• Nenhum resultado encontrado

A organização para cooperação e desenvolvimento econômico - OCDE e a concorrência tributária internacional em perspectiva

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A organização para cooperação e desenvolvimento econômico - OCDE e a concorrência tributária internacional em perspectiva"

Copied!
145
0
0

Texto

(1)

SENSU EM MESTRADO EM DIREITO

A ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

OCDE E A

CONCORRÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL EM

PERSPECTIVA.

Brasília-DF 2013

(2)

RODRIGO MOREIRA LOPES

A ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

– OCDE E A CONCORRÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL EM

PERSPECTIVA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. Marcos Aurélio Pereira Valadão

Linha de pesquisa: Direito Tributário Contemporâneo

(3)

7,5cm

L864o Lopes, Rodrigo Moreira.

A organização para cooperação e desenvolvimento econômico – OCDE e a concorrência tributária internacional em perspectiva. / Rodrigo Moreira Lopes – 2012.

145f. : il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Prof. Dr. Marcos Aurélio Pereira Valadão

1. Tributos. 2. Desenvolvimento econômico. 3. Concorrência. 4. Tributos. I. Valadão, Marcos Aurélio Pereira, orient. II. Título.

(4)

Dissertação de autoria de Rodrigo Moreira Lopes, intitulada “A concorrência tributária internacional prejudicial praticada no imposto sobre a renda e as diretrizes para restringir sua utilização: análise de relatórios e decisões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico –OCDE”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade Católica de Brasília, em _____/_____/_______, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

_______________________________________________ Professor Dr. Marcos Aurélio Pereira Valadão

Orientador

Universidade Católica de Brasília – UCB

______________________________________________

Professor Dr. Antônio de Moura Borges Universidade Católica de Brasília – UCB

______________________________________________

Professor Dr. Jonathan Barros Vita

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

(5)

À Conceição, mãe em tempo integral e pessoa fundamental em minha vida.

(6)

Agradeço ao professor Marcos Valadão, meu orientador, que aceitou a tarefa de acompanhar o desenvolvimento dessa pesquisa. Foram muitas conversas e debates, inclusive nas aulas do mestrado, que contribuíram de maneira fundamental para a conclusão desse trabalho. Agradeço pelo seu tempo despendido e pelos ensinamentos transmitidos a mim.

Agradeço aos familiares e amigos que sempre torceram pelo meu sucesso. Especialmente aqueles que, mesmo distantes, nunca deixaram de estarem presentes.

Agradeço aos professores do mestrado, pela dedicação aos alunos e ao meio acadêmico. Especialmente, ao professor Manoel Moacir – pela postura sempre instigante à quebra de paradigmas –, ao professor Moura Borges – que gentilmente me forneceu inúmeros subsídios para a pesquisa e pela sua disposição em sempre ajudar os alunos –, e à professora Liziane – pela dedicação e pelos conhecimentos adquiridos em suas aulas.

(7)

LOPES, Rodrigo Moreira. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico –

OCDE e a concorrência tributária internacional em perspectiva. Brasília. 2012. 145 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

A partir da década de 1950, inicia-se uma série de acontecimentos que alteraram a estrutura dos sistemas tributários. Destacam-se a flexibilização das restrições ao fluxo de capitais, a desregulamentação dos mercados, a globalização e os grandes avanços tecnológicos. Todos esses fatores contribuíram para tornar o capital um ativo extremamente móvel, podendo ser transferido para qualquer local do planeta. Percebendo essa nova realidade, alguns países e jurisdições instituíram regimes jurídicos visando atrair investimentos geograficamente móveis. Utilizavam, essencialmente, a concessão de benefícios tributários e proteção via sigilo a respeito dos investimentos e dos respectivos investidores. Em resposta, os países que originalmente hospedavam os investimentos adotaram medidas para conter a saída desses ativos ou para atrair outros investimentos. Esse cenário de competição repercutiu no âmbito tributário, uma vez que o instrumento mais utilizado para atrair investimentos eram os benefícios fiscais. A concorrência tributária internacional começou a preocupar alguns países, mais precisamente, aqueles mais desenvolvidos economicamente. Isso resultou na iniciativa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE para combater a concorrência tributária prejudicial. A meta estipulada pela OCDE era eliminar práticas tributárias consideradas prejudiciais, tanto em países membros quanto em não membros da organização. Para isso, a OCDE propôs a identificação de paraísos fiscais e regimes tributários preferenciais prejudiciais, e determinou a busca pelo level playing field. Entretanto,

ao longo dos anos, o entendimento da OCDE sobre os métodos para eliminar a competição prejudicial nociva modificou-se, passando a enfocar, basicamente, na questão da transparência e da troca efetiva de informação para fins tributários. O objetivo desse trabalho é demonstrar a transição entre a proposta inicial da OCDE, trazida no Relatório Harmful tax competition: an emerging global issue, e a forma de atuação da organização nesse assunto atualmente.

(8)

A set of events that altered the structure of the tax systems took place since the 50s. Easing of restrictions to the capital flow, deregulation of markets, globalization and major technological development stand out. These factors contributed to make capital an asset highly movable, transferable to any location on the planet. Realizing this new reality, some countries and jurisdictions established legal regimes aiming to attract geographically movable investments. Such measures consisted basically on provision of tax benefits and protection through secrecy of investments and their investors. In response, the countries that previously hosted these investments adopted measures to contain the output of assets or to attract other investments. Such competitive situation reverberated on the scope of taxation since the most common instrument used to attract investments were tax benefits. The international tax competition began to worry some countries, more precisely the most economically developed ones. This resulted in the initiative of the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) to fight against harmful tax competition. The target set by the OECD was to eliminate harmful tax practices both in member countries and non-member countries. In order to achieve this, the OECD suggested the identification of tax havens and harmful preferential tax regimes, and determined shift towards level playing field. However, over the years, the OECD understanding on methods to eliminate the harmful competition has changed, focusing basically on the issue of transparency and effective exchange of information for tax purposes. This work aims to demonstrate the transition between the initial proposal of the OECD, presented on the Report "Harmful tax competition: an emerging global issue", and the organization performance on this subject today.

Key words: International tax competition. Harmful tax practices. OECD. Transparency.

(9)

1. SOBERANIA TRIBUTÁRIA ... 16

1.1 ELEMENTOS QUE IDENTIFICAM A SOBERANIA ... 16

1.2 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA DO ESTADO ... 18

1.2.1 Aparecimento da soberania como atributo do Estado: da Idade Média ao Estado constitucional moderno ... 19

1.2.2 Evolução do conceito de soberania: do Estado absolutista ao Estado constitucional contemporâneo ... 24

1.2.3 Breves considerações sobre a análise histórica do conceito de soberania ... 28

1.3 SOBERANIA E ESTADO ... 29

1.3.1 Atributos do estado decorrentes da soberania ... 30

1.3.2 Exercício do poder de tributar como representação da soberania ... 34

1.3.2.1 Respeito às normas internas pelos demais Estados: princípio da territorialidade ... 36

2. CONCORRÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL ... 39

2.1 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E CONCORRÊNCIA ... 40

2.1.1 Estrutura dos sistemas tributários no período após a Segunda Guerra Mundial ... 42

2.2 CONCORRÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL NO IMPOSTO SOBRE A RENDA ... 49

2.2.1 Fatores que impulsionaram a intensificação da concorrência tributária internacional ... 50

2.2.2 Definição de concorrência tributária internacional ... 52

2.3 EFEITOS DA CONCORRÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL ... 59

2.3.1 A questão da alocação de recursos ... 60

2.3.2 A questão do modelo de Estado: liberal x bem-estar social ... 64

2.3.3 A questão da equidade ... 66

2.3.4 A questão da corrida para o fundo (race to the bottom) ... 68

2.3.5 A questão da mudança de bases tributáveis ... 71

3. O COMBATE À CONCORRÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL NO IMPOSTO SOBRE RENDA NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE ... 74

