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A (IN) DAS AUTORIZAÇÕES JUDICIAIS PARA O TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO Suzete Da Silva Reis

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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO

CONPEDI SÃO LUÍS – MA

EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS

RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E

EMPRESARIAIS

LUCIANA ABOIM MACHADO GONÇALVES DA SILVA

(2)

Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Todos os direitos reservados e protegidos.

Nenhuma parte desteanal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregadossem prévia autorização dos editores.

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Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

E27

Eficácia de direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva , Rodrigo Goldschmidt, Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr– Florianópolis: CONPEDI, 2017. Inclui bibliografia

ISBN:978-85-5505-572-0

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça

CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________

Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Direitos sociais. 3. Contrato. 4. Educação. XXVI Congresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).

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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA

EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E EMPRESARIAIS

Apresentação

As relações sociais cotidianas, nomeadamente as de trabalho e empresa, vem desafiando

novos estudos sobre a eficácia dos direitos fundamentais.

Várias pesquisas, válidas e atuais, lançam luzes sobre os limites da atuação do Estado por

sobre o particular, fenômeno que se convencionou chamar de “eficácia vertical” dos direitos

fundamentais.

Atualmente, com a gradativa suplantação e instrumentalização do Estado pelo poder

econômico empresarial, a temática alçou novos contornos, na medida em que, de forma cada

vez mais frequente, constata-se que dito poder vem exorbitando os seus limites no âmbito das

relações individuais e coletivas de trabalho, afetando, com isso, a dignidade e a esfera de

personalidade do trabalhador.

Os artigos científicos que compõem esta obra coletiva constituem uma possível resposta a

essa problemática, procurando oferecer elementos teóricos para compreender as implicações

do uso abusivo do poder econômico, bem como elementos práticos para opor limites a este

poder nas relações privadas, com o mote de alcançar, na maior medida possível, um salutar

equilíbrio entre a empresa e o trabalho humano, a partir de um olhar conforme a

Constituição, a qual preconiza a valorização do trabalho, a livre iniciativa e a justiça social.

Nesse diapasão, preconizam a adoção de políticas públicas para promoção do trabalho

decente e da máxima efetividade dos direitos humanos dos trabalhadores, inclusive com

vistas ao disposto na Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre

Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu seguimento, enaltecendo a

imprescindibilidade de abolir o trabalho infantil, erradicar o trabalho forçado, eliminar a

discriminação e valorizar a negociação coletiva ao lado da liberdade sindical.

Para tanto, os artigos em questão exploram vários marcos regulatórios internacionais,

constitucionais e infraconstitucionais, assim como abarcam vários marcos teóricos, v.g., a

eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a função social da empresa e a função social do

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Agora todo esse material científico, elaborado com esmero e dedicação, depurado pelo

debate científico no Grupo de Trabalho constituído para esse fim no âmbito do XXVI

Congresso Nacional do CONPEDI realizado em São Luis/MA, de 15 a 17 de novembro de

2017, está à disposição de você.

Boa leitura, boas práticas!

Prof. Dr. Rodrigo Goldschmidt - Unesc

Profa. Dra. Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva - UFS

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr - UNICURITIBA

Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação

na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.

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A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DAS AUTORIZAÇÕES JUDICIAIS PARA O TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO

THE (IN)CONSTITUTIONALITY OF JUDICIAL AUTHORIZATIONS OF ARTISTIC CHILD LABOR

Suzete Da Silva Reis

Resumo

Apesar da proibição do trabalho para aqueles com idade inferior aos dezesseis anos, é

recorrente a exploração do trabalho infantil pelos meios de comunicação brasileiros, o que

impõe questionar se as autorizações judiciais para o trabalho infantil artístico são

constitucionais, atendendo aos preceitos insculpidos nos instrumentos normativos que

garantem a proteção integral consagrada pela Constituição Federal. Pretende-se, com o

presente trabalho, analisar a constitucionalidade das autorizações judiciais para o trabalho

artístico de crianças e adolescentes. Para viabilizar a elaboração do presente trabalho, o

método empregado foi o hermenêutico e como técnica de pesquisa foi empregada a

bibliográfica.

Palavras-chave: Autorizações judiciais, Proteção integral, Trabalho artístico, Trabalho

infantil

Abstract/Resumen/Résumé

Brazilian law prohibits those under sixteen years old of working, but child work is

recurrently exploited in the media. It makes one question whether judicial authorizations for

artistic child work are constitutional, attending the legal precepts that guarantee the Integral

Protection of Rights as established in the Federal Constitution. The aim of this research is to

analyse the Constitutionality of such judicial authorizations for the artistic child and teenager

labor, using the hermeneutic method and the bibliographic research technic.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Judicial authorization, Integral protection of rights,

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Introdução

Pretende-se, com o presente trabalho, analisar a constitucionalidade das autorizações

judiciais para o trabalho infantil artístico. A discussão sobre a temática não é recente e a vedação

constitucional é expressa, porém a concessão de autorizações judiciais continua acontecendo

de forma sistemática no Brasil.

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar o paradigma da proteção integral,

inaugurou uma nova fase para o Direito da Criança e do Adolescente, garantindo a prioridade

absoluta para a garantia dos direitos fundamentais. A condição de sujeito de direitos, conferida

às crianças e adolescentes, implicou na alteração legislativa, com a edição do Estatuto da

Criança e do Adolescente, bem como na criação de um sistema de garantias para assegurar a

proteção integral.

