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RESULTADO NEFASTO DA TEORIA E DA PRÁTICA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

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Academic year: 2023

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1 Discente do 5º ano do curso de Direito do Centro Universitário “Antonio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente.

2 Doutorando e Mestre em Direito, com ênfase em Direito Constitucional, pela Instituição Toledo de Ensino - ITE de Bauru-SP, graduado em Direito pelas Faculdades Integradas

“Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo e Professor de Ciências Políticas, Teoria Geral do Estado e Direito Penal na Toledo Prudente Centro Universitário.

RESULTADO NEFASTO DA TEORIA E DA PRÁTICA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Vinícius de OLIVEIRA GARCIA1 Glauco Roberto MARQUES MOREIRA2

RESUMO: O presente trabalho visa trazer uma reflexão sobre o encarceramento, explanando que a função primordial hoje de nosso sistema carcerário que é a ressocialização está longe de ser atendida, nessa esteira, relata o histórico dos nossos estabelecimentos penais buscando mostrar que o objetivo não fora alcançado desde os tempos mais primórdios. Faz também uma crítica ao modo de punir do Estado, demonstrando a ineficácia da pena privativa de liberdade ante ao objetivo pretendido, a ressocialização do apenado.

Palavras-chave: Sistema. Carcerário. Estabelecimento. Penal.

Ressocialização. Punitivista. Execução. Privativa. Liberdade. Estado.

Inconstitucional. Encarceramento.

1.INTRODUÇÃO

O nosso sistema carcerário é alvo de amplas discussões no meio acadêmico, não por menos, pois vivemos uma terrível crise prisional.

Em meio a essa situação, o presente artigo traça um histórico que nos mostra que essa crise não veio de agora, e que o Brasil sempre apresentou boas saídas legislativas, mas que não eram aplicadas à época, por falta de estrutura.

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Após um traçado histórico, é apresentada a Lei de Execução Penal, que apesar de ser uma das mais completas existentes no mundo, não é aplicada em nosso país, seja por falta de estrutura, ideais, ou desejo de punição aos apenados.

É elucidado o sistema punitivista que acredita que a solução para segurança pública seja prender mais, mesmo que o nosso país seja o quarto no ranking de população carcerária, e a criminalidade resta longe de ser resolvida.

Por fim é tratado sobre o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) que se mostra uma consequência do sistema punitivista, onde o nosso sistema carcerário, por estar superlotado, inflige uma série de preceitos fundamentais da nossa Constituição Federal.

2.SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO 2.1.Conceito

O sistema carcerário, em tese, é o ente que confecciona, que produz, que faz a máquina do sistema punitivista funcionar. É ele que executa as penas privativas de liberdade impostas pelo sistema Judiciário, e fica responsável pelo maior objetivo de todo este sistema, qual seja este objetivo: a ressocialização do apenado.

O sistema carcerário nada mais é que o executor das penas privativas de liberdade, tendo como objetivo principal a ressocialização do indivíduo, e assim busca, em forma de encarceramento a reinserção do apenado à sociedade. Segundo João Ibaixe Júnior (2010, p.01):

[...] por sistema prisional devemos entender um conjunto de medidas administrativas e instalações, destinados à execução de penas privativas de liberdade. Sua existência está relacionada ao fato de que o indivíduo que praticou um determinado crime, devido à natureza deste, deve ser segregado do convívio social, sofrendo ao mesmo tempo uma punição e uma retribuição em face da infração.

Tem também por fim (ou deveria ter) a ressocialização desse mesmo indivíduo.

Ou seja, o Estado aplica por meio do sistema judiciário, a devida punição ao indivíduo, que pode restringir e até mesmo causar a perda de um bem jurídico, tudo isso, através de sanções penais.

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As penas são classificadas em restritiva de direitos, multa, e a que nos interessa: a privativa de liberdade. Nos interessa por quê é ela que restringe em todo ou em parte a liberdade do indivíduo, que resta encarcerado.

São penas que em tese, deveriam ser aplicadas somente como sanção de crimes muito graves, de natureza violenta ou brutal. Para esse tipo de sanção os apenados são encaminhados à estabelecimentos prisionais.

Sendo estes assim classificados, segundo o portal do Ministério da Justiça (PORTAL, 2009):

a) Estabelecimentos Penais: são todos utilizados pela justiça para alojar quem é preso, independente de ser provisório, condenado ou submetidos a medida de segurança;

b)Estabelecimentos para Idosos: são estabelecimentos penais próprios, autônomos,, que se incorporam aos dos adultos, que servem para abrigamento de preso que tenham no mínimo sessenta anos de idade ao ingressarem ou os que atinjam essa idade quando de sua privação de liberdade;

c)Cadeias Publicas: são estabelecimentos penais de presos em caráter provisório, sendo de segurança máxima;

d)Penitenciarias: são estabelecimentos destinados a recolher presos em condenação a pena privativa de liberdade ao regime fechado;

