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Esboço sobre a Importância da História no Método de Karl Marx

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Esboço sobre a Importância da História no Método de Karl Marx

Rodrigo Cavalcante de Almeida1

Este artigo tem como objetivo traçar um esboço sobre a importância da história na constituição do método de Karl Marx, partindo da hipótese que a obra do pensador alemão só pode ser compreendida na sua totalidade a partir da análise da tensão dialética/história que perpassa todo o seu pensamento, mas que está explicitado de forma mais sistemática nas obras “Grundrisse” e “O Capital”. Lógica, leis tendenciais, movimento dialético seriam momentos de um todo maior e mais complexo que só pode ser completamente analisado nas disputas dos mercados mundiais, ou seja, na análise de um processo histórico concreto onde as tendências e contra tendências se afirmam ou se negam.

Somente desta forma, torna-se possível compreender o papel dos sujeitos e o peso das estruturas no método desenvolvido por Marx.

Palavras-Chave: História, Método, Dialética, Capital.

1 Doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor do Instituto Federal do

Ceará (IFCE).

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2 Introdução

O presente projeto toma como escopo central investigar o método desenvolvido por Karl Marx (1818-1883), especialmente no que se refere à importância da história na sua obra, defendendo a tese de que a história adquire um caráter de centralidade na constituição de seu método. A crítica da economia política, a dialética, os processos lógico-abstratos e toda a parte sistemática seriam momentos, inelimináveis, de um todo maior e mais complexo, que só ganharia sentido no processo histórico concreto.

Defenderemos neste artigo, que a obra do pensador alemão só pode ser compreendida na sua totalidade, a partir da perspectiva histórica. Marx escreveu o Livro I de O Capital sobre a produção, numa perspectiva isolada (abstração). Escreveu o Livro II sobre a circulação, ainda de modo isolado. Porém, todas as leis, tendências, contra tendências, só se afirmam ou se negam no Livro III, nas disputas de mercados mundiais, noutras palavras, na realidade histórica concreta. A história não seria para Marx um adendo, um complemento, mas chave analítica central. Não existiria em Marx, por conseguinte, nenhuma categoria “puramente lógica”, “todas as categorias expressam formas de ser[Daseinsformen] e determinações da existência [Existenzbestimmungen]”.

(WERKE2, 1983, vol. 42 p. 40; MARX, 2011, p. 59). Da categoria mais simples a mais universal e complexa, não estaria fora do terreno da história. Não brotaria de outro solo que não a própria realidade. Na contramão da maioria das teses sobre Marx, que tendem a sobrevalorizar a história em sua obra, destacando na grande maioria das vezes apenas seu aspecto genético, defenderemos ancorados primordialmente, nos Grundrisse e no O Capital, a centralidade da história na constituição do seu método. Em nossa opinião, é a sua concepção de história como um processo aberto, “um espaço concreto de possibilidades”, abrindo para a dimensão do acaso e da contingência, que possibilita a ruptura com o idealismo de Hegel, que em sentido final expresso na “Ciência da Lógica”, fecha seu sistema na identidade sujeito/objeto, ou seja, no absoluto. Não obstante, propomos nos distanciar do lócus comnunis criado pelas tradições marxistas, que por

2 A sigla se refere ao conjunto de obras de Marx e Engels, perfazendo um total de 43 volumes, editados do original em alemão pelo Instituto de Marxismo Leninismo, durante os anos de 1956 a 1990: Dietz-Verlag, Berlim. Atualmente vários institutos de pesquisa estão trabalhando em conjunto na produção da (MEGA 2- Marx/Engels Gesamtausgabe) que tem o projeto de publicar a mais completa obra de Marx e Engels, numa estimativa de 120 volumes.

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3 terem tratado a história como obviedade, não investigaram profundamente o significado do termo/conceito na obra do filósofo alemão.

Modo de Investigação/Modo de Exposição

No famoso posfácio de 1873 do Capital, Marx nos dá algumas pistas sobre o seu método, salientando a diferença entre o modo de investigação (Forshungsweise) e o modo de exposição (Darstelungsweise).