3.1 ORIGEM HISTÓRICA DA OCDE ... 74

(10)

3.2.1.2 Segundo capítulo do Relatório de 1998: identificação de paraísos fiscais e regimes

tributários preferenciais prejudiciais ... 82

3.2.1.2.1 Critérios de identificação aplicáveis aos paraísos fiscais ... 83

3.2.1.2.2 Critérios de identificação de regimes tributários preferenciais prejudiciais em países membros e não membros da OCDE ... 85

3.2.1.3 Terceiro capítulo do Relatório de 1998: medidas para combater a concorrência tributária internacional prejudicial... 88

3.2.1.4 Críticas à iniciativa da OCDE no combate à concorrência tributária internacional prejudicial: análise do Relatório de 1998 ... 94

3.2.1.4.1 Posicionamento de Luxemburgo e da Suíça ... 94

3.2.1.4.2 Definição de efeito prejudicial ... 95

3.2.1.4.3 Demonstração do efeito da concorrência tributária: erosão da base tributável e alocação de capitais e investimentos ... 98

3.2.1.4.4 Impacto na economia dos paraísos fiscais ... 100

3.2.1.4.5 Participação dos países não membros da OCDE no desenvolvimento dos trabalhos ... 102

3.2.1.4.6 Equidade na aplicação das recomendações e diretrizes do Relatório de 1998 ... 103

3.2.2Evolução do trabalho da OCDE no combate à concorrência tributária prejudicial: Relatórios de Progresso de 2000 a 2006 ... 105

3.2.2.1 Relatório de Progresso Anual de 2000 ... 106

3.2.2.1.1 Resultado do relatório de 2000 para os países membros da OCDE ... 107

3.2.2.1.2 Resultado do relatório de 2000 para os paraísos fiscais ... 108

3.2.2.1.3 Propostas para incrementar o diálogo com países colaboradores ... 110

3.2.2.1.4 Diálogo com países não membros da OCDE e implementação de medidas para restringir a concorrência tributária prejudicial ... 111

3.2.2.1.5 Recomendações e instruções do Conselho da OCDE ... 113

3.2.2.2 Relatório de Progresso Anual de 2001 ... 114

3.2.2.2.1 Atualização do trabalho envolvendo países membros e não membros da OCDE .. 114

3.2.2.2.2 Atualização do trabalho envolvendo paraísos fiscais ... 115

3.2.2.3 Relatório de Progresso Anual de 2004 ... 118

3.2.2.3.1 Resultados do Relatório de 2004: emprego das “notas de aplicabilidade” ... 118

3.2.2.3.2 Resultados do Relatório de 2004: trabalho com os países parceiros ... 120

3.2.2.4 Relatório de Progresso Anual de 2006 ... 121

3.2.3 Circunstância e fatores que podem explicar a mudança na atuação da OCDE .... 124

3.3 EM BUSCA DO “NÍVEL DE ATUAÇÃO JUSTO” (LEVEL PLAYING FIELD) ... 128

3.3.1 Trabalho do Fórum Global da Transparência e Troca de Informações ... 130

4. CONCLUSÕES ... 133

(11)
(12)

INTRODUÇÃO

A forma como se realizam os investimentos modificou-se ao longo do tempo. No atual mundo globalizado e permeado de recursos tecnológicos, a localização geográfica deixou de ser um obstáculo. Implica dizer que diversos recursos passaram a ser movimentados livremente, justificando o aumento no fluxo de bens, pessoas e capital verificado nas últimas décadas. Com efeito, a partir do momento em que os investidores não encontraram mais restrições à transferência de seus ativos para territórios estrangeiros, houve um processo de intensificação das operações e negócios internacionais.

A maior circulação de riquezas, obviamente, influenciou o comportamento dos Estados. Primeiramente, nota-se que cada país busca constantemente aperfeiçoar ou expandir sua economia interna. Para isso, é preciso contar com o capital e os recursos disponíveis no mercado, ou seja, o desenvolvimento do país será impulsionado, em grande parte, pelos investimentos provenientes da iniciativa privada. Esse contexto fomentou a competição entre os países, que aproveitaram a mobilidade das riquezas para captar investimentos e internalizá-los em seus respectivos territórios.

Nessa perspectiva, ganha relevância o exercício da tributação, uma vez que diversos Estados começaram a utilizar seus sistemas tributários como mecanismo para atrair investimentos. Trata-se de um fenômeno global, que se consolidou com a proliferação de regimes tributários preferenciais e de jurisdições que receberam a denominação de paraísos fiscais. A lógica é simples: oferecer redução da carga tributária ou benefícios que permitam aos contribuintes escapar da tributação em seus países de residência – seja por elisão ou por evasão fiscal. Por seu turno, os países onde estavam originalmente localizadas as riquezas tiveram que adotar medidas para evitar a perda de suas bases tributáveis. Assim, instituíram seus próprios regimes tributários privilegiados, visando atrair investimentos ou mantê-los em seus territórios. Essa conjuntura originou a denominada concorrência tributária internacional, que consiste no comportamento dos Estados de organizar seus sistemas tributários visando atingir o maior número possível de investidores, bens e capital.

Nesse ponto, importante destacar que a competição fiscal internacional sofreu críticas de diversos países, notadamente aqueles que alegavam estar perdendo bases tributáveis em virtude das práticas concorrenciais dos demais países. Contudo, não havia

(13)

Internacional, que assegura a cada país a liberdade para moldar seus ordenamentos jurídicos internos da maneira que julgar mais conveniente. Por outro lado, as estratégias unilaterais mostraram-se ineficazes, uma vez que, para surtirem os efeitos desejados, precisariam do auxílio dos países que implementavam as práticas concorrenciais. Com efeito, para aplicar integralmente as suas normas tributárias, os países precisam das informações relativas aos investimentos de seus residentes no exterior – dados que não eram disponibilizados pelos outros países.

Diante desse cenário, alguns países provocaram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, a fim de que a mencionada organização tomasse providências em relação à concorrência tributária internacional considerada prejudicial. Isso era compatível com as finalidades da OCDE, que detém, como uma de suas linhas de atuação, o encargo de analisar as características do ordenamento jurídico-tributário implementado em cada país. O objetivo da OCDE é identificar ordenamentos jurídicos que possam implicar desequilíbrios nas relações econômicas entre os países. Nesse ponto, vale ressaltar que a OCDE não tem competência para interferir diretamente em nenhuma legislação interna – seja de países integrantes ou não integrantes da organização – em respeito à soberania de cada Estado. Portanto, a entidade concentra-se em estabelecer diretrizes, fixar modelos a ser seguidos, identificar situações problemáticas que possam impedir o desenvolvimento sustentável da economia dos países, dentre outras atividades.

Após ser demandada, a OCDE estabeleceu a necessidade de estudar a concorrência tributária internacional, o que culminou no relatório intitulado Harmful tax competition: an emerging global issue, publicado em 1998 (Relatório de 1998). Assim, a partir daquele ano, a

OCDE realizou estudos, promoveu conferências, produziu relatórios, entre outras atividades, a fim de identificar os países que praticam a concorrência fiscal prejudicial, as implicações que podem dela surgir, assim como encontrar possíveis soluções para o problema. O resultado desse trabalho desenvolvido pela OCDE, ao longo dos anos, direcionou-se para a eliminação de medidas tributárias implementadas por certos países, que os caracterizavam como países com tributação favorecida ou como paraísos fiscais.