d.1) Penitenciaria de Segurança Máxima Especial: são estabelecimentos penais que abrigam presos de condenação em regime fechado, que possuem celas individuais;

d.2) Penitenciarias de Segurança Médias ou Máxima: são estabelecimentos penais que abrigam preso de condenação de regime fechado e que possuem celas individuais ou coletivas;

e) Colônias Agrícolas Industriais ou Similares: estas são estabelecimentos penais, que abrigam preso do regime semi- aberto;

f) Casas do Albergado: casas do albergado são estabelecimentos penais, que abrigam presos que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto, ou, ainda, pena de limitação de fim de semana;

g) Centros de Observação Criminológica: são estabelecimentos penais próprios do regime fechado e de segurança máxima, onde são realizados exames criminológicos estes indicadores da destinação que será dada ao preso, quanto ao estabelecimento adequado e ao tipo de tratamento que será submetido;

h) Hospitais de Custodia e Tratamento Psiquiátrico: os hospitais de custodia e tratamento psiquiátrico, são estabelecimentos penais que abrigam pessoas submetidas a medida de segurança.

O Estado, por meio do sistema judiciário, decide em qual estabelecimento prisional o apenado será inserido. Posto isto, a inserção do apenado em estabelecimentos prisionais, depende da espécie do tipo de pena privativa de liberdade que será fixada ao sentenciado.

As espécies de penas privativas de liberdade são três, quais são:

reclusão, detenção e prisão simples. A reclusão e a detenção estão previstas no Código Penal, sendo que a reclusão é a destinada para crimes mais gravosos, como por exemplo, o homicídio, e a detenção para crimes mais

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simples. Outra diferença, é que na reclusão o regime inicial à ser fixado têm de ser o regime fechado, quanto na detenção o regime inicial em regra não pode ser o fechado, tendo como ponto de partida o regime semiaberto, e o cumprimento da pena é realizada em estabelecimentos de menos rigor, como em uma colônia agrícola.

A prisão simples é prevista na lei de contravenções penais e é aplicada nas condutas que são tipificadas como contravenções, quais sejam, infrações penais de menos lesividade, a execução da prisão simples deve ocorrer em regime semiaberto ou aberto, também, em estabelecimento especifico a ser fixado, porém, têm sido substituído por pena restritiva de direitos ou multa.

Como já foi dito, as execuções se dão em três regimes de pena, sendo eles: o regime fechado, o regime semiaberto e por fim, o regime aberto, que são fixados pelo Estado usando como instrumento o poder judiciário, e de acordo com o grau de lesividade de sua conduta, são classificados nas espécies de penas privativas de liberdade e também fixado o seu inicial regime de cumprimento de pena, encarcerado em estabelecimento prisional especifico, para que se inicie a execução do agora sentenciado.

Todo este sistema, gira sob a égide de um só objetivo: a ressocialização do sentenciado e sua devida reinserção à sociedade. Esta é na teoria a meta e a função do sistema carcerário, por mais que no Brasil seja falho, a Lei de Execução Penal Brasileira (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984), como veremos mais à frente, é sem sombra de dúvidas uma das mais completas na esfera de leis de execução no mundo, o problema, de fato, é que não é colocada em prática, pauta esta que também será tratada mais adiante.

2.2 HISTÓRICO DAS PRISÕES NO BRASIL

Primeiro, falando em um âmbito mundial, há de se constatar que até o século XVIII, o Direito Penal não usava a privação da liberdade do indivíduo como uma forma de que se cumprisse uma pena por determinada conduta, era usada como uma garantia de custódia, para que fosse investigado o que realmente aconteceu, onde a pessoa privada de sua liberdade era submetida à tortura, que em época, era meio legal de produção de prova, e

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após aguardar em cárcere era decidido sua sanção. Ou seja, o encarceramento era um meio, o qual usado para encontrar uma punição (CARVALHO FILHO, LUIZ FRANCISCO, 2002, p.21). Com a gradual evolução do Direito Penal, as penas cruéis e desumanas foram encontrando seu fim, e nesse mesmo século começou a ser introduzido a privação de liberdade como sanção punitiva, e, não mais como garantia de custódia.

Michel Foucault defende que essa mudança no modo de punir se deu por conta de mudanças políticas da época, devido a ascensão da burguesia na revolução francesa, a punição não mais deveria ser em um âmbito público, e sim em um cenário fechado, e consequentemente instaurou- se a privação de liberdade como forma de pena.

John Howard, xerife de Bedfordshire, uma cidade da Inglaterra, após conhecer os estabelecimentos prisionais de seu país, escreve a obra

‘’The state of the prisons in England and Wales’’ a qual criticava os estabelecimentos prisionais à época, na mesma esteira, o também inglês Jeremy Bentham escreve a obra ‘’Panóptico’’ em 1787 que criticava o sistema prisional, e estabelecia que as prisões deveriam ser circulares e com uma torre de vigia ao centro, um vigilante para observar tudo e todos, na teoria provocaria um suspense no apenado, pois ele poderia estar sendo visto a todo tempo.

