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45º Encontro Anual da Anpocs

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Academic year: 2022

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Os enquadramentos interpretativos de treze anos de protestos contra a corrupção no Brasil (2003-2016)

Larissa Pereira de Melo (Unicamp)

SPG27. Movimentos sociais e contramovimentos no Brasil contemporâneo:

luta por direitos, democracia e desigualdade

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A temática da corrupção a partir de 2014 tem atuado centralmente na abertura de uma nova conjuntura política do Brasil, culminando na ascensão da extrema-direita no país. Apesar de trabalhos na literatura evidenciarem momentos em que a corrupção ganha destaque no debate público, as manifestações envolvendo a temática da corrupção possuem nuances perceptíveis apenas a partir de uma visão de longo prazo. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar uma análise empírica global selecionando alguns protestos contra a corrupção no Brasil ocorridos entre 2003 e 2016, período em que o Partido dos Trabalhadores esteve no comando do governo federal. Para além disso, resgato os protestos contra corrupção da década de 1990 a partir de uma revisão bibliográfica. Tanto para a essa revisão quanto para a análise empírica aplico a metodologia de análise de enquadramentos interpretativos na perspectiva da história gramatical do confronto político (Johnston & Alimi, 2013). Pretendo responder à pergunta: quais os sentidos que os protestos anticorrupção assumiram nesses treze anos de governos do PT? E, além disso, traçar algumas comparações com o protesto pelo impeachment de Collor.

Defendo o argumento de que, ao longo das quatro fases, existe um deslocamento nos enquadramentos em direção ao PT, Lula e Rousseff que identificam nos governos petistas a causa dominante da corrupção. Saliento que uma peça chave desse deslocamento foi o escândalo do Mensalão que abriu uma fase de protestos que possibilitou uma maior oferta de enquadramentos, um maior número de atores disputando a pauta, o aumento do conflito em torno da pauta e a identificação do PT e do Lula como um dos causadores da corrupção.

Neste artigo divido os 13 anos de protestos analisados em quatro períodos de acordo com 4 eventos apontados pela literatura o Mensalão, os protestos do Cansei, as Jornadas de Junho e os protestos relacionados a Operação Lava Jato1. Analiso os protestos anticorrupção selecionados de cada uma das fases que tenham a mesma temática, mas com a participação de atores diferentes. Para isso, faço o uso da análise de enquadramentos interpretativos, mais precisamente a técnica de análise gramatical do confronto político (Johnston & Alimi, 2013).

Enquadramentos interpretativos são esquemas interpretativos que “simplificam e condensam aspectos do ‘mundo lá fora’” com o intuito de “mobilizar potenciais aderentes e constituintes, garantir apoio dos espectadores e desmobilizar antagonistas” (Snow &

1 Apresento detalhadamente esse debate na minha dissertação (Melo, 2021).

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Benford, 1988, p. 198). Com o intuito de operacionalizar o conceito de enquadramento, estudos recentes têm se apropriado da história gramatical do confronto político. A principal proposta dessa literatura é a de Johnston e Alimi (2013), que argumentam que o enquadramento interpretativo pode ser apreendido a partir de três componentes fundamentais que compõem uma narrativa: o sujeito, o verbo e o objeto. O sujeito identifica qual a identidade coletiva produzida, o verbo pelo qual a ação coletiva é realizada e o objeto quem ou que é o inimigo das ações realizadas nos protestos.

Para este artigo, escolhi trabalhar com as classificações de verbo e objeto. Na classificação do verbo, observo quais ações coletivas estão sendo realizadas ou que pretendem ser realizadas pelos grupos ou organizações em questão. Em seguida, faço uma rotulagem sobre o quão conflituoso é a mobilização daquele verbo. Trabalho com dois pares de oposição na classificação dos verbos: convergente vs. divergente e ativo vs.

reativo. A classificação é feita de acordo com o verbo que aparece na narrativa2.

Os verbos divergentes ou mais conflituosos, expressam confronto direto ou ameaças explícitas a outras pessoas ou entidades. Em contraposição a esses, existem os convergentes ou menos conflituosos que não expressam conflito direto com opositores. No outro par de classificações, existe a oposição entre ativo e reativo. Uma ação reativa ocorre em resposta a uma ação anterior. Logo, uma ação ativa é compreendida como a ação primeira.

Identifico nos materiais analisados quem ou o que é o adversário da organização em questão para classificar os objetos. Isto é, classifico cada trecho do material analisado e crio uma classificação referente a cada objeto mencionado. Em seguida, observo se existem objetos em comum ou semelhantes e agrupo os vários trechos classificados naquela categoria. Após essa classificação, comparo os objetos identificados em cada grupo com os objetos de outros grupos que protestaram na mesma fase. O objetivo é compreender as semelhanças e diferenças na forma como os grupos enquadram o seu adversário no interior da fase analisada.

Escolhi os protestos para a análise a partir de uma consulta no Banco de Eventos de Protestos Anticorrupção (BEPA)3 de acordo com a diversidade de atores e a proximidade temática. Uma vez que estive ciente das datas dos protestos busquei fontes

2 Me baseio na classificação de Tilly (2008).

3 O BEPA é um fragmento do Banco de dados sobre Protestos no Brasil (2003-2016) produzido pelo NEPAC em conjunto com o CEMARX, ambos vinculados a Unicamp (Tatagiba e Galvão, 2019).

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que relatassem detalhes sobre eles. A busca foi feita em um corpus material diverso incluindo notícias da grande imprensa até sites e blogs das próprias organizações.

O legado dos protestos na campanha pelo impeachment de Fernando Collor Várias autoras se dedicaram a estudar o processo de queda de Fernando Collor sob diversos focos de análise. Resgato o argumento de três abordagens, por meio do qual irei traçar o framework que organizou os protestos pelo impeachment de Collor, ou seja, o verbo e o objeto daquele ciclo.

Sallum Jr. e Casarões (2011) explicam a queda de Collor como multicausal. Os autores elencam os motivos para o impeachment apontados pela literatura, dentre eles, as características pessoais do presidente, as disputas políticos-institucionais e societais. Sobre a personalidade de Collor, o foco é a dupla existência de uma personalidade moderna - associada ao neoliberalismo - e tradicional – associada ao coronelismo. Na esfera político- institucional, os argumentos enfatizam as ações embasadas na centralização do seu poder, o desinteresse pelas coalizões e na ideia de poder plebiscitário do presidente. Na esfera partidária Sallum Jr. e Casarões (2011) apontam que o impeachment de Collor articulou uma frente que começou por partidos de centro e esquerda – PT, PMDB e PSDB – e no decorrer do processo recebeu consentimento e atuação de grupos ligados as Forças Armadas e a partidos concorrentes de direita. A esse processo se juntou o apoio da imprensa e grupos da sociedade civil. Na dinâmica societária, a democratização das relações sociais de poder ocorridas na década de 1980 serviram de base para as análises do impeachment que enfatizaram a participação de movimentos populares e sociedade civil no processo, bem como autonomia e emergência política das classes médias e subalternas no espaço público.

Nesse sentido, os argumentos de Sallum Jr. e Casarões (2011) é que um dos motivos para a mobilização social contra Collor foi o ultraje moral encaminhado pelo descompasso entre a expectativa de democratização crescente desde a década anterior e a atuação do presidente. E ainda, a austeridade fiscal que obrigou a contenção de gastos da classe média e tornou difícil a sobrevivência dos mais pobres. Um outro ponto importante destacado foi a formação de uma articulação sociopolítica anticorrupção.

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Dessa forma, os autores enfatizam duas das características do framework que estou interessada em sintetizar, o verbo e o objeto. Aqui entendidos como articulação/coalizão e anti-democrático/corrupto, respectivamente.

Essas duas características são aprofundadas no texto de Martuscelli que argumenta que a crise do governo Collor foi uma crise de governo e não do capitalismo neoliberal.