(14)

perfeitamente possível que existam práticas concorrenciais envolvendo tributos distintos daquele que incide sobre a renda. Por essa razão, torna-se imprescindível deixar explícito que a presente pesquisa tem como foco o exame da concorrência tributária internacional no imposto sobre a renda.

Ao longo dos anos, a atuação da OCDE no tocante à concorrência tributária internacional prejudicial envolveu medidas para combater essa prática pelos países. Cita-se, como exemplo: a) cooperação na elaboração e na ratificação de acordos entre países sobre a transparência nas legislações tributárias sobre a renda; b) fixação de padrões a serem adotados, para eliminar os regimes de tributação favorecida considerados prejudiciais; c) produção de estudos sobre a concorrência tributária internacional prejudicial; dentre outros. O Relatório de 1998 estabeleceu diversas diretrizes, recomendações e objetivos em relação ao combate à concorrência tributária internacional. Dessa maneira, a partir do trabalho desenvolvido pela OCDE, é possível identificar uma estratégia consolidada em relação às medidas que foram adotadas para restringir a utilização da concorrência tributária internacional prejudicial no imposto sobre a renda? O trabalho desenvolvido pela OCDE, no decorrer do tempo, permaneceu seguindo os exatos parâmetros fixados originalmente no Relatório de 1998?

Essas perguntas resumem o problema da pesquisa aqui proposta e servirão como balizas para o desenvolvimento da investigação e na análise dos dados encontrados.

Os últimos relatórios da OCDE têm enfocado a questão da transparência na legislação tributária sobre a renda e na troca de informações quando for de interesse da tributação. Isso envolve temas como o sigilo bancário e fiscal, e a tributação sobre a renda segundo os princípios do Direito Tributário Internacional. Isso se torna perceptível quando se observa a intensificação dos debates sobre a transparência na legislação tributária dos países e na troca de informações quando for de interesse da tributação. Partindo dessas premissas, a hipótese que será submetida a teste no presente trabalho será a seguinte: é possível identificar uma mudança de enfoque nos métodos utilizados para combater a concorrência tributária internacional prejudicial no imposto sobre a renda, concentrando-se os esforços na busca da transparência fiscal e da troca efetiva de informações.

(15)

OCDE, passaram a concentrar seu foco na questão da transparência da legislação tributária e na troca de informações, quando for de interesse da tributação. Com isso, espera-se contribuir para o mundo acadêmico com a apresentação de um estudo sobre a evolução do trabalho da OCDE. Acredita-se que isso possibilitará maior compreensão do estágio atual dos trabalhos capitaneados pela mencionada organização internacional

As relações econômicas e jurídicas no cenário internacional tem se intensificado gradativamente. Nesse aspecto, a globalização tem representado papel de extrema relevância, possibilitando um aumento considerável na integração entre os países e as pessoas ao redor do globo. Assim, é importante identificar as tendências doutrinárias, políticas e jurídicas envolvendo a tributação internacional. Isso porque é provável que se tenha que enfrentar, cada vez com mais frequência, novas e desafiadoras questões envolvendo o Direito Tributário Internacional.

Nessa perspectiva, é fundamental o trabalho promovido pela OCDE – instituição que direciona seus esforços para coordenar o desenvolvimento econômico sustentável dos países. Daí a relevância da pesquisa proposta, que visa o aprofundamento de estudos na área da tributação internacional, por meio da análise dos estudos desenvolvidos no âmbito da OCDE

– especificamente quanto ao fenômeno denominado “concorrência tributária internacional

prejudicial”.Considerando que a investigação aborda tema relativo à tributação internacional,

fica demonstrada a pertinência com a linha de pesquisa “Direito Tributário Contemporâneo”,

do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade Católica de Brasília.

A metodologia que será empregada na investigação consiste, basicamente, de pesquisa bibliográfica, com direcionamento específico para os relatórios elaborados pelo

Global Forum to address harmful tax practices1 e o Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purpose.2 Examinar os documentos produzidos por esses

departamentos da OCDE, permitirá encontrar os dados para subsidiar as conclusões a respeito do problema proposto na presente pesquisa, assim como testar a hipótese lançada acima. Contudo, convém registrar que a análise mais aprofundada somente se verificará nos Relatórios da OCDE sobre práticas tributárias prejudiciais, tendo em vista o próprio escopo da investigação aqui proposta. Além disso, será percorrido também o campo da literatura teórica, a fim de firmar as premissas necessárias para proceder à análise contextualizada acerca do tema dessa pesquisa.

(16)

Apresentados os aspectos fundamentais de natureza metodológica, cumpre ainda esclarecer como está estruturado o trabalho. Optou-se pela divisão em três capítulos.

O capítulo 1 abordará a soberania estatal: seus elementos, características e prerrogativas que fornece aos Estados. O objetivo é analisar a origem histórica e compreender como se firmou um dos dogmas mais resistentes quando se estudam as relações internacionais entre Estados. Ademais, em se tratando de questões relativas à tributação e seus reflexos em jurisdições estrangeiras, a soberania tributária configura premissa indispensável para compreender as nuances dos conflitos internacionais tributários. As fontes de pesquisa corresponderão a revisão bibliográfica da literatura teórica sobre a soberania estatal e a específica para o âmbito do direito tributário.

O capítulo 2 tratará diretamente da concorrência tributária internacional. Após breves

considerações a respeito do significado de “competição” – segundo uma abordagem econômica – parte-se para a descrição da concorrência tributária internacional. Assim, serão apresentadas e analisadas as características comumente atribuídas a esse fenômeno. Com isso, busca-se trazer o panorama geral do tema pertinente à concorrência tributária internacional, antes de adentrar no trabalho desenvolvido pela OCDE sobre o assunto. Novamente, a fonte de pesquisa será lastreada na produção teórica sobre o tema.

O capítulo 3 destina-se inteiramente à investigação do conteúdo dos documentos produzidos pela OCDE. Com efeito, serão detidamente analisados os Relatórios da OCDE – a respeito das práticas tributárias concorrenciais – publicados nos anos de 1998, 2000, 2001, 2004 e 2006. Igualmente, serão apresentadas as conclusões dispostas naqueles documentos, dados sobre paraísos fiscais e regimes tributários preferenciais considerados nocivos. Ademais, também integrarão a pesquisa os Relatórios da OCDE que trataram da transparência e troca de informações – publicados entre 2006 e 2010. Trata-se do capítulo que proporcionará a fonte de dados destinados a comprovar a hipótese lançada nessa pesquisa, daí sua relevância destacada como ponto central do trabalho.

(17)
(18)

1. SOBERANIA TRIBUTÁRIA

O estudo da teoria da soberania é indispensável quando se analisam situações que repercutem para além dos limites territoriais dos Estados – notadamente aquelas estabelecidas entre os integrantes da comunidade internacional. Inúmeros autores reconhecem a importância desse estudo, mas alertam que compreender a soberania como uma qualidade do Estado é algo complexo3 – tendo em vista a patente dificuldade de se elaborar um conceito científico de soberania. A esse respeito, Heleno Tôrres explicita a complexidade que envolve a noção de soberania e aponta, como reflexo dessa complexidade, diversas influências de natureza sociológica, histórica, política – entre outras – nos conceitos trazidos pela doutrina.4 Nesse ponto, cumpre ressaltar que a incursão de fatores diversos no debate é facilmente perceptível, principalmente no que diz respeito ao campo da política – basta lembrar que decisões adotadas por governantes são muitas vezes justificadas apenas na “soberania estatal”. Diante disso, mesmo o enfoque sendo voltado para a ciência jurídica, para se alcançar uma noção mais completa do conceito de soberania é preciso levar em conta alguns aspectos que não são estritamente jurídicos. Partindo dessa premissa, tem-se que a compreensão do paradigma atual da soberania no Estado contemporâneo passa pela análise de dados políticos, sociológicos, histórico e, claro, jurídicos.