Explicita Michel Foucalt, em sua obra vigiar e punir (1975, p.190):

O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O principio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção;

elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo

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panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e se suprimem as outras duas.

A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha.

Nessa esteira, defendia Foucalt, que a idéia proposta por Bentham poderia trazer resultados positivos.

E no final do século XVIII e início do século XIX, começam a implantados os sistemas prisionais, o sistema da Filadélfia primeiramente, que era isolamento total juntamente com trabalho, e logo após, o sistema de Auburn, que nasce em Nova Iorque, que deixava as atividades como almoço e trabalho coletivas, mas sem os apenados poderem trocar palavras, e durante a noite total reclusão.

Posteriormente, na colônia de Norfolk, localizada na Inglaterra, é criada a progressão de pena, no regime inicial funcionava como no sistema da Filadélfia, isolamento total. No próximo regime funcionava como no sistema de Auburn, isolamento somente noturno, e depois de cumprido certo tempo da pena, poderia pleitear sua liberdade.

Após isso, é instaurado na Irlanda um sistema inspirado em Norfolk, porém com uma fase a mais na progressão das penas, uma que o sentenciado trabalharia em local aberto, e só após esse regime poderia pleitear sua liberdade (BITENCOURT, Cezar Roberto, 2001).

Esses foram os sistemas relevantes, tiveram outros posteriormente, mas esses contribuíram para evolução dos estabelecimentos prisionais, em um âmbito mundial.

Porém somente com a criação da Comissão Penal e Penitenciária (1929), que foram criadas as Regras Mínimas da ONU, e com o fim da segunda Guerra Mundial, se dá a criação da LEP em muitos estados- membros da ONU (MAGNABOSCO, 1998).

Para falar da origem das instituições prisionais no Brasil, temos de nos remeter ao Brasil colônia por quê até 1930 o país não possuía um Código Penal próprio, e entender que nessa época, Portugal era nosso espelho, o que influenciou como um todo no modo como funcionava o referido instituto no

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nosso país, pois seguíamos às Ordenações Filipinas, onde previa no livro de número V, os crimes e penas à serem aplicados no Brasil. Entre as penas encontravam-se penas de morte, açoites, degrado para galés, entre outras penas cruéis e desumanas.

Essas penas, cruéis, como açoite, vieram a ser banidas em 1824 quando o Brasil começava a reformar seu Direito Penal, contudo a pena de morte ainda existia, com a então nova Constituição daquele ano. Porém as penas cruéis não estavam totalmente extintas, já que no Brasil reinava um regime de escravidão, e os escravos ainda estavam sujeitos à punições desumanas. O ano de 1830 é um marco, pois nele que foi implantado o chamado Código Criminal do Império, o qual introduziu duas penas de prisão no Brasil, quais sejam: a prisão simples e a prisão com trabalho.

Segundo Pereira Cuano (2010, p.03):

Proclamada a independência do Brasil, duas ordens de motivo viriam contribuir para a substituição das velhas Ordenações: de um lado, a situação de vida autônoma da nação, que exigia uma legislação própria, reclamada mais ainda pelo orgulho nacional e a animosidade contra tudo o que pudesse lembrar o antigo domínio.

Por outro lado, as idéias liberais e as novas doutrinas do Direito, do mesmo modo que as condições sociais, vale lembrar que, bem diferentes daquelas que as Ordenações foram destinadas a reger, exigiam a elaboração de um Código Penal brasileiro, no plano constitucional, que segundo o artigo 179, 18, da Carta Política do Império, que impunha a urgente organização de "um Código Criminal fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade".

Foi esse Código obra legislativa realmente honrosa para a cultura jurídica nacional, como expressão avançada do pensamento penalista no seu tempo; legislação liberal, baseada no princípio da utilidade pública, como havia de resultar naturalmente da influência de Bentham, que se exerceu sobre o novo Código, como já se fizera sentir no código Frances de 1810.

A pena de morte ainda não fora abolida no Código Criminal do Império, e, no Código, não havia previsão sobre sistema prisional, restava em aberto para decisão do órgão julgador qual seria o local para se cumprir as penas privativas de liberdade, seja ela a prisão simples ou a prisão com trabalho (MAGNABOSCO, 1998), ressalta-se que a prisão com trabalho podia ser perpétua, o que não deixa de ser uma pena cruel, o indivíduo ter que

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trabalhar a vida toda sabendo que nunca será livre ou colherá frutos de seu serviço.

Porém, resta evidenciada a dificuldade de se implementar esse tipo de pena à época, por não ter estrutura, muitas vezes aplicava-se, alternativamente, a prisão simples. Conforme pode ser visto no texto de lei do Código Criminal do Império:

Art. 49. Emquanto se não estabelecerem as prisões com as commodidades, e arranjos necessarios para o trabalho dos réos, as penas de prisão com trabalho serão substituidas pela de prisão simples, acrescentando-se em tal caso á esta mais a sexta parte do tempo, por que aquellas deveriam impôr-se.