Para ele, a corrupção foi o discurso hegemônico e essencial para o processo de impeachment, mas aponta que aqueles protestos também foram de insatisfação difusa com os efeitos do neoliberalismo. No entanto, as críticas feitas as políticas econômicas e sociais do governo se perderam diante da pauta da corrupção. Os parlamentares, que não estavam interessados na derrocada do capitalismo, focaram na pauta da corrupção para tirarem o presidente. Desse modo, o autor aponta que a universalidade da luta contra a corrupção mascarava os confrontos de classe presentes na época. Portanto, esse autor ressalta as características conciliatórias do período contra a corrupção do governo de Fernando Collor.

De forma semelhante, Tatagiba (1998) investiga a participação da CNBB, OAB, PNBE e CUT no MEP. O texto é focado nos motivos que tornaram possíveis a articulação entre esses atores. A autora aponta os fatores da conjuntura: o princípio articulatório forte e genérico em torno da ética na política e a corrupção e o autoritarismo presentes. Sobre o autoritarismo observa que o presidente se valeu da democracia mínima, que limitava a intervenções de ordem democrática-participativa. Sobre a corrupção, à medida que as denúncias começaram a ser incorporadas, a adesão dos diversos grupos começou e após a fase de maior exposição do MEP na mídia, até grupos favoráveis ao presidente começaram a mudar de lado. O MEP passou a ser amplo e heterogêneo, mas com um objetivo em comum: o impeachment de Collor. O que levou os atores “a potencializar os pontos consensuais, minimizando as questões que pudessem fazer emergir o dissenso” (idem, p.

99).

Em resumo, naquela época houve uma ideia de coalizão pró-impeachment apesar das diferenças ideológicas entre os grupos. Prova disso é que após a saída de Collor da presidência, a proposta da CNBB, OAB, CUT e PNBE eram diferentes entre si (Tatagiba, 1998). A CNBB passou a pensar na vida da população pobre, a CUT se colocou contra o neoliberalismo, a OAB se posicionou pelo resgate honra e dignidade nacional e o PNBE apresentou propostas para o equilíbrio das contas públicas, combate à miséria e a inflação.

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Ou seja, após a queda de Collor foi possível perceber que havia de fato uma diversidade de anseios que foram aglutinados durante a luta contra a corrupção no governo Collor.

Assim, aponto que mesmo a partir de enfoques na análise distintos, as ideias de verbo e objeto convergem mais ou menos em um mesmo sentido. No que diz respeito ao verbo aparecem as ideias de conciliação, articulação, formação de frente e coalizão. Já a Fernando Collor é associado termos como antidemocrático, antiético, corrupto e autoritário. Então, verbo e objeto nessa análise correspondem respectivamente a coalizões/articulação e a corrupto/autoritário.

Levando em conta a asserção de que as “[e]xperiências como a que o país viveu durante o impeachment não se esgotam nelas próprias. Elas deixam saldos, são cumulativas e preparam terreno para a luta posterior. A partir delas não é possível mais começar do mesmo lugar” (Tatagiba, 1998, p. 210). Busco procurar na analise dos 13 anos de protestos pontos que se encerraram e os que continuaram em relação aos protestos pelo impeachment do Collor.

Os enquadramentos interpretativos da primeira fase (janeiro de 2003 até junho de 2005)

Nesta fase são destacados três protestos relacionados às nomeações de servidores para cargos públicos para analisar a oferta e a disputa de enquadramentos interpretativos.

No dia 16 de agosto de 2003, os funcionários da ANBB e membros de partidos aliados do governo protestaram na Avenida Paulista contra a “petização” e o loteamento de cargos da executiva do banco. Naquele momento, a grande imprensa acusava Lula de indicar apenas petistas ou pessoas ostensivamente ligadas ao PT para cargos comissionados. Contudo, Lula acabou nomeando um executivo de perfil liberal, Cássio Casseb, como presidente do banco. Os membros de partidos aliados ao governo foram às ruas elogiar a indicação de Lula e, ao mesmo tempo, sustentar críticas ao PT. Valmir Camilo, presidente da ANBB, ressaltou que Casseb era um bom executivo, apartidário e profissional, mas manteve a crítica ao PT, especificamente, à tendência Articulação: “A Articulação bancária entre o Gushiken e o Berzoini tomou o Banco do Brasil de assalto e não sobrou nada para ninguém que não use uma estrela vermelha no peito”. De forma semelhante, Augusto Carvalho (PPS-DF) completou: "a sanha da aparelhagem do PT, não deixou nada para mais ninguém” (ANEXO 1: Tabela 5).

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No dia 1º de setembro de 2003, os auditores fiscais do TCU de Brasília fizeram uma manifestação endereçada ao Senado federal, cujo objetivo era impedir a indicação de Luiz Otávio (PMDB-PA) para ministro do Tribunal, feita pelo Presidente. Os manifestantes alegaram que Otávio não possuía “idoneidade moral e reputação ilibada”, pois estava sendo denunciado pela Procuradoria Geral da República por crime contra o sistema financeiro.

No dia 10 de janeiro de 2005, o PT do Maranhão recolheu assinaturas, contra a possível indicação da senadora Roseana Sarney a um ministério no governo. Os petistas afirmavam que a senadora não possuía estatura intelectual e requisitos éticos para ocupar o posto. A senadora estava sendo acusada de corrupção. Em 2002, a Polícia Federal havia encontrado dinheiro nos cofres da empresa Lunus, na qual Roseana Sarney era sócia, mas não houve explicações sobre a origem do dinheiro (ANEXO 1: Tabela 6).

Com base nesses três acontecimentos, tracei o verbo e o objeto da ação coletiva realizada por esses sujeitos contrários à nomeação de Luiz Otávio, Cássio Casseb e a cogitação de nomeação de Roseana Sarney (ANEXO 1: Tabela 7).

Tabela 1. Enquadramentos interpretativos de protestos relacionados à nomeação de pessoas para cargos públicos4

GRUPOS/

ORGANIZAÇÕES

VERBO OBJETO

ANBB Reclamar A Lula do aparelhamento do Estado promovido pelo PT

PT Alertar Lula sobre a falta de competência e ética de Roseana Sarney

Auditores fiscais do TCU

Convencer Senado a não aprovar indicação de Luiz Otávio ao TCU, por falta de ética

Resumindo a Tabela 1, os objetos mobilizados pelos militantes do PT e pelos auditores fiscais do TCU são os mesmos: o aparelhamento do Estado pelo PT e a falta de

4 As fontes das citações dos verbos e objetos se encontram discriminadas no Anexo 1, disponíveis em:

anexos_protestos.

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ética. Lula é sempre citado, embora o presidente tenha sido invocado como intercessor na resolução dos problemas mais do que como um alvo propriamente dito. Mesmo quando os manifestantes acusam o PT de aparelhamento do Estado, Lula não aparece como culpado ou envolvido nas denúncias.

De forma semelhante, é nítida a invocação da figura de Lula como mediador em outros protestos desta fase. No protesto realizado em frente ao Palácio do Planalto pelo Movimento da Cidadania Contra a Corrupção no Distrito Federal, no dia 5 de fevereiro de 2003, os manifestantes estenderam uma faixa com os dizeres: “Lula: comece a limpeza pelo DF! Fora Roriz” (ANEXO 1: Tabela 8). Joaquim Roriz foi acusado na época de grilagem de terras. Lula, que não tinha nenhum envolvimento com a denúncia, foi chamado a interceder (ANEXO 1: Tabela 4).

Nos protestos envolvendo o escândalo do Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu (PT-SP), a corrupção aparece direcionada mais a Dirceu e Diniz — “Dirceu, o seu emprego custou o meu” — do que ao presidente Lula. Nesses protestos, as reivindicações direcionadas a Lula eram outras, tais como emprego e fome: “Lula, promessa é dívida.

