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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências Instituto de Geografia. Lohanne Fernanda Gonçalves Ferreira

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Academic year: 2022

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Instituto de Geografia

Lohanne Fernanda Gonçalves Ferreira

Geografia e arte: uma análise da produção e circulação da representação da favela nas obras de Cândido Portinari

Rio de Janeiro 2017

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Lohanne Fernanda Gonçalves Ferreira

Geografia e arte: uma análise da produção e circulação da representação da favela nas obras de Cândido Portinari

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Natureza e Cultura – (Linha 2).

Orientador: Prof. Dr. André Reyes Novaes

Rio de Janeiro 2017

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CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/C

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

_________________________________ _____________________________

Assinatura Data

F383 Ferreira, Lohanne Fernanda Gonçalves.

Geografia e Arte: uma análise da produção e circulação da representação da favela nas obras de Cândido Portinari / Lohanne Fernanda Gonçalves Ferreira. – 2017.

132f.: il.

Orientador: André Reyes Novaes.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Geografia.

Bibliografia.

1. Geografia na arte – Teses. 2. Pintura moderna – Séc. XX – Brasil – Teses. 3. Geografia cultural – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 4. Favelas – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 5. Portinari, Cândido, 1903-1962 – Teses. I. Novaes, André Reyes. II.

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Geografia. III. Título.

CDU 911.3:75(815.3)

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Lohanne Fernanda Gonçalves Ferreira

Geografia e arte: uma análise da produção e circulação da representação da favela nas obras de Cândido Portinari

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Natureza e Cultura – (Linha 2).

Aprovada em: 16 de Fevereiro de 2017.

Banca Examinadora:

___________________________________________________

Prof. Dr. André Reyes Novaes (Orientador)

Instituto de Geografia – Universidade do Estado do Rio de Janeiro ___________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Mariana Araújo Lamego

Instituto de Geografia – Universidade do Estado do Rio de Janeiro ___________________________________________________

Prof. Dr. Jorge Luiz Barbosa

Instituto de Geografia – Universidade Federal Fluminense

Rio de Janeiro 2017

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AGRADECIMENTOS

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de mestrado concedida. E ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UERJ, pelos ensinamentos geográficos.

Ao Prof. Dr. André Reyes Novaes pela dedicação e vontade de orientar essa dissertação. Obrigada pelo acolhimento no grupo, bem como por ter dividido seu conhecimento em Geografia nesses dois anos de mestrado. Foi um prazer enorme ter iniciado meu trabalho na Geografia junto a você. Muito obrigada, André!

Ao Prof. Dr. Paulo Cesar da Costa Gomes pelas importantíssimas colocações no exame de qualificação do mestrado. E a Prof. Dr. Mariana Araújo Lamego pelo mesmo motivo, e, mais além, pelas muitas conversas de corredor e laboratório, onde fez questão de compartilhar seu conhecimento com muita generosidade.

Um agradecimento especial ao Prof. Dr. João Cândido Portinari, pela generosidade, paciência e disponibilidade quando entrei em contato com a direção do Projeto Portinari solicitando informações e materiais de pesquisa. Sua gentileza em me receber em seu escritório e compartilhar comigo um pouco do seu tempo e conhecimento da vida e obra de seu pai foram fundamentais para a pesquisa e para mim. Agradeço também por disponibilizar e me ensinar pacientemente o funcionamento das ferramentas de pesquisa do Projeto, que me abriram novos horizontes na dissertação.

Aos amigos de grupo que conheci ao longo dessa jornada geográfica: Carla pelas trocas de ideias sempre muito críticas e construtivas. A Liebert, João, Mendel e Michel pelas conversas e risadas. Em especial a Lara, que desde a matrícula do mestrado dividiu comigo muitos momentos de extrema felicidade e outros não tão felizes. Obrigada, Larinha, pela parceria e cumplicidade de sempre, pela amizade e por ter estado ao meu lado nesse percurso acadêmico repleto de sinuosidades, prazeres e bares. Sua amizade eu já carrego para a vida.

A Karina, minha amiga da vida e da academia. Você incentivou e acompanhou minha entrada da Geografia e eu devo muito a você. Foi minha irmã mais velha nas ocasiões complicadas e, também, minha revisora de texto gratuita. Obrigada pelas infinitas conversas em sua casa, que era quase minha também. Muitíssimo obrigada pela disponibilidade todas as vezes que precisei de você.

Aos meus amigos Marcella e Diego, e agora ao nosso pequeno Gui, pela caminhada de muitos anos. A Nathalia, meu pedaço de árvore genealógica que eu posso contar sempre.

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Vocês deixam meus dias mais coloridos. A Mirelle por me ensinar tantas coisas sobre o mundo. E em especial a Arize pelo carinho, compreensão e cuidado. Obrigada, pequena, por dividir esse último ano comigo e ter deixado tudo mais leve e bonito.

A minha avó Marli por me acolher e me ensinar que a vida não é fácil, e por tentar aprender comigo que ela precisa ser leve. A minha avó Tânia por me dar sempre muito carinho e amor. Aos meus tios Fernanda, Rogério e Jorge por estarem sempre na torcida pelo meu sucesso.

Por fim, aos meus pais Fernando e Marcia e aos meus também pais Andréa e André.

Obrigada por acreditarem em mim e investirem tudo que podem para me dar alegria. Essa caminhada é mais bonita ao lado de vocês, que me ensinam todos os dias o que é ser do bem e fazer o bem. Souberam me ensinar com seus próprios erros e acertos. E aos meus irmãos e amores Breno, Bernardo e Bruno, a quem aspiro caminhos lindos e frutíferos na vida. Estarei sempre na torcida e ao lado de vocês três.

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“Vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor.”

(Cândido Portinari)

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RESUMO

FERREIRA, Lohanne Fernanda Gonçalves. Geografia e Arte: Uma análise da produção e circulação da representação da favela nas obras de Cândido Portinari. 2017. 132f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

As primeiras décadas do século XX são marcadas pela busca de elementos autênticos da cultura brasileira que compusessem nossa identidade nacional. Artistas e intelectuais da época se mobilizaram em seus trabalhos para construir o ideário nacional moderno brasileiro.

Um dos elementos recorrentemente apropriados pelos artistas foi a favela. Por isso, o presente trabalho se debruça sobre um pintor do movimento modernista brasileiro que se apropriou diversas vezes da favela para apresentar o Brasil ao mundo: Cândido Portinari. O objetivo central dessa dissertação é estudar as representações das favelas cariocas nas pinturas de Cândido Portinari a partir de dois eixos principais: a produção e a circulação. Apoiando-nos em discussões acerca do movimento modernista, o contexto de produção, imagem e geografia, analisamos as pinturas de Portinari a partir de sua produção e circulação em galerias no mundo. A metodologia escolhida foi a interpretação composicional, que nos forneceu um grupo de ferramentas para análise de pinturas. Chegou-se a conclusão que as pinturas de Portinari, quando analisadas em conjunto, mostram a evolução e o adensamento das favelas cariocas, além de cristalizar elementos que permanecem no imaginário de favela até os dias de hoje.

Palavras-chave: Geografia. Imagem. Favela. Cândido Portinari. Representação.

