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CONCURSO DE INFRACÇÕES FURTO QUALIFICADO DANO

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 043769

Relator: SOUSA GUEDES Sessão: 06 Maio 1993

Número: SJ199305060437693 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO.

CONCURSO DE INFRACÇÕES FURTO QUALIFICADO DANO

REGIME DE PROVA

Sumário

I - O agente que subtrai fraudulentamente um saco, do interior de um

automóvel, depois de partir um dos vidros, comete em concurso real os crimes de furto qualificado do artigo 297 n. 1 alínea g) e de dano.

II - O regime de prova apenas pode ser aplicado nos casos em que ao crime seja aplicável pena que, em abstracto, mesmo por atenuação especial, seja de moldura inferior a 3 anos de prisão.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:

1 - No Terceiro Juízo Criminal de Lisboa, o Ministério Público acusou o arguido A, solteiro, padeiro, de 27 anos, com os demais sinais dos autos, da prática de um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297, n. 1, alínea g) do Código Penal (do que serão TODOS os artigos abaixo indicados em menção do diploma a que pertencem) e de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 308, n. 1.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo considerou provada toda a matéria de facto constante da acusação, mas entendeu que a conduta do arguido apenas integra um crime previsto e punido pelos artigos 296 e 297, n, 1 - g) e 2 - d), deliberando sujeitá-lo a regime de prova pelo período de 18 meses, de acordo com um plano individual da readaptação a elaborar pelo I.R.S. e a aprovar pelo Tribunal, e condenado-o em taxa de justiça,

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procuradoria e honorários à sua defensora.

2 - Recorreu desta decisão o Ministério Público que, numa motivação de grande brilho, nos apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:

- Porque o furto praticado pelo arguido já se mostra qualificado por outra circunstância, deve o mesmo ser punido, em concurso real, pela prática de um crime de dano, que cometeu ao estilhaçar o vidro do automóvel onde se

encontravam os objectos de que ilicitamente se apropriou;

- O regime de prova apenas pode ser aplicado nos casos em que ao crime seja aplicável pena que, em abstracto, mesmo por atenuação especial, seja de moldura inferior a 3 anos de prisão;

- Ainda que assim não se entendesse, sempre o regime da prova seria

desaconselhável no caso presente, face ao circunstancialismo concreto e ao passado criminal do arguido;

- Assim, deve o arguido ser condenado pelos referidos crimes de furto qualificado e dano, em penas que rondarão os 18 meses de prisão para o primeiro e de 3 meses para o segundo, fixando-se a pena única, em cúmulo jurídico, numa medida próxima dos 18 meses de prisão;

- Foram violados os artigos 30, n. 1, 53 e 308, pelo que se impõe a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que condena o arguido nos indicados termos.

Não houve resposta do arguido.

3 - Cumprido neste Tribunal o disposto nos artigos 416, 417 e 421, n. 1 do Código de Processo Penal, realizou-se a audiência pública com observância do formalismo legal.

É a seguinte a matéria de facto que o colectivo considerou provada e que, não estando ferida de qualquer vício, tem de dar-se por assente:

- No dia 3 de Fevereiro de 1992, cerca das 16 horas, o arguido aproximou-se do veículo automóvel ligeiro de passageiros, particular, de matricula NX, da marca Renault, modelo CLIO, pertencente à ofendida B, identificada a folha 17, e que se encontrava estacionado na Rua Major Figueiredo Rodrigues, nesta cidade de Lisboa;

- Em seguida, arremessou um objecto não determinado contra o vidro triangular da porta direita traseira, quebrando-o;

- Com a abertura assim obtida, introduziu o braço, abrindo a respectiva porta, e do seu interior retirou um saco contendo seis pares de sapatos de ténis de marca "Reebook", no valor aproximado de 70 mil escudos, pondo-se de imediato em fuga;

- No entanto, veio a ser detido pelas testemunhas C e D no cruzamento entre a Rua Alves Redol e a Avenida António José de Almeida;

- Os objectos acima referidos foram recuperados e entregues ao seu dono;

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- Com a conduta descrita, o arguido provocou estragos no veículo no montante de 25 mil escudos;

- O arguido agiu de forma livre e consciente, com a intenção de se apropriar dos objectos referidos sabendo perfeitamente que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono;

- Sabia ainda que a sua conduta era proibida por lei;

- O arguido confessou a prática dos factos, mostrando-se sinceramente arrependido;

- É de condição económica e social modesta;

- É filho "único", sendo o pai encarregado de padaria e a mãe reformada e doméstica;

- Era consumidor habitual de "heroína" desde há cerca de 6 anos a esta parte, encontrando-se actualmente curado, do ponto de vista da dependência física;

tem vindo a ser assistido no Centro das Taipas;

- Mostrou forte vontade de abandonar, de vez, o consumo de "heroína",

contribuindo para isso o apoio familiar de que dispõe e o emprego garantido;

- O arguido tem os antecedentes criminais que resultam dos documentos de folha 27 a 38 e 64 a 67.