Sem dúvida, deve-se distinguir o modo de exposição segundo sua forma, do modo de investigação. A investigação tem que se apropriar da matéria[stoff]

em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. “Se isso é realizado com sucesso, e se a vida da matéria é agora refletida idealmente, o observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori”. (WERKE, 1977, Vol 23, p. 27; MARX, 2013, p. 90)

Uma parte considerável de marxistas não deram a devida atenção para este aspecto destacado com cautela por Marx. Muitos compreenderam o livro I de O Capital, e em especial o capítulo sobre a mercadoria, de forma abstrata, como uma especulação apartada da realidade. Alguns trataram de opor de forma dicotômica, a parte sistemática e dialética da parte histórica. Considerando apenas o capítulo XXIV, que analisa a acumulação primitiva de capital, como a parte histórica da obra. (FONTANA, 2004), (TEIXEIRA, 1995).

Dois erros são cometidos desta forma. (1) Dar um tratamento demasiado lógico a dialética no Capital. (2) resumir a parte histórica à parte genética. Até mesmo Lukács, um dos filósofos marxistas mais importantes do século XX, vacila em alguns momentos na sua obra “Para uma Ontologia do Ser Social” (LUKÁCS, 2012), neste segundo ponto.

Talvez por se tratar de um manuscrito que exigiria revisão, visto que o conjunto da obra em diversas vezes aponta em direção oposta, numa concepção mais ampla de história. O fato é que parte significativa dos Lukacsianos, quando falam do aspecto histórico em Marx, refere-se apenas ao momento genético. Influenciados, em nossa opinião, por esse

“deslize” do mestre.

Lukács chama o método de Marx, nos Prolegômenos e no volume I da Ontologia, de Histórico (genético) e sistemático. “É claro, portanto, que o método da Economia política, que Marx designa como uma “viagem de retorno” pressupõe uma cooperação permanente entre o procedimento histórico (genético) e o procedimento abstrativo-

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4 sistematizante, os quais evidenciam as leis e as tendências. (LUKÁCS, 2012, p. 306). A nossa tese é que, em primeiro lugar não existiria dois métodos em Marx. Um de natureza histórica (genético), e outro sistemático lógico-abstrativo. Não haveria uma cisão entre ambos, o próprio Lukács reconhece isso no conjunto de sua análise. O método de Marx seria simplesmente o materialismo histórico, ou método histórico, onde a parte sistemática e a parte genética seriam momentos de uma totalidade maior e mais rica, que seria o processo histórico concreto, onde estariam juntas teoria e empiria, sincronia e diacronia. A história para Marx seria essa “ciência da totalidade”. (MARX, 2007. p 32).

Neste sentido, como destaca Lukács, a práxis seria o critério da verdade. A teoria só teria sentido, só se tornaria verdadeira, se ela se confirmasse na realidade concreta. Daí o caráter plástico do materialismo histórico de Marx, pois como a práxis, a realidade concreta, é o seu critério de afirmação, o seu método estaria sujeito a constantes atualizações, um “sistema de aproximações constantes”, que o critério último seria ontológico e não gnosiológico. O momento genético se tornaria importante justamente por desvelar o solo de onde brotaram as categorias, revelar a gênese. Todavia, como defendemos que não há em Marx, nenhuma categoria puramente lógica, todas “são formas de ser e determinações da existência”, os momentos onde as categorias

“aparecem” como abstratas e isoladas, a história já estaria pressuposta como instância inseparável de elaboração. Neste sentido, Marx não reduz a história ao seu processo genético, como o fazem alguns de seus epílogos. Ele parte de uma concepção radical onde a historicidade do ser é condição sine qua non, e que ela se manifesta em todo processo real. Defendemos que Marx utiliza o termo história3 em dois sentidos: 1) a história enquanto processo real, ou como esclarece Lukács, “a história é um processo irreversível e por isso parece plausível, em sua investigação ontológica, tomar como ponto de partida essa irreversibilidade do tempo. É evidente que se trata aqui de uma conexão ontológica autêntica. Se esse caráter do tempo não fosse o fundamento irrevogável de todo ser, nem sequer emergiria a questão da historicidade necessária do ser. (LUKÁCS, 2012. p. 339, 340). A história como um processo real e irreversível, de certa forma já tinha sido percebida por Heráclito e Hegel. Heráclito tratou a mudança numa perspectiva abstrata, e Hegel que avança numa concepção processual de história, ainda o faz em bases

3 Para comprovar nossa hipótese, no que se refere ao uso do termo história para Marx, nos apoiaremos na

investigação dos textos originais do Alemão. Especialmente, neste caso, na Ideologia Alemã, nos Grundrisse, 18 Brumário e no O Capital. Numa investigação preliminar já observamos a utilização de dois termos, Historischen e Geschichte, ao se referir à história. O que aponta a possibilidade de sucesso de nossa hipótese, ou seja, da dupla acepção do termo/conceito.