Onde estão os 10 milhões de empregos? Chega de enrolação” ou “Lula/Quanta Fome/Quanto desemprego” (ANEXO 1: Tabela 4). Assim, ao Lula se destinava às reivindicações contra os empregos perdidos, e a Waldomiro Diniz e José Dirceu as acusações de corrupção.

Nesse conjunto de protestos contra o fechamento dos bingos, decorrente do escândalo do Waldomiro Diniz, algumas organizações que estiveram presentes foram a Força Sindical, o PSTU e o PT. Similarmente, nos protestos com a temática das nomeações, participaram partidos de esquerda e aliados, como organizações de trabalhadores. Assim, destaco que nos protestos que analisei da primeira fase houve a presença de atores similares na pauta da corrupção, bem como uma forte presença de partidos políticos e seus aliados.

Em relação a forma de ação coletiva, classifiquei os três verbos desta fase como menos conflituosos e como ativos (Figura 1). Essa classificação contrasta com os verbos expressos nas outras fases que tendem a ser mais conflituosos e, por vezes, reativos. Isto é, os verbos dessa fase enfatizam um nível baixo de conflituosidade comparados aos protestos destacados das fases seguintes.

Além de um baixo nível de conflituosidade nos verbos, os protestos contra as nomeações, contra Roriz e contra o fechamento dos bingos sublinham o baixo nível de

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conflito direcionado a Lula. Esse nível de conflito direcionado ao governo federal e a Lula se apresenta, por exemplo, de forma diferente dos protestos que ocorreram em maio de 2005, contra os deputados estaduais e o governador de Roraima. Nos protestos da Assembleia Legislativa daquele estado, houve xingamentos aos deputados e ao governador, enterro simbólico de políticos, uma tentativa de invasão da Assembleia e confronto coma polícia (ANEXO 1: Tabela 8). Esses protestos atacaram diretamente a índole pessoal dos políticos envolvidos.

Figura 1. Verbos da ação coletiva da primeira fase.

O único ato contra a índole pessoal de Lula foi realizado em 8 de janeiro de 2005 e noticiado pela Folha como um fracasso pelo jornal (ANEXO 1: Tabela 8). O ato foi convocado pelo Orkut e compareceram dois estudantes que acusaram Lula de abuso de poder por permitir que o filho utilizasse aviões e lanchas das Forças Armadas.

Portanto, o que esses protestos mostram é uma baixa oferta de enquadramentos, bem como um número reduzido de atores na disputa, majoritariamente partidos e seus aliados. O presidente Lula aparece preponderantemente como intercessor e o nível de conflituosidade é baixo. O antipetismo aparece de uma forma pouco elaborada, na qual apenas uma parte do PT é o problema: a tendência Articulação. Não é expresso nenhum tipo de polarização política em torno da pauta da corrupção.

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Os enquadramentos interpretativos da segunda fase (junho de 2005 até agosto de 2007)

O episódio do Mensalão manchou a imagem de partido ético e moral que o PT vinha construindo desde a sua fundação. Parte do alto escalão do Partido renunciou aos seus cargos. Houve ainda a prisão do assessor do irmão de José Genoíno, detido com dólares na cueca, e a renúncia de Antônio Palocci, o Ministro da Fazenda em 2006.

Similarmente, o Mensalão atingiu o presidente Lula. A indagação “Lula sabia ou não do esquema?” aparecia frequentemente nos noticiários da grande mídia. Lula, por outro lado, afirmava que não tinha envolvimento e que fora traído. Mesmo após o auge do escândalo, até meados de outubro de 2005, o Mensalão continuou mobilizando a opinião pública, tendo sido o principal tema da campanha dos adversários do governo, nas eleições de 2006 (Azevedo, 2018).

A literatura mostra como o escândalo foi fundamental para a ocorrência de alguns fenômenos políticos. Para citar dois exemplos, Azevedo (2009) relata que o Mensalão foi capaz de mudar a imagem predominante do PT na mídia de “integrado ao sistema e responsável” para “integrado ao sistema, mas clientelista e corrupto”. Singer (2012) ressalta que o Mensalão atuou como um catalisador que foi capaz de acelerar o processo de realinhamento das bases sociais de apoio ao governo Lula. Por esse ângulo, o escândalo se apresentou como uma mudança na conjuntura que alterou a dinâmica dos protestos contra a corrupção, fornecendo novos materiais para o enquadramento interpretativo e incorporando uma maior diversidade de atores na disputa.

Para analisar a oferta e a disputa de enquadramentos, observei os protestos realizados por 5 grupos que protestaram nos primeiros momentos do escândalo do Mensalão, de junho a setembro de 2005.

A UNEMFA foi um ator novo e inesperado no campo de disputa que foi fundada em Brasília no dia 22 de fevereiro de 2004 por senhoras insatisfeitas com os baixos soldos de seus maridos militares. O objetivo da organização é “lutar pela manutenção da dignidade dos familiares de militares” (Maier, 2005). Discrimino os objetos e os verbos produzidos no protesto organizado pela UNEMFA, em 10 de junho de 2005 (ANEXO 2:

Tabela 9).

A segunda organização escolhida para a análise foi o PFL que é tido como um partido de centro-direita, de ideologia conservadora e que também é um ator que não esteve

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presente na primeira fase. Analisei o protesto Grito de silêncio contra a corrupção, que ocorreu no dia 7 de setembro de 2005 (ANEXO 2: Tabela 10).

A terceira organização foi o PSOL, que é um partido de oposição de esquerda aos governos do PT e que teve presença constante ao longo das quatro fases. Analisei o protesto do dia 28 de julho de 2005 ocorrido em Porto Alegre. (ANEXO 2: Tabela 11).

A quarta organização escolhida para a análise qualitativa foi a OAB, que é uma organização da sociedade civil, com atuação histórica na pauta da corrupção, como em sua participação no impeachment de Fernando Collor, mas que não havia aparecido nos protestos da primeira fase. A manifestação escolhida foi a do dia 9 de junho de 2005, a chamada “Vigília cívica contra a corrupção”.

Outra organização historicamente relevante na luta contra a corrupção é a UNE.

Diferentemente da OAB, a UNE foi uma organização da sociedade civil que atuou como aliada ao longo dos governos petistas. O protesto escolhido, “Grande Marcha da Coordenação dos Movimentos Sociais”, ocorreu no dia 2 de julho de 2005, em Goiânia.

Anteriormente ao protesto, acontecia em Goiânia o 49º Congresso da UNE, que reuniu estudantes de todo o país. As principais pautas anunciadas na convocação do Congresso foram a conjuntura política brasileira e a reforma universitária (ANEXO 2: Tabela 13).

As esposas dos militares estiveram acampadas na frente do Itamaraty alguns dias do mês de abril. Também protestaram no dia 10 de junho, quatro dias depois da denúncia de Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo o Mensalão, cerca de 60 mulheres compareceram.

Na Tabela 2, observa-se três ações coletivas realizadas por essa organização no protesto do dia 10 de junho de 2005, sendo elas: chamar atenção e pedir reunião quando as manifestantes agiram a fim de chamar a atenção do Presidente Lula e provocar uma reunião com ele para discutir a pauta salarial (Figura 2); pedir impeachment por conta do suposto envolvimento do presidente com o Mensalão; e mostrar perseverança e resistência, uma vez que as militantes tentaram invadir o grupamento de Fuzileiros Navais para se encontrar com o vice-presidente e sem serem pegas pelos seguranças do Planalto.

Nesse protesto, Lula foi o principal alvo das ações da UNEMFA que reivindicavam o reajuste salarial a Lula e o associavam com o Mensalão e ao autoritarismo. O Mensalão era expresso nas palavras de ordem entoadas no protesto enquanto que a figura de autoritário esteve relacionada com o fato de o Presidente não receber as ativistas para eventual negociação e também por tê-las retirado do acampamento em abril.