Com a leitura do dispositivo, fica claro a precariedade dos estabelecimentos prisionais do Brasil à época, sendo que o próprio Código já trazia em seu texto de lei uma solução alternativa, porquê sabia que o Estado não teria condições de estabelecer as prisões adequadas. Essa é a realidade, o nosso sistema prisional já começou da forma mais precária possível.

No ano de 1828 é criada as Câmaras Municipais, pela Lei Imperial de 1º de outubro, essas Câmaras, tinham dentre outras funções, o poder de criar comissões de cinco cidadãos, que visitavam os apenados nos estabelecimentos prisionais, e verificavam as condições do local e a situação do preso, uma espécie de atendimento à sociedade, sobre os encarcerados em execução criminal. O art.56 da Lei Imperial de 1º de outubro, dispõe:

Art. 56. Em cada reunião, nomearão uma commissão de cidadãos probos, de cinco pelo menos, a quem encarregarão a visita das prisões civis, militares, e ecclesiasticas, dos carceres dos conventos dos regulares, e de todos os estabelecimentos publicos de caridade para informarem do seu estado, e dos melhoramentos, que precisam.

Tais comissões eram importantes porquê, produziam relatórios de cidadãos que explanavam a triste situação do sistema carcerário à época. No primeiro relatório já fica evidenciado os mesmos problemas que ainda hoje ocorrem, o primeiro relatório é datado de abril de 1829 na cidade de São Paulo, onde foi relatado: a superlotação, a mistura de pessoas que já cumpriam a pena com pessoas que ainda aguardavam julgamento, o atendimento médico

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precário, alimentação ruim, falta de água e acúmulo de lixo (Salla, Fernando.

Op. cit., p. 49).

Problemas que permanecem até hoje, e mostram que desde o Brasil colônia nós ainda não conseguimos resolver a situação precária do sistema carcerário do nosso país. Os relatórios dos anos seguintes relatavam sempre os mesmos problemas, o que evidencia ainda mais a nossa inabilidade frente a resolver os imbróglios dos estabelecimentos prisionais.

A situação carcerária ia de mal a pior, e encontraram no sistema prisional americano a solução: importar o sistema de Auburn que era aplicado nos Estados Unidos.

Segundo Fernando Salla Op. cit., p. 111 :

O modelo auburniano tributa suas esperanças de regeneração no trabalho fora da cela, duro e sob silêncio. [...] Há uma concepção aqui de que o crime é o avesso do mundo do trabalho. É pensado como a consequência de um alheamento do indivídui das virtudes que o trabalho proporciona. Ócio e vícios de toda sorte o predispõem ao crime. Para os defensores do modelo Auburn, a regeneração, assim, é menos a consequência de uma conversão da alma que brota da meditação [Sistema da Filadélfia] e mais o resultado de um condicionamento do corpo promovido pelo trabalho na prisão.

Então no ano de 1850 e 1852 são arquitetadas e edificadas as Casas de correção do Rio de Janeiro e de São Paulo, que implementaram no Brasil um modelo de estabelecimento prisional com oficinas de trabalho, pátios e celas individuais, claro era o objetivo de construir estabelecimentos que suportassem a pena privativa de liberdade que nos trouxe o Código Criminal Do Império de 1930, qual é a prisão com trabalho.

As duas Casas de Correção apresentavam um quadro de sucesso, que destoava completamente das demais prisões no Brasil, que continuaram abrigando todo tipo de preso e não fazia separação de pena privativa de liberdade, sendo assim, restava ainda em situação de precariedade, ou seja, as Casas de Correção não conseguiram afetar o que ainda acontecia no resto dos estabelecimentos prisionais do Brasil.

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Em 1870 começam as críticas ao importado sistema de Auburn, pois até essa época o nosso país vivia sob um regime de escravidão, e a mentalidade dos cidadãos ainda era a de que o trabalho é uma resposta ao ócio. Mas com o início dos movimentos abolicionistas o pensamento da sociedade também foi mudando, e o Brasil buscava cada vez mais soluções importadas, uma mistura de sistema Auburn com sistema da Filadélfia e também modelos Irlandeses eram estudados.

Toda essa discussão entre sistemas norte-americanos e europeus levou os operadores do Direito à formularem um novo Código Penal em 1890, e o sistema à ser importado dessa vez seria o Irlandês, já que ele era uma mistura do sistema de Auburn com o sistema da Filadélfia.

O Código de 1890 trazia muitas evoluções. Finalmente fora abolida a pena de morte e o açoite. Porém de mais interessante eram as penas privativas de liberdade; o Código da época trazia três, quais sejam: a prisão celular que abrangia a maioria dos crimes previstos no dispositivo, e também trazia o local de cumprimento dessa espécie de prisão que seriam: ‘’fortalezas, praças de guerra, ou estabelecimentos militares’’ ; a famigerada prisão com trabalho, que prevaleceu do sistema de Auburn, que seriam cumpridas em penitenciárias agrícolas ou presídios militares e a prisão disciplinar que seria cumprida em estabelecimentos industriais especiais e abrangeria os menores de 21 anos e por fim, o Código trouxe um limite de 30 anos para o cumprimento de penas.