1.1ELEMENTOS QUE IDENTIFICAM A SOBERANIA

O significado de soberania fornecida no dicionário contempla a ideia de superioridade derivada de autoridade ou poder.5 Essa definição aponta dois elementos

3 Apenas a título exemplificativo, cita-se os autores Betina Treiger Grupenmacher (Tratados internacionais em

matéria tributária e ordem interna), Celso D. de Albuquerque Mello (Curso de direito internacional público), Heleno Tôrres (Pluritributação internacional sobre a renda das empresas), José de Oliveira Baracho (Teoria Geral da Soberania), José Souto Maior Borges (Curso de direito comunitário), Marcos Aurélio Pereira Valadão (Limitações constitucionais ao poder de tributar e tratados internacionais), que destacaram em suas respectivas obras a existência de controvérsias e críticas sobre o conceito de soberania estatal.

4 TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre a renda das empresas. 2. ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 62.

5 No dicionário Houaiss aparece o seguinte verbete para a palavra soberania: 1 qualidade ou condição de

(19)

essenciais da soberania: a) a autoridade, que quando legitimada – seja por um comando divino, pelo consentimento ou pela lei – constitui fundamento para a aceitação da soberania;6 b) o poder, que oferece respaldo à autoridade soberana7 – no sentido de assegurar o reconhecimento da posição de supremacia do monarca, do Estado, ou qualquer outra figura que represente a soberania. Por sua vez, o vínculo entre soberania e poder consiste em aspecto importante a ser observado. Isso porque serviu de ponto de partida para alguns doutrinadores desenvolverem seus estudos sobre a soberania.8 Assim, estando os dois institutos inegavelmente conectados, chegou-se à premissa de que a soberania seria atributo ou qualidade do poder9 – valendo salientar que há autores que defenderam, inclusive, a identidade entre soberania e poder.10

Nesse ponto, considerando verdadeira a assunção de que soberania constitui um atributo do poder, torna-se possível agregar a noção de normatividade ou imperatividade ao conceito de soberania. Significa dizer que a conjugação de soberania e poder proporciona a prerrogativa de comandar, de editar normas e impor a sua observância.11 Por seu turno, soberania e poder também exprimem a ideia de decisão, ou seja, conferem a possibilidade de o soberano decidir livremente, sem ter que submeter sua escolha a aprovação superior.

Segundo Baracho “[...]soberano é aquele que decide.”. 12

suas relações com outros Estados 4 conjunto de poderes que constituem um Estado politicamente organizado 5 fig. autoridade moral, tida como suprema <s. de espírito>.” SOBERANIA. In: HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 1756. Verbete.

6 PHILPOTT, Daniel. Sovereignty: an introduction and brief history. Journal of International Affairs, v. 48, n.

2, jan. 1995, p. 2. Disponível em: <http://vlex.com/vid/sovereignty-introduction-brief-history-53469736>. Acesso em: 04 jan. 2012. Nesse ponto, vale a pena registrar que, ao definir “soberania doméstica” (tradução livre de “domestic sovereignty”, o que corresponderia a soberania interna), Joel R. Campbell também se utiliza do

termo autoridade legítima: “Domestic sovereignty refers to the legitimate authority within a state.” CAMPBELL, Joel R. Bargaining sovereignty: state power and networked governance in a globalizing world. International Social Science Review. v. 85, n. 3-4, set. 2010, p. 2. Disponível em: <http://vlex.com/vid/bargaining-sovereignty-networked-globalizing-245409354>. Acesso em: 04 jan. 2012.

7 PHILPOTT, Daniel. op. cit. p. 3.

8José de Oliveira Baracho destaca que Carré de Malberg entendia a “[...] Soberania como a qualidade suprema

do poder dos Estados soberanos.”. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania. Revista Brasileira de estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 63/64, p. 40-41, jul. 1986/jan. 1987. p. 12. E complementa

Baracho afirmando que: “Entendendo-se que a Soberania é apenas uma qualidade ou atributo do Poder, deve-se concluir que só é concebível ligada à noção de Poder. A Soberania, tida como superioridade, reclama

imediatamente para sua compreensão plena o conceito de Poder.”. Ibidem, p. 16.

9 Ibidem, p. 17.

10 A esse respeito, Baracho confirma a existência de “conexão e condicionamentos recíprocos de relação” entre

“Poder e Soberania”, mas explicita que eles não se confundem. Contudo, Baracho apresenta as considerações de Antonio José de Brito sobre o assunto, segundo o qual: “Poder e Soberania constituem uma mesma coisa e esta última, em lugar de ser uma qualidade ou atributo daquele, confunde-se com ele, quando corretamente apreendida na sua substância. A Soberania é o Poder expresso numa noção certa e verídica ou, se quisermos, a Soberania é a verdade do Poder e vice-versa.”. Idem.

11 Ibidem, p. 18.

12 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. op. cit. p. 18. Nesse mesmo sentido, cita-se Arthur Machado Paupério:

(20)

As características citadas acima – autoridade, supremacia, normatividade, imperatividade, poder de decisão – constituem a essência da soberania. Por esse motivo, forçoso concluir que serão encontrados reflexos desses aspectos nas acepções ou ensinamentos externados pela doutrina a respeito do tema “soberania”. Apenas para

demonstrar a plausibilidade dessa assertiva, destaca-se a lição de Roque Carrazza sobre o

assunto: “Soberania é a faculdade que, num dado ordenamento jurídico aparece como

suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não

reconhece, acima de si, nenhum outro poder.”.13 Nessa passagem da obra de Carrazza, percebe-se que o autor se lastreou na autoridade ou poder supremo para formular o seu conceito de soberania – o que confirma a pertinência dos elementos salientados acima. Oportunamente, quando forem analisados o conceito de soberania estatal e suas consequências para o Estado, ficará mais bem evidenciada a influência das características ora apontadas.

1.2 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA DO ESTADO

Assentadas as premissas básicas do que se entende por soberania, o próximo passo é examinar as circunstâncias fáticas que acompanharam o surgimento e a consolidação da teoria que defende a soberania como atributo do Estado. Com efeito, a investigação dos fatos históricos revela muitas peculiaridades que ajudam a explicar a formação dos paradigmas, o que a torna uma valiosa fonte de pesquisa. Nessa perspectiva, José de Oliveira Baracho, em seu aprofundado estudo sobre a soberania, registra que vários doutrinadores renomados –

como Jellinek e Charles Cadoux – constataram a necessidade de investigar a evolução histórica do conceito de soberania.14 Desse modo, vale a pena transcrever o trecho em que Baracho destaca as conclusões do estudo histórico realizado por Jellinek – no qual este buscava averiguar a natureza do conceito de soberania:

sentido de que suas decisões o sejam em última instância, sem apelação, podendo ser impostas coativamente.”

PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 142-143.

13 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev., amp. e atual. São

Paulo: Malheiros, 2008. p. 127.