No entanto, o próprio Poder Judiciário, um dos órgãos que compõem o sistema de

garantia de direitos, tutela a exploração do trabalho infantil ao conceder autorizações judiciais

para o trabalho de crianças e de adolescentes com idade inferior à idade mínima para o trabalho

estabelecida pelo texto constitucional.

É flagrante a violação de direitos que ocorre sempre que uma autorização de trabalho é

concedida para uma criança ou adolescente abaixo da idade mínima. A tutela do Poder

Judiciário, ao conceder as referidas autorizações, contraria os preceitos constitucionais e

permite a violação de direitos trabalhistas e previdenciários.

Para uma melhor compreensão do tema, o primeiro aspecto a ser enfrentado diz respeito

a exploração do trabalho infantil e sua trajetória. Em segundo lugar, é preciso compreender o

conceito de trabalho infantil e sua amplitude, bem como analisar as suas causas e

consequências.

De modo geral, o trabalho infantil está associado às piores formas. No entanto, há outras

formas de exploração do trabalho que comprometem gravemente o desenvolvimento físico,

social, escolar e psicológico de crianças e de adolescentes. Dentre elas, está o trabalho infantil

artístico que, nem sempre é reconhecido como trabalho, confundindo-se, muitas vezes, com

atividade artística ou com atividade cultural. Entretanto, se for realizado por um artista adulto

é considerado trabalho.

O texto constitucional, ao vedar qualquer trabalho às crianças e adolescentes abaixo da

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a partir dos quatorze anos. Depreende-se, com isso, que o trabalho infantil artístico também está

vedado, expressamente, pelo artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal.

Portanto, são essas inquietações que resultaram no problema de pesquisa: diante da

proteção integral assegurada às crianças e adolescentes, as autorizações judiciais para o trabalho

infantil artístico são constitucionais? Para responder ao problema, o método empregado foi o

hermenêutico e como técnica foi utilizada a pesquisa bibliográfica.

1 A exploração do trabalho infantil ao longo da história e o necessário reconhecimento

do trabalho infantil artístico: breves considerações

No Brasil, a exploração do trabalho infantil acompanha a formação econômica do país,

sendo percebido desde o início da colonização portuguesa e perdurando ao longo da história.

Kassouf e Santos (2010) referem que ao longo do tempo, o trabalho infantil sofreu modificações

qualitativas e quantitativas. Entretanto, em sua essência, permanece o mesmo.

Grunspun (2000, p. 45), vai além e afirma que o trabalho infantil existe “desde os

primórdios da humanidade, em períodos anteriores a própria existência do Direito do Trabalho.

As crianças sempre trabalharam junto as famílias e as tribos sem se distinguir dos adultos com quem conviviam”.

Na história do Brasil, observa-se que o trabalho infantil sempre esteve presente: as naus

portuguesas que aqui chegavam estavam repletas de trabalhadores infantis. Bento-Sé (2000, p.

62), revela que meninos com idade entre nove e quinze anos eram obrigados pelos pais a

trocarem a infância pelo mar. Segundo o autor, cerca de 10% da frota de Cabral era formada

por crianças, que trabalhavam tal e qual um adulto.

Seguindo a mesma linha, Baffert (2006, p. 128), destaca que no Brasil, o “trabalho da

criança teve início com o próprio trabalho na Colônia, quando famílias inteiras de negros eram

compradas e mantidas em regime de escravidão. As crianças trabalhavam como seus pais, eram punidas com eles e, nessa vida predeterminada, nasciam e morriam pertencendo a alguém”. Do mesmo modo, seus filhos eram submetidos a essa situação degradante e atentatória à dignidade.

Ainda que oficialmente a escravidão foi sendo abolida ao longo do século XIX,

Pétre-Grenouilleau (2009), a mudança para o trabalho livre foi um processo difícil. Mesmo após a

abolição da escravidão a situação não sofreu grandes alterações e essas crianças passaram a

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oficialmente livres, mas continuavam presos ao trabalho, que lhes roubava a infância

(BAFFERT, 2006, p. 128).

Com a intensificação da imigração, o trabalho infantil ganhou novos contornos, pois tanto “no campo como nas indústrias, era comum que os filhos dos imigrantes completassem os primeiros anos, ou décadas, cumprindo rotinas de trabalhador” (BAFFERT, 2006, 128). A chegado dos imigrantes não provocou grandes alterações em relação à exploração do trabalho

infantil.

De acordo com Grunspun (2000, p. 52), o trabalho de crianças filhas de imigrantes era

recorrente:

[...] maioria das crianças pobres e os filhos de imigrantes não tinham certidões de nascimento para provar sua idade, e novamente dependemos da denúncia da imprensa de que todos podiam observar na saída das fábricas o número de crianças entre 8, 10 e 12 anos que trabalhavam. Com o crescimento fabril em São Paulo, se construíram, junto as fábricas, vilas de operários para as famílias que tinham cotas de produção e os filhos completavam essas cotas. Quanto mais filhos, mais fácil era conseguir a casa para a moradia nas vilas operárias

Posteriormente, a Revolução Industrial, particularmente com o surgimento do motor,

elevou a produção industrial, o que provocou uma luta pela sobrevivência por parte das

empresas. Uma das formas encontradas para garantir a continuidade e o aumento de produção

foi a contratação de mulheres e crianças que, tendo menos força física, poderiam ganhar menos

do que os homens (CESARIO JUNIOR, 1953). Contudo, trabalhavam um número maior de

horas e produziam tanto quanto os homens, porém a um custo menor.