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ABSTRACT

FERREIRA, Lohanne Fernanda Gonçalves. Geography and Art: an analysis of the production and circulation of favela representation in the works of Cândido Portinari. 2017. 132f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

The first decades of the twentieth century are marked by the search for authentic elements of Brazilian culture which made up our national identity. Artists and intellectuals mobilized their works to build the Brazilian national modern ideas. One of the elements recurrently appropriated by the artists was the favela. Therefore, the present work focuses on a painter of the Brazilian modernist movement who has appropriated the favela several times to present Brazil to the world: Cândido Portinari. The main objective of this dissertation is to study the representations of the Carioca favelas in the paintings of Cândido Portinari from two main perspectives: production and circulation. Drawing on discussions of the modernist movement, the context of production, image and geography, we analyze Portinari's paintings from his production and circulation in galleries around the world. The methodology chosen was the compositional interpretation, which provided us with a group of tools for the analysis of paintings. It was concluded that Portinari's paintings, when analyzed together, show the evolution and the denseness of the favelas of Rio de Janeiro, as well as crystallized elements that remain in the favela's imagination to this day.

Keywords: Geography and Image. Favela. Candido Portinari. Representation

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Morro, 1933………... 18

Figura 2 Cartaz da Semana de Arte Moderna de 1922... 21

Figura 3 Despejados, 1934……….. 25

Figura 4 Morro da Favela, 1924... 33

Figura 5 Morro Santo Antônio, 1938... 36

Figura 6 Domingo no Morro, 1935... 38

Figura 7 Favela, 1948... 43

Figura 8 Casebres do Morro da Favella, 1906... 43

Figura 9 Favela, 1957... 45

Figura 10 Morro,1933... 76

Figura 11 Favela, 1942... 77

Figura 12 Cena de Morro, 1948... 80

Figura 13 Morro, 1951... 81

Figura 14 Favela, 1957... 83

Figura 15 Favela ao Amanhecer, 1960... 84

Figura 16 Negra do Morro, 1933... 85

Figura 17 Favela, 1948... 86

Figura 18 Favela, 1957... 88

Figura 19 "Tipo do Morro", desenhado por Edmundo, 1938... 88

Figura 20 Enterro no Morro, 1936... 89

Figura 21 Morro, 1958... 91

Figura 22 Futebol, 1935... 92

Figura 23 Favela, 1958... 93

Figura 24 Cena de Morro, 1948... 95

Figura 25 Café, 1935... 98

Figura 26 Pintura Café exposta no Instituto Carnegie em Pittsburgh, EUA... 99

Figura 27 Painéis de Portinari na Feira Mundial de Nova Iorque………... 102

Figura 28 Sala de exposição das obras de Portinari no Museu de Artes Visuais de Detroit... 103 Figura 29 Sala de exposição das obras de Portinari no Museu de Artes Visuais de

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Detroit... 104

Figura 30 Entrada da exposição Portinari of Brazil em Detroit, 1940... 104

Figura 31 Presidente Getúlio Vargas visitando a exposição de Portinari no MNBA, 1939... 105

Figura 32 Casal observando a obra Circo, no MoMA, em 1940………... 107

Figura 33 Enterro no Morro em exposição, 1936... 108

Figura 34 Painel de apresentação da exposição de Portinari no MoMA, em 1940... 109

Figura 35 Exposição no MoMA com a obra Morro em destaque... 111

Figura 36 Descobrimento, um dos cinco murais pintados para a Biblioteca... 112

Figura 37 Exposição no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1943... 113

Figura 38 Exposição individual de Portinari em Israel, 1956... 114

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - As fases do modernismo brasileiro... 40

Quadro 2 - Coleta das obras... 64

Quadro 3 - Categorias de análise... 65

Quadro 4 - Os eixos de análise... 72

Quadro 5 - Rio de Janeiro: favelas, população total e população favelada... 82

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INTRODUÇÃO... 12

1 A FAVELA E O MODERNISMO DE PORTINARI... 17

1.1 O modernismo e a favela no contexto de produção de Portinari... 19

1.2 A estética modernista: a favela como um elemento de identidade nacional... 30

1.3 Cândido Portinari e a pintura de favela... 41

2 GEOGRAFIA E PINTURA: UMA FORMA DE SE ESTUDAR IMAGENS DE MUNDO... 47

2.1 A possibilidade de ver espaços: uma discussão entre geografia e pintura.. 50

2.2 Estudando as imagens a partir de sua produção e circulação... 56

2.3 Operacionalização da pesquisa: fontes, dados e procedimentos... 62

3 IMAGENS DA FAVELA EM PORTINARI: DOIS EIXOS DE ANÁLISE... 69

3.1 Produção: símbolos e tempos... 73

3.1.1 Habitação... 74

3.1.2 Espacialidade... 78

3.1.3 Corpos... 85

3.1.4 Costumes... 87

3.1.5 Figuração... 90

3.1.6 Cores... 91

3.1.7 Tema Central... 93

3.2 Circulação: análise dos espaços de exibição... 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 116

REFERÊNCIAS……….. 120

APÊNDICE – As pinturas de favela de Cândido Portinari... 125

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INTRODUÇÃO

Desde as primeiras pesquisas desenvolvidas no domínio da geografia, a cidade é um espaço complexo sobre o qual os geógrafos se debruçaram constantemente. As possibilidades de pesquisa são muitas justamente pela sua complexidade, que permite um universo variado de abordagens e temáticas. Uma das abordagens que vem ganhando força desde a década de 80 nos estudos sobre a cidade é a de sua representação.

O objetivo central da presente pesquisa é estudar as representações das favelas nas pinturas de Cândido Portinari a partir de uma análise de sua produção e da circulação dessas obras pelo mundo.

Em primeiro lugar, gostaríamos de evidenciar que a nossa escolha por trabalhar com a temática das favelas em Cândido Portinari se deu por dois motivos diferentes e complementares. O primeiro deles diz respeito à recorrência da favela enquanto um motivo central nas pinturas do artista.

Isso o diferencia, a priori, de outros grandes nomes da pintura brasileira, como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Lasar Segall, expoentes e referências na perspectiva da temática social e que faziam parte de nossa pretensão inicial do trabalho. A partir do levantamento feito das obras dos pintores que mais retrataram as favelas no período do modernismo, percebemos que houve um destaque enorme quando comparávamo-los quantitativamente. E isso seria um reflexo da fragilidade da nossa amostra. Por isso a nossa escolha por restringir a pesquisa ao acervo de Cândido Portinari.

Foi realizada, então, uma busca no acervo do Projeto Portinari1, tanto em sua sede física quanto no endereço eletrônico do Projeto, onde chegamos a uma amostra total de 44 imagens, dentre elas pinturas e desenhos do artista. As obras concentram-se entre os anos de 1933 e 1960, e expressam a preocupação de Portinari já no começo de sua carreira com as temáticas sociais do Brasil.

O segundo motivo foi o conflito encontrado no que tangencia as representações das favelas que foram feitas pelos artistas do movimento modernista, em especial por Cândido Portinari, e alguns outros intelectuais, tanto da arquitetura e do urbanismo modernos, quanto os críticos de arte e jornalistas da época. Enquanto o primeiro grupo se utilizava de elementos

1 O Projeto Portinari possui sede física na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), na Gávea, e grande parte dos arquivos e do acervo de Portinari está disponível em <www.portinari.org.br>.

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pictóricos para representar as favelas de forma lírica e romantizada, grande parte do segundo preconizava a erradicação das favelas do espaço urbano do Rio de Janeiro. Exemplos desse paradoxo que é fundamental para nossa linha de raciocínio serão trazidos ao longo de toda construção teórica do trabalho. A favela aparece, portanto, como um elemento de conflito entre esses dois grupos e as disputas da legitimidade dos dois discursos perdurou durante grande parte do século XX, quiçá até os dias atuais.