14 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania. Revista Brasileira de estudos Políticos,

(21)

1) os intentos de eliminar do Direito Público o conceito de Soberania são ante históricos;

2) a evolução histórica dos Estados modernos está intimamente ligada, a partir da Idade Média, ao reconhecimento progressivo da Soberania, pelo que não se pode desconhecer essa evolução;

3) existe uma confusão da soberania do órgão com a do Estado;

4) a Soberania não é uma categoria absoluta, mas histórica.15

Por sua vez, também é conveniente registrar as passagens em que Baracho examina os estudos de Charles Cadoux e as críticas apontadas por este autor ao entendimento daqueles que conferiam caráter absoluto à soberania:

1) A Soberania aparece, primordialmente, como um fato. A história e a atualidade mostram que todos os Estados reivindicam, com vigor, o respeito as suas soberanias, isto é, sua independência política. Essa idéia de Soberania do Estado é consagrada pelas Constituições (a maior parte das Constituições contemporâneas afirmam expressamente que o Estado ou a República é soberano) e o Direito Internacional (Carta da ONU, art. 2.1);

2) A noção desenvolve-se historicamente, ao mesmo tempo que se forja o conceito moderno de Estado. A história das idéias políticas do Ocidente, a partir do século XVI gravita em torno desta noção, ao lado da de Estado. (...)16

As constatações de Jellinek e de Charles Cadoux, explicitadas por José de Oliveira Baracho, demonstram a contribuição oferecida pela investigação histórica do conceito de soberania. Isso corrobora a utilidade dos dados obtidos quando se adota essa metodologia de pesquisa, além de explicar por que aqueles autores consideraram imprescindível realizar o estudo sob essa perspectiva. Dessa forma, parece inevitável abordar alguns eventos que marcaram a construção do conceito de soberania e sua evolução com o passar do tempo.

1.2.1 Aparecimento da soberania como atributo do Estado: da Idade Média ao Estado

constitucional moderno

Os primeiros ensaios sobre a teoria da soberania remontam à Antiguidade, podendo ser encontrados na obra de Aristóteles intitulada “Política”.17 No entanto, os ensinamentos de

15 Jellinek apud BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania. Revista Brasileira de

Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 63/64, p. 40-41, jul. 1986/jan. 1987, p. 39-40.

(22)

Aristóteles não qualificavam a soberania como uma característica do Estado,18 relacionando-a tão-somente à noção de autarquia.19 Por essa razão, não pode ser atribuída ao filósofo grego a autoria do conceito de Estado soberano.

Durante os séculos XII a XV, igualmente não se verifica o Estado como detentor da soberania – segundo a concepção moderna de Estado soberano. Com efeito, essa época foi marcada pela descentralização do poder, que era disputado tanto por forças internas – os senhores feudais, os nobres e os reis – quanto por entidades estrangeiras – o Sacro Império Romano-Germânico e o Papado.20 Dessa maneira, não havia qualquer possibilidade de prevalecer um poder soberano quando se considera a organização política da Europa durante a Idade Média: conflitos internos que impediam a formação de uma unidade dentro do país; e intromissões externas em assuntos que diziam respeito ao âmbito territorial de cada Estado.21

A partir do final do século XV até meados do século XVII, em resposta a esse cenário de instabilidade e de tensão gerada pela disputa de poder – ambiente propício para conflitos armados e guerras – surge um novo modelo de organização política: os Estados nacionais.22 A proposta era concentrar o poder e, com isso, eliminar os conflitos internos e as ingerências de agentes externos. Essa intenção pode ser confirmada pelo conteúdo do Tratado de Augsburg, editado em 1555, que permitia aos príncipes alemães determinar qual a religião seria seguida dentro do seu território – a católica ou a protestante. Tratava-se de uma

17 MERRIAM JR., Charles E. History of the theory of sovereignty since Rousseau. Ontario: Batoche, 2001. p.

5.

18 VIGNALI, Heber Arbuet. O atributo da soberania. Estudos da Integração. v. 9.Brasília: Senado Federal,

1996, p. 12.

19Segundo Arthur Machado Paupério, autarquia nos ensinamentos de Aristóteles seria a “[...] independência, que

permite ao Estado bastar-se a si mesmo (auto-suficiência).”. O autor, pautando-se em Jellinek, ainda destaca que:

“Para o Estado ideal, Aristóteles somente exige independência com relação ao exterior. Tal independência,

porém, funda-se, antes, na situação que é própria do Estado, de ser em si mesmo suficiente para satisfazer a todas as suas necessidades, que, propriamente, em sua natureza de poder supremo.”. PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 32-33.

20 PHILPOTT, Daniel. Sovereignty: an introduction and brief history. Journal of International Affairs, v. 48,

n. 2, jan. 1995, p. 6-7. Disponível em: <http://vlex.com/vid/sovereignty-introduction-brief-history-53469736>. Acesso em: 04 jan. 2012.

21 Daniel Philpott afirma que não existia nenhum soberano no período da Idade Média. O autor argumenta que,

apesar do papa ou do imperador do Sacro Império Romano-Germânico exercerem influência nos assuntos internos dos diversos países europeus, havia limites para esta intervenção. Além disso, sustenta que: “[...] kings, nobles and ecclesiasts held prerogatives against the pope, the emperor and each other, prerogatives that were

local and feudal, disconnected from any law empowering the pope or emperor”. Ibidem, p. 6. Dessa forma, nenhum dos personagens que apareciam como potenciais soberanos gozavam das características que o autor

entende como necessárias à soberania, quais sejam: “[...] autoridade legítima suprema dentro de um território”.

Ibidem, p. 3.

(23)

prerrogativa típica de soberania, pois conferia autoridade ao governante para decidir livremente sobre um aspecto de índole eminentemente interna.23

Diante desse contexto é que Jean Bodin realiza o primeiro estudo sistematizado sobre a natureza da soberania – em sua obra “Os seis livros da república”, de 157624 – e explicita quais seriam as características de um poder soberano: a) absoluto – no sentido de não se sujeitar a condições ou restrições; b) perpétuo – em virtude de ser ilimitado no tempo; c) indivisível – uma vez que não poderia haver mais de um poder supremo; d) imprescritível –

não poderia ser perdido com a passagem do tempo; e) inalienável – na perspectiva do soberano, ou seja, não era concebível que o soberano tivesse seus poderes alienados.25 Assim, percebe-se nos ensinamentos de Bodin a preocupação de construir uma fundamentação teórica que atendesse aos seguintes anseios: conceber um novo modelo de organização política que pudesse trazer acomodação social e acabar com os conflitos internos gerados pela disputa de poder; impedir a interveniência de entidades estrangeiras – o Papado e o Império – em questões relativas ao âmbito interno dos Estados; evitar guerra entre países por questões ideológicas, religiosas ou políticas – situação comum na Idade Média. Com isso, estaria garantido o exercício do poder dentro dos limites territoriais dos Estados e sem interferências de forças internas ou externas. Portanto, pode-se afirmar que essas foram as bases que lançaram as discussões sobre a teoria da soberania como uma qualidade do Estado,26 permitindo uma mudança radical na estrutura política dos países da Europa.

Nesse ponto, importante consignar que a pretendida transição da Europa Medieval para o Estado nacional não ocorreu de maneira pacífica. Isso porque a proposta de centralização do poder significaria retirá-lo de pessoas e instituições que há séculos usufruíam daquele sistema. Por seu turno, a ideia de um poder soberano também desagradou. Com efeito, a prevalecer o novo modelo, os governantes gozariam de autonomia para decidir sobre temas que poderiam afetar os interesses de diversos segmentos da sociedade – inclusive sobre qual a religião seria seguida dentro do país, a exemplo do que constava no Tratado de Augsburg, de 1555. O descontentamento e os conflitos se intensificaram e o resultado foi a

23 PHILPOTT, Daniel. Sovereignty: an introduction and brief history. Journal of International Affairs, v. 48,

n. 2, jan. 1995, p. 7. Disponível em: <http://vlex.com/vid/sovereignty-introduction-brief-history-53469736>. Acesso em: 04 jan. 2012.