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Tabela 2. Enquadramentos interpretativos de protestos realizados contra o Mensalão em 20055 GRUPOS/

ORGANIZAÇÕES

VERBO OBJETO

UNEMFA Chamar a atenção Pedir

Mostrar perseverança resistência

De Lula

Reunião com Lula

Retirada de Lula da presidência Contra Lula

PFL Reagem Ao aparelhamento do Estado

À maioria parlamentar À política econômica e social

A outros grupos sociais simpáticos ao PT

PSOL Escrachar

Confrontar Exigir

O governo e suas alianças, o PT e Lula A política econômica e salarial do governo; e a oposição de direita

Apuração e punição dos envolvidos

OAB Articular

Cobram

Contra a relação entre Executivo e Legislativo Punição dos envolvidos

UNE Defender

Solicitar

O governo contra a oposição de direita Mudança na política econômica existentes e a punição aos envolvidos

Diferente da UNEMFA, o PFL identificou o PT e o governo como seus principais alvos. O PT aparece como alvo na classificação de aparelhamento do Estado, a justificativa é que o PT centraliza o Estado em torno de si. Os associados ao PFL também identificam a maioria parlamentar como adversária por conta da demora na apuração e que geraria o risco de deixar os parlamentares que participaram do esquema impunes. A classificação a que chamei de política econômica e social inclui temas de política econômica, de desemprego e justiça social. O último alvo são os outros grupos da sociedade civil que não veem o PT e o governo como problema, tal como, o Grito dos Excluídos que isenta Lula de culpa.

A ação coletiva realizada pela organização foi a de reagir. O PFL reagiu de formas diversas quando, por exemplo, repudiou e mostrou indignação no discurso de Eduardo Sciarra.

5 As fontes das citações dos verbos e objetos se encontram discriminadas no Anexo 2, disponíveis em:

anexos_protestos.

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Figura 2. Esposas de militares protestam em frente ao Palácio do Planalto.

FONTE: Agência Brasil (ANEXO 2: Tabela 9).

O PSOL, ao invés de reagir, optou por ações mais conflituosas. Com a utilização de verbos que resumi em escrachar, exemplificados nas ações de estender cuecas em sacadas, em alusão ao assessor petista pego com dólares na cueca, e jogar ovos contra o carro de Lula. Houve ainda ações como tirar pedaços de pau na políciaque classifiquei como confrontar. Por último, o verbo exigir, expresso na exigência dos militantes de que as denúncias fossem apuradas e punidas.

Nesse protesto, o PSOL mobilizou quatro objetos. O primeiro foi direcionado ao governo e suas alianças, mencionando explicitamente o PT, o Lula e a relação com o Congresso. O segundo ponto está atrelado a política econômica e salarial do governo, criticada por servir os interesses do capital. O terceiro objeto foi a oposição à direita do governo, quando Luciana Genro afirmou que elas não confiam no PSDB e PFL para averiguar as denúncias levadas à CPI. Por último, a impunidade aparece como alvo quando os militantes exigem que todas as denúncias fossem apuradas, com punição dos culpados e ressarcimento aos cofres públicos.

Destaco que naquela época os protestos anticorrupção apresentavam noções ideológicas contraditórias e a relação entre os grupos presentes era curiosa. O PFL afirmou estar preocupado com justiça social e o PSOL atuando em prol do punitivismo. No entanto, o que merece a devida distinção é o fato de organizações como o PSOL e o PFL tentarem se aproximar da UNEMFA.

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Como dito anteriormente, a UNEMFA é uma organização formada por esposas de militares das Forças Armadas, estas que foram responsáveis por 21 anos de ditadura no Brasil. Mas em 2005, as esposas de militares estiveram protestando pela pauta do aumento dos soldos dos maridos e melhores condições de trabalho, uma reivindicação trabalhista, frequentemente associada a organizações alinhadas à esquerda. As relações estabelecidas pela UNEMFA, em 2005, expressaram essa aparente ambiguidade.

Em entrevista, Ivone Luzardo, presidente da UNEMFA, fez uma lista de políticos que apoiavam as reivindicações da organização. A lista continha os nomes dos deputados federais: José Roberto Arruda (PFL-DF) e Alberto Fraga (PFL-DF); do senador Paulo Otávio (PFL-DF) e da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). O curioso é que a senadora é a única de um partido de esquerda na lista. A relação com Heloísa Helena se estendeu para as ruas e se expressou no apoio à campanha da senadora do PSOL à presidência:

[o protesto] mais ruidoso foi feito por mulheres de militares. Capitaneadas pela UNEMFA, elas puxaram gritos de "Fora Lula". [...] Também reivindicaram o pagamento imediato do reajuste salarial de 23% aos militares. "Espero que o Congresso aprove o impeachment porque o Lula sabia, ele é o comandante-mor desta falcatrua", disse a presidente da UNEMFA. [...] Empunhando um megafone, a vice-presidente da entidade, Sara Oliveira, 36, pediu votos para a senadora alagoana Heloísa Helena (PSOL) à Presidência. Ela comandou um grupo de mulheres que saiu de Mato Grosso do Sul na segunda-feira, em ônibus fretado, para compor a manifestação na Esplanada (Folha de S. Paulo, 07 de setembro de 2005).

No entanto, a temática da corrupção não foi disputada nas ruas apenas por organizações novas no debate. Outras duas organizações que já haviam participado dos protestos contra Collor entraram no debate.

A OAB apresentou duas ações coletivas e dois objetos. No âmbito das ações, a associação de advogados mobilizou os verbos articular frente para cobrar os poderes políticos. O propósito de articular uma frente resultou em uma vigília cívica e uma carta entrega aos presidentes da Câmara e do Senado.

O primeiro objeto da OAB foi a relação problemática entre os poderes Executivo e o Legislativo, sendo o problema a necessidade de uma base aliada para governar. Outro objeto é a impunidade, a OAB cobra que as denúncias sejam apuradas, os denunciados afastados e os culpados punidos.

A UNE também solicitou punição aos envolvidos. Em discurso, presidente da UNE, ressaltou a necessidade de identificar os envolvidos no Mensalão e puni-los. Esses envolvidos não foram em nenhum momento personalizados como membros do PT ou do

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Executivo. Existiram ainda pedidos de reforma política democrática associada ao fim da corrupção. Outros dois objetos identificados pela UNE foram os parlamentares da oposição por “desestabilizar o governo Lula”, a política econômica de juros altos e os envolvidos no escândalo (de forma genérica).

As ações coletivas mobilizadas pela UNE foram as de defender o governo dos parlamentares da oposição e solicitar mudanças na política econômica e punição aos envolvidos.

Figura 3. Verbos da ação coletiva mobilizados da segunda fase (jun/2005 até ago/2007).

De forma geral, houve verbos reativos, menos conflituosos e mais conflituosos nesta fase, isto é, foram mais diversos do que na fase anterior (Figura 3). Anteriormente os verbos estiveram focados em ações menos conflituosas. Assim, a inclusão de verbos mais conflituosos em relação à primeira fase mostra o aumento de conflito nesta.

Os objetos desta fase são diferentes e novos em relação aos da fase anterior, tais como a maioria parlamentar, a política econômica, salarial e social, grupos simpáticos ao PT, a oposição de direita ao governo, as alianças entre Executivo e Legislativo, apuração e a impunidade. O tema comum que a corrupção assumiu em todas as organizações de forma mais ou menos direta foi a apuração e a punição. Os outros temas comuns entre as organizações foram a política econômica, social e salarial. O tema apareceu nos protestos

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da UNEMFA, do PFL e do PSOL. Já a relação Executivo-Legislativo foi objeto nos protestos da OAB e do PSOL.