Além disso, outro elemento relevante surgiu para nós como revelador. No começo do século XX, as artes, a literatura, o cinema, a ciência, etc. passavam por uma crise existencial, que culminou numa busca incessante para encontrar os elementos que ajudariam a dar unicidade para a Brasil, permitindo, assim, o encontro da autenticidade brasileira, ou seja, de nossa identidade. Nesse contexto, dentre as figuras que compunham essa busca estavam muitos pintores, escritores, jornalistas, escultores, poetas, literatos, etc., intelectuais no geral, se juntaram para manifestar o interesse em renovar o meio artístico brasileiro e fundar as bases necessárias para a criação de uma identidade nacional que nos diferenciasse do restante do mundo.

Para ser genuinamente brasileira, as pinturas e a arte no geral deveriam se orientar pela representação de temas próprios à história do país. A pobreza não era um elemento exclusivamente brasileiro, mas a forma como as favelas surgiram no Rio de Janeiro, nas encostas dos morros, era uma característica que chamava atenção dos artistas da época, tornando-a um elemento a ser valorizado nas temáticas indispensáveis dessa caracterização.

Muitos elementos foram evocados para alcançar tal objetivo, e a favela surge como uma opção para representar o que é brasileiro por essência.

Entretanto, muitos significados foram atribuídos à favela desde sua incipiente formação no final do século XIX no espaço urbano do Rio de Janeiro. E até os dias atuais, são muitas as referências que nos fazem pensar sobre a ideia e o imaginário que a favela ocupa para nós e para o mundo. Essas construções foram feitas, também, através das representações pictóricas.

O livro de Valladares publicado em 2005 e intitulado “A invenção da favela: do mito de origem à favela.com” é uma clássica referência para os pesquisadores que vão debruçar suas pesquisas sobre a temática das favelas. Segundo Valladares (2005, p. 21), a favela que conhecemos hoje no Rio de Janeiro é “resultado mais ou menos cumulativo, mais ou menos contraditório, de representações sociais sucessivas, originárias das construções dos atores sociais que se mobilizaram em relação a esse objeto social e urbano”. Essas representações

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sociais vieram, principalmente, da literatura, da pintura, do cinema e da imprensa nacional, que encontraram na favela características interessantes para torná-la central em seus debates.

Para dar conta de toda complexidade teórica e da abrangência às quais está inserida a favela enquanto tema de pesquisa, organizamos o trabalho a partir de três capítulos, organizados em torno dos nossos objetivos específicos, que são: identificar os elementos utilizados para representar a favela; estabelecer as diferenças de representação a partir de 1933; compreender as relações entre as representações e seu context de produção; identificar as diferenças do significado da favela no começo do século XX.

O primeiro capítulo intitulado “A favela e o modernismo de Portinari” está dividido em três partes. A primeira parte apresenta o contexto de produção de Portinari a partir do grande guarda-chuva que é o movimento modernista. Discutiremos o paradoxo da favela no começo do século XX e as tensões que surgiram entre aqueles artistas e intelectuais do movimento modernista que a viam como um elemento autêntico da identidade nacional brasileira, e os que acreditavam que sua erradicação era necessária para, ironicamente, modernizar o Brasil.

A segunda parte do primeiro capítulo discute o momento em que a favela aparece como um elemento auxiliador da construção de uma identidade nacional e identificam-se as discussões que existiam dentro da própria arte sobre se a favela poderia ser um elemento de auxílio da construção de uma identidade ou não. Nesse sentido, apresentamos as contradições impostas por intelectuais do próprio movimento modernista da época.

Na terceira e última parte do capítulo, fazemos uma análise dos elementos apropriados por Portinari para representar a favela e trazemos algumas categorias de análise que se desenvolvem no capítulo seguinte. Também discutimos a aparição desses elementos em outros meios de representação da favela.

O capítulo 2, “Geografia e pintura: uma forma de se estudar imagens de mundo”, constitui-se como uma parte mais metodológica da pesquisa. A partir de uma discussão teórica e metodológica sobre imagens e geografia, dividimos o capítulo em três partes principais. A primeira delas discute as questões relacionadas à geografia e à imagem, e ao uso da imagem na pesquisa em geografia. Apontamos os problemas de se trabalhar com imagens e as potencialidades. Trazemos também uma breve discussão sobre a possibilidade de representar espaços a partir das construções perspéticas nas pinturas.

Na segunda parte do segundo capítulo, destrinchamos a metodologia escolhida para analisar as pinturas de Cândido Portinari, a interpretação composicional, e discutimos as

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potencialidades e os problemas de aplicação deste método. Além disso, apresentamos nossas categorias de análise que nortearam as análises do capítulo 3.

Na terceira parte do capítulo nos debruçamos sobre a explicação das fontes, dos dados e dos percursos metodológicos desenvolvidos. Nesta seção, apresentamos as categorias de análise adaptadas da interpretação composicional, que orientaram nas análises das pinturas, bem como ajudaram na organização estrutural do capítulo 3.

O terceiro e último capítulo, intitulado “Imagens da favela em Portinari: dois eixos de análise”, está dividido em duas partes, norteadas pelos dois eixos principais de nossa interpretação composicional.

O primeiro eixo, o da produção, corresponde à primeira parte do capítulo. Nessa parte, dividimos nosso estudo em subseções, correspondidas, cada uma delas, pelas categorias de análise que foram apresentadas no capítulo anterior. Essa organização nos permitiu uma sistematização das informações de forma que elas não fossem meramente descritivas, mas também interpretativas, pois buscamos padrões de continuidades e mudanças nas pinturas.

A segunda parte do capítulo discute a circulação das pinturas de Portinari. Nesse sentido, estudamos as exposições do artista pelo mundo, bem como as obras que ganharam destaque em sua carreira internacional, dando especial atenção às pinturas onde a favela era o motivo.

Alguns esclarecimentos prévios são necessários. Ambos dizem respeito à complexidade de se trabalhar com os dois temas centrais aqui propostos: favela e modernismo. Os temas são extremamente difíceis e o trabalho não pretende de forma alguma abarcar a totalidade dos sentidos sobre esses dois termos. Por isso sinalizamos três esclarecimentos providenciais.

O primeiro deles é sobre a complexidade de trabalhar com a temática da favela e, principalmente, suas representações. Embora a temática seja recorrente na agenda dos trabalhos realizados pelos geógrafos (ABREU, 1988; 1992; 1994; ALMEIDA, 2016;

CAMPOS, 2011; VAZ, 1986), essas pesquisas voltam-se comumente para discussões acerca das problemáticas da segregação e marginalização das favelas. Esta pesquisa está situada num grupo de trabalhos que busca estudar as imagens da favela e suas representações. A intenção aqui é criar uma abordagem diferenciada, capaz de evidenciar que a favela ocupa um interessante papel na construção das representações artísticas desde o começo do século XX.

O segundo esclarecimento ainda no sentido da complexidade da temática da favela, diz respeito ao uso das palavras “morro” e “favela” como sinônimos no trabalho. Como aponta Valladares (2005), os dois termos foram usados como sinônimos desde o começo do

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século XX, quando o surgimento do Morro da Favella acabou por aproximar essas duas expressões. Apesar da existência de favelas que não situavam-se necessariamente nas encostas e nos morros, esse tipo de formação acabou se tornando mais presente nas imagens da arte, literatura, imprensa, etc., corroborando a imagem de contrastes do Rio de Janeiro que perpetua até os dias atuais.