A contemporaneidade, portanto, não assegurou o desaparecimento da escravidão, mas

sim, sob pressão das transformações políticas, econômicas e culturais foi mudando de forma

(PÉTRE-GRENOUILLEAU, 2009), adaptando-se as necessidades do mercado e do capital.

Em breve e sucinto retrospecto histórico, constata-se que o trabalho infantil sofreu

alterações quanto ao modo de exploração, porém, em essência, permaneceu inalterado. No

Brasil, a exploração do trabalho infantil perdurou ao longo dos dois últimos séculos, não mais

se restringindo às áreas rurais. Também nas áreas urbanas constatou-se uma elevação no

número de crianças em situação de trabalho, especialmente dentre as camadas mais pobres da

população. Aos poucos, estado e sociedade passaram a se preocupar com a situação e a elaborar

estratégias para a erradicação do trabalho infantil.

Passados mais de dois séculos, o Brasil ainda possui 2,7 milhões de crianças com idade

entre 5 e 17 em situação de trabalho, conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

(Pnad). Esse número corresponde a 5% da população dessa faixa etária. Outro dado alarmante

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parte dessas crianças trabalha com as famílias na agricultura, para terceiros, como empregados

domésticos, nas ruas ou outras atividades consideradas perigosas ou listadas dentre as piores

formas de trabalho infantil.

Entretanto, parte delas está trabalhando nos meios de comunicação, participando de

novelas, seriados, campanhas publicitárias, levadas pelas famílias e autorizadas pelo Poder

Judiciário. Muitas delas são obrigadas a negligenciar os estudos, pois as longas e extenuantes

jornadas de trabalho impedem a frequência à escola. Entre estudar e decorar falas, a opção é

pela segunda.

O convívio familiar e social também acaba sendo comprometido. A exposição midiática

transforma os atores mirins em pequenas celebridades, e os poucos horários de folga são

utilizados para participação de programas televisivos, shows, eventos, dentre outros.

Entretanto, mesmo preenchendo os requisitos estabelecidos pela Consolidação das Leis

do Trabalho para configuração do vínculo empregatício, essas crianças e adolescentes não

possuem nenhuma garantia ou proteção legal, a começar pelo não recebimento da remuneração.

No caso das crianças e adolescentes, como não têm idade para o trabalho, são os pais que se

responsabilizam pelos contratos de trabalho e pelo recebimento da remuneração. Tal prática,

salvo melhor juízo, configura-se como uma das formas de trabalho escravo contemporâneo.

É o exercício de uma atividade econômica que caracteriza o trabalho infantil:

Referimo-nos a crianças em atividade econômica quando as crianças se encontrem ocupadas em atividade econômica de qualquer natureza, pelo menos durante uma hora no período de referência. O termo atividade econômica inclui toda a produção comercial, bem como determinados tipos de produção não comercial (principalmente a produção de bens e serviços para uso próprio). Inclui todas as formas de trabalho em economias formais e informais, dentro ou fora do contexto familiar, o trabalho remunerado ou com fins lucrativos (em dinheiro ou em espécie, a tempo parcial ou inteiro) ou o trabalho doméstico realizado fora do próprio lar da criança, para uma entidade empregadora (com ou sem remuneração) (OIT, 2013, p. 28).

Diferentemente do que ocorre com as demais formas de trabalho infantil, o trabalho

infantil artístico não é, em regra, uma decorrência da condição econômica da sua família,

estando relacionado diretamente às concepções que percorrem o imaginário social acerca do

que seja trabalho ou do que seja trabalho infantil.

A aceitação social e a naturalização dessa forma de trabalho são decorrências “da

condição social das crianças por pertencerem de forma dominante às classes sociais médias-altas

e altas e o facto de estas atividades serem socialmente valorizadas” (MADEIRA; MARTINS, NETO-MENDES, 2012, p. 16), isso porque o trabalho infantil artístico alcança as crianças

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O glamour e a visibilidade, associadas às constantes campanhas dos meios de

comunicação são fatores decisivos para a continuidade dessa prática:

Ocorre a incidência dessa atividade principalmente em programas de televisão e na publicidade. Nessa seara, é regra o incentivo e interesse dos pais que representa, seja pelas possibilidades econômicas que propicia. Por isso não tem sido rara a participação ou omissão dos pais em situações de trabalho artístico que caracterizam abuso e desrespeito (MEDEIROS NETO; MARQUES, 2013, p. 14).

Diferentemente do que ocorre com a participação em atividades artísticas, é

inquestionável a presença dos requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis

Trabalhistas, portanto, restando configurada uma relação de trabalho. A manifestação artística

ou cultural, a participação em peças teatrais da escola, as apresentações em eventos

comemorativos, que ocorrem de forma pontual e esporádica, podem ser consideradas como

atividades artísticas e essas, por sua vez, não necessitam de autorização judicial para que sejam

desenvolvidas.

