que foram ocorrendo nos discursos das políticas e em outros elementos constitutivos de seus contextos (da produção de textos, da influência e da prática), que os documentos e textos analisados não exploraram e, portanto, não possibilitaram aprofundar, tais como: dinâmica de relações, situações institucionais, ação política e estratégias.

Outro recurso metodológico que nos apoiou no desenvolvimento da pesquisa, por auxiliar na compreensão do movimento do campo e da AES, foi a elaboração de uma linha do tempo (Anexo 3), construída a partir dos acontecimentos ocorridos no período que caracterizou-se como a segunda parte do estudo (anos 1990 até 2010).

O intuito ao traçar este registro cronológico foi dimensionar o conjunto das ações realizadas no período e tentar obter um esboço do cenário no qual as políticas se inseriram a partir do estabelecimento de relações entre os acontecimentos.

Interessou-nos buscar a relação das políticas mais antigas com as mais recentes, sem, no entanto, procurar um senso de continuidade entre elas. Ao contrário, nos

10 Abordagem construcionista apresentada por Mattos (2011). MATTOS, R. A. Ciência, Metodologia e Trabalho Científico (ou Tentando escapar dos horrores metodológicos). In MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T.

W. F. (Orgs.) Caminhos para análise das políticas de saúde, 2011. p.20-51. Online: disponível em www.ims.uerj.br/ccaps.

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interessou a perspectiva dialética da natureza do progresso, apresentada por Canguillem (Machado, 1981, p.34/3511), que valoriza as descontinuidades; as rupturas sucessivas e parciais que vão ocorrendo nos discursos destas políticas, produzindo novas condições de possibilidade. Ou seja, permitindo que novas políticas aconteçam como tal.

A análise de todo esse material identificado e produzido nos conduziu à escolha de tratar como as políticas nacionais voltadas para a formação dos profissionais de saúde, incluindo os de nível superior, focos deste estudo: o ‘Programa de Preparação Estratégica do Pessoal de Saúde’ (PPREPS), instituído em 1975; a NOB/RH-SUS (‘Princípios e Diretrizes para Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para a Saúde’), debatida ao longo de toda a década de 1990 e homologada como ‘Política Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde’ em 2003; e a ‘Política Nacional de Educação Permanente em Saúde’ (PNEPS), nas suas duas versões, de 2004 e 2007.

Os argumentos que nos levaram a esse entendimento estão explicitados e desenvolvidos ao longo dos quatro capítulos que compõem a estrutura desta Tese.

No primeiro capítulo, tratamos de entender o surgimento da problemática da

‘formação’; os agentes sociais e as institucionalidades diretamente envolvidos nesse debate inicial. Identificamos a realização da 4CNS, em 1967, como primeiro marco importante da conformação deste campo, numa conjuntura em que a entrada da formação na agenda do governo federal, no sentido de preparação de recursos humanos, não se restringia à área da saúde. Mostrou-se curioso o apagamento produzido em torno dessa conferência, muito pouco citada nos diversos textos que tratam desta temática e mesmo nas entrevistas. Isso nos conduziu a analisar com cuidado seu conteúdo, trazendo à tona o que estava sendo dito naquele cenário marcado pela Guerra Fria internacional, com intensa disputa no processo de elaboração das soluções a serem adotadas nos países em desenvolvimento e pela ditadura militar brasileira, às vésperas do seu momento mais rigoroso.

A forte influência da OPAS nos encaminhamentos internos dados aos nossos problemas é aprofundada no segundo capítulo, que aponta a perspectiva do planejamento nacional de saúde ofertada aos países em desenvolvimento e a

11 MACHADO, R. Ciência e Saber: a trajetória da arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981.

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prioridade que a formação de recursos humanos ganha neste contexto. O ‘Acordo para um Programa Geral de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Saúde no Brasil’, firmado em 1973 entre a OPAS e o governo federal brasileiro, representado no primeiro momento pelos Ministérios da Saúde e da Educação e Cultura, é a base institucional para a formulação do PPREPS. Essa política marcou a entrada da

‘formação’ para a agenda decisória do governo federal e apresentou a Integração Docente-Assistencial (IDA) como uma alternativa com potencial para promover as mudanças necessárias nos modelos médico-assistencial e de formação vigentes, aproximando-os dos interesses de saúde da população.