Como aponta Abreu (1994, p. 34) “[…] a favela talvez não seja o elemento mais importante desse quadro de contrastes. Por ser, entretanto, um de seus exemplos mais visíveis, ela vem ocupando, já há bastante tempo, um lugar de destaque na pauta de debates sobre a cidade.” Por isso, não faremos um debate sobre qual termo seria o mais apropriado, e utilizamos as próprias referências de aproximação entre as palavras “morro” e “favela”, tal como os pintores do século XX, para justificar a alternativa de apenas um dos dois termos.

O terceiro esclarecimento diz respeito à complexidade de trabalhar com o período do modernismo. Por isso, atentamos o leitor que reconhecemos a existência de muitos modernismos na arte enquanto correntes e, por isso, não entraremos nos meandros da polissemia de significados do termo. O recorte dado ao modernismo no trabalho se deu a partir de uma perspectiva essencialmente das artes visuais, principalmente no que tange à construção de uma identidade nacional e na ressignificação da favela enquanto atraso social.

Podemos afirmar, de antemão, que as pesquisas no campo das artes, especificamente das imagens de objetos artísticos, encaixam-se perfeitamente no âmbito da geografia. No trabalho apresentado por nós, buscamos fazer uma análise da espacialidade das pinturas de favela à luz do conhecimento geográfico, e observamos que existem muitos diálogos que podem ser criados a partir dessas duas áreas de conhecimento que, a princípio, parecem díspares.

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1 FAVELA E O MODERNISMO DE PORTINARI

Muito já se fez sobre a geografia histórica das favelas no Rio de Janeiro (ABREU, 1988, 1992, 1994; ALMEIDA, 2016; CAMPOS, 2011; PERLMAN, 1981; VALLADARES, 2000; VAZ, 1986). E há tantas geografias quanto teorias sobre o surgimento da primeira favela no espaço urbano da cidade. Muito embora não seja o objetivo central do trabalho contar, outra vez, a história das favelas, é importante contextualizar sua evolução e as condições às quais seus moradores se submeteram nesses espaços.

Em teoria, a história da favela estaria associada à modernização da cidade e ao processo de urbanização da região central. No entanto, algumas considerações devem ser feitas quanto à qualificação desses espaços. Em primeiro lugar, questionamos a existência de um consenso desde esse período a respeito do que é favela. Em segundo, interrogamos a inexistência de aglomerações semelhantes à do Morro da Favella antes desse período na cidade. Abreu (1994) apresenta algumas justificativas que dão ao Morro de Santo Antônio o título de primeira favela do Rio de Janeiro. De fato, as pesquisas pioneiras de Abreu (1988, 1992, 1994) mostram a necessidade de a Geografia Histórica repensar a história das favelas na cidade.

O que importa para o presente trabalho, não são as tensões criadas entre os governos federal, estadual e municipal e as favelas, inclusive porque na pintura a favela já aparece como um elemento importante desde o começo da década de 30, quando Portinari faz seu primeiro rascunho intitulado Morro (Figura 1), que servirá de estudo para sua pintura Morro, também de 1933. Alguns elementos que serão recorrentes nas representações da vida nas favelas na literatura, imprensa e na própria pintura já aparecem na obra de Portinari, como as mulheres descalças carregando latas d’água na cabeça enquanto sobem o morro, os tocos de madeira dividindo os quintais de uma e outra casa, a figura do malandro e as crianças brincando.

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Figura 1- Morro, 1933.

Fonte: Acervo do Projeto Portinari.

O desenho em grafite sobre papel é uma composição em preto e branco, no qual Portinari inicia seu estudo sobre as favelas cariocas, tema que será recorrente em suas obras nos anos seguintes. Alguns elementos interessantes foram adicionados à tela original e não se encontram no desenho acima, como o avião e o barco em terceiro plano que configuram e expõem a modernização da cidade do Rio de Janeiro já naquele período. Por isso, fica claro para nós que as favelas já estavam inseridas na cidade como um elemento importante e visível, independente das discussões que surgiram na década de 1940.

Como afirmamos anteriormente, não é o nosso interesse realizar uma releitura do surgimento das favelas na cidade do Rio de Janeiro, pois isso foi feito em abundância. No entanto, pensamos ser importante para a pesquisa apontar algumas das questões e narrativas que envolvem seu surgimento, pois alguns elementos são imprescindíveis para a análise das obras de Cândido Portinari, como vimos acima. Principalmente devido à concomitância entre a evolução das favelas na cidade e o estopim do desenvolvimento do modernismo nas artes plásticas brasileira.

Esses elementos que norteiam nossa análise são a morfologia das habitações, as figuras que compõem as pinturas, a espacialidade, os costumes, etc. Para tanto, iremos contextualizar Portinari no tempo, e sinalizar os elementos que foram valorizados para representar as favelas, tanto na pintura, quanto na literatura, imprensa, etc.

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1.1 O MODERNISMO E A FAVELA NO CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE PORTINARI

O contexto de produção de Cândido Portinari está inscrito num momento muito peculiar na história do Brasil. O artista está inserido num movimento complexo, de muitas fases e que serviu como um divisor de águas para a arte brasileira: o modernismo.

As primeiras manifestações artísticas do modernismo do Brasil são discutíveis, pois sempre é difícil estabelecer com exatidão seu início (LUZ, 2013), assim como não é possível que façamos uma identificação precisa que aponte o começo exato da modernidade (GOMES, 1996). Apesar de termos um marco histórico que inicia uma possível tradição moderna das artes - a Semana de Arte Moderna de 1922 -, alguns acontecimentos anteriores foram fundamentais para que anos depois se efetivassem as demonstrações explícitas de rompimento com as regras acadêmicas.

Segundo Luz (2013, p. 113),

A arte moderna no Brasil veio sendo produzida em meio a grandes embates estéticos em virtude das dificuldades de aceitação dos novos cânones – uma vez que, desde a criação da Academia do Brasil, a direção do belo fora apontada para a arte regida pela regra e pela norma, eleita pelos acadêmicos como a única verdadeira.

Segundo Luz (2013), a artista Anita Malfatti, formada principalmente pela escola de Belas Artes de Berlim, foi um expoente no início do movimento modernista no país.

Influenciada pelas obras de Cézanne, Gauguin, Van Gogh , Picasso e Matisse, Anita Malfatti deixara de seguir as regras ditadas pela academia e impusera uma nova forma de ver o mundo em suas obras. Realizou uma exposição individual em São Paulo em dezembro de 1917 que teve repercussão positiva imediatamente. No entanto, a crítica de Monteiro Lobato, publicada no jornal O Estado de São Paulo, demoliu os princípios estéticos da artista que, a partir de então, passou a conter sua própria força modernista.

No artigo intitulado “A propósito da exposição Malfatti”, Monteiro Lobato abatia os princípios estéticos da artista, classificando sua pintura como consequência de uma “paranoia ou mistificação”. Com uma análise demolidora da estética de Anita Malfatti, Monteiro Lobato deixou claro todo seu vigor reacionário contra os novos princípios do modernismo nas artes visuais. Para o crítico, não havia um compromisso do novo tipo de pintura com as regras das Belas Artes, e sua visão era de que aquela nova estética existia apenas para “desnortear e aparvalhar o espectador”. E continuou sua ira afirmando que os artistas da época dividiam-se em dois grupos: os que viam normalmente as coisas, ou seja, aqueles que pintavam de acordo com as regras acadêmicas, e aqueles que “veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à

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luz de teorias efêmeras [...], surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”

(LOBATO apud LEITE, 1979). Havia, desde o começo, uma preocupação grande com o público que teria acesso às obras e quão compreensível poderia ser a pintura.