Chama a atenção nesta fase a forma como Lula e o PT são enquadrados. Na primeira fase, Lula foi enquadrado como intercessor e houve apenas um ataque à sua índole pessoal. Nesta segunda fase, Lula foi enquadrado como corrupto e autoritário pela UNEMFA e como traidor pelo PSOL, por supostamente pagar o Mensalão ao invés de ajudar o povo. Os atores também atribuem um enquadramento interpretativo diferente ao PT nesta fase. Na primeira fase, os atores culpavam a Articulação, tendência interna do PT, pelo aparelhamento do Estado. Nesta, o aparelhamento do Estado não é de uma corrente específica dentro do partido, mas de todo o PT.

O PT e o Lula aparecem nesta fase associados com a corrupção, mas essa temática aparece misturada com outras como o antiestablishment. Nesse sentido, não houve uma associação do PT e de Lula com o antiesquerdismo.

O antiestablishment e o antilulismo permitiram que grupos de ideologias completamente diferentes fossem às ruas juntos. No dia 17 de agosto de 2005 (ANEXO 2:

Tabela 11), o PSOL e o PRONA participaram juntos de um mesmo protesto contra a corrupção. O PRONA foi um partido ultradireitista e que se constituiu como um partido não-partido (Caldeira Neto, 2016). Ou seja, o PRONA foi um partido construído como outsider da política e contra o establishment.

O PSOL é um partido fundado por dissidentes do PT e que fazia oposição aos grupos de direita instituídos, como o PSDB e o PFL. Ou seja, o PSOL também se mobilizava contra a classe política estabelecida (ANEXO 2: Tabela 11).

Então, no dia 17 de agosto, as duas organizações, PRONA e PSOL, com PSTU, PDT e grupos punks estiveram nas ruas contra o governo (Figura 4):

A manifestação liderada por PSTU e PSOL, que pediu o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entoou gritos contra Congresso, PSDB e PFL, levou ontem cerca de 12 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios [...]. O que mais se viu foram faixas pedindo a saída de Lula e dos petistas "corruptos"

do governo [...]. Do caminhão de som, além de discursos em defesa de uma revolução socialista e pela implantação de um governo operário e camponês, eram entoados gritos contra a "política econômica neoliberal" e a favor do

"rompimento imediato com o FMI". [...] Logo no início da caminhada, líderes do PSTU e do PSOL demonstravam algumas preocupações. Primeiro, para não

"contaminar" o protesto esquerdista, pediram que os punks abandonassem a linha de frente da caminhada e que os caminhões de som de Prona e PDT ficassem desligados (ANEXO 2: Tabela 11).

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Figura 4. Ato do dia 17 de agosto de 2005 realizado em Brasília.

FONTE: Folha de S. Paulo (ANEXO 2: Tabela 11).

Assim, parece que o anti-establishment e um certo antipetismo, encarnado no governo e em Lula, permitiram que grupos tão distintos pudessem estar juntos nas ruas.

Porém, esse antipetismo é diferente do verificado posteriormente. Nesse protesto, não há relatos de rechaço à esquerda ou ao comunismo, o antipetismo expresso não é necessariamente anti-esquerdista. O que não é caso da fase três, na qual os manifestantes rechaçaram Cuba e a outros países entendidos como comunistas e, ainda, toda a esquerda foi taxada de inimiga, do PSOL ao PT, da CUT ao MPL. Na fase quatro, os ataques ao comunismo e ao esquerdismo foram ainda mais frontais.

Portanto, esta fase apresenta vários enquadramentos para uma mesma organização e mais enquadramentos do que organizações. O que evidencia o aumento da oferta de enquadramentos em relação à fase anterior. Além disso, assinala para um nível de conflito pelo surgimento de verbos mais conflituosos. A pauta da corrupção também foi disputada por um conjunto mais diversificado de atores em relação à fase anterior, que incluía apenas grupos associados à esquerda partidária e corporações de trabalhadores. Nesta fase, houve o surgimento de organizações corporativas de profissionais liberais e a presença de um partido de direita na disputa. Mas a despeito da diversidade de grupos presentes na luta anticorrupção houve uma compatibilidade de interesses e certas convergências, o que é semelhante aos protestos pelo impeachment de Collor, mas diferente do cenário de polarização que será verificado na fase 4.

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Os enquadramentos interpretativos da terceira fase (agosto de 2007 a outubro de 2014)

Nesta fase, argumento que os atores identificam o PT como causador da corrupção de forma mais direcionada que na fase anterior. Colocando em pauta uma associação entre corrupção, os governos do PT e a esquerda como um todo.

Analisei os enquadramentos dos diferentes grupos que protestaram contra a corrupção entre 20 de junho e 4 de julho de 2013, escolhi os protestos desta data porque esse período faz parte do que Alonso (2017) chama de momento de massificação, declínio das Jornadas de Junho e adesão dos setores patriotas. Para analisar a oferta de enquadramentos desse intervalo de tempo elegi 5 grupos.

O primeiro foi o grupo antipartido, em que classifiquei pessoas que se manifestaram explicitamente contra a presença de partidos ou organizações nos protestos. O motivo para a seleção do grupo antipartidário é a novidade desse grupo em relação à primeira e à segunda fase (ANEXO 3: Tabela 14). Escolhi a CUT por ser uma organização corporativa de esquerda aliada ao governo Dilma Rousseff. O dia 20 foi convocado pela CUT do Rio de Janeiro como o “Dia Nacional do Movimento Passe Livre”, que teve como objetivo apoiar o MPL (ANEXO 3: Tabela 17). Já o PSOL, manteve-se fora da coalizão do governo de Rousseff, se colocando na oposição de esquerda (ANEXO 3: Tabela 18).

No dia 3 de julho de 2013 ocorreram os protestos de médicos contrários à vinda de médicos estrangeiros para o Brasil.Escolhi esse grupo por ser corporativo, formado por profissionais liberais e contrário ao governo federal (ANEXO 3: Tabela 15).

O último grupo escolhido para a análise de enquadramento foi o Ocupa Cabral.

Acompanhei os protestos e as manifestações dos ativistas nos dias 26 de junho, dia 27 de junho e dia 4 de julho. Analiso os enquadramentos desse grupo por ser um ator novo, não organizado previamente, seja em partido ou corporação e, aparentemente, sem relações com essas instituições (ANEXO 3: Tabela 16).

O ato do dia 20 de junho foi convocado pelo MPL para comemorar a vitória do movimento contra o aumento da tarifa do transporte público e contou com a participação de vários grupos, inclusive, de apartidários. A manifestação, segundo o Datafolha, chegou a reunir 110 mil pessoas na Avenida Paulista e deu sinais de polarização política: de um lado pessoas com a bandeira do Brasil que gritavam “sem partido”, de outro as estavam organizações de movimentos sociais e partidárias como PT, PSTU e CUT.

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Tabela 3. Enquadramentos interpretativos de protestos realizados em junho e julho de 20136 ORGANIZAÇÕES/

GRUPOS

VERBO OBJETO

Antipartido Remover

Hostilizar/Destruir Barrar

Solicitar

O governo do PT, Rousseff e Lula Comunismo

Sistema corrupto; O aumento de impostos Serviços públicos melhores

Médicos Chamar atenção

Lutar Barrar Ironizar

Para as condições de trabalho Pela saúde de qualidade Os cubanos

O poder Executivo

Ocupa Cabral Exigir

Chamar atenção Hostilizar

Mostrar resistência

CPI contra a Polícia; Investigações sobre os gastos com a Copa do Mundo

Contra a PEC 37 Os infiltrados

Contra Sérgio Cabral e a polícia

CUT Evitar

Solidarizar/Participar Defender

Grupos de oposição

Com a história, democracia e a luta de classes Modelo de desenvolvimento; Governo de Rousseff

PSOL Reagir e Evitar Unificar

Continuar nas ruas

Ataques de conservadores/grupo antipartido Nossas pautas: democracia; política urbana Contra o aumento da tarifa

Destaca-se que as ações realizadas pelo grupo antipartidário foram conflituosas, como observado a partir da Tabela 3. Os verbos sumarizados foram remover, hostilizar/destruir e barrar. Remover, hostilizar e destruir foram ações direcionadas aos governos do PT, Rousseff, Lula e as esquerdas expressa na queima de bandeiras de organizações, troca de socos e ameaças de agressão aos militantes de partidos. Já o verbo barrar apareceu contra as bandeiras vermelhas, Fidel Castroe contra os impostos.