É possível perceber que o Código adotou o Sistema Progressista Irlandês, porquê ele admite, em seu dispositivo que trata sob a prisão celular, a progressão de regime, conforme se extrai do art.45 e 50 do Código de 1890:

Art. 45. A pena de prisão cellular será cumprida em estabelecimento especial com isolamento cellular e trabalho obrigatorio, observadas as seguintes regras:

a) si não exceder de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua duração;

b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da duração da pena e que não poderá exceder

de dous annos; e nos periodos sucessivos, com trabalho em commum, segregação nocturna e silencio durante o dia

Art. 50. O condemnado a prisão celular por tempo excedente de seis annos e que houver cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderá ser transferido para alguma penitenciaria agricola, afim de ahi cumprir o restante da pena.

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§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu.

§ 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento condicional, contanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dois anos.

Porém, novamente como no Código Criminal do Império, o Brasil não estava preparado com os estabelecimentos prisionais necessários para o cumprimento das penas privativas de liberdade, que em tese eram interessantes, porém não encontravam apoio nas prisões que eram precárias.

O que levou ao legislador, novamente, prever penas alternativas para o cumprimento de pena. Conforme se extrai do art.409 do Código de 1890:

Art. 409. Emquanto não entrar em inteira execução o systema penitenciario, a pena de prisão cellular será cumprida como a de prisão com trabalho nos estabelecimentos penitenciarios existentes, segundo o regimen actual; e nos logares em que os não houver, será convertida em prisão simples, com augmento da sexta parte do tempo.

§ 1º A pena de prisão simples em que for convertida a de prisão cellular poderá ser cumprida fóra do logar do crime, ou do domicilio do condemnado, si nelle não existirem casas de prisão commodas e seguras, devendo o juiz designar na sentença o logar onde a pena terá de ser cumprida.

Isso nos leva ao tema de nosso artigo: ‘’Resultado nefasto da teoria e da prática do sistema prisional brasileiro’’ apesar de se tratar de fatos históricos, desde essa época, o que está previsto em lei está muito longe do que é visto na prática.

Existe um verdadeiro abismo sobre o que o dispositivo dispõe e a realidade do que é aplicado. De lá pra cá o sistema carcerário passou por modernizações, porém tropeça nos mesmos problemas desde 1930, a situação precária atualmente mostra-se mais evidenciada do que nunca, e com os mesmos defeitos de sempre.

Logo abaixo vamos ver sobre a nossa legislação ante a execução penal, e será evidenciado que a Lei que tange sobre o assunto é uma das mais completas do mundo no que se diz respeito a direitos do encarcerado, mostrando que a responsabilidade para o atual caos de nosso sistema carcerário recai sobre a aplicação dela, que é totalmente ineficaz por parte do Estado, pois como foi mostrado em fatos históricos, a culpa não é da legislação

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e sim de seu aplicador, que prefere tratar as penas como meio de castigo ao indivíduo, que resta encarcerado, ao invés de colocar em prática o disposto na Lei de Execução Penal.

Neste primeiro capítulo é importante correlacionarmos que a história de nosso cárcere nos trouxe à situação em que hoje estamos vivendo, identificar que o problema não reside na Lei, e sim, em seu efetivo cumprimento, e isso, desde os nossos primeiros estabelecimentos prisionais.

2.3 LEI DE EXECUÇÃO PENAL

A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a conhecida Lei de Execução Penal, é uma lei instituída com o objetivo de recuperar os indivíduos que restam encarcerados, garantindo direitos prisionais e a devida humanização neste processo, ou seja, a finalidade é a mesma que a do estabelecimento prisional, pois, se trata da legislação que deveria regular referido instituto.

Tal objetivo está exposto no Art. 1º da LEP, que dispõe:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Podemos verificar, que a ressocialização, é a meta principal da Lei de Execução Penal, bem como a reinserção do sentenciado à sociedade, e isto por meios dignos e humanitários, através do trabalho e também pelo estudo, oferecendo tais direitos, para que o apenado quando voltar ao convívio social tenha chances de viver dignamente.

Nessa mesma esteira, também prevê a Lei de Execução Penal:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III -jurídica;

IV - educacional;

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V - social;

VI - religiosa.

Demonstrando a obrigatoriedade do Estado em prestar toda assistência ao reeducando, seja ela jurídica, material, de saúde, social e até mesmo religiosa. Mas o que se vê é totalmente diferente, em muitos estados faltam os recursos mais básicos, que são alimentação e higiene (MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa, 2005, p.93), claramente em dissonância com o que está disposto no art.12 da LEP, como podemos ver:

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Se o recluso não tem acesso nem às exigências básicas previstas em Lei, elucida-se que o problema do caos carcerário atual é a não aplicação da Lei de Execução Penal.