A resposta à crítica de Monteiro Lobato foi um dos principais impulsos dados pelos artistas modernos naquela época. Seu grande mérito foi o de agrupar artistas e intelectuais em defesa de Anita Malfatti. Muitos saíram a favor da pintora e dos preceitos estéticos representados por ela (LEITE, 1979). Essa união de vozes que apoiou Malfatti culminaria em 1922 na Semana de Arte Moderna, tal como um grande manifesto às Belas Artes.

A exposição de Anita Malfatti, no entanto, não foi o único forte antecedente modernista que teve repercussão no Brasil. Em 1913, o artista Lasar Segall havia visitado o país e recebido extensos elogios dos críticos de arte. Com suas obras marcadas pela forte angulação, inspirado no expressionismo alemão (LUZ, 2013), sua aceitação pública foi boa, diferente de Anita Malfatti, que se tornara um alvo fácil de críticas por ser mulher, bem como vimos na crítica de Monteiro Lobato.

Um terceiro importante antecedente acontecera em 1920, quando um grupo de artistas e intelectuais da época descobriram o escultor Vitor Brecheret (LEITE, 1979). A prioridade histórica da introdução do movimento modernista das artes plásticas no Brasil, no entanto, pertence, de acordo com a bibliografia, à Lasar Segall.

Os preceitos estéticos do movimento modernista já haviam sido dados antes da Semana de Arte Moderna, e esses dois fatos citados acima, de Anita Malfatti e Lasar Segall, tiveram grande relevância para que a rede de artistas e intelectuais da época saíssem a favor de tal rompimento com as diretrizes normatizadas pela academia2.

O objetivo principal da Semana de Arte Moderna era o de congregar literatos, músicos, artistas plásticos e intelectuais que pudessem expor seus trabalhos de forma livre, sem as amarrações acadêmicas. Assim começou a ser criado o novo gosto pela liberdade na arte no Brasil. A Semana de Arte Moderna aconteceu entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922 em São Paulo, então capital cultural do país. A arte do cartaz da Semana (Figura 2) foi desenhada por Di Cavalcanti, e os traços da figura já aparentam as mudanças do clássico para o moderno.

2 Havia uma instauração de regras e métodos que era supervisionada durante a execução das obras nas escolas de Belas Artes. As temáticas, as cores, as técnicas matemáticas de perspectiva, etc. eram meticulosamente

ensinadas e supervisionadas para estarem de acordo com os gostos acadêmicos das artes.

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Figura 2 - Cartaz da Semana de Arte Moderna de 1922.

Fonte: Diário de Pernambuco.

Os anos que precederam a segunda década do século XX foram fundamentais para o grande projeto de atualização do Brasil (BALBI, 2003), do qual Portinari fez parte como um dos protagonistas já em seu momento de consolidação (a partir da década de 30). As transformações insurgidas na década de 20 foram profundamente marcadas pela vontade de autoconhecimento da própria nação. A identidade brasileira deixou de ser delegada aos estudos culturais e raciais estrangeiros (ALMEIDA, 2016) e passou a fazer parte de uma construção nacional, quase como um projeto.

Dentro desse contexto surge um paradoxo inerente à favela, seu surgimento e expansão. Enquanto o Brasil cobiçava transformar-se num lugar moderno, tendo como referência Paris, havia, por outro lado, uma valorização das tradições autenticamente brasileiras que passaram a ser consideradas como elementos fundamentais para a construção de uma identidade nacional. Os intelectuais da época viam naquele contexto e naqueles elementos a possibilidade de extrair da própria nação aquilo que daria forma à individualidade

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brasileira. E o movimento artístico que ficou conhecido sob um grande guarda-chuva como modernismo, teve papel fundamental nisso3.

Enquanto os urbanistas e higienistas trabalhavam firmemente na limpeza e organização da cidade e na aculturação da população para a construção de uma nacionalidade autenticamente moderna, os integrantes do movimento modernista da década de 1920 colocam a cultura popular, num sentido mais amplo, como a única expressão autêntica da brasilidade. E a favela surge como um elemento de destaque nesse paradoxo, que será discutido posteriormente.

Os artistas do movimento modernista tiraram a arte do isolamento acadêmico das Belas Artes e devolveram a sua própria inspiração temática, “isto é, à vida que elabora seu próprio sentido” (RANCIÈRE, 2009, p.67). Segundo Almeida (2016), o modernismo brasileiro daquela época tratou de buscar uma estética nacional fundamentada nas tradições do país, passando a construir novas relações com o que era considerado primitivo e não evoluído, alegorias de atraso social.

Como foi apresentado anteriormente, a renovação das artes plásticas veio acompanhada de outros segmentos que fizeram emergir novos estudos de interpretação sobre o Brasil. Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (1933) e Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda (1936) são alguns dos clássicos da literatura que tratavam de apresentar outras interpretações sobre a genealogia social do país.

Nesse contexto das primeiras décadas do século XX, surge Portinari, aquele que seria reconhecido como o maior pintor brasileiro de todos os tempos (FABRIS, 1990). Cândido Portinari nasce em 30 de dezembro de 1903 numa fazenda de café próxima ao povoado de Brodósqui, interior de São Paulo. Filho de imigrantes italianos de origem bastante humilde, teve uma infância pobre numa zona rural do Brasil. Aos 3 anos de idade, se muda com seus pais e irmãos para o povoado de Brodósqui, onde permanece até os 15 anos de idade auxiliando seus pais no comércio, este que servia de parada para os passageiros dos trens e para as trocas de café, além de ser ponto de passagem para os retirantes em busca de trabalho.

Esse é o primeiro contato de Portinari com aquelas figuras que acompanhariam toda vida do artista. Sem possibilidade de se manter estudando, Portinari recebe apenas a instrução básica e demonstra sua habilidade artística desde muito cedo. Seu primeiro registro é um desenho feito aos 10 anos.

3 Luz (2013) aponta a ironia que existiu nesse contexto: enquanto buscava-se a criação de uma identidade nacional a partir das representações e dos temas nas artes plásticas, parte dos artistas buscava nas academias de arte europeias, os traços mais modernos no sentido do estilo da arte.

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Em 1918, passa por Brodósqui um grupo de pintores e escultores italianos que decoravam igrejas em cidades do interior. Portinari é chamado para ajudar na decoração da igreja do povoado e trabalha com Modesto Giordano, seu companheiro de infância, que relata que o artista “ficava lá trabalhando. Cedo, era o primeiro que chegava lá [...] quase nem ia comer em casa [...]. [Era] doente para aprender a arte de pintor.”4. No ano seguinte, Portinari muda-se para o Rio de Janeiro, residindo no Centro da cidade, e matricula-se no Liceu de Artes e Ofícios.

O ano de 1920 marca sua entrada na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), onde matricula-se como aluno livre, cursando todas as aulas de desenho figurado. Esse é o primeiro contato do artista com o ambiente tenso da Academia, repleto de normas rígidas. Em 1922 ganha sua primeira Menção Honrosa por um retrato. Dois anos depois submete ao júri da ENBA sete retratos e a tela Baile na Roça5, inspirada nas memórias dos festejos de Brodósqui. Os retratos são aceitos por estarem de acordo com as normas acadêmicas e Baile na Roça é recusado prontamente.

O ano de 1928 foi uma grande virada na vida do artista, pois expôs 12 telas nas XXXV Exposição Geral de Belas Artes, e a pintura Retrato de Olegário Mariano6 lhe rendeu o Prêmio de Viagem à Europa. Embarca no ano seguinte, depois de realizar sua primeira exposição individual no Palace Hotel, no Rio de Janeiro.