O terceiro capítulo apresenta as possibilidades de AES no contexto da reforma sanitária brasileira. Tanto no processo de construção dos caminhos até o SUS, num contexto de batalha pela redemocratização do país e pelo fortalecimento da Saúde Coletiva, quanto no movimento de consolidação institucional do novo sistema de saúde, inserido numa conjuntura de disputa com a agenda da Reforma do Estado. Na primeira parte do capítulo, evidencia-se a complexificação da agenda da área da saúde, que de alguma forma rompe a AES estabelecida anteriormente, que se dava principalmente em torno das questões da Educação Médica, de interesse do MEC, como parte de um movimento de insulamento da saúde, que assume a missão da intersetorialidade. Na segunda parte, a criação e atuação da Rede Unida denuncia as compreensões distintas sobre o processo de produção da mudança na formação e sobre a própria noção de formação presente nos diferentes grupos formuladores das políticas e permite uma arena por fora da agenda do governo para ampliação do debate, tendo em vista que na área de recursos humanos, a preocupação do Conselho Nacional de Saúde priorizava a problemática trabalhista, atuando na formulação da NOB/RH-SUS.

Finalmente, o quarto capítulo aborda o retorno da ‘formação’ para a agenda decisória do governo federal por intermédio do Programa Saúde da Família, assumido, em diferentes perspectivas pelos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), como estratégico para a edificação de um novo modelo assistencial e de cuidado à saúde no âmbito do SUS. Uma reviravolta se apresenta no campo. O que era considerado como formação de recursos humanos passa a ser chamado de ‘Gestão da Educação na Saúde’ e ganha, ao lado da ‘Gestão do

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Trabalho’ um importante espaço institucional no alto escalão do Ministério da Saúde: a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES). Novas possibilidades de AES se estabelecem. Diferentes gestões (2003-2005 e 2005-2010), lideradas por distintos partidos políticos e, aparentemente, uma mesma política: a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). Mesma política apenas no nome, dados os teores radicalmente diversos das duas versões da PNEPS, de 2004 e 2007.

Nossa perspectiva de abordar o movimento das políticas nos permitiu identificar o que se constituiu como articulação educação-saúde, extrapolando o institucional-legal. Permitiu-nos buscar, nas discussões interinas ocorridas no âmbito de tal articulação, as continuidades e descontinuidades na trajetória do campo da

‘formação’. Esbarramos em nossos limites; deixamos de aprofundar questões importantes e ficaram em aberto outras que merecem novos estudos. Contudo, não tivemos em momento algum a pretensão de esgotar a temática, mas tão somente apresentar contribuições para o debate.

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Capítulo 1: A conformação do campo da ‘formação’: aspectos político-institucionais e construções epistemológicas

Considerando que o campo é estruturado pelos agentes e pelas “relações objetivas” estabelecidas entre eles (Bourdieu, 1997), e que para que possamos minimamente entender as possibilidades e impossibilidades dessas relações precisamos identificar os agentes engajados e as posições que ocupam nesse campo, torna-se interessante apontar, para início de conversa, os atores sociais e as institucionalidades diretamente envolvidos nesse debate.

Contudo, como esse debate não permanece o mesmo com o passar do tempo nem é estabelecido constantemente pelos mesmos agentes, optamos por identificar, inicialmente, os grupos e institucionalidades envolvidos neste primeiro momento, que estamos considerando como sendo o momento de conformação deste campo.

Ao partir de uma visão macro, podemos afirmar – já que estamos estudando o processo de formulação das políticas nacionais voltadas para a formação dos profissionais da saúde – que os agentes que compõem esse campo estão debatendo, de alguma maneira, com os setores governamentais ligados à educação e à saúde.

Dada a dificuldade de encontrar uma definição clara e unívoca para o termo, estamos considerando ‘setores governamentais’ como aqueles resultantes do padrão organizacional do Estado, desenvolvido a partir da teoria clássica da administração fundada no início do séc.XX (Inojosa, 1998). Composto por vários escalões hierárquicos e departamentalizado setorialmente por disciplinas ou áreas de especialização, o modelo hegemônico do aparato estatal, durante todo o século XX e XXI, pode ser representado pelo ‘modelo das casinhas paralelas’, no qual cada setor é representado por uma ‘casinha’, que operacionaliza as suas políticas em si para si. “As políticas são pensadas no interior do setor, fundamentadas no seu objeto e acúmulo de práticas e saberes, a partir dos quais exteriorizam um conjunto de ações que sempre buscam justificar a sua própria existência. [...] cada um se desenvolve em razão de suas demandas e de suas próprias soluções” (Andrade, 2004, p. 309).