O Governo do PT, Rousseff e Lula foram alvo da ação coletiva do grupo antipartidário nos pedidos de prisão de Lula, da queima de bonecos representando Dilma Rousseff e da bandeira do PT. As esquerdas apareceram como inimigas. Os psolistas, os petistas, as organizações de movimentos sociais como a CUT e a UNE e até o MPL foram chamadas de oportunistas. O outro alvo da categoria comunista diz respeito às menções à

6 As fontes das citações dos verbos e objetos se encontram discriminadas no Anexo 3, disponíveis em:

anexos_protestos.

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Cuba, à Venezuela e à Rússia nas falas dos manifestantes. Os apartidários identificaram ainda o sistema corrupto como objeto, sintetizado nos gritos contra os políticos ladrões, a PEC 37 e a corrupção. Por último, os serviços públicos e os impostos foram objeto de disputa. Os apartidários pediam saúde, educação e lisura no tratamento do bem público e eram contrários ao aumento de impostos.

Os médicos também identificaram o serviço público como um objeto e focaram na saúde. A saúde de qualidade foi a pauta do protesto, que foi associada aos médicos estrangeiros que não tiverem sua qualidade aferida sem o Revalida. Dentre os médicos estrangeiros, os cubanos foram considerados os de menor qualidade pelos manifestantes.

Sintetizei na classificação de condições de trabalho os objetos que se refere a mais investimentos em infraestrutura, em plano de carreira, remuneração adequada e “Mais saúde, menos corrupção”. O poder Executivo também foi identificado como adversário, sendo Dilma Rousseff e o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o foco.

Os médicos realizaram quatro ações coletivas no protesto. A ação de ironizar foi direcionada à Rousseff. Os médicos chamaram a atenção por meio do barulho e do apitaço para as suas reivindicações. Já a mobilização do verbo lutar esteve relacionada à saúde de qualidade e foi utilizada em slogans. Por último, o verbo barrar esteve direcionado ao poder Executivo e as suas propostas.

No Ocupa Cabral, os manifestantes também chamaram a atenção ao usarem megafones e ficarem acampados em via pública. Mas os acampados mobilizaram outros três verbos diferentes dos médicos: exigir, hostilizar e resistir. Exigiram a abertura de uma CPI para investigar as ações da polícia e dono da construtora Delta. Hostilizaram Sérgio Cabral queimando imagens e xingando o governador. Ainda, os manifestantes resistiram ao afirmar que não sairiam da frente da casa do governador e ficariam lá quanto tempo fosse preciso.

Os ativistas pediram a investigação da construtora Delta na reforma do Maracanã, então considerei o gasto com a Copa do Mundo como objeto. De forma similar, Sérgio Cabral aparece como objeto dos protestos quando os manifestantes consideram a relação entre o estado do Rio de Janeiro e as empreiteiras (Figura 5) e quando associam Cabral ao autoritarismo por conta da ação truculenta da polícia. A polícia também foi vista como objeto e os ativistas exigiram uma CPI para investigar abusos das forças policiais. Outros objetos identificados foram os chamados grupos infiltrados que foram hostilizados e a PEC 37 que apareceu como reivindicação.

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Figura 5. Manifestantes associam Sérgio Cabral (PMDB-RJ) à corrupção.

FONTE: UOL (ANEXO 3: Tabela 16).

Já a CUT foi a que apresentou ações menos conflituosas entre os grupos analisados.

Os ativistas da CUT utilizaram os verbos evitar, solidarizar/participar e defender. O verbo evitar apareceu quando os militantes evitaram o confronto com o grupo antipartido e deixaram o local do protesto. Já a ação de solidarizar/participar apareceu nas orientações das lideranças de solidarizar-se com o MPL, colocando a infraestrutura da CUT à disposição. Por fim, houve referência ao verbo defender, relacionado ao governo de Rousseff.

A CUT identificou os grupos de oposição como objetos, que foram chamados de milícia e fascistas. A história, a democracia e a luta de classes aparecem à medida que a CUT reivindica seu papel democrático na luta de classes e em momentos históricos do país. Outra pauta discutida pela CUT foi a de modelo de desenvolvimento contra privatizações, pelo monopólio do petróleo pelo Estado e por políticas públicas de bem- estar social. O governo de Dilma Rousseff também apareceu como um objeto. A CUT foi às ruas defender o governo contra os oposicionistas que estavam colocando a culpa dos problemas sociais nos governos Rousseff. Uma questão de destaque no enquadramento feito pela CUT nesse protesto é que a organização não menciona diretamente e nem faz alusão à corrupção.

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Outra organização que não faz referência direta à corrupção é o PSOL. Em nenhuma das 4 categorias nas quais classifiquei os objetos do PSOL aparece a temática da corrupção de maneira direta. Existe apenas uma menção a PEC 37 em que não fica explícito o apoio do PSOL em relação à proposta.

Os 4 objetos mencionados explicitamente são os conservadores/grupo antipartido, a democracia, o aumento da tarifa e a política urbana. O PSOL identificou direita/grupo antipartido como objeto quando apontou que eram os partidos conservadores que estariam nos protestos puxando o coro contra os partidos. A democracia apareceu como um objeto na ideia do Estado ser um “espaço democrático”. A pauta da tarifa ocorre na intenção da organização em participar da manifestação agregando as pessoas para derrotar o aumento da passagem. Apareceu ainda a pauta da mudança na política e na gestão da cidade, em que os manifestantes esperavam que a luta despertasse mudanças nas políticas públicas.

O PSOL realizou 3 ações coletivas. A primeira reagir e evitar estão associadas, pois a organização reagiu aos ataques realizados pelo grupo antipartidário, devolvendo alguns dos socos e pontapés que receberam, e logo depois deixaram o protesto para evitar mais confrontos. O PSOL também demonstrou a intenção de unificar a pauta da tarifa com as pautas da organização. Por último, a organização mobilizou o verbo continuar nas ruas para que o movimento não parasse.

Figura 6. Verbos da ação coletiva da terceira fase (set/2007 até out/2014).

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De forma geral, na comparação com as outras fases, nesta é os verbos variaram na escala entre mais conflituoso, menos conflituoso e defensivo (Figura 6). Sendo que as organizações alinhadas à esquerda partidária foram mais moderadas e reativas do que as outras organizações que destinaram ao governo do PT, Rousseff e Lula, do Poder Executivo e à polícia verbos mais conflituosos.

Nesta fase, Cuba apareceu como objeto novo em relação à fase anterior e foi relacionada ao comunismo e à falta de qualidade nos serviços médicos prestados. Houve ainda o tema da gestão de recursos públicos em comum entre o PSOL, a CUT, os médicos e o grupo antipartido; o PSOL endossou o tema da tarifa; a CUT, a Petrobrás estatal; os médicos, as condições e infraestrutura de trabalho; e os antipartidos, os impostos e serviços públicos melhores.

Em relação às fases anteriores destaco dois pontos: a polarização e a antipartidarização dos protestos. A polarização aparece nos termos “comunista” usado pelo grupo antipartido e no “fascista” pela CUT. Enquanto na fase 2 existia a capacidade de compartilhamento das ruas entre um grupo ultradireitista e um socialista, nesta fase o conflito é acentuado e chega às vias de fato: os antipartidários expulsaram a CUT e o PSOL das ruas e o PSOL. Nesse sentido, é notável a crença dos antipartidários de que os grupos pertencem ao mesmo espectro não importa se é a CUT, o PSOL ou o MPL, todos são esquerdistas e aproveitadores.