Já em Paris, onde residiu até 1931, decide não frequentar a Académie Julien, como era de costume dos alunos que ganhavam o Prêmio. Decide fazer de sua estadia uma oportunidade para ver. Visitou museus, centros culturais, castelos, etc., e surge, ainda no exterior, pintar o Brasil. Em carta à Rosalita de Almeida, Portinari escreve

Palaninho é da minha terra, de Brodowski. [...] Vim conhecer aqui o Palaninho, depois de ter visto tantos museus, tantos castelos e tanta gente civilizada... Aí no Brasil eu nunca pensei no Palaninho... Daqui fiquei vendo melhor a minha terra – fiquei vendo Brodowski como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada... Vou pintar o Palaninho, vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor.7

Palaninho8 é um senhor muito pobre que morava em Brodósqui e Portinari o conhecia desde muito novo. Foi na Europa que o artista despertou seu interesse em pintar o povo

4 Trecho extraído da reportagem “O começo da trajetória do pintor Cândido Portinari” do Globo Repórter, da Rede Globo, em 1984.

5 Primeira pintura de Portinari com temática social brasileira. Imagem disponível em:

http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/2305/detalhes

6 Retrato que lhe rendeu o Prêmio de Viagem à Europa, em 1928. Disponível em:

http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/1192/detalhes

7 Trecho da carta enviada por Portinari à Rosalita em 1930. Pode ser acessada na íntegra. Disponível em:

http://www.portinari.org.br/#/acervo/documento/9480/detalhes

8 Desenho feito em grafite em 1930. Disponível em: http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/3673/detalhes

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brasileiro e as paisagens daqui e é quando rompe definitivamente com a pintura acadêmica. A partir daí surge com recorrência a temática social na obra de Portinari.

Em 1931, Portinari regressa ao Brasil e começa a pintar intensamente para garantir o sustento no Rio de Janeiro. Trouxe apenas seis obras realizadas durante sua estadia em Paris:

um nu9, três naturezas mortas10, um autorretrato11 e um pequeno retrato de sua esposa Maria Martinelli. No ano seguinte expõe individualmente mais uma vez no Palace Hotel, com apoio da Associação dos Artistas Brasileiros (AAB). A partir de então, seu nome começa a ser reconhecido no Brasil e o artista vai ganhando espaço com suas obras de temática social. O pintor volta com uma bagagem de ideias modernas, o que o transforma, aos olhos da nova intelectualidade brasileira, no grande representante do modernismo da época.

Nesse contexto, em 1933, Mário de Andrade apresenta algumas preocupações a respeito dos caminhos na arte do Brasil, afirmando que seria

[...] uma falha sensível essa ausência de arte social entre nós, a não ser que compreendamos como o tal diletantismo estético, tipicamente burguês, em que persistimos. Esperamos que, em exposições futuras, pintores se resolvam a tomar posição qualificada, não apenas diante da natureza, mas da vida também.

Essas inquietações mencionadas por Mário de Andrade caminhavam junto às aspirações de Portinari quanto sua dedicação à pintura. Como aponta Fabris (1990), “(…) preocupações de ordem social começam a tomar corpo entre os modernistas. Já não se trata mais de descobrir o homem brasileiro apenas enquanto etnia: o que importa, sob o impulso renovador dos anos 30, é descobrir o homem social brasileiro”.

Descordamos de Balbi (2003) quando a autora aponta que a primeira obra de temática claramente social de Portinari foi Despejados, de 1934 (Figura 3). Segundo a autora “(…) na tela desconcertante, uma família se posta com todos os seus pertences à beira da linha do trem, cercados por uma paisagem desoladora. A desorientação é evidente: os adultos não sabem claramente para onde seguir”.

9 Tipo de pintura onde a figura central pode aparecer totalmente ou parcialmente nu. Também varia de acordo com a tomada, podendo ser frontal ou dorsal.

10 É um tipo de pintura onde figuram elementos inanimados, como louças, frutas, instrumentos musicais, flores, livros, dentre outros objetos.

11 Tipo de pintura em que a figura retratada é o próprio pintor.

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Figura 3 - Despejados, 1934.

Fonte: Acervo do Projeto Portinari.

Muito embora não seja nosso objetivo requerer a prioridade da pintura de Portinari que representou a temática social, temos como dado importante para o trabalho a primeira pintura de favela feita pelo artista, que data o ano de 1933. A obra intitulada Morro escancarava a vida humilde dos moradores das favelas cariocas em contraste com a paisagem moderna ao fundo da cidade.

Portanto, Morro desponta as primeiras preocupações do “Portinari social”. A composição da tela sugere uma estrutura com influências da arte naif12 pela captação quase instantânea da cena (urbana) e pela simplificação das formas e das figuras. Através dos elementos pictóricos escolhidos para a obra, Portinari representa a fisionomia do Rio de Janeiro naquela época: a simultaneidade contrastante da favela e do restante da cidade.

Morro, Despejados e mais outros 267 trabalhos do artista foram expostos no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), em 1939, deixando nua as carências do povo e os problemas sociais pelos quais o país passava naquele período. A exposição das obras e todo desenvolvimento da arte de Portinari que se volta para o social, toca o país naquela época e muitos comentários foram tecidos a respeito do artista e de sua guinada social. Segundo Balbi (2003), o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre classificou a produção de Portinari como

12 Também conhecida como Pintura Primitiva Moderna, é um tipo de pintura de figuração simples. Foi desenvolvida geralmente por artistas sem preparo e conhecimento das técnicas acadêmicas. É considerada uma arte com elementos sem conteúdo. O termo inglês Naif pode ser traduzido como ingênuo e inocente, por isso a compreensão simplista. A falta de técnica não retraiu o desenvolvimento desta arte, que recebeu grande destaque, ao ser valorizada por apreciadores da estética e pessoas comuns. (FARTHING, 2011)

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“epicamente brasileira”. Foi na década de 1930 que essas expressões de nacionalidade do modernismo ficaram mais evidentes.

Os princípios modernistas agitavam o meio artístico brasileiro e seus reflexos foram sentidos em várias áreas além das artes plásticas e visuais, como a música, a literatura, a arquitetura e o urbanismo. O discurso moderno, por essência, trata sempre da dual questão entre a reprovação do antigo e a hegemonia do novo. E inúmeras críticas foram feitas nesse período aos que se denominavam modernos.

Para Gomes (1996), dentro dessa perspectiva muitos temas que aparecem frequentemente nas discussões do moderno são caros à geografia, como, por exemplo o espaço, o planejamento, o urbano, o regionalismo e a escala local. Como aponta o autor,

[...] assim, fundamental é constatar, de imediato, que a modernidade frequentemente apresentada como um período totalmente dominado pela racionalidade, constrói sua identidade muito mais sob a forma de um duplo caráter: de um lado, o território da razão, das instituições do saber metódico e normativo; do outro, diversas

“contracorrentes”, contestando o poder da razão, os modelos e métodos da ciência institucionalizada e o espírito científico universalizante. Se pensarmos este período em termos de diálogo constante entre estas duas tendências, conferimos à modernidade um sentido bem menos monolítico, forjado na hegemonia única da razão. Somos levados a conceber este período como um verdadeiro campo de tensões, com conflitos em torno do tema da legibilidade da atividade intelectual e de sua organização. (GOMES, 1996, p. 26 e 27)

A geografia, portanto, está interpelada pelos questionamentos que a tornam sujeito e objeto. Além disso, o movimento moderno não revolucionou apenas a ciência, em campos como a arquitetura e o planejamento urbano, mas também a música, a literatura e as artes plásticas.

