• Nenhum resultado encontrado

O dever de apresentação à insolvência e responsabilidade dos administradores por insolvência culposa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O dever de apresentação à insolvência e responsabilidade dos administradores por insolvência culposa"

Copied!
100
0
0

Texto

(1)

Universidade de Lisboa Faculdade de Direito

O DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA E RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR

INSOLVÊNCIA CULPOSA

Filomena Massoxi Ambriz Caxito

Dissertação de Mestrado orientada pela Prof.ª Doutora Adelaide Menezes Leitão

Mestrado Profissionalizante em Direito - Jurídico-Empresarias

(2)

i AGRADECIMENTOS

À Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, por ter aceite a minha candidatura ao mestrado e dessa forma permitindo-me fazer o mestrado.

À Professora Doutora Adelaide Menezes Leitão, por aceitar a orientação da presente dissertação.

A todos os meus Professores do curso de mestrado, e de licenciatura, por tudo o que me ensinaram durante esses anos.

À biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pelo apoio bibliográfico que me proporcionou.

(3)

ii MODO DE CITAÇÃO

A presente dissertação foi redigida de acordo com o acordo ortográfico vigente.

Nas citações, preferi manter a redação original dada pelo autor, pelo que os textos citados podem não estar de acordo com o acordo ortográfico, o mesmo se passando com o título das obras consultadas.

As obras citam-se pelo nome do autor, título completo, edição caso haja várias, volume no caso de haver vários, editora, local e ano de publicação.

Os artigos citam-se pelo autor, título entre aspas, revista, número, editora, local e ano de publicação.

Nas referências subsequentes, apenas se fará menção ao nome do autor, título da obra ou artigo, de forma abreviada, e páginas.

A jurisprudência cita-se pela seguinte ordem: nome do tribunal que proferiu a decisão, data do acórdão, n.º do processo, relator e local de publicação.

Os artigos utilizados no texto sem indicação do diploma legal fazem parte do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE); para todos os outros artigos