Da mesma forma, a antipartidarização é notória, militantes com bandeiras de partidos e sindicatos tiveram suas bandeiras roubadas, rasgadas e queimadas. Essa é uma configuração diferente do que aconteceu na fase 2, em que não só os partidos estiveram presentes, mas foram os protagonistas dos atos. Nesta fase, os partidos foram às ruas, mas foram expulsos delas. Parte da literatura sobre as Jornadas de Junho aponta para esse processo de antipartidarização e apresentam esse processo como uma novidade de 2013, mas essa lógica não foi criada naquele conjunto de protestos.

Durante a recuperação dos protestos anticorrupção no BEPA é perceptível que a antipartidarização e o antipetismo estavam presentes em manifestações, pelo menos, desde 2011.

O movimento Nas Ruas foi fundado em julho de 2011 com o foco da anticorrupção e se autodenominando apartidário.Nos primeiros protestos em que a organização esteve presente, em 2011, o tema da corrupção aparece de forma geral, como em: “Abaixo políticos corruptos”; associado a punição como “Corrupção = Crime Hediondo”; mas

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também associado aos governos do PT com o slogan “País rico é país sem corrupção” que fazia uma paródia ao lema do primeiro governo Rousseff7.

Outra organização que na fase três já disputava a pauta da corrupção, foi o Revoltados On-line que surgiu em 2010, no Facebook, e organizou seu primeiro protesto em 2011. Segundo o canal do Youtube da organização, o primeiro protesto foi no dia 23 de janeiro de 2011, no Rio de Janeiro, contra a corrupção e o descaso do governador Sérgio Cabral, a prisão de Rousseff e Lula8. Em fevereiro de 2011, outro protesto foi convocado pelo Revoltados contra o aumento do salário dos deputados estaduais. Nos meses seguintes, o grupo publicou um vídeo apontado as corrupções de José Sarney e Lula.

O que os enquadramentos e os objetivos dos protestos organizados pelo Nas Ruas e do Revoltados On-line mostram é o esforço de associar o PT, Lula, Rousseff e aliados como causas da corrupção no Brasil. Entretanto, eles eram apenas um dos culpados principais e não o culpado da corrupção. O que parece ter acontecido apenas na quarta fase foi uma limpeza de terreno para que o PT e aliados fossem entendidos como os únicos culpados. Nesse caminho, Renan Santos afirma o sentido dos protestos convocados pelo MBL contra Rousseff: “A gente não queria ter a bagunça que teve em 2013 que era um monte de pauta, era “Fora, Renan” fora isso, fora aquilo... a gente falou não. Vamos ter uma liderança clara, um caminhão de som, que assim a gente consegue ter resultados políticos concretos” (A. Santos & Rauth, 2019). A pauta política concreta que o MBL buscava era o impeachment de Dilma Rousseff. O documentário produzido pela organização faz uma contagem regressiva do primeiro protesto, em novembro de 2014, até o impeachment da Presidente.

Os enquadramentos interpretativos da quarta fase (novembro de 2014 até agosto de 2016)

Nesta fase, Dilma, Lula e o PT foram os objetos dominantes e identificados como a causa da corrupção no Brasil. As ações coletivas que tinham, até a fase anterior, se deslocado no sentido de aumento da conflituosidade, nesta fase, arrefeceram. Os grupos

7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fZ1kNeBxgIc&ab_channel=CarlaZambelli. Acesso 27 mar. 2021

8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SaX_LNV7F-g&ab_channel=RevoltadosONLINE Acesso 27 mar. 2021.

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mais alinhados à direita que, na fase três tinham ações mais conflituosas adquirem o apoio da polícia nas manifestações.

A primeira organização que escolhi para analisar os enquadramentos foi o PSDB que foi o principal o principal partido da oposição aos governos do PT, estando localizado à direita deste. Escolhi analisar o protesto do dia 6 de dezembro de 2014 na Avenida Paulista. Esse protesto teve participação ativa de membros do partido. Nesse protesto, estiveram presentes outras organizações como o MBL, os defensores da intervenção militar e o Vem pra Rua (ANEXO 4: Tabela 19).

No mês de março de 2015, ocorreram grandes protestos no Brasil, os grupos associados às esquerdas e os grupos pró-impeachment disputavam quem colocava mais pessoas na rua. Escolhi novamente a CUT por ter sido um ator aliado do PT importante na época. O ato que analiso foi realizado no dia 13 de março de 2015 na Avenida Paulista (ANEXO 4: Tabela 20).

Ainda no mês de março, aconteceu o protesto do MBL que era uma organização nova em relação às fases anteriores, destacada por conta da sua visibilidade midiática e porque se colocaram como um dos principais antagonistas do governo federal. Analisei o enquadramento produzido pelo MBL no protesto do dia 15 de março de 2015 realizado na Avenida Paulista. Naquele momento, os manifestantes pediam “Fora, Dilma” e contaram com a participação de 210 mil pessoas, segundo a Folha de S. Paulo (ANEXO 4: Tabela 21).

Outra organização que escolhi para analisar foi o PSOL, partido que representa a oposição de esquerda ao PT. O protesto selecionado foi o do dia 8 de novembro de 2015, realizado na cidade de São Paulo (ANEXO 4: Tabela 22).

O último protesto que escolhi contou com a participação da FIESP, no dia 13 de dezembro de 2015, ocorrida na Avenida Paulista, que contou ainda com a participação de grupos como o MBL e o Vem pra Rua. Escolhi esse protesto por ter contado com a presença do presidente da FIESP, Paulo Skaf, nos protestos e por ter sido na semana em que a entidade declarou apoio formal ao impeachment (ANEXO 4: Tabela 23). Selecionei a FIESP por ter sido uma organização empresarial que adotou posicionamentos ora favoráveis, ora contrários aos governos do PT.

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Tabela 4. Enquadramentos interpretativos produzidos na quarta fase de protestos que envolveram o governo federal9.

ORGANIZAÇÕES/

GRUPOS

VERBO OBJETO

PSDB Continuar

Reclamar Isolar

Mobilização permanente contra o PT Por mudanças na legislação eleitoral Os grupos intervencionistas

CUT Demonstrar

Defender Chamar atenção

A democracia contra as organizações golpistas Lula; um projeto público de poder

Contra a corrupção

MBL Pedir

Continuar

A saída de Dilma Rousseff; O fim do

totalitarismo/ditadura do PT; A saída do PT e de organizações aliadas; O fim do comunismo Pressionando os parlamentares da oposição

PSOL Hostilizar

Retirar

Chamar atenção Mostrar coragem Defender

Eduardo Cunha A Direita/golpistas Contra a corrupção

Contra a política econômica do governo Federal Os direitos sociais e reprodutivos

FIESP Chamar a atenção Do Governo Federal/Dilma Rousseff

Na Tabela 4, classifiquei três ações coletivas realizadas pelo PSDB. A primeira ação é continuar, ou seja, manter uma ação coletiva permanente nas ruas, como pediu Mara Gabrili (PSDB-SP). A segunda ação é reclamar que foi presente nas falas de José Serra.

Na sequência, a ação que apareceu foi isolar, direcionada aos intervencionistas militares.

O primeiro objeto foi o PT classificado como corrupto e incompetente. A corrupção foi entendida como abuso de poder como na fala de Nunes (PSDB-SP) e como falta de valores, como salientado por Serra (PSDB). O PT também foi tido como incompetente por ter feito um péssimo governo na cidade em São Paulo e associado ao Foro de São Paulo.

O segundo objeto foi a mudança na legislação que inclui os pedidos de voto distrital e a

9 As fontes das citações dos verbos e objetos se encontram discriminadas no Anexo 4, disponíveis em:

anexos_protestos.

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contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. O último objeto foram os grupos intervencionistas que pediam a volta do regime militar.