E pior, não é observado nem mesmo garantias fundamentais, previstas na Constituição Federal, que prevê em seu artigo 5º, inciso III:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Já é amplamente conhecido, seja por veículos de informação ou por relatos, que o apenado sofre constantemente agressões físicas e psicológicas, disserta sobre o assunto o criminalista Assis (2007, p.76):

Os abusos e as agressões cometidos por agentes penitenciários e por policiais ocorrem de forma acentuada principalmente após a ocorrência de rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados sofrem a chamada “correição”, que nada mais é do que o espancamento que acontece após a contenção dessas insurreições

Como demonstrado, o ambiente é totalmente hostil e diferente do previsto em Lei, inviabilizando o objetivo do sistema carcerário, que é a

recuperação do sentenciado. Na prática segundo Ferreira (2013):

[...] o que se observa, na prática, é que o caráter punitivo da pena ultrapassa a esfera de liberdade do criminoso, alcançando também sua dignidade, saúde, integridade, entre outros direitos assegurados na Constituição. Além disso, não se observa, de forma alguma, o caráter de recuperação do condenado nas penas privativas de liberdade, podendo inclusive atribuir aisso a punição exacerbada do indivíduo, que vai muito além da supressão de sua liberdade (FERREIRA, 2013).

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Também dispõe sobre o ambiente prisional, Hullsman (2004):

[...] As regras de vida na prisão fazem prevalecer relações de passividade agressividade e de dependência-dominação, que praticamente não deixam qualquer espaço para a iniciativa e o diálogo; são regras que alimentam o desprezo pela pessoa e que são infantilizantes. O fato de que, durante o enclausuramento, as pulsões sexuais só possam se exprimir sob a forma de masturbação ou homossexualidade - aumenta o isolamento interior. O clima de opressão onipresente desvaloriza a autoestima, faz desaprender acomunicação autêntica com o outro, impede a construção de atitudes ecomportamentos socialmente aceitáveis para quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os homens são despersonalizados e dessocializados.(HULSMAN, 2004, apud ARAUJO, 2013, p. 4).

Ou seja, é completamente diferente do ambiente que a LEP nos traz, não há a assistência prevista, não há condições básicas de higiene e alimentação, além de ser um local de tortura psicológica e física constante, tornando-se assim impossível qualquer objetivo de recuperar qualquer pessoa que seja.

O que nos transparece, é nada mais nada menos que ali paira uma atmosfera maquiavélica com o objetivo de punir os indivíduos que se encontram encarcerados, e não seu principal objetivo, que é a ressocialização, como está previsto no primeiro artigo da Lei de Execução Penal.

Outro problema recorrente e com uma discrepância absurda do que está previsto em Lei, é o da superlotação dos estabelecimentos prisionais, a LEP prevê o alojamento do apenado em um local de pelo menos 6 metros quadrados, em cela individual.

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

O que é visto na prática, é que as celas são tratadas como verdadeiros depósitos humanos, com apenados amontoando-se entre si e proliferando doenças, uma situação realmente calamitosa, que se dá por conta de falta de estrutura do Estado e da situação de superlotação carcerária que vivemos hoje.

Foi mostrado que o Brasil não aplica a Lei n 7.210 de 1984, a lei que institui a Lei de Execução Penal (LEP), não presta a devida assistência, não tem condições em muitos estados de prover as condições básicas, e não tem estrutura necessária para cuidar do problema que é o tamanho da população carcerária que hoje é de mais de 600 mil pessoas de Norte à Sul, um número sem sombra de dúvidas alarmante, houve um crescimento da

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população prisional em 575% nos últimos 25 anos (INFOPEN) sendo que todos os estabelecimentos prisionais tem mais detentos do que a sua capacidade, o que também inviabiliza de se ter celas individuais como é previsto na LEP, porém, isto é uma deficiência que se incumbe ao Estado, que é o quarto país que mais prende no mundo (PORTAL, ministério da justiça e segurança pública, 2016). No próximo capitulo trataremos sobre o encarceramento desenfreado que propõe o nosso sistema judiciário.

3. DO SISTEMA JUDICIÁRIO

3.1. SISTEMA PUNITIVISTA

Para um pensamento punitivista, quanto mais se prende, melhor.

Aos defensores desse sistema, acredita-se que ele seria a cura para resolver o problema da criminalidade, bem como o da violência. A verdadeira salvação da segurança pública.

Efetiva-se então tal pensamento através da pena privativa de liberdade, onde o Estado aplica por meio do Judiciário tais sanções penais como forma de punição ao sentenciado, usando como instrumento os estabelecimentos prisionais.