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5 idealistas. Essa historicidade do ser, ou dos processos sociais concretos, permite em Marx estabelecer uma relação entre o singular, particular e universal, não apenas de modo genérico, mais rico de determinações, onde essência e fenômenos são compreendidos numa perspectiva dialética e concreta. 2) O outro sentido do termo história estaria relacionado ao método, noutras palavras, a uma ciência da totalidade. É nesse sentido que na ideologia alemã Marx diz que “só existe uma ciência, e essa ciência é a história”.

(MARX, 2007. p 32). Neste sentido, as “abstrações razoáveis” 4, como por exemplo, a lei da queda tendencial da taxa de lucro, mesmo que no capitalismo tenda a se afirmar, há sempre o espaço do acaso e do contingente, uma abertura que não está efetivada no início, mas que só pode ser verificada no fim. Por isso que a análise do processo histórico para Marx é post festum, é regressivo, se dar após o ocorrido, como ele mostra nos Grundrisse.

Desta forma, o filósofo alemão consegue analisar o peso das estruturas e o papel do sujeito no processo sócio-histórico concreto. É exatamente isso que está sintetizado na famosa passagem de O 18 Brumário, quando Marx destaca que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”

(MARX, 1969. P 17). A história é um processo construído por sujeitos, mas não é o resultado direto da vontade destes. A história para Marx seria um processo teleológico ou causal?5 Tomando como exemplo os três livros de O Capital, a relação sujeito e estrutura estão dialeticamente imbricadas em todos os volumes. Destarte as leis mais fundamentais e alicerçais do sistema capitalista, como diria Jorge Grespan, em “O Negativo do Capital”, funcionam como leis tendenciais e não estariam ligados a uma necessidade absoluta, mas próximo à concepção hegeliana de “necessidade relativa”. (GRESPAN, 2012), (HEGEL, 1993; 2005). Por conseguinte, a luta de classe não seria determinada a priori, rompendo com qualquer acepção fatalista da história.

Outro aspecto do método que é importante esclarecer é a relação da dialética de Marx com a de Hegel. Como nos referimos anteriormente, alguns teóricos marxistas tendem a supervalorizar o aspecto lógico da dialética desenvolvida por Marx no Capital, como no caso de Adorno (ADORNO, 2009), (FAUSTO, 2015). Compreendendo a dialética por um viés mais epistemológico do que ontológico, em certo sentido, pintando

4 Marx chama de abstrações razoáveis o processo lógico de captação dos universais, ou o “comum isolado”.

(WERKE, 1983).

5 Por se tratar de um artigo, não há espaço para desenvolver essa questão, que será retomada de modo sistemático em trabalho posterior.

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6 um Marx mais hegeliano do que marxista. Todavia, não corresponde ao alerta feito pelo autor:

Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do método hegeliano, mas exatamente o seu oposto. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de Ideia, chega mesmo a transformar num sujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo, o qual constitui apenas a manifestação externa do primeiro. “Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem”. (MARX, 2013, p. 90).

Esse ponto é de relevância fundamental para nossa pesquisa, pois elucida a relação essencial entre Hegel e Marx, na elaboração do método. Marx, em seu texto, não destila palavras ao acaso, pelo contrário, as palavras são revisadas de modo sistemático e rigoroso antes de serem expostas. Neste sentido, Marx ressalta com veemência que o método dele não difere do de Hegel apenas nos fundamentos, que já marcaria certa ruptura, mas trata de reforçar o argumento dizendo que é “exatamente o oposto”. Em nossa opinião, Marx não está se referindo apenas a uma inversão dialética, de colocar a dialética hegeliana em bases materialista6. É isso, mais vai além! Marx trata de superar a dialética de Hegel, no sentido pleno da (aufhebung) hegeliana. Ele compreende a dialética não apenas como um processo lógico, mas, principalmente, como uma legalidade objetiva da própria realidade. Há uma inversão do caráter lógico-espistemológico de Hegel, para uma primazia do nível ontológico.

Marx é dialético no Capital (obra), porque o Capital (relação social) é dialético.

O momento predominante (übergreifende moment) da análise se encontra na própria realidade, “no qual a produção é o ponto de partida efetivo” (WERKE, 1983, vol.42, p.29;

MARX, 2011 p. 49) transposta de modo ideal para a cabeça. A realidade, inicialmente considerada apenas no seu aspecto empírico, abstrato e pobre de determinações, é o ponto de partida. Todavia, também é o ponto de chegada, após o esforço das mediações e do trabalho conceitual. À lógica de Marx, diferentemente da Hegel, é um momento fundado e não fundante.