24 MERRIAM JR., Charles E. History of the theory of sovereignty since Rousseau. Ontario: Batoche, 2001. p.

7.

25 Idem.

26 Os trabalhos de Jean Bodin foram apenas o início de um debate sobre a natureza da soberania. Alguns

(24)

Guerra dos Trinta Anos, que consubstanciava divergências de pensamento em duas vertentes: primeiro quanto à forma de organização política, isto é, a estrutura dos Estados nacionais em contraposição ao feudalismo e às influências estrangeiras do Papado e do Império; segundo, um embate ideológico entre a fé cristã ortodoxa e a protestante.27

Os Estados nacionais sagraram-se vencedores na Guerra dos Trinta Anos e buscaram concretizar a recém-adquirida posição de supremacia por meio do Tratado de Westfália, firmado em 1648. Um dos indicativos que corroboram essa afirmação é o fato de a soberania ter sido reconhecida como princípio jurídico no Tratado de Westfália.28 Isso representou o marco do estabelecimento da soberania como uma qualidade juridicamente posta, legitimando a unidade política representada pelo recém-formado Estado soberano.29 Nessa perspectiva, coerente o posicionamento de Paulo Marcio Cruz, ao asseverar que “O conceito de Soberania, historicamente, esteve vinculado à racionalização jurídica do Poder, no sentido de transformação da capacidade de coerção em Poder legítimo. Ou seja, na transformação do Poder de Fato em Poder de Direito [...]”.30

A nova característica conferida à soberania favoreceu os Estados nacionais, uma vez que conseguiram um instrumento jurídico – e não meramente ideológico ou político – para afastar definitivamente o antigo estilo medieval. Implica dizer que a soberania passa a servir como fundamento jurídico para assegurar os interesses dos Estados nacionais. A relevância desse acontecimento é sentida na postura adotada pelos Estados em suas relações externas. Com efeito, a partir do Tratado de Westfália, houve o reconhecimento mútuo da soberania pelos Estados – isto é, todos respeitariam o aspecto soberano dos demais. 31 Dessa maneira, vislumbram-se os Estados em um cenário no qual prevalecia a igualdade jurídica,32 o que garantiria sua não subordinação a nenhum outro integrante da comunidade internacional.33 Portanto, fica evidente o objetivo de retirar a possibilidade de um Estado intervir em outro, uma das causas para as constantes guerras entre os países durante o período da Idade Média.

27 VIGNALI, Heber Arbuet. O atributo da soberania. Estudos da Integração. v. 9.Brasília: Senado Federal,

1996, p. 16.

28 Idem.

29 PHILPOTT, Daniel. Sovereignty: an introduction and brief history. Journal of International Affairs, v. 48,

n. 2, jan. 1995, p. 8. Disponível em: <http://vlex.com/vid/sovereignty-introduction-brief-history-53469736>. Acesso em: 04 jan. 2012.

30 CRUZ, Paulo Marcio. Soberania e Superação do Estado Constitucional Moderno. Unopar Cient., Ciênc.

Juríd. Empres. Londrina, v. 8, p. 55-66, mar. 2007. p. 55.

31 VIGNALI, Heber Arbuet. op. cit. p. 18.

32 Arthur Machado Paupério ressalta que a Comunidade Internacional começou a ser formada com a

implementação da igualdade jurídica das entidades estatais, que passou a vigorar desde o Tratado de Westfália. PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 27.

(25)

Por seu turno, cumpre ressaltar que o Tratado de Westfália também refletiu as pretensões dos vitoriosos da Guerra dos Trinta Anos quanto à forma de organização interna dos Estados. Isso foi concretizado nas tratativas de Westfália ao se assentar que apenas os Estados poderiam ser considerados soberanos.34 Com essa argumentação, foi possível conceber internamente “[...]um poder absoluto, supremo, que subordina as demais vontades e que exclui a competição de qualquer outro poder similar[...]”.35 Ademais, assegurou-se a existência de um governo que controlasse o seu próprio território, ao mesmo tempo em que foram removidos os obstáculos ao exercício das prerrogativas estatais.36

O ambiente proporcionado pelas resoluções do Tratado de Westfália permitiu o surgimento de um sistema de Estados soberanos, nacionais e territoriais na Europa.37 O novo modelo acolhido pelos países previa um Estado soberano detentor do monopólio do poder legítimo, e essa concentração serviria para proteger a estabilidade política e jurídica – que poderia ser ameaçada por eventuais tentativas de se estabelecerem poderes paralelos. Além disso, havia o enaltecimento da soberania nacional, que partia da premissa de que o poder supremo pertenceria à nação.38 Por fim, a soberania concedia ao Estado a prerrogativa de estabelecer as regras jurídicas relativas aos assuntos internos, circunscritos às fronteiras territoriais – por isso a noção de territorialidade.

Esses foram os eventos históricos que permitiram a inserção da soberania estatal como um modelo ou padrão a ser aceito e seguido pelos Estados. Surgia o dogma da soberania como atributo do Estado, o que possibilitou a consolidação dos sistemas jurídicos nacionais e a disseminação da regra da não-intervenção nos assuntos internos dos outros Estados. Por outro lado, garantiu-se a pretendida pacificação dos conflitos sociais e guerras que assolaram a Europa por séculos, proporcionando a estrutura jurídica para a autodeterminação dos Estados dentro de seus territórios.

34 VIGNALI, Heber Arbuet. O atributo da soberania. Estudos da Integração. v. 9.Brasília: Senado Federal,

1996, p. 18.

35 Idem.

36 PHILPOTT, Daniel. Sovereignty: an introduction and brief history. Journal of International Affairs, v. 48,

n. 2, jan. 1995, p. 8. Disponível em: <http://vlex.com/vid/sovereignty-introduction-brief-history-53469736>. Acesso em: 04 jan. 2012.

37 IUDICA, Giovanni. Law and Globalization. Bocconi School of Law Student-Edited Papers,n. 2009-02, jul.

2009. p. 7. Disponível em: <http://bocconilegalpapers.org/wp-content/uploads/file/2009-Working-Papers/BLP-2009-02-EN.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2012.

38 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense

(26)

1.2.2 Evolução do conceito de soberania: do Estado absolutista ao Estado constitucional

contemporâneo

Arthur Machado Paupério esclarece que foram teorias democráticas que fundamentaram a soberania nacional. Segundo o autor, em contraposição ao movimento

teocêntrico, surge a ideia de que a soberania seria uma “instituição humana por excelência” –

uma visão claramente antropocêntrica, visto que o ser humano seria o elemento que justifica a existência da soberania. Assim, considerando a igualdade entre os homens, o poder seria de titularidade de todos, e, consequentemente, da nação. Por seu turno, o governo da nação resultaria do consentimento de todos, haja vista não ser possível que a “multidão”

governasse.39 Essas características demonstram que a teoria da soberania nacional tinha contornos notadamente democráticos. No entanto, o mencionado autor ressalva que:

“Paradoxalmente, a doutrina da soberania nacional chega ao absolutismo e à absorção dos

próprios direitos individuais.”.40 Dessa forma, logo após Westfália, o que se verifica na Europa é um sistema de monarquias absolutas – nas quais o soberano tinha poderes ilimitados e não se sujeitava às leis que ele próprio editava41 –, e não um modelo de Estado que privilegiasse ou reconhecesse os interesses da sociedade.

A teoria da soberania absoluta teve por base os estudos realizados por Bodin42 e, como seu principal defensor, Thomas Hobbes – este responsável pela formulação dos

39 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1997, p. 58-60.