Encontra-se aqui um primeiro desafio desse estudo, que se por um lado vai ao encontro do ‘dilema da intersetorialidade’ (operar, através das políticas públicas, questões intersetoriais em ambientes tradicionalmente setoriais, como se

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caracterizam os Estados Nacionais – Andrade, 2004), por outro confronta com o próprio conceito de intersetorialidade por ser este um campo que denuncia o caráter arbitrário da divisão setorial. Embora descartemos a possibilidade de apontar uma perspectiva correta e até mesmo de nos limitarmos a uma única perspectiva, é fundamental que nos posicionemos diante de tal desafio para que possamos entender e explicar o que buscamos investigar quando estudamos a ‘articulação educação- saúde’.

Diante da perspectiva da teoria clássica da administração, apontada anteriormente, a formação de profissionais pode ser considerada uma questão do setor educação e os profissionais de saúde uma questão do setor saúde. Ou seja, se olhássemos apenas a partir de uma visão macroestrutural, a formação dos profissionais de saúde compõe um espaço de interseção que pode ser considerado intersetorial.

Entretanto, acreditamos que as relações no campo se estabelecem em função das questões postas na sociedade, entre os agentes, que colocam novas questões num processo de reprodução do próprio campo a partir da delimitação dos seus princípios.

Ao olharmos para além dos setores governamentais, enxergando a diversidade de inserção institucional desses agentes e a posição que eles ocupam neste campo, vemos a imbricação das questões da educação e da saúde nos seus atos e nos fatos que eles constroem. Sendo assim, a articulação educação-saúde é sim uma construção, mas que se realiza primeiro dentro de cada agente do campo, no processo de constituição do seu próprio fazer profissional. Logo, não consideramos o agente que opera nesse campo como um profissional da saúde ou da educação, mas de ambos.

Esse modo de pensar nos leva à deixarmos um pouco de lado a ideia de intersetorialidade e adotarmos uma abordagem capaz de dar visibilidade à trama de relações que está por trás da formulação dos textos legais: das Leis, Normas e Portarias...; capaz de permitir a compreensão dos debates e interações estabelecidos, que muitas vezes saem das agendas dos governos e depois voltam... e saem novamente... Mas que continuam acontecendo, produzindo as continuidades e descontinuidades típicas da política.

Dito isso e para não fugirmos das contradições, interessa-nos passear inicialmente por alguns aspectos da macroestrutura no processo de conformação

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deste campo, inclusive para que possamos compreender melhor os diversos grupos nele inseridos.

Ao tomarmos a ‘formação’ como um campo e procurarmos entender sua delimitação, ficou evidente que o campo que aqui estamos tratando é aquele que se conforma em torno das questões da formação dos profissionais de saúde do setor público12. Relacionam-se nele os agentes que lidam com os processos educativos e com as questões tanto no âmbito da saúde coletiva quanto da medicina previdenciária, individual, que atravessaram diversos contextos sociais enquanto estruturavam suas institucionalidades.

A relação entre estes dois âmbitos– saúde coletiva e medicina previdenciária – é uma marca importante quando pensamos na saúde pública brasileira.

No Brasil, considerado um país de capitalismo tardio, a ideia do envolvimento do Estado na organização da sociedade e na construção da economia nacional se consolida a partir de 1930, junto com o início da segunda república, de cunho autoritário, que empenhou-se em acelerar o processo de industrialização brasileiro. A noção de interesse nacional e a construção da Nação como princípio norteador das políticas adotadas, pilares do Governo Vargas, aparecia em oposição ao controle da política nacional pela aliança das oligarquias dos grandes estados, característica da primeira república (1889-1930); “em oposição às especificidades regionais, que estariam vinculadas ao poder local e a interesses privados” (Lima et al., 2005, p.40). A política social que começava a ser esboçada neste governo representava o eco das propostas nacionalistas, presentes no cenário mundial, e criticava o papel tradicional das oligarquias brasileiras e o obstáculo que representavam ao desenvolvimento econômico, político e social.

Havia um projeto das elites que então dirigiam o governo, de consolidar um Estado forte e centralizado, capaz de coordenar a ação das administrações locais. Tal projeto, segundo Fiori (1995), concretizou-se a partir do Estado Novo, em 1937, quando a constituição de uma burocracia especializada e meritocrática capacitou o

12 Marcamos esta delimitação conscientes de que a divisão público-privado, quando falamos de formação dos profissionais de saúde, é confusa. Embora exista o mercado de trabalho da saúde pública e o mercado privado, com lógicas que muitas vezes gostariam de ser mais diferenciadas do que na realidade são, a Saúde Pública ou Saúde Coletiva é caracterizada como uma especialização. Ou seja, antes de ser um sanitarista, o profissional é preparado para atuar na clínica de especialidade, mesmo sendo essa a Clínica Geral.