Numa perspectiva geral, o período entre as duas Guerras Mundiais foi significativo para a arquitetura e para o urbanismo a partir da produção de novos espaços e da renovação de centros antigos. Segundo Le Corbusier (1933, p.49)13, esses espaços “(…) abriram perspectivas para a exploração de soluções novas em escalas absolutamente inéditas”.

Em meio ao movimento moderno, em 1928 foram criados os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) e o Comitê Internacional para a Resolução dos Problemas Arquitetônicos Contemporâneos (CIRPAC), sob a liderança de Le Corbusier (SHERER, 1986). Anos depois, o Brasil já era citado como referência para os desenvolvimentos dos novos ideais modernos, tendo Le Corbusier afirmado que o país era um centro particularmente fervilhante para as criações modernas. Além disso, segundo Sherer (1986, p. 12),

13 Carta de Atenas, Le Corbusier (publicado originalmente em 1933).

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[...] na medida em que o Movimento Moderno propunha uma cidade diferente, correspondendo a uma nova maneira de viver e não a uma mudança mais de estilo arquitetônico, o contato com o público assumia um valor novo e importante para os arquitetos.

Os encontros do CIAM propunham abordar os temas, primeiramente, do alojamento mínimo e depois cresceram até chegar às questões da cidade funcional. Como aponta Sherer (1986, p. 13-14 ),

embora os participantes dos congressos o tenham concluído com uma série de constatações, sem formular propostas de ação comum ou modelos urbanísticos concretos, ficou patente que as mudanças necessárias ao urbanismo contemporâneo implicavam uma opção política diferenciada e não apenas na melhoria de técnicas das práticas profissionais existentes. O resultado dos trabalhos foi reunido no documento que se chamou “Carta de Atenas”.

Já era realidade em parte das principais cidades da Europa e dos Estados Unidos as mudanças necessárias para o funcionamento da cidade apontadas pela Carta de Atenas de Le Corbusier. Como é o caso do zoneamento funcional, do planejamento regional, dos conjuntos habitacionais providos de eficiente equipamento coletivo, etc. (SHERER, 1986).

Nesse período, as produções no Brasil foram tão intensas quanto na Europa e nos Estados Unidos, principalmente a partir da década de 30, tendo como propulsores os arquitetos Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Gregori Warchavchik e Atílio Correia Lima, entre tantos outros.

Em essência, a Carta de Atenas sintetizou os princípios do urbanismo racionalista e funcionalista da época, marca do trabalho de Le Corbusier, e, segundo Gomes (1996, p.19), se tornou o “guia da arquitetura moderna durante quase meio século”. O urbanismo funcionalista propunha

[..] a obrigatoriedade do planejamento regional e intra-urbano, a submissão da propriedade privada do solo urbano aos interesses coletivos, a industrialização dos componentes e a padronização das construções, a limitação do tamanho e da densidade das cidades, a edificação concentrada, porém adequadamente relacionada com amplas áreas de vegetação. Supunha ainda o uso intensivo da técnica moderna na organização das cidades, o zoneamento funcional, a separação da circulação de veículos e pedestres, a eliminação da rua corredor e uma estética geometrizante.

(SHERER, 1986, p. 16).

A influência de Le Corbusier no Brasil foi clara. No Rio de Janeiro, foi concluído em 1930 o Plano Agache14 que, resumidamente, “pretendia ordenar e embelezar a cidade segundo critérios funcionais e de estratificação do espaço” (ABREU, 1987, p. 86). Uma das principais preocupações de Le Corbusier era a habitação e sua higiene, assim como as reformas propostas por Agache.

14 É considerada a primeira proposta de intervenção urbanística da cidade do Rio de Janeiro com apreensões genuinamente modernas. É conhecido por ter sido o primeiro plano que ultrapassou os limites do academicismo das intervenções que a procederam, como a reforma de Pereira Passos e a de Paulo de Frontin. Ver mais em:

<http://planourbano.rio.rj.gov.br/>. Acesso em 26 de abril de 2016.

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Alfred Agache chega ao país em 1927, com o objetivo de educar o público através de palestras e preparar a equipe que comandava para realizar o desafio de arquitetar um plano urbanístico para a cidade. Em sua primeira palestra para apresentar suas concepções sobre o urbanismo e propor algumas ideias, Agache define-o como uma filosofia social que busca melhorar a circulação, a edificação e o arruamento, além de descongestionar as artérias públicas. Para ele, o urbanismo é “a remodelação, a extensão e o embelezamento de uma cidade levados a efeitos mediante um estudo metódico da geografia humana e da topografia urbana sem descurar as soluções financeiras” (AGACHE, 1930, p.4).

O urbanista entende a cidade como um organismo, sendo a estética uma das funções desse corpo e, para Agache (1930, p.7), “é preciso adicionar à saúde, o equilíbrio, tudo que faz a beleza, isto é, a harmonia e as proporções”. De acordo com Berdoulay (2003), Agache sofria uma forte influência do grupo “le palysiens”, inspirados por Tourville e Desmolins, mas encontrou alguns elementos que lhe permitiram articular um estudo positivo e sistemático da cidade com suas preconizações urbanísticas.

O Plano Agache deu visibilidade inclusive às questões típicas de uma sociedade industrial, como a necessidade de planejamento para os transportes de massa, a habitação para a classe proletária e o crescimento das favelas no perímetro urbano da cidade. As justificativas dadas pelo então Prefeito da cidade, Antônio Prado Junior, para a encomenda do plano de remodelação, extensão e embelezamento da cidade ao urbanista francês Alfred Agache foram claramente voltadas para a prosperidade baseadas no “princípio desta ciência moderna que é o urbanismo”15.

Entretanto, muitas críticas foram feitas aos princípios do urbanismo moderno. Uma das questões era a visão homogênea do homem. A visão superficial do homem enquanto um ser homogêneo, que não levava em consideração suas diferenças culturais e as próprias diferenças internas das culturas, além das diferenças de classe, fora duramente criticada.

Segundo Sherer (1986), essas pendências eram vistas apenas como diferentes e não como estruturalmente antagônicas. Esse foi, também, um dos problemas do Plano Agache, já mencionado como plano de estratificação social do espaço.

Embora não se faça aqui uma análise minuciosa dos processos que levariam à estratificação do espaço urbano sugerido por Agache, é importante destacar que a proposta

15 Declaração feita por Prado Júnior para justificar a encomenda do plano sob o apelo aos princípios modernos.

Ver mais em: http://acervo.oglobo.globo.com/rio-de-historias/no-fim-dos-anos-20-plano-agache-pretendia- organizar-crescimento-do-rio-10403129. Acesso em: 05 de maio de 2016

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exaltava alguns problemas urbanos do Rio de Janeiro que deveriam ser aniquilados, incluindo o crescimento das favelas.

Para Almeida (2016), uma contradição encontrada nos planos de Agache é que embora suas propostas urbanas para a cidade incluíssem seu embelezamento e, consequentemente, a aniquilação das favelas, o urbanista não se mostrou, em nenhum momento, insensível ao modernismo artístico que surgia no Brasil nesse período, mesmo que a arte valorizasse exatamente aquilo que Agache considerava antiestético. Isso porque, segundo o autor,

“Agache posava de modernista” (ALMEIDA, 2016, p.125). Almeida (2016, p. 125-126) afirma ainda que

Em sua terceira conferência sobre ‘cidades-jardim e favellas’, Agache define as cidades-jardins como pequenas aglomerações-satélites criadas perto de grandes centros e completamente autônomas, cuja extensão é restrita. As favelas seriam, segundo ele, também uma espécie de cidade-satélite de formação espontânea, que escolheu, de preferência, o alto dos morros. Sua população meio nômade seria, contudo, avessa a toda e qualquer regra de higiene. Agache observa que, para o urbanista, é preferível que um morro seja ocupado por esse tipo de população, visto que essas ‘aglomerações parasitárias se varrem como se fora poeira’.