40 Idem.

41Daí porque o autor Miguel de la Madrid afirma que “

sovereignty as an attribute of the state power was born as a doctrinal justification of absolutism, that struggled in Western Europe to impose the supremacy of monarchy on the papacy and the empire, the external front, and beyond the scattered and autonomous power of feudal organization”. DE LA MADRID H., Miguel. Foreword: national sovereignty and globalization. Houston Journal of International Law. v. 19, n. 3, mar. 1997. p. 1. Disponível em: <http://vlex.com/vid/foreword-national-sovereignty-globalization-53730612>. Acesso em: 04 jan. 2012. Nesse ponto, relevante registrar que havia teorias contemporâneas à desenvolvida por Bodin que defendiam a soberania como pertencente ao povo. É o caso dos “Monarchomachs”, escola de escritores políticos adversária de Bodin e cujo autor de maior expressão

foi Johannes Althusius. Cf. MERRIAM JR., Charles E. History of the theory of sovereignty since Rousseau. Ontario: Batoche, 2001. p. 8-9. Portanto, apesar de ter sido utilizada como fundamento para o absolutismo, não se pode afirmar que era pacífica a aceitação da Teoria da Soberania absoluta.

42 Importante consignar que a teoria desenvolvida por Bodin não chancelava a figura de um soberano com

poderes ilimitados. Bodin defendia que qualquer governante deveria se submeter às leis divinas, da natureza e das nações. Vale a pena destacar ainda que, apesar de ser favorável à monarquia, Bodin reconhece que a democracia e a aristocracia também são formas de governo que podem usufruir dos atributos da soberania. Cf. MERRIAM JR., Charles E. History of the theory of sovereignty since Rousseau. Ontario: Batoche, 2001. p. 8. Por sua vez, o autor José de Oliveira Baracho corrobora essa percepção acerca da doutrina de Bodin, ao

asseverar que: “Soberania, para Bodin, é o poder supremo, juridicamente ilimitado sobre os cidadãos e súditos.

(27)

fundamentos mais completos a favor do absolutismo, em sua obra Leviatã, de 1651.43 A monarquia absolutista tinha como uma de suas principais características a identidade entre a soberania do Estado e a soberania do governante, de modo que o monarca era considerado o detentor natural e único do poder. Implica dizer que não se cogitava a ideia do poder ter sido transferido ao governante pelo povo – o que tornava a monarquia absoluta incompatível com o conceito de contrato social e, consequentemente, frustrava o direito de resistência da sociedade em face às determinações estatais. Além disso, não se verificava a existência de limitações constitucionais ao exercício do poder soberano, afastando, assim, qualquer tentativa de invocar a proteção de direitos fundamentais. Isso permitiu que os soberanos gozassem de poder incondicionado, irrevogável e ilimitado temporalmente – condição que prevaleceu durante os séculos XVII e XVIII nos países europeus.44

O Estado monárquico absoluto gerou insatisfações, em virtude da forma de governo que representava, qual seja: oprimir qualquer pretensão do povo que fosse contrária aos interesses do governante. O descontentamento diante dos abusos do monarca fomentaram críticas ao modelo de Estado então existente e ao entendimento que prevalecia acerca do conceito de soberania. É nessa época que Jean Jacques Rousseau, em contraposição ao regime absolutista, desenvolve sua concepção de soberania. Para isso, o citado autor lastreou-se em premissas típicas da ciência política, tais como: o estado de natureza – no qual os homens, em momento anterior à formação da sociedade, seriam todos iguais e livres; o contrato social – por meio do qual os homens concordariam em abdicar da liberdade que gozavam no estado de natureza, visando o estabelecimento de um sistema baseado na vontade geral; e a soberania do povo – afirmando que esta seria de titularidade do povo, e não do soberano.45

Assim, tendo como ponto de partida os aspectos listados acima, Rousseau sustenta que a soberania deveria ser entendida como a exteriorização da vontade geral.46 O pressuposto especificados, tal como o direito à legislação, a decisão sobre a guerra e a paz, a nomeação dos funcionários, o poder judiciário supremo, o direito de induto, o direito a fidelidade e à obediência, decisão sobre moedas. Bodin partia de um conjunto de direito particulares, sendo que a violação do direito natural converte o soberano em tirano. É o direito natural um portulado[sic] moral dirigido ao soberano. Outra limitação da Soberania, em sua teoria, é a que se referia as leis da sucessão, não podia o soberano modificá-las, pois levaria a conflitos graves. O monarca necessitava de base de legitimidade, em que repousa a ordem jurídica. O soberano, para Bodin, deve respeitar as leis sucessórias, para não se transformar em usurpador. Considera, também, que o soberano está obrigado aos tratados. O princípio „pacta sunt servanda‟ deve ser respeitado, pois afetaria a capacidade de celebrar tratados. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 63/64, p. 40-41, jul. 1986/jan. 1987, p. 50-51.

43 MERRIAM JR., Charles E. History of the theory of sovereignty since Rousseau. Ontario: Batoche, 2001. p.

12.

44 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. op. cit. p. 49-50.

45 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1997, p. 61-62.

(28)

da soberania seria o contrato social firmado entre os cidadãos,47 momento em que estes resolvem formar a nação e concordam em se submeter a uma autoridade superior. 48 Essa é a essência da teoria da soberania nacional, vale dizer: o consentimento dos indivíduos em respeitar a decisão da maioria, da vontade geral, que estaria representada na figura da nação e seria expressa por meio da lei – motivo que levou Rousseau a considerar o Poder Legislativo fundamental na estrutura da soberania da nação.49 Por seu turno, o renomado filósofo ainda defende que a soberania nacional é inalienável, indivisível e ilimitada.50 Nessa perspectiva, importante destacar que as características da soberania, apontadas na doutrina de Rousseau, tem como parâmetro os interesses da coletividade – uma vez que o poder soberano encontrava-se na vontade geral. Portanto, a soberania do Estado não se identificaria mais com a figura do monarca, e tampouco serviria para atender aos exclusivos desígnios ou vontades do governante, como ocorria na monarquia absolutista.

As lições de Rousseau serviram de pilares para Revolução Francesa, que marcou o início da Idade Contemporânea.51 É por essa razão que Charles E. Merriam Jr. afirma que os ensinamentos de Rousseau representaram um novo estágio na história da evolução do

47Afirma Rousseau: “Assim como a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros,

o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é este mesmo poder que, dirigido

pela vontade geral, traz, como já disse, o nome de soberania.”. ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: princípios de direito político. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 51.

48 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania. Revista Brasileira de Estudos Políticos,

Belo Horizonte, n. 63/64, p. 40-41, jul. 1986/jan. 1987, p. 28.

49 PAUPÉRIO, Arthur Machado. op. cit. p. 63. A esse respeito, pertinente as observações feita por Miguel de la

Madrid, no sentido de que as revoluções liberais e democráticas “[...]transferiram para o povo ou para a nação a fonte de legitimação política ao asseverar que somente a vontade popular ou o consenso podem estabelecer poder político por intermédio da lei, um produto decorrente da vontade geral.” (tradução livre do original) DE

LA MADRID H., Miguel. Foreword: national sovereignty and globalization. Houston Journal of International Law, v. 19, n. 3, mar. 1997. p. 1.

50Vale a pena conferir trecho da obra de Rousseau, na qual analisa a inalienabilidade da soberania: “Digo, pois,

que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, não pode jamais alienar-se e que o soberano, que é um ser coletivo, não pode ser representado senão por si mesmo; o poder bem pode transmitir-se, mas não a

vontade.” ROUSSEAU, Jean Jacques. op. cit. p. 45. No que diz respeito à indivisibilidade, o doutrinador ensina

que: “Pela mesma razão pela qual a soberania é inalienável, ela é indivisível. Pois a vontade ou é geral, ou não é;

é a de todo o povo ou apenas de uma parte. No primeiro caso, esta vontade declarada é um ato de soberania e faz

lei. No segundo, não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura; é um decreto, não mais.”