O trabalho nos meios de comunicação, ao contrário, configura-se como trabalho infantil

e não pode ser confundido com atividade artística:

Além da manifestação artística, esta atividade também se caracteriza como trabalho. Enquanto tal, a experiência nos bastidores se apresenta como um lugar que depende de alguns requisitos para que se garanta o que está previsto no ECA: trabalho que se justifica por seu caráter de aprendizagem, no caso dos menores de 14 anos. Para além do respeito a horários especiais; garantia de tempo de brincar, de se expressar artisticamente e da aprendizagem de uma atividade que se adéque ao mercado de trabalho; é preciso haver a exigência formal aos adultos envolvidos com a criança, dessa premissa de aprendizagem e desenvolvimento que justifique a presença dela naquele contexto (LACOMBE, 2004, p. 125).

A atividade artística está relacionada ao desenvolvimento de habilidades artísticas e,

normalmente, desenvolve-se nas escolas, teatros, oficinas. O caráter econômico não está

presente nessas atividades, pois não há o intuito de obtenção de lucro, mas sim a formação e o

desenvolvimento artístico.

Dentre os atores mirins, não é o que se observa. Lacombe (2004) afirma que é

justamente o contrário, pois as crianças não se preocupam em desenvolver uma atividade

artística, mas sim tornar-se um artista famoso. Essas crianças não frequentam teatro, não leem

e não tem esses hábitos difundidos nos seus ambientes familiares. O sonho, muitas vezes dos

pais, é tornar-se reconhecido e famoso.

A cultura de valorização da mídia, com a exposição nos mais diversos meios de

comunicação é vista de forma positiva, pois propicia a valorização daqueles que auferem a fama

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atividades artísticas podem trazer somente benefícios, propiciando aos atores mirins e a sua

família a ascensão social (GODOY, 2009).

Notadamente, ainda que alcancem o sucesso e a fama, os prejuízos são imensos. O

trabalho infantil, seja em qual das suas formas ocorra, é uma grave violação de direitos, pois “nega o direito fundamental à infância, em afronta ao direito da criança a ser criança, na qualidade de sujeito de direito em peculiar condição de desenvolvimento, a merecer absoluta prioridade e primazia” (PIOVESAN; LUCA, 2010, p. 362).

Furlan (2009) destaca que o desempenho de qualquer tipo de trabalho de crianças ou

adolescentes impede a execução de atividades correspondentes à faixa etária, incluindo o

brincar e o lazer.

Ainda em atenção à proteção integral, Piovesan e Luca (2010, p. 365) defendem que “em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde, sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral”. Ora, o trabalho artístico exige horas e horas de dedicação, incluindo as gravações, a preparação e os demais compromissos, como a

participação em programas, eventos e outros.

Os prejuízos decorrentes do trabalho infantil, seja ele artístico ou não, afetam

sobremaneira a vida futura, comprometendo o desenvolvimento físico, social, educacional e

psicológico. Além da violação aos direitos básicos, como educação, lazer e esporte, o trabalho

infantil causa problemas na saúde, como a fadiga excessiva, distúrbios no sono, irritabilidade,

alergias e alguns problemas respiratórios, além de prejuízos ao crescimento

(http://fundacaotelefonica.org.br/promenino/trabalhoinfantil/impactos-e-consequencias/).

Todavia, os prejuízos ultrapassam a saúde física e afetam o desenvolvimento

psicológico, acelerando o processo de amadurecimento. Ao assumir responsabilidades de um

adulto, cumprindo uma jornada de trabalho e sendo responsável pelo provimento, ou por parte

dele, do sustento da família, a infância não é vivenciada. As responsabilidades da vida adulta

são incompatíveis com a infância, que é perdida.

O mesmo ocorre no âmbito educacional: em jornadas de 36 horas por semana, a evasão

escolar pode alcançar 40% e a queda no rendimento escolar pode variar de 10% a 15%. Entre

os alunos da 8ª série do Ensino Fundamental, que trabalham em jornada de quatro horas diárias,

a queda no desempenho em Português e Matemática é de 4% comparados aos que não trabalho.

Portanto, mesmo que continuem na escola, a redução no desempenho pode servir de

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o trabalho.

((http://fundacaotelefonica.org.br/promenino/trabalhoinfantil/impactos-e-consequencias/).

Outro aspecto significativo diz respeito aos impactos econômicos do trabalho infantil,

porque as crianças, nas mesmas condições que um adulto, ganham muito menos. Ademais, por

estarem na informalidade custam muito menos para seus empregadores. E, futuramente, em

decorrência dos prejuízos educacionais decorrentes do trabalho infantil, o ingresso no mercado

de trabalho também se dará de forma precária, perpetuando-se o mesmo ciclo vicioso.

Neste sentido, importa destacar o que diz Machado (2011, p. 118):

[...] entendendo que o trabalho prematuro, na infância, impede o pleno desenvolvimento dos jovens, dificultando a inclusão destes no mercado de trabalho, no qual importará sobremaneira a formação técnica e cultural do trabalhador. De tal forma, afastado da formação escolar básica para trabalhar desde cedo, fica o jovem impedido de dar continuidade à formação intelectual que poderia permitir-lhe o acesso a empregos mais bem remunerados.

Os prejuízos, portanto, são a curto, médio e longo prazo, porque o trabalho infantil resulta na “precarização das relações de trabalho, a compressão dos salários para um patamar inferior dos que seriam pagos aos adultos, a redução de oportunidades de emprego, ocupação e inserção profissional aos adultos” (CUSTÓDIO, 2009, p. 60). Com isso, há o reforço do ciclo geracional de pobreza.