Em suma, a obra de Marx na sua totalidade só pode ser compreendida na perspectiva histórica. História enquanto processo real (vivido), historicidade do ser; e história enquanto ciência da totalidade concreta, onde as principias categorias estariam sujeitas as disputas dos mercados mundiais que aparece no Livro III de O Capital e cujo

6 Para uma reflexão mais aprofundada da inversão dialética realizada por Marx, ver: (MULLER, 1982).

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7 resultado final jamais poderá ser previsto de forma apriorística e deslocada da luta de classes, pois os “homens fazem sua própria história”. (MARX, 1969, p 17). As relações estrutura/ sujeito, leis/acaso, permanência/mudança, estariam contempladas no método de Marx, que consistiria da passagem do abstrato ao concreto, e que dialeticamente só poderia ser apreendido em relações históricas concretas.

1. Justificativa

Já no prólogo e na famosa introdução dos manuscritos de 1857/1858(Grundrisse), Marx esboça sua crítica a Bastiat, Carey, Rousseau, Smith, Ricardo, sintetizando da seguinte forma:

Nessa sociedade de livre concorrência, o indivíduo aparece desprendido dos laços naturais etc. que, em épocas históricas anteriores, o faziam um acessório de um conglomerado humano determinado e limitado. Aos profetas do século XVIII, sobre cujos ombros Smith e Ricardo ainda se apóiam inteiramente, tal indivíduo do século XVIII- produto, por um lado, da dissolução das formas feudais de sociedade e, por outro, das novas forças produtivas desenvolvidas desde século XVI- aparece como um ideal cuja existência estaria no passado.

Não como resultado histórico, mas como ponto de partida da história. Visto que o indivíduo natural, conforme sua representação da natureza humana, não se origina na história, mas é posto pela a natureza. Até o momento essa tem sido a ilusão comum a toda a nova época. Steuart, que em muitos aspectos contrasta com o século XVIII e, como aristocrata, mantém-se mais no terreno histórico, evitou essa ingenuidade. (WERKE, 1983, vol 42. p. 4; MARX, 2011, p. 40).

O elemento comum da crítica de Marx a esses pensadores, com exceção de Steuart, foi a “naturalização e eternalização” do homem e de determinadas relações sociais, que só podem ser apreendidas corretamente no seu processo histórico. Marx alcunha esses pensadores, mesmo ressaltando os méritos de alguns, de anti-históricos.

Com sua ironia usual, ele salienta que, “da mesma forma que o teólogo trata o pecado ora como lei da essência humana, ora como história do pecado original. Por conseguinte, ambos (Carey e Bastiat) são igualmente anistórico e anti-históricos”. (WERKE, 1983, vol. 42, p. 4; MARX, 2011, p. 40).

Neste sentido, o filósofo alemão ressalta a importância do contexto histórico para o entendimento de toda e qualquer realidade. Foi só a partir da sociedade burguesa, ou seja, de uma fase histórica determinada, que se tornou possível o “desvelamento” das contradições do capital. Não seria possível em momentos anteriores, no qual o capital se manifestava como relação “periférica”. Essa seria a concepção radical do materialismo

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8 histórico de Marx, que dilacera qualquer resquício de idealismo, pois o homem é compreendido como resultado do conjunto das relações sócio-históricas, ou seja, nenhuma elaboração teórica, científica, ideológica, etc., estaria fora do seu tempo. Mesmo quando se projeta outro tipo de sociedade, essa projeção se dá a partir da negação da sociedade atual. Marx tinha consciência dessa dimensão histórica de todos os processos sociais e, por conseguinte, do próprio homem. Por isso, as poucas vezes que ele se refere ao seu método, ele chama de materialismo histórico, demonstrando como a matéria se desenvolve historicamente. Todavia, surge outra questão que não poderemos responder neste momento, a não ser apontando alguns delineamentos gerais. Qual é a concepção de história de Marx? Defendemos que Marx inaugura uma concepção nova e radical de história, que não encontra analogia na tradição e na contemporaneidade.