Ibidem, p. 47. No que se refere ao caráter ilimitado da soberania, Rousseau entende que o poder soberano pressupõe a impossibilidade de ser limitado. Isso se justificaria em virtude da própria concepção de “vontade geral”, ou seja, o exercício do poder soberano seria legitimado por representar os anseios da maioria da

população. PAUPÉRIO, Arthur Machado. op. cit. p. 64. Entretanto, cumpre consignar que Rousseau prevê

limites ao poder soberano, tendo por base a ideia de contrato social e vontade geral: “Vê-se por aqui que o poder soberano, que é absoluto, sagrado, inviolável, não passa e nem pode passar dos limites das convenções gerais, e que todo homem pode dispor plenamente daquilo que lhe foi deixado de seus bens e de liberdade, por estar convenções; de modo que o soberano jamais tem o direito de sobrecarregar mais a um súdito que outro, porque então, se o caso se tornar particular, seu poder já não é competente.”. ROUSSEAU, Jean Jacques. op. cit. p. 53.

51 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio de

(29)

conceito de soberania.52 Com efeito, enquanto na transição do feudalismo para a Idade Moderna a preocupação era com a estabilidade interna e externa do Estado, na mudança do regime absolutista para o Estado Constitucional o enfoque estava nas relações entre os governantes e a população – isto é, com os aspectos relacionados com a organização político-jurídica interna. Desse modo, percebe-se que a discussão travada durante as revoluções burguesas – que ocorreram em alguns países da Europa, no século XVII e XVIII – envolvia, primordialmente, definir quem seria o detentor da soberania.

A teoria da soberania nacional também foi alvo de críticas por inúmeros doutrinadores, como apontado por Arthur Machado Paupério.53 O questionamento da soberania nacional fomentou o surgimento da doutrina da soberania popular, segundo a qual não se concebe a titularidade do poder “[...]em uma entidade abstrata como a Nação, mas em uma realidade concreta que é o Povo.”.54 Nesse ponto, importante destacar que tanto a teoria da soberania nacional – externado durante as revoluções burguesas – quanto a da soberania popular exerceram influência perceptível sobre os princípios que informam as relações entre a sociedade e o Estado Contemporâneo. Basta lembrar que é possível identificar, em diversas Constituições modernas, a soberania popular como um dos fundamentos do Estado – tais como a dos Estados Unidos, a da Argentina, a de Cuba, a do México (1917), a da Alemanha (1919), entre outras.55 No que diz respeito ao Brasil, o inciso I do artigo 1° da Constituição Federal de 1988 prevê a soberania como um dos fundamentos do Estado brasileiro, ao passo que o parágrafo único do citado artigo indica a adoção da soberania popular – tendo em vista a redação do dispositivo preceituar que “Todo o poder emana do povo[...]”.56 Diante disso, é notório que a teoria da soberania popular ainda ostenta a condição de paradigma vigente no Estado Contemporâneo.

52 MERRIAM JR., Charles E. History of the theory of sovereignty since Rousseau. Ontario: Batoche, 2001, p.

17.

53 O autor cita Bigne de Villeneuve e destaca as críticas feitas por este à doutrina de Rousseau. Além disso,

ressalta a obra na qual R. Carré de Malbeg reproduz a crítica de vários autores à teoria de Rousseau. Cf. PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da soberania. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 65-67.

54 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania. Revista Brasileira de Estudos Políticos,

Belo Horizonte, n. 63/64, p. 40-41, jul. 1986/jan. 1987, p. 45.

55 PAUPÉRIO, Arthur Machado. op. cit. p. 67.

56 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

(30)

1.2.3 Breves considerações sobre a análise histórica do conceito de soberania

Nos tópicos anteriores foi apresentado um resumido relato histórico, tendo por parâmetro a evolução das relações entre os Estados – na seara internacional – e entre os governantes e a sociedade – no ambiente interno dos países. Tratou-se apenas de uma contextualização do assunto, o que permitiu identificar que o conceito de soberania guarda relação com marcos bem definidos – como a passagem da Idade Média para a Idade Medieval, as revoluções burguesas e a transição do absolutismo para o Estado Constitucional Contemporâneo. Mais especificamente, a análise histórica oferece a percepção de que as transformações políticas, filosóficas e sociais são claramente refletidas na formação do conceito de soberania do Estado. Nessa mesma linha, Celso D. Albuquerque Mello assevera

que a “[...] noção de soberania é eminentemente histórica [...]”, tendo sofrido alterações em

sua interpretação ao longo do tempo.57

Dessa maneira, tem-se que os elementos e as características atribuídas à soberania do Estado acompanharam as modificações nas circunstâncias fáticas presentes na sociedade. É por essa razão que se pode afirmar que o conceito de soberania está em constante evolução – como assevera Marcos Aurélio Pereira Valadão.58 Com efeito, as situações experimentadas em cada época poderão motivar o surgimento de novas correntes de pensamento e, por conseguinte, quebras dos paradigmas então vigentes59– o que pode ser perfeitamente aplicado no caso da soberania estatal.

57 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004, p. 365.

58 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações constitucionais ao poder de tributar e tratados

internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 192.

59 Thomas Kuhn argumenta que, em algumas situações, fatores externos à ciência interferem na escolha dos

problemas a serem enfrentados pelos cientistas: “[...]os debates entre paradigmas sempre envolvem a seguinte questão: quais são os problemas que é mais significativo ter resolvido? Tal como a questão dos padrões em competição, essa questão de valores somente pode ser respondida em termos de critérios totalmente exteriores à ciência e é esse recurso a critérios externos que – mais obviamente que qualquer outra coisa – torna

revolucionários os debates entre paradigmas.” KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 145. Em outra passagem

de sua obra, o autor ainda explicita a situação das ciências sociais frente aos fatores externos: “Desse ponto de

vista, o contraste entre os cientistas ligados às ciências da natureza e muitos cientistas sociais é instrutivo. Os últimos tendem frequentemente, e os primeiros quase nunca, a defender sua escolha de um objeto de pesquisa –

por exemplo, os efeitos da discriminação racial ou as causas do ciclo econômico – principalmente em termos de

Referências

Documentos relacionados

Piso Flutuante Junseal 300 Isolamento de ruído de impacto e aéreo em contra piso, áreas coletivas, como.. corredores, Play ground, área fitness, área gourmet, brinquedoteca,

Cruz do Capibaribe/PE Movelaria N...

Quando as carnes in natura (bovina, suína, frango, peixe e outros) e seus produtos cárneos, que são utilizados na alimentação humana, iniciam o processo

Em função de leis ambientais mais restritivas e da busca por máquinas mais eficientes, a indústria global de fluidos frigoríficos tem pesquisado e desenvolvido novas soluções para

Assim, eventual taxação ou outro tipo de restrição à exportação da sucata ferrosa brasileira poderá causar uma severa modificação no equilíbrio do setor e a própria viabilidade

O objetivo geral deste estudo é analisar o comportamento dos estados do Nordeste brasileiro no que se refere à arrecadação de ICMS frente às previsões orçamentárias do

Na presente edição do estudo semestralmente elaborado pelo IEDI sobre as empresas industriais brasileiras foram reunidas informações para 101 delas. Além disso, pela primeira

Το αν αυτό είναι αποτέλεσμα περσικής χοντροκεφαλιάς και της έπαρσης του Μιθραδάτη, που επεχείρησε να το πράξει με ένα γεωγραφικό εμπόδιο (γέφυρα σε φαράγγι) πίσω