Para Oliva (2010, p. 144), “conciliar a inocência e a despreocupação próprias da tenra idade com a árdua responsabilidade do trabalho, ainda que no desempenho de atividade

artística, não é tarefa simples”. Se para os adultos o mundo do trabalho por vezes traz prejuízos,

muito mais para uma criança ou adolescente.

No entanto, ainda que se tenha ciência da gravidade e dos danos irreparáveis decorrentes

do trabalho infantil, ainda há um número significativo de crianças e de adolescentes nessa

situação. No caso do trabalho artístico, basta ligar a televisão ou folhear uma revista. Assim, é

imperioso refletir sobre a (in) constitucionalidade das autorizações judiciais para o trabalho, na

medida em que permitem a exploração sistemática do trabalho infantil.

2 As autorizações judiciais para o trabalho artístico e a Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 5326

A reflexão que se pretende fazer diz respeito às autorizações judiciais para o trabalho de

crianças e de adolescentes nos meios de comunicação, considerando que a Constituição Federal

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trabalho. Desse modo, não há amparo nem fundamento para a concessão das referidas

autorizações, tornando-as inconstitucionais.

O assunto é complexo e requer uma análise mais aprofundada.

A Constituição Federal, no art. 7º, inciso XXXIII veda a realização de qualquer trabalho

para aqueles que tem idade inferior aos dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir

dos quatorze anos de idade. A Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho,

ratificada pelo Brasil em 28 de junho de 2001 e com vigência nacional a partir de 28 de junho

de 2002, em seu artigo 8º, item 1, diz que autoridade competente poderá conceder exceções à

proibição de admissão ao emprego ou trabalho, quando a finalidade for a participação em

representações artísticas.

E é com base nesse último dispositivo que as autorizações para o trabalho nos meios de

comunicação tem sido concedidas.

Decorre dessa interpretação, equivocada, uma discussão sobre a competência para a

concessão das referidas autorizações: se é da Justiça da Infância e Juventude ou se é da Justiça

do Trabalho. A primeira é competente para tratar dos assuntos relacionados às crianças e

adolescentes; a segunda é competente para dirimir os conflitos oriundos das relações de

trabalho. Pois bem: o trabalho infantil nos meios de comunicação diz respeito às duas justiças?

Essa discussão tem sido objeto, inclusive, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, como

será aprofundado posteriormente.

A partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de

1990, que consagraram a proteção integral, ocorreram alterações muito significativas na

atuação do Poder Judiciário. A começar pelo papel desempenhado pelo Juiz, não mais na

condição de detentor de todo o poder sobre as crianças e adolescentes, mas sim de responsável

por garantir as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir dessa nova

concepção, dentre as funções do Juiz da Infância está o dever de fiscalização das instituições

de atendimento, juntamente com o Ministério Público e o Conselho Tutelar. Destaca-se também

a função administrativa, com a expedição de portarias, com vistas a evitar a violação de direitos

das crianças e dos adolescentes (BORDALLO, 2014, p. 517).

Até mesmo os requisitos exigidos do profissional que atuará como magistrado da infância

e juventude são diversos dos exigidos durante a vigência dos códigos menoristas, quando

(14)

O art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a competência da Justiça

da Infância e da Juventude:

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis;

II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo; III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes;

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;

V - conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis;

VI - aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente;

VII - conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis (BRASIL, 1990).

Verifica-se que, dentre as competências elencadas no art. 148 não está a emissão de

autorização judicial para o trabalho. A Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o

Código de Menores, e que foi posteriormente revogada pela Lei n. 8.069, de 1990, tratava da

permanência e participação em espetáculos teatrais, cinematográficos, circenses, radiofônicos e de televisão em seus artigos 50 a 54. Especificamente o art. 51 estabelecia que “nenhum menor de dezoito anos, sem prévia autorização da autoridade judiciária, poderá participar de espetáculo público e seus ensaios” (BRASIL, 1979), demonstrando que a confusão e a imprecisão conceitual quanto às categorias trabalho e atividade já existia à época.

Nesse sentido, Colucci (2010, p. 131) referindo-se à norma legal, destaca que “ao

magistrado não é permitido inová-la, ainda que sob o fundamento – por sinal contestável – de

que a lei não está em sintonia com as necessidades sociais e econômicas da criança ou do adolescente”. Na verdade, a questão das necessidades sociais ou econômicas da criança ou do adolescente está em segundo plano, pois os interesses que prevalecem são os interesses daqueles

que exploram diretamente o trabalho infantil. Quem se beneficia, efetivamente, do trabalho

infantil é aquele que utiliza a mão de obra infantil, não a criança ou o adolescente que trabalha.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, que revogou o Código de Menores, ao ampliar o espectro de

proteção à crianças e adolescentes em relação ao Código de 1979, não poderia conferir proteção menos

ampla do que já estava assegurado. Nesse sentido, é incabível fazer uma interpretação ampliada do art.

148 e atribuir uma competência (inexistente) à Justiça da Infância e da Juventude para autorizar para o

trabalho, porque se está diante de uma afronta literal aos preceitos constitucionais

O parágrafo único do art. 148 acresce ainda que compete à Justiça da Infância e da

Juventude, sempre que os direitos reconhecidos pelo Estatuto forem ameaçados ou violados por

(15)

e em razão da sua conduta, aplicar as medidas necessárias para garantir a efetividade desses

direitos (BRASIL, 1990).