Para Agache (1930, p.90), o “abandono dos morros representa o abandono a uma liberdade individual ilimitada criada dos sérios obstáculos, não só sob o ponto de vista da ordem social e da segurança, como sob o ponto de vista da higiene geral da cidade, sem falar da estética”. No entanto, o urbanista afirma ser inútil expulsar as pessoas desses lugares e erradicar as favelas da cidade sem que, antes disso, sejam resolvido o problema das habitações para encaminhar os moradores, pois se eles fossem simplesmente expulsos, iriam se instalar em outros lugares, sob as mesmas condições.

Nesse contexto, foi dado aos moradores das favelas a possibilidade de construírem suas casas sem que fosse necessário pagar nenhum tipo de imposto ao governo municipal em distritos municipais de Ilhas, Inhaúma, Irajá, Madureira, Jacarepaguá, Realengo, Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz, afastados de zonas de construções densas (ALMEIDA, 2016). Os moradores residiriam em lugares mais afastados da área central da cidade. Como tal medida não surtiu efeito, o Prefeito Prado Júnior iniciou uma série de remoções em 1928, demolindo centenas de casebres em diversas favelas na cidade (CONNIFF, 1981).

A arte responde a esses acontecimentos. Em forma de protesto, José Barbosa da Silva, popularmente conhecido na época como Sinhô, escreve o samba “A favela vai abaixo” em 1928. Nesse período, a arte já havia se inspirado nas temáticas sociais e na cultura para buscar a essência do Brasil, e a favela já era um desses elementos. A discussão da favela como um elemento valorizado para a construção de uma identidade nacional será apresentada no próximo subcapítulo.

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1.2 A ESTÉTICA MODERNISTA: A FAVELA COMO ELEMENTO DE IDENTIDADE NACIONAL

O samba escrito por Sinhô em homenagem às favelas fez muito sucesso no carnaval de 1928 e entrou para a história da cidade como um primeiro grito de protesto contra a remoção e erradicação das favelas na cidade. A letra da canção enuncia alguns elementos que compunham a morfologia e a ocupação das favelas, um trecho diz: “Minha cabocla, a Favela vai abaixo/ Quanta saudade tu terás deste torrão/ Da casinha pequenina de madeira/ que nos enche de carinho o coração”.

A “cabocla” faz referência à cor da tez das moradoras, em grande maioria, negras.

Como apresentamos anteriormente, a maior parte da população que residia nas favelas eram antigos escravos alforriados ou seus descendentes. Além disso, a “casinha pequenina de madeira” refere-se aos casebres onde viviam os moradores. Todos esses elementos serão apropriados pelos novos artistas modernistas que tiveram a favela como temática central em suas pinturas, incluindo Portinari e sua grande dedicação a esse tipo de aglomeração habitacional.

Como pudemos observar, a expansão e o crescimento acelerado da favela nas décadas da primeira metade do século XX, acabaram coincidindo com a “renovação cultural modernista” que o país vivia, principalmente no que tange às artes. Segundo Jaguaribe (2007, p. 131),

[...] o modernismo artístico dos anos 1920 e 1930 irá imaginar uma favela diversa daquela entrevista pela óptica elitista do início do século. Já não se trata de conceber a favela como entulho insalubre, obsculizando os caminhos do progresso, nem a favela é exotizada como território ameaçador do incivilizado. No bojo das novas sensibilidades culturais do modernismo, a representação estética da favela também passa pelo crivo da experimentação estética nos quadros techno-naif de Tarsila do Amaral, nas pinturas líricas de Di Cavalcanti, no expressionismo de Lasar Segall, entre outros. As estéticas de representação da favela irão variar de acordo com os próprios inventários do modernismo cultural.

Muitos movimentos são agrupados sob um grande guarda-chuva chamado modernismo, cada qual apresentado suas particularidades especiais. Os artistas muitas vezes circularam e migraram sua estética entre diversos movimentos do modernismo. Portinari foi um dos indivíduos que circulou entre vários desses movimentos. Como afirma Fabris (1990), o pintor não pode ser classificado como surrealista16, expressionista17, abstracionista18,

16 Artistas que desenvolveram sua arte sobre o guarda-chuva do Surrealismo, que foi um movimento literário e artístico, lançado em 1924 pelo escritor francês André Breton, que se caracterizava pela expressão espontânea e

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primitivo19 ou qualquer outro movimento que o limite. Ele pertence a todos e a nenhum ao mesmo tempo. Por ser uma pesquisa preocupada essencialmente com questões tocantes à geografia, não é de nosso interesse fazer um debate sobre qual movimento artístico Portinari esteve inserido, pois levamos em consideração toda sua mudança estética dentro do contexto ao qual o artista viveu e as influências às quais estava submetido durante seus anos de produtividade, sem entrar em seus pormenores.

O que enfatizamos é que sua arte deu visibilidade às massas, fazendo daqueles que eram anônimos um tema artístico e tornando-os visíveis aos olhos de muitos. É importante reconhecer que não só as artes visuais, nesse período, foram responsáveis por conferir maior visibilidade as favelas. A literatura também nos fez conhecer um pouco da origem dessas favelas a partir dos cortiços. A música trouxe, através do samba, os elementos que faziam parte desses espaços. O cinema, ainda em 1934, estreia o longa-metragem Favela dos meus amores, de Humberto Mauro. Segundo Almeida (2016), todas essas manifestações das artes mostraram a favela a partir de uma estética renovadora, que apresenta, através da denúncia, os sintomas de uma moléstia social latente no Rio de Janeiro.

O Brasil passava por um processo de invenção de um ideário moderno, que se refletiu na criação de ícones que representavam a identidade nacional do país. Parte da elite acreditava na erradicação da pobreza, ilustrada pela favela, como a condição para o desenvolvimento e a modernização do Brasil. Porém, elas compunham parte da cultura nacional e também ganharam visibilidade quando passaram a ser representadas nas produções artísticas daquele período.

Conforme observa Jacques (2001), muitos artistas buscaram inspiração na estética das favelas, representadas pela arquitetura característica desses espaços. Não estavam mais presentes apenas nas representações escritas: a favela passou a ter uma representatividade também nas artes visuais. A estética visual da favela passou a ser apresentada a partir das

automática do pensamento (ditada apenas pelo inconsciente) e, deliberadamente incoerente, proclamava a prevalência absoluta do sonho, do inconsciente, do instinto e do desejo e pregava a renovação de todos os valores, inclusive os morais, políticos, científicos e filosóficos. (FARTHING, 2011)

17 Artistas do Expressimisno, um movimento artístico de vanguarda em oposição ao impressionismo francês. A ideia do expressionismo era da arte enquanto ação, na concepção da imagem pelo artista de forma emocional, visceral, por vezes violenta, em que as cores e as formas não correspondem à realidade direta. (FARTHING, 2011)

18 Artistas do Abstracionismo, que é um movimento artístico vanguardista em que a representação da realidade é feita de maneira desconstruída, com o uso de cores, linhas e formas abstratas. (FARTHING, 2011)

19 Artistas do Primitivismo, que foi uma tendência difundida na arte moderna que visou buscar referências de arte de culturas estrangeiras como a arte feita por povos e tribos primitivas. (FARTHING, 2011)

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