4 - O Tribunal Colectivo, em vez de autonomizar o crime de dano do artigo 308, n. 1, de que o arguido vinha acusado, subsumiu toda a sua conduta ao crime de furto qualificado dos art. 296 e 297, ns. 1 - alínea g) e 2

- alínea d), já que - segundo entendeu - "o dano provocado foi o meio

"necessário" para a efectivação do furto".

Ora, o artigo 30, n. 1 estabelece que "o número de crimes determina-se pelo número do tipo de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente".

No caso presente, e sabido que o arguido voluntariamente estilhaçou o vidro da porta traseira do veículo da ofendida (forçosamente se representando, segundo a experiência comum, ao menos a possibilidade de causar prejuízo patrimonial), e que, no crime de dano, basta o dolo genérico, temos de

concluir que o arguido se constituiu autor material do aludido crime de dano.

E, como é jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal (que não se vê razão decisiva para alterar), tal crime - que viola um bem jurídico distinto - ocorre em concurso real com o crime de furto já qualificado por outra

circunstância, qual seja a da alínea g) do n. 1 do artigo 297 (v., sobre o tema, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho e 1989, 31 de Maio de 1989 e 23 de Maio de 1991, nos Boletins Ministério de Justiça ns. 388 - 239, 387 - 316 e no rec. n. 41807).

Procede, pois , a primeira pretensão do Magistrado recorrente.

5 - O crime de furto qualificado por alguma das circunstâncias dos ns. 1 e 2 do

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artigo 297 é punível com prisão de 1 a 10 anos.

Por sua vez o artigo 53, n. 1 dispõe que pode ser sujeito ao regime de prova o arguido considerado culpado da prática de crime punível com pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa.

Tendo o interprete de pressupor que o legislador exprimiu adequadamente o seu pensamento (artigo 9, n. 3 do Código Civil), e estando a expressão punível (que significa merecedor de punição, castigo ou pena) em contraposição à expressão punido (que quer dizer castigado, sentenciado com uma pena), logo teremos de concluir que o vocábulo punível do artigo 53, n. 1 não pode ter senão o primeiro daqueles sentidos, significando - em termos de técnica

jurídico-penal-, pena abstractamente aplicável, que o legislador bem distingue - quando utiliza aqueloutra expressão punido - dos casos em que quer referir- se a uma pena concretamente aplicada, como acontece nos artigos 43, n. 2, 51, 66, n. 3, 71, 74, n. 1, 76, 86 e outros.

O problema da distinção entre as expressões punível e punido, e aplicável e aplicado, utilizadas pelo legislador em vários normativos penais e processuais penais não é novo. Já no regime do Código Penal e do Código de Processo Penal anteriores aos vigentes emergia, a espaços, essa querela (v., a título de exemplo, as lições de Processo Criminal do Professor Eduardo Correia, 1956, página 98).

No caso presente, porém, e como ficou exuberantemente demonstrado no acórdão deste Supremo de 15 de Maio de 1991, in C.J., XVI, III, 13, não pode duvidar-se de que o regime de prova apenas pode ser aplicado nos casos em que ao crime seja aplicável pena que, em abstracto, mesmo por atenuação especial, seja de moldura inferior a 3 anos de prisão.