Ocorre que, em se tratando de alvará ou autorização judicial para o trabalho àqueles com

idade inferior aos dezesseis anos de idade, em face da vedação constitucional expressa de

realização de qualquer trabalho abaixo do limite etário permitido, não é possível aceitar que tal

decisão decorra de um ato discricionário.

A ratificação da Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho não

autoriza, por si só, a aplicação do disposto no seu art. 8º, item 1. Isso porque, mesmo com a

ratificação da normativa internacional, o ordenamento jurídico brasileiro não incorporou as

normas de caráter flexível, caso do art. 8º da Convenção. A Comissão Tripartite que foi

instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego para analisar a ratificação da Convenção n.

138 deliberou, de forma unânime, que o Brasil não faria uso da exceção que possibilita a

permissão para o trabalho infantil artístico, mantendo-se como idade mínima aquela

estabelecida pela Constituição Federal.

Assim, o permissivo constante do artigo 8º, item 1, da Convenção n. 138 não pode ser

utilizado como subsídio para a autorização para o trabalho, pois, em se tratando de direitos

fundamentais, não pode uma norma internacional, se sobrepor ao ordenamento jurídico

nacional, restringindo direitos fundamentais já assegurados, sob pena de violar o princípio da

progressividade dos direitos humanos.

Sousa (2010, p. 107) bem resume a questão:

Quanto às normas constitucionais referidas, vê-se que o citado art. 7º, XXXIII da CF/88, integra o rol dos ‘Direitos e Garantias Fundamentais’, compondo especificamente aquele pertinente aos ‘Direitos Sociais’ e encerrando disposição incontroversamente preceptiva, de vez que ali se veem definidos de modo claro e preciso os limites etários mínimos estipulados para admissão ao trabalho, atribuindo ao seu beneficiário, assim, possibilidade de insurreição contra ofensas ao direito ali prestigiado. É, pois, o preceito ali talhado, um direito fundamental do trabalhador precoce.

Ao ser ratificada, as Convenções internacionais ingressam no ordenamento jurídico com

o status de lei ordinária, não podendo se sobrepor à Constituição Federal. E mesmo os tratados

internacionais que versem sobre direitos humanos e que possuem o mesmo patamar hierárquico

constitucional, justamente por tratarem de direitos humanos e fundamentais, não podem

restringir direitos, mas tão somente ampliá-los.

Drosghic (2013, http://npa.newtonpaiva.br), compartilha do mesmo entendimento

(16)

ser considerado inconstitucional pelo fato da nossa Constituição Federal ser hierarquicamente superior a todas as outras normas. Sendo assim, nenhuma norma infraconstitucional pode prevê fato contrária ao que determina a Carta Magna.

A interpretação do art. 8º da Convenção n. 138, portanto, não pode ser ampliativa, mas

sim restritiva. Nesse caso, deve prevalecer o que dispõe o art. 7º, inciso XXXIII da Constituição

Federal que veda qualquer trabalho abaixo dos dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz a

partir dos quatorze anos.

Superada essa discussão, Ramidoff (2005, p. 29) ressalta a normatização deontológica

protetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente e das demais normas protetivas:

Já há algum tempo tenho afirmado que o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal 8.069, de 13.07.1990 – é o novo código deontológico protetivo de crianças e adolescentes, no Brasil. Código, porque consolida normativamente as estratégias e o instrumental operacional mínimo à implementação dos direitos e garantias fundamentais pertinentes a esta nova totalidade subjetiva, então, constituída por crianças e adolescentes. Deontológico, precisamente, porque estabelece o regulamento indispensável e necessário para a constituição de diversas formas de relação em que possam se encontrar estas novas subjetividades, isto é, busca transformar culturalmente tanto a opinião pública, quanto o senso comum jurídico, através de novos valores assumidos e convencionados, agora, em fórmulas de tratativas e inéditas pautas, até então apenas presentes nos compromissos pactuados internacionalmente. E, protetivo, haja vista que se orientam todas estas proposições legislativas através do novel primado constitucional estabelecido pela Doutrina da Proteção Integral, enquanto vertente da diretriz internacional dos Direitos Humanos, especificamente, voltados para a criança e o adolescente.

A assunção de um conjunto de valores e princípios voltados ao atendimento dos direitos

humanos e fundamentais de crianças e adolescentes feita pelo texto constitucional e pelas

demais normas infraconstitucionais, implica o compromisso de adotar medidas que assegurem

esses direitos e garantam a observâncias desses valores. Desse modo, a proteção constitucional

é superior a qualquer outra normativa, nacional ou internacional.

Além disso, a redação do art. 8º da Convenção n. 138 é bastante clara quando refere que

a autoridade competente poderá conceder exceções à proibição de ser admitido ao emprego ou

de trabalhar, quando a finalidade for a participação em representações artísticas. O emprego do termo “poderá” enseja a compreensão de que, cada país, a partir da sua legislação nacional, estabelecerá o limite etário mínimo para admissão ao emprego ou trabalho. A autoridade a que

se refere o Estatuto da Criança e do Adolescente é o Juiz da Infância e da Juventude ou o Juiz

que exerce essa função conforme disposição da lei de organização judiciária local.