Porém no contexto atual, a pena privativa de liberdade tem se mostrado ineficaz, devido à alta taxa de reincidência dos apenados, mais de 70% (Instituto AVANTE BRASIL, 2014), o que somente nos explicita, que por nós sermos o quarto país que mais prende no mundo, o sistema punitivista é amplamente ineficaz. As elevadas taxas de reincidência podem não só indicar a ineficiência da prisão, como também podem refletir as transformações dos valores que se produzem na sociedade e na estrutura socioeconômica.

(BITTENCOURT, 2006.p.150)

Acerca do tema, Cezar Roberto Bittencourt (2006, p.142):

Questiona-se a validade da pena de prisão no campo da teoria, dos princípios, dos fins ideais ou abstratos da privação da liberdade e se tem deixado de lado, em um plano inferior, o aspecto principal da pena privativa de liberdade, que é o da sua execução. Devemos, definitivamente, abandonar o terreno dos dogmas e as teorias e mergulhar na realidade prisional que nos cerca para conseguirmos conclusões mais efetivas em torno do tema.

Antônio Garcia-Pablos de Molina (apud, BITTENCOURT, 2006.p.143), também traz sobre o tema que:

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a pena não ressocializa, mas estigmatiza, que não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos ‘expiacionistas’; que é mais difícil ressocializar uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não.

Seguindo esta linha de pensamento, temos que uma pessoa que não cometeu uma conduta não tão gravosa, tenha a mesma imagem de um indivíduo homicida, que cometeu um crime hediondo, tão e simplesmente por ser essa a imagem que se têm de estabelecimento prisional de reclusão ou detenção, a sociedade não deseja saber por quê você passou por lá, somente se lá esteve para fazer um pré-julgamento.

Como a lei inflige penas mais graves que outras, não pode permitir que o indivíduo condenado a penas leves se encontre preso no mesmo local que o criminoso condenado a penas mais graves; se a pena infligida pela lei tem como finalidade principal a reparação do crime, ela pretende também que o culpado se emende. (SUN, 2008 p.108).

A prisão, devido ao seu fracasso, parece estimular pessoas que não cometeram crimes considerados de maior potencial ofensivo a cometer tais delitos, dado o ambiente hostil e insalubre dos estabelecimentos penais.

Nessa esteira elucida Hibber (apud, BITTENCOURT, 2006.p.146):

[...] Fui enviado a uma instituição para jovens com idade de 15 anos e saí dali com 16, convertido em um bom ladrão de bolsos – confessou um criminosos comum - . Aos 16, fui enviado a um reformatório como batedor de carteiras e saí como ladrão [...] Como ladrão, fui enviado a uma instituição total onde adquiri todas as características de um delinquente profissional, praticando desde então todo tipo de delitos que praticam criminosos e fico esperando que a minha vida acabe como a de um criminoso.

Diversos fatores influenciam para o fracasso de nossos estabelecimentos penais, fatores materiais como falta de higiene nas celas, que causam problemas à saúde do apenado; fatores psicológicos como a associação ao crime organizado, dado ao fato da prisão ser um lugar que se estimule isso; e por fim, fatores sociais, sendo que a desagregação do indivíduo do seu meio social é tão abrupta que dificulta uma futura reinserção (BITTENCOURT, 2006, p.146).

Enfim, resta explicitado que a cadeia não é uma terapia penal como muitos juízes das varas de execução gostam de classificar, é um ambiente hostil e nada ressocializador ou educador, pelo contrário, pelos fatores psicológicos pode ser muito gravoso à ressocialização do sentenciado, sendo um território agravante à sua situação criminológica, pois a prisão proporciona isto.

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3.2. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

O Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) surgiu na Colômbia em 1997 com a chamada ‘’Sentencia de Unificación’’ onde a Suprema Corte do país atuou.

O ECI, para ser reconhecido, necessita que estejam presentes algumas condições, quais sejam, nas palavras de Carlos Alexandre de Azevedo Campos (CONJUR, 2015):

a) a constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo de pessoas;

b) a falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, verdadeira “falha estatal estrutural”, que gera tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e agravamento da situação;

c) a superação dessas violações de direitos exige a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes — são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de recursos etc.

Ou seja, em situações de ampla violação de direitos fundamentais, o que é o caso de nosso sistema carcerário, onde os direitos dos indivíduos são ceifados diariamente, pode ser feito um pedido à máxima Corte para que se conheça do Estado de Coisas Inconstitucional.

Nessa esteira, em maio de 2015, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou umaArguição de descumprimento de preceito fundamental, a ADPF-347, pedindo ao STF para que reconheça que o sistema carcerário viola preceitos fundamentais da nossa Carta Magna (PORTAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015).

Na petição, subscrita por Daniel Sarmento, arguiu-se que o sistema carcerário vive um Estado de Coisas Inconstitucional, por estarem presentes as condições exigidas para o reconhecimento da ECI (CONJUR,2015).