Figura 7. José Serra discursa em carro de som do Vem pra Rua.

FONTE: Canal do Youtube de Pepe Nokomuna (ANEXO 4: Tabela 19).

O primeiro objeto identificado pela CUT foi a democracia contra as organizações golpistas. Os ativistas pediam respeito ao processo eleitoral e à normalidade democrática e contra organizações golpistas que interrompem o processo democrático. Lula apareceu como objeto de defesa. Similarmente, os manifestantes defenderam projeto público de poder na manutenção de empresas como a Petrobrás e a Caixa Econômica Federal como públicas, financiamento público de campanha e contra as políticas de ajuste fiscal do governo. Por fim, os manifestantes colocaram a corrupção como objeto atrelado ao financiamento privado às campanhas eleitorais, pediram reforma política e a necessidade de punição para envolvidos nos crimes.

A primeira ação mobilizada pela CUT foi a de demonstrar força contra os que tentam interromper a democracia. A segunda ação foi a de defender os direitos, a Petrobrás, a democracia, a reforma política e Lula. A última ação coletiva foi a de chamar atenção com uma faixa na frente da passeata contra a corrupção.

O MBL foi às ruas dois dias depois da CUT e mobilizou três verbos, nenhum deles igual ao da CUT. Os manifestantes que pediram a saída da presidente. Outro verbo mobilizado foi o de continuar nas ruas até Dilma Rousseff, o PT e aliados caírem.

O primeiro adversário identificado pelo MBL foi Dilma Rousseff, que era omissa porque teria tido conhecimento da corrupção e não fez nada e porque não cumpriu as

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promessas de campanha. O segundo objeto do MBL foi o totalitarismo/ditadura promovidos pelo Estado. Aqui aparecem ideias de Estado mínimo, crítica aos impostos e regulação da mídia realizado pelo PT. O terceiro inimigo é o PT e organizações aliadas acusada de ser a elite que rouba. Os países denominados comunistas foram alvos do MBL ao serem exemplos de ditaduras. Por último, os parlamentares de oposição ao governo Rousseff que pediam para o MBL esperar um para abrir o processo de impeachment”.

Os verbos que os militantes do PSOL mobilizaram na ação coletiva foram hostilizar, quando queimaram um boneco representando Eduardo Cunha. O verbo retirar mobilizado com os pedidos de “Fora, Cunha”. O terceiro verbo destacado foi chamar atenção com gritos, barulhos e pinturas corporais para as pautas que estavam reivindicando. O quarto verbo foi o de mostrar coragem, com o qual classifiquei um militante do PSOL pulando uma fogueira. O PSOL falou em defender alternativas à esquerda, que classifiquei como o último verbo.

Eduardo Cunha foi um dos objetos desse protesto. O presidente da Câmara foi acusado de não ter autoridade moral e política para conduzir um processo de impeachment.

Ao mesmo tempo, o PSOL foi contra a direita ou golpistas, representada Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros e o PSDB e suas saídas para a crise. A corrupção apareceu associada duplamente a Eduardo Cunha, relacionada ao escândalo da Telerj e a desonestidade financiamento de sua campanha. Outro alvo das manifestações foi a política econômica do governo federal de ajuste fiscal realizada por Joaquim Levy. Por último, as manifestações atacam a agenda de Cunha: contra os retrocessos e que colocam em risco direitos sociais e reprodutivos.

No fim de 2015, houve ainda o protesto com participação da FIESP, que realizou apenas uma ação coletiva identificada, a de chamar atenção. A FIESP colocou dois patos infláveis gigantes na Avenida Paulista.

A FIESP identificou o governo federal, personificado na figura de Rousseff, como um adversário. Todos os problemas foram decorrentes desse mesmo objeto. O governo federal era um problema por conta da sua má gestão de recursos públicos e por querer recriar a CPMF. O slogan “Não vou pagar o pato” esteve relacionado a isso. Além da pauta econômica, a FIESP demonstrou também uma desconfiança na política do governo e defendeu o impeachment. A corrupção não foi tratada de forma direta pela organização, mas foi implícita na irresponsabilidade orçamentária.

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Assim, nesta fase aparecem ações mais conflituosas, menos conflituosas e as que expressam reação. Todavia, as ações menos conflituosas são as dominantes nesta fase (Figura 8). Essas ações moderadas são mobilizadas principalmente pelos grupos de oposição à direita do PT e da organização empresarial, sugerem um menor conflito com as forças policiais.

Figura 8. Verbos da ação coletiva da fase quatro (nov/2014 até ago/2016).

No âmbito dos objetos, todas as organizações tiveram um de seus objetos relacionados ao PT, Dilma Rousseff, Lula ou o governo. A CUT defendeu Lula e o PSOL, atacou a política econômica do governo. A pauta em comum desses dois grupos foi a defesa da democracia e da agenda de direitos. As outras organizações não pouparam o PT, seu governo e seus políticos. O MBL mobilizou todos os seus enquadramentos em direção ao PT. A FIESP esteve direcionada a identificar todos os problemas na seara do governo de Rousseff. O PSDB identificou o PT como adversários e o comunismo representado pelo Foro de São Paulo. A esquerda partidária não disputou a pauta de forma coordenada, sendo que a CUT nem chegou a personalizar o seu adversário. As esquerdas quando direcionadas ao Executivo federal não discutiram a pauta da corrupção e priorizaram democracia e a política econômica do governo Rousseff. O PSOL direcionou a problemática da corrupção ao Legislativo, enquanto o PSDB, o MBL e a FIESP direcionaram ao âmbito do Executivo federal.

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Nesta fase, destaco ainda que os partidos perderam completamente a centralidade que possuíram nas duas primeiras fases. Mesmo o PSDB que chegou a convocar os protestos contra Rousseff em 2014, logo, deixou de aparecer como convocador dos protestos. Lugar que foi ocupado por grupos como o MBL.

Na referida fase, os grupos de direita dominaram os enquadramentos dos protestos anticorrupção e direcionaram a causa do problema completamente à arena do Executivo federal, isto é, identificaram no PT e em seus políticos a causa da corrupção. O antipetismo, em 2005, esteve presente no objeto do PFL, diluído a outras pautas e sem a associação direta com as esquerdas; em 2013, foi um dos protagonistas mais em um campo ainda multitemático; agora, nesta quarta fase, identifica o PT, seus governos e políticos como o problema de todos os males do Brasil.

Portanto, a análise sobre os enquadramentos interpretativos mostra mais do que uma mera oscilação do sentido da corrupção durante as 4 fases, mas ainda, uma variação na noção de corrupção que tem a ver com uma mudança nos atores intervenientes - que entraram ou saíram da disputa da corrupção, como a entrada da nova direita e de grupos de esquerda autônoma no campo passando - e na motivação desses atores políticos. Nesse sentido, o PSOL é o melhor exemplo, pois na fase 2 foi às ruas pedir o impeachment do presidente Lula e na fase 4 foi defender a democracia.

Conclusão

Um dos legados dos protestos anticorrupção que resultaram na abertura do impeachment de Fernando Collor parece ter sido perene por mais de 20 anos: a não polarização em torno da pauta da corrupção. Ou seja, há indícios de que a ideia de articulação em prol de “um bem maior” permaneceu, pelo menos, até o fim da fase 3. No período em que o PT esteve no governo, um dos principais destaques proporcionado pela articulação nas ruas é a aliança improvável entre PSOL e PRONA. Outra característica em comum é a centralidade dos partidos presentes na campanha pelo impeachment de Collor e nas fases 1 e 2. De uma forma menos frequente o objeto de autoritário foi perene ao longo do tempo e foi utilizada por grupos dos mais diversos espectros.

Na análise empírica as características o aumento da variedade de enquadramentos e os atores que estiveram disputando a pauta da anticorrupção são destacadas, na qual observo que há uma maior oferta de enquadramentos, sobretudo, após o escândalo do

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