Ainda que a redação do art. 149, inciso II, alínea “a” do Estatuto faça referência à possibilidade de autorização para participação de crianças e adolescentes em espetáculos

públicos e seus ensaios, os princípios constitucionais, assim como os princípios estatutários,

(17)

É preciso, também, estabelecer um comparativo entre a redação do art. 8º da Convenção

n. 138 da Organização Internacional do Trabalho e a redação do art. 149, inciso II, alínea “a”

do Estatuto da Criança e do Adolescente: a primeira fala em participação em representação

artística enquanto a segunda trata da participação em espetáculos públicos e seus ensaios. Nessa

perspectiva, a participação em seriados e novelas, ou até mesmo em inserções publicitárias,

produzidas por empresas dos grupos econômicos ligados aos meios de comunicação, não

comporta o caráter artístico, conforme se depreende da leitura do art. 8º, item 1, da Convenção

n. 138, mas sim configura-se como trabalho.

Diante de tanta controvérsia, surge o debate acerca da competência para emissão (ou não)

das autorizações para o trabalho artístico de crianças e adolescentes. De um lado, defensores da

competência da Justiça da Infância e Juventude, com o argumento de que toda e qualquer

matéria envolvendo crianças e adolescentes está sob a sua competência; de outro lado,

defensores da competência da Justiça do Trabalho, por se tratar de trabalho.

Os Estados de São e Mato Grosso, visando conferir maior proteção às crianças e

adolescentes em situação de trabalho artístico, editaram, respectivamente as Recomendações

Conjuntas n. 01/2014-SP e n. 01/2014-MT, atribuindo à Justiça do Trabalho a competência para

processar e julgar as causas que tenham como fulcro a autorização de trabalho para crianças e

adolescentes. Somado a isso, foram editados o Ato GP 19/2013, que instituiu o Juízo Auxiliar

da Infância e da Juventude no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São

Paulo e o Provimento GP/CR 07/2014 que instituiu os parâmetros para instrução de processo

judicial para concessão de autorização do trabalho infantil, ambos no âmbito do Tribunal

Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo.

De acordo com o Provimento GP/CR n. 07/2014, o pedido de autorização de trabalho de

criança ou adolescente deverá preencher os requisitos da legislação em vigor e estar

acompanhado de autorização por escrito e devidamente assinada pelos pais ou responsáveis,

com firma reconhecida, com relação ao trabalho da criança ou do adolescente, acompanhada

de cópia dos documentos pessoais ou cópias autênticas, além de termo de compromisso, com

firma reconhecida, dos pais ou do representante legal que deverá acompanhar pessoal e

constantemente a atividade de trabalho da criança ou do adolescente.

Nesse aspecto é importante salientar que, via de regra, a solicitação de autorização para

o trabalho é feita diretamente pelo empregador ou agenciador, ou ainda pelas agências de

publicidade.

(18)

Em relação ao empregador, deverão ser apresentadas cópia do contrato social e eventuais

alterações; cópia do alvará de funcionamento municipal e autorização dos bombeiros, relativos

ao local em que se realizará o trabalho, quando aplicável; a identificação da conta-poupança,

em nome da criança ou do adolescente, para destinação da remuneração, ou medida equivalente,

a critério do juízo; cópia do plano de assistência médica, odontológica e psicológica, bem como

da apólice de seguro em nome da criança ou do adolescente, se houver; e, talvez uma das mais

importantes exigências, a minuta do contrato de trabalho a ser pactuado com a criança ou o

adolescente, especificando o horário de trabalho, intervalos, duração do contrato, grau de

exposição da criança ou do adolescente, incluindo detalhamento do vestuário, forma de

remuneração, especificando valores a serem efetivamente destinados à criança ou ao

adolescente, e local/locais de realização das atividades laborativas.

Se a criança ou adolescente está em situação de trabalho, a exigência de apresentação da

minuta do contrato de trabalho, com todas as especificações necessárias, é plenamente viável.

Desse modo, antes de autorizar o trabalho, as condições através das quais o mesmo se

perfectibilizará deverão ser conhecidas. Com isso, evita-se que crianças sejam autorizadas a

trabalhar em jornadas extremamente longas, que impliquem no afastamento escolar, ou de

participar de programas nos quais as cenas de violência sejam centrais. Na história dos meios

de comunicação brasileiros, não foram poucos os seriados, novelas e campanhas publicitárias

que utilizaram crianças em cenas de violência extrema ou outras que traziam dramas familiares

e pessoais complexos e de difícil compreensão para os atores mirins.

Outra importante determinação está no § 3º do art. 1º do Provimento GP/CR n. 07/2014.

O mesmo estabelece que qualquer que seja o tema artístico a ser realizado: tais como

participação em filmagens, peças de teatro, propagandas, dublagens ou outros, o trabalho

desenvolvido pela criança ou pelo adolescente deve ter preservado sua finalidade recreativa

e/ou educativa, sem implicar contexto degradante ou que de alguma maneira o prejudique em

sua integridade. Para tanto, poderá ser exigida a apresentação do roteiro do trabalho artístico.

O Provimento avança, ainda, quando determina que todos os pedidos de autorização de

trabalho serão remetidos ao Ministério Público do Trabalho para manifestação e que, quando

da concessão do alvará, o mesmo terá que ser certo e específico.