A síntese dos pedidos na cautelar, segundo ADPF-347, 2015:

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Por ora, a análise se circunscreve ao pedido de medida cautelar, em que se requer ao Supremo Tribunal Federal que:

a) determine a todos os juízes e tribunais que, em caso de decretação de prisão provisória, motivem expressamente as razões que impossibilitam a aplicação das medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal;

b) reconheça a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão;

c) determine aos juízes e tribunais brasileiros que passem a considerar fundamentadamente o dramático quadro fático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;

d) reconheça que como a pena é sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pela ordem jurídica, a preservação, na medida do possível, da proporcionalidade e humanidade da sanção impõe que os juízes brasileiros apliquem, sempre que for viável, penas alternativas à prisão;

e) afirme que o juízo da execução penal tem o poder- dever de abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos do preso, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando se evidenciar que as condições de efetivo cumprimento da pena são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória, visando assim a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e humanidade da sanção;

f) reconheça que o juízo da execução penal tem o poder-dever de abater tempo de prisão da pena a ser cumprida, quando se evidenciar que as condições do efetivo cumprimento da pena foram

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significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória, de forma a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e humanidade da sanção;

g) determine ao Conselho Nacional de Justiça que coordene um ou mais mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos os processos de execução penal em curso no país que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas “e” e “f” acima;

h) imponha o imediato descontingenciamento das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional- FUNPEN, e vede à União Federal a realização de novos contingenciamentos, até que se reconheça a superação do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro.

Fica claro que são medidas que buscam o desencarceramento, que vão contra a lógica do sistema punitivista que se concentra em prender ou construir mais presídios.

O STF assim decidiu:

Diante do exposto, concedo, nos seguintes termos, a cautelar para:

1 – reconhecer a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão (alínea “b”);

2 – determinar ao Conselho Nacional de Justiça que coordene mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos os processos de execução penal em curso no país que envolvam a aplicação de pena privativa, afastando a necessidade de adequação aos pedidos contidos nas alíneas e e f, que serão analisados por ocasião do mérito (alínea “g”);

3 – determinar o descontigenciamento das verbas existentes no FUNPEN, devendo a União providenciar a devida adequação para o cumprimento desta decisão em até 60 dias, a contar da publicação do acórdão (alínea “h”).

4 – Deixo de conceder a medida cautelar em relação aos pedidos contidos nas alíneas a, c, d, e, f, que serão oportunamente analisadas no momento da análise do mérito.

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Resta então, conhecido que o sistema carcerário vive um Estado de Coisas Inconstitucional, e que medidas para o desencarceramento são necessárias, assim entende o nosso Supremo Tribunal Federal.

O ponto que chegamos, de reconhecer que o nosso sistema carcerário fere massivamente a Constituição é preocupante, porém, esperançoso, pois só assim há de se alcançar alguma evolução ante a grave crise que estamos vivendo.

Por ora, apenas julgado liminarmente, porém já é o primeiro passo, também há de se ressaltar que o Supremo Tribunal Federal reconhece que é necessário um trabalho em conjunto dos poderes, que não há uma solução de somente um órgão, nessa esteira, nas palavras de Carlos Alexandre Azevedo Campos (CONJUR, 2015):

O voto do relator da ADPF 347, ministro Marco Aurélio, faz clara opção pela via dialógica do instituto: propôs que o STF interfira na formulação e implementação de políticas públicas e em escolhas orçamentárias, mas mediante ordens flexíveis seguidas de monitoramento da execução das medidas. A proposta não lança o tribunal a um “estado de arrogância institucional”, muito ao contrário, a opção é pelo caminho da interação institucional em torno de um objetivo comum. Optou, portanto, pela forma de atuação que deu certo, e não a que fracassou. É o que se espera de uma corte constitucional em casos que apresentam quadro tão acentuado de violações de direitos fundamentais, mas, ao mesmo tempo, de soluções tão complexas: que não seja inerte, mas que também não tente resolver tudo sozinha.

Somente iremos conseguir resolver esse problema por meio da dialética entre poderes e sociedade em geral, o que fica claro, é que com medidas punitivistas, que buscam o encarceramento, a situação só piora, ante o que foi explanado.

4. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo elucidar que a nossa Lei de Execução Penal nunca fora realmente aplicada na integra desde os seus primórdios e legislações anteriores, e que muitos dos problemas atuais se resolveriam com a simples aplicação de seu texto de Lei.

Conclui-se que existem alternativas para o sistema carcerário, muitas delas previstas em Lei, o que falta na realidade é o comprometimento dos três poderes com a sociedade em um todo, pois a sociedade tem papel importante na ressocialização.

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Atestou-se que o sistema punitivo é ineficaz, e que o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece que são necessárias medidas de desencarceramento, dado que a situação atual fere preceitos fundamentais constitucionais, explicitando que sejam aceitas medidas alternativas à privação de liberdade.

Por fim, finalizo o artigo mostrando que na situação que os estabelecimentos prisionais se encontram, a situação do apenado apenas vai de mal à pior, demonstrando-se necessário a aplicação de medidas para desencarcerar, afim de que se resolva o quanto antes a lamentável situação de nosso sistema carcerário.

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