Alguns pensadores marxistas tais como Pierre Villar (VILLAR, 1979), Josep Fontana( FONTANA, 2004), Alex Callinicos(CALLINICOS, 2006, p.38-102), Edward Thompson( THOMPSON,1981) e Lucien Goldman( GOLDMAN,1991) para citar os mais expressivos no que tange ao reconhecimento da importância da história para Marx, conseguem cintilar pontos relevantes da análise histórica. Porém, ainda de forma parcial, não compreendendo a dimensão histórica na sua totalidade. Como o caso de Thompson, que apesar de reconhecer a perspectiva histórica de Marx como fundamental, chega a deslizar numa perspectiva idealista, no que refere ao seu conceito de classe. Para o historiador inglês (simplificando o seu argumento, que exibe uma sofisticação), a consciência de classe seria o fundamento da classe, e não o papel que o sujeito ocupa nas relações de produção (THOMPSON, 1981). Trata-se, em nossa opinião, de uma apropriação equivocada e idealista do conceito de classe de Marx. No livro “18 Brumário” o pensador alemão resolve a questão diferenciando a (classe em si) da classe para si. O fundamento da classe não pode ser a consciência, visto que se negaria o papel da alienação, fetiche da mercadoria, divisão do trabalho, etc. Por exemplo, os trabalhadores da construção civil deixariam de ser uma classe a partir do momento em que eles não enxergassem os interesses dos seus companheiros como sendo também os seus? Acreditamos que não!Ocorre uma inversão na relação fundante/fundado, pois de acordo com Marx, “a existência determina a consciência, e não o contrário”.

Destarte os autores acima, que iluminam pontos parciais. É Lukács que consegue dar passos mais largos, rumo a uma elucidação do método em Marx (LUKACS, 2010, 2012, 2013). A partir do filósofo húngaro, percebemos que não há em Marx uma dicotomia entre crítica da economia política, procedimento lógico-abstrato, filosofia,

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9 empiria, generalização e história. Ambos são momentos constituintes de um todo maior e mais rico de determinações, se relacionando em uma totalidade cada vez mais complexa.

Esse tipo de apresentação é característico da estrutura interna das obras do Marx da maturidade. É uma estrutura de caráter completamente novo: uma cientificidade que, no processo de generalização, nunca abandona esse nível, mas que, apesar disso, em toda verificação de fatos singulares, em toda reprodução ideal de uma conexão concreta, tem sempre em vista a totalidade do ser social e, com base nela, sopesa a realidade e o significado de cada fenômeno singular; uma análise ontológico-filosófica da realidade em si que jamais vaga, mediante a autonomização de suas abstrações, acima dos fenômenos operados, mas, ao contrário, justamente por isso, conquistou para si crítica e autocriticamente o estágio máximo da consciência, para poder captar todo ente na plena concretude da forma de ser que lhe é própria, que é específica precisamente dele. (LUKÁCS, 2012 p. 295, 296).

No método do pensador alemão, as generalizações, as “abstrações razoáveis”, (MARX, 2011 p. 41) que destacam o universal, ou comum isolado, constituem um momento da análise, expressadas no modo de exposição para captar as determinações mais essenciais da realidade, num sentido mais geral, “puro”. Essas abstrações razoáveis são importantes, na medida em possibilitam o esclarecimento de quais são as determinações mais universais, no caso do capital e do conjunto da sociedade burguesa, de processos mais “contingentes”, ligados a uma determinada conjuntura específica. Por exemplo, quando se fala em produção, fala-se de produção de uma determinada forma.

Porém, isso não impede de se captar quais são as características comuns a toda produção.

Um exemplo mais claro pode ser encontrado nos manuscritos de 1857, quando Marx reconhece o mérito de Adam Smith de “destacar toda determinabilidade da atividade criadora de riqueza- trabalho simplesmente, nem trabalho manufatureiro, nem comercial, nem agrícola, mas tanto um como os outros” (WERKE, 1983, vol. 42. p. 39; MARX, 2011 p. 57). E reitera que “com a universalidade abstrata da atividade criadora de riqueza, tem-se agora igualmente a universalidade do objeto determinado como riqueza, o produto em geral, ou ainda o trabalho em geral, mas como trabalho passado objetivado” (WERKE, 1983, vol. 42. p. 39; MARX, 2011 p. 57). Mesmo Adam Smith, não consegue entender e levar até as últimas conseqüências a sua descoberta, recaindo ocasionalmente, como nos alerta Marx, no sistema fisiocrata. Isto “mostra como foi difícil e extraordinária essa transição”. (MARX, 2011, p. 57).7

7 Na obra a teoria da mais valia, Marx retoma a crítica ao método da economia política clássica, elaborado

por Smith e Ricardo, destacando o caráter histórico da época em que viviam esses pensadores, na perspectiva de naturalizar e eternizar determinadas categorias históricas. Não se tratava de limites intelectuais, o fato de ambos não terem avançado nas suas descobertas a um desvelamento maior, mais a questões ideológicas e de método, condicionado por seu contexto histórico de transição.