Por fim, o art. 6º do Provimento determina que o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude,

sempre que entender conveniente, poderá determinar o comparecimento de Oficiais de Justiça,

psicólogos, assistentes sociais ou afins, nos locais onde autorizada a participação da criança ou

do adolescente em peças teatrais ou outras exibições artísticas, de forma a aferir o cumprimento

(19)

E os primeiros resultados surgiram já em 2015 quando dois atores mirins foram proibidos

de trabalhar em uma peça teatral e dois apresentadores mirins foram retirados de um programa

de auditório diário1. Porém, tal proteção gerou insatisfações que resultaram na Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) n. 5326, ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Associação

Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e que questiona a competência da

Justiça do Trabalho para analisar os pedidos de trabalho de crianças e adolescentes em

representações artísticas.

Ainda que a questão central esteja relacionada com o teor da ação Direta de

Inconstitucionalidade 5.326, o primeiro questionamento que deve ser feito, é a respeito da

legitimidade da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão para interpor referida

ação, eis que se trata de uma associação civil. Tanto a doutrina quanto o próprio Supremo

Tribunal Federal têm pacificado o entendimento de que somente as entidades de âmbito

nacional referidas pelo artigo 103, VIII, da Constituição Federal, assim consideradas aquelas

que, de fato, possuam cunho nacional, com representação irrestrita e que tenham membros

espalhados em um terço dos Estados da Federação, pelo menos. Portanto, não é qualquer

associação civil que tem legitimidade ativa ou possui vocação estatutária para representar

supostos interesses nacionais. No caso do trabalho infantil artístico não se trata de interesse

nacional, mas sim do receio de não mais conseguir explorar a mão de obra infantil.

A discussão está em andamento, todavia resta claro que as atividades artísticas

configuram-se como legítimas relações de emprego. Nesse sentido, a questão das autorizações

vai além do caráter protetivo, construindo em sua essência uma relação de trabalho e que não,

por essa razão, não está na esfera de competência nem da Justiça da Infância e da Juventude,

nem da Justiça do Trabalho, eis que nenhuma delas tem competência para excetuar qualquer

proteção estabelecida pelo texto constitucional e violar, com isso, os direitos humanos e

fundamentais de crianças e adolescentes.

Conclusão

(20)

O inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal determina, expressamente, a

proibição de qualquer trabalho aos menores de dezesseis anos, exceto na condição de aprendiz

a partir dos quatorze anos. Porém, diariamente, crianças e adolescentes trabalham nos meios de

comunicação, assistidas por toda a nação e com o aval dos pais e do Poder Judiciário. Isso nada

mais é do que a aceitação da violação dos direitos humanos e fundamentais.

A discussão sobre a (in) constitucionalidade das autorizações judiciais para o trabalho

de crianças e adolescentes nos meios de comunicação, que permite a exploração do trabalho

infantil artístico em completa desconformidade com o ordenamento jurídico brasileiro e com

os princípios e preceitos constitucionais, não é recente. Contudo, pouco se tem avançado no

sentido de erradicar, de vez, toda e qualquer forma de exploração do trabalho infantil.

A valorização do trabalho, que é um dos fundamentos da República brasileira, não é

compatível com a exploração do trabalho infantil, porque afronta os demais fundamentos e

princípios constitucionais. A exploração do trabalho infantil viola os direitos fundamentais,

alvo da tutela constitucional e da legislação infraconstitucional voltada à proteção da criança e

do adolescente e, portanto, deve ser erradicada.

Apesar de muitas ações terem sido implementadas ao longo das últimas décadas e de se

constatar uma redução significativa do trabalho infantil, algumas formas persistem e continuam

firmemente arraigadas. É o caso do trabalho infantil nos meios de comunicação, que é

socialmente aceito e que revela a necessidade de construção de um referencial teórico e de um

consenso acerca da gravidade das consequências dessa forma de trabalho infantil, que traz

prejuízos para a vida presente e futura das crianças e adolescentes.

Nessa perspectiva, as autorizações judiciais para o trabalho contrariam a proteção

integral, consagrada no ordenamento jurídico brasileiro e que determinada que família,

sociedade e Estado assegurem, com prioridade absoluta, os direitos infanto-juvenis. Desse

modo, qualquer forma de trabalho que não se enquadre nos limites etários, constitucionais e

infraconstitucionais, é uma violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Fundamentadas numa interpretação equivocada do artigo 8º da Convenção n. 138 da

Organização Internacional do Trabalho, as autorizações judiciais tutelam a exploração do

trabalho infantil. A Convenção trata de atividades artísticas, que não se confundem com o

trabalho artístico e nas quais não há o predomínio do caráter econômico, mas sim a formação e

o desenvolvimento artístico.

Porém, ainda que superada a questão interpretativa do artigo 8º, o fato é que a

Constituição Federal traz uma vedação expressa. Portanto, ainda que a Convenção n. 138 tenha

(21)

direitos fundamentais, o dispositivo constitucional é hierarquicamente superior. E é por essa

razão que não há fundamento para as autorizações judiciais para o trabalho, o que as torna

inconstitucionais.

É imprescindível ter claro que, contemporaneamente, a exploração do trabalho infantil

difere do que ocorria no século XVIII, porém é tão gravosa quanto à época. Inúmeras são as

formas de exploração do trabalho de crianças e de adolescentes, porém as consequências são

sempre graves e irreversíveis. Nessa perspectiva, todos os esforços devem ser conjugados para

que, de fato, toda e qualquer forma de exploração do trabalho infantil seja combatida, inclusive

o trabalho infantil nos meios de comunicação.

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