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Estado a controlar e administrar funções macroeconômicas e centralizar e normatizar as principais áreas da atividade produtiva nacional. No entanto, diversas mudanças institucionais foram produzidas ainda em 1930 para garantir esse novo modelo de política pública.

Na área da saúde, estruturaram-se dois padrões de inclusão social, institucionalizados pelos recém-criados Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) e Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), respectivamente:

(1) o padrão de assistência médica previdenciária, oferecida aos trabalhadores urbanos inseridos no mercado formal de trabalho, assegurada pela legislação trabalhista e vinculado inicialmente às Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs)13 e, em seguida, aos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs); e

(2) o padrão de saúde pública, que significava o reconhecimento da obrigação do Estado na prestação dos serviços de saúde relacionados às práticas sanitárias. De acordo com Lima et al. (2005), isso produziu uma centralização normativa acompanhada por uma descentralização meramente executiva, a partir da criação de mecanismos burocráticos que viabilizaram a integração das esferas federal, estadual e municipal de administração, implicando na verticalização e segmentação das ações de saúde pública em campanhas e serviços nacionais voltados para o controle e erradicação de doenças específicas, tais como febre amarela, tuberculose e malária, entre outras.

No movimento de organizar as relações trabalhistas e buscar garantir ações sanitárias de maior alcance, essa estruturação acabou configurando o próprio mercado de trabalho no setor público da saúde, delimitando os espaços de inserção para os profissionais médicos, para-médicos (como eram chamada as outras profissões de saúde na época), técnicos e auxiliares.

Este modelo bifurcado de atenção à saúde da população (padrão assistencial previdenciário e sanitário) foi produzindo institucionalidades e adaptando-se às conjunturas econômicas, políticas e ideológicas dos diversos períodos e governos,

13 Criadas pela Lei Eloy Chaves (Decreto n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923), as Caixas de Aposentadorias e Pensões tinham como características principais a contribuição dividida entre governo, operários e patrões e a administração atribuída aos representantes dos patrões e operários, sem interferência do governo. Duraram até 1933, quando foram transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), autarquias de nível nacional centralizadas no governo federal, nas quais a filiação se dava por categorias profissionais substituindo a filiação por empresas.

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configurando-se como um dos principais objetos de enfrentamento pelo movimento em prol da reforma sanitária brasileira nos anos 1970 e 1980. A ideia da atenção integral à saúde como “direito de todos e dever do Estado”, propagada em um cenário de intensa luta pela redemocratização do país e adotada na Constituição Federal de 1988, acabou juntando a assistência médica previdenciária e as práticas sanitárias no Ministério da Saúde para consolidação da proposta de um Sistema Único de Saúde. O INAMPS – resultado final da unificação e das transformações dos IAPs, que passou pelo INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) – foi inicialmente incorporado ao Ministério da Saúde (Decreto nº 99.060, de 1990), sendo extinto apenas em julho de 1993 pela Lei nº 8.689.

Embora seja possível, a partir dessa junção, afirmar que se unificava o setor saúde na estrutura governamental, esse setor encontrava-se atravessado por conflitos postos pela convivência de lógicas absolutamente distintas em um mesmo espaço institucional. As disputas presentes em cada tentativa de propor novos modelos de atenção à saúde não deixaram de existir por esta junção, muito menos o mercado de trabalho na área da saúde se reestruturou ou transformou-se de pronto. Mudanças foram ocorrendo com o passar do tempo e das diversas tentativas de transformação;

prioridades foram sendo estabelecidas por cima de um emaranhado de dúvidas e um bocado de certezas calcadas por vontades políticas e marcadas por interesses econômicos.

Diante dessa travessia histórica, fica evidente que quando falamos da articulação com o setor saúde não estamos falando de algo coeso e, sim, bastante conflitivo. E mais, quando estamos falando do mercado de trabalho para o qual estes profissionais estão sendo formados, estamos falando de mercados, no plural.

Isso significa que a formação sempre precisou ser pensada à luz destas lógicas distintas. A da saúde pública, com suas ações centradas no Estado, buscando coordenar a relação com estados e municípios para viabilizar as grandes campanhas nacionais, e a da medicina previdenciária que, para dar conta da ampliação da cobertura a que se propunha, inicialmente com os IAPs, em seguida com o INPS e depois com o INAMPS, estimulou o crescimento do setor privado tanto na prestação de serviços quanto na própria formação dos profissionais, incentivando-o

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