Nesse acórdão se desenvolve argumentação que acolhemos e que, no essencial e em síntese, é a seguinte:

I - Mais do que literalmente, na própria técnica legislativa, a expressão "crime punível com pena de prisão não superior a 3 anos" tem o significado do tipo crime que, em abstracto, tem uma certa moldura penal;

II - Quando o legislador se quer referir à pena concretamente aplicada usa a expressão "se o crime for punido" (artigo 43), "a que concretamente

corresponda a pena de...", (art. 59), "crimes punidos" (art. 66, n. 3) e "a que devam aplicar-se concretamente" (artigos 83, n. 1, 84, n. 1 e 86);

III - Porque o regime de prova é a verdadeira pena aplicável a certos crimes, já que é a única que o condenado irá cumprir, o artigo 53 não prevê a fixação de qualquer pena de prisão e o artigo 57, n. 2 estatui que a revogação do regime de prova determina a fixação da pena que ao crime caberia; e, sendo assim, não há sequer pena de prisão aplicada;

IV - Por outro lado, uma interpretação oposta tornaria absolutamente

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escusado o n. 2 do artigo 74, que estabelece que a atenuação especial da pena não exclui a aplicação do regime de prova;

V - Funcionando o regime de prova para os casos em que a suspensão da execução da pena não se mostra adequada para a recuperação social do agente (artigo 53, n. 1), tal regime é mais benévolo do que o da suspensão, tudo inculcando que será apenas aplicável aos casos menos graves, como são aqueles em que a pena abstractamente aplicável é inferior a 3 anos de prisão.

No mesmo sentido decidiu este Supremo Tribunal nos acórdãos de 22 de

Janeiro de 1992, recurso n. 42477, de 20 de Março de 1991, recurso n. 41468, e de 3 de Julho de 1991, recurso n. 42036.

Assim, concluímos que o colectivo não podia aplicar, no caso vertente, o regime de prova do artigo 53, que terá, portanto, de se revogado.

6 - Na determinação da medida das penas ter-se-á em atenção o disposto no artigo 72, designadamente a culpa do agente, as exigências de prevenção especial e geral, o grau de ilicitude dos factos, as condições pessoais, situação económica e conduta anterior e posterior do arguido, sendo de relevar as seguintes circunstâncias apuradas pelo Tribunal "a quo":

- os factos dos autos (assim como os de outros processos anteriores) foram praticados no âmbito de uma situação de toxicodependência (heroína) de que o arguido se encontra actualmente curado;

- dispõe ele de apoio familiar, maxime dos pais, e de emprego garantido, pelo que a sua reinserção social se mostra realizável;

- confessou os factos integralmente e sem reservas e mostra-se sinceramente arrependido.

Por outro lado, não pode deixar de ser ponderado o passado criminal do

arguido, a revelar uma personalidade propensa a comportamentos desviantes, sendo certo que foi condenado:

- em 1 de Abril de 1987, por furto qualificado, na pena de 13 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 2 anos;

- em 7 de Novembro de 1988, por furto qualificado e detenção de arma proibida, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, sendo subsequentemente revogada a suspensão da execução daquela primeira pena;

- em 26 de Outubro de 1989, por furto qualificado, na pena de um ano de prisão;

- em 12 de Junho de 1992, por furto qualificado, na forma tentada, na pena de um ano de prisão, declarada logo perdoada, nos termos do art. 14, n. 1 b) da Lei n. 23/91 (factos de 6 de Janeiro de 1987).

De notar ainda que a própria liberdade condicional de que beneficiou (em 14 de Abril de 1989) no cumprimento da pena de 4 anos e meio de prisão teve de ser revogada em 2 de Março de 1990.

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7 - Tudo ponderado, entendem-se ajustadas à responsabilidade do arguido as seguintes penas:

- 15 meses de prisão, pelo crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297, n. 1 g);

- 3 meses de prisão, pelo crime de um ano previsto e punido pelo artigo 308, n.

1.

Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 78, decreta-se a pena única de dezasseis (16) meses de prisão.

8 - Pelo exposto, e dando-se provimento ao recurso do Ministério Público, decide-se revogar a parte incriminatória e punitiva do acórdão recorrido, ficando o arguido A condenado, pela autoria material, em concurso real, dos crimes acabados de referir no número sete deste acórdão, nas penas

parcelares e única aí indicadas.

Para o efeito de eventual cúmulo jurídico, deverá ter-se em atenção, na primeira instância, a certidão de folhas 64 e seguintes.

Sem tributação.

Todavia, fixam-se em 15 mil escudos os honorários ao Excelentissímo Defensor nomeado em audiência.

Lisboa, 6 de Maio de 1993.

Sousa Guedes;

Alves Ribeiro;

Cardoso Basto;

Sá Ferreira.

Decisão impugnada:

- Acórdão de 13 de Outubro de 1992 do 3. Juízo Criminal de Lisboa, 2. Secção.

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