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10 Poderia parecer que, com isso, apenas fora descoberta a expressão abstrata para a relação mais simples e mais antiga em que os seres humanos - seja qual for à forma de sociedade- aparecem como produtores. Por um lado, isso é correto.

Por outro, não. A indiferença diante de um determinado tipo de trabalho pressupõe uma totalidade muito desenvolvida de tipos efetivos de trabalho, nenhum dos quais predomina sobre os demais. Portanto, as abstrações mais gerais surgem unicamente com o desenvolvimento concreto mais rico, ali onde um aspecto aparece como comum a muitos, comum a todos. Nesse caso, deixa de poder ser pensado exclusivamente em uma forma particular. Por outro lado, essa abstração do trabalho em geral não é apenas o resultado mental de uma totalidade concreta de trabalhos [...] Logo só nos Estados Unidos a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”, trabalho puro e simples, o ponto de partida da Economia moderna, devém verdadeira na prática. Por conseguinte, a abstração mais simples, que a Economia moderna coloca no primeiro plano e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, tal abstração só aparece verdadeira na prática como categoria da sociedade mais moderna”. (MARX, 2011, p. 57, 58).

Esta longa citação faz-se necessária para expressar com as palavras do próprio autor, que as abstrações, ou poderíamos dizer os procedimentos lógicos abstrativos, não apenas brotam de realidades históricas concretas e determinadas (ao contrário de Kant que são entendidas como categoria a priori), mas que só foi a partir do desenvolvimento da sociedade moderna, especificamente no caso dos Estados Unidos, que o concreto pensado, a reprodução ideal das relações concretas, pôde ser efetivada. A história põe neste caso, até um limite cognitivo na análise. Poderíamos pensar em uma cadeira de plástico na idade média? Ou melhor, em relações financeiras complexas, fusão de Holdings, etc. no feudalismo? Tratar-se-iam de especulações totalmente anacrônicas, que não encontraria morada mesmo no livro “futurista” mais ambicioso, pois não haveria o que Lukács chama de “espaço concreto de possibilidade” (LUKÁCS, 2012). “É a existência que determina a consciência e não o contrário”. Para dirimir qualquer dúvida do papel histórico das categorias, Marx reforça: “Esse exemplo do trabalho abstrato mostra com clareza como as próprias categorias mais abstratas, apesar da validade para todas as épocas-justamente por causa da sua abstração-, na determinabilidade dessa própria abstração, são igualmente produtos de relações históricas e têm sua plena validade só para essas relações e no interior delas. (MARX, 2011 p 58).

Não existe, portanto, como alguns teóricos marxistas defendem uma teoria autônoma das abstrações em Marx (CHASIN, 2009, p.139-219). A abstração é um momento interno, de síntese das principais determinações, cumpre um papel importante, mas que sem o movimento de retorno a realidade concreta, torna se abstração vazia. Marx deixa claro que mesmo “a categoria econômica mais simples, digamos, o valor de troca, supõe a população, população produzindo em relações determinadas; [supõe] também certo tipo de família- ou comunidade- ou de Estado etc. Não pode jamais existir, exceto

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11 como relação abstrata, unilateral, de um todo vivente, concreto, já dado” (MARX, 2011 p.55). Desta forma, a famosa máxima de Lenin nos cadernos filosóficos, torna-se plena de sentido, quando ele diz que “Marx não nos deixou uma lógica, mas sim, a lógica do capital”. (LENIN, 2011, p.105) Não há uma lógica autônoma em Marx, como no caso de Hegel na “Ciência da Lógica”8. Todas as categorias são extraídas do solo histórico concreto, a sua abstração, ou momento lógico-abstrato, já pressupõe esse terreno real como dado, numa relação fundante-fundado, no qual se estabelece uma relação de autonomia relativa (lógica) e uma dependência ontológica (realidade).

Em caráter de conclusão, as principais interpretações sobre a obra de Marx, quando não negligenciaram a importância da história na constituição do seu método, compreenderam-na de forma parcial, na maior parte das vezes destacando apenas o aspecto genético, como um adendo, ou como uma filosofia da história no sentido hegeliano. Justificando, dessa forma, a originalidade e a relevância de nossa tese, que aponta para um caminho alternativo na exegese do revolucionário alemão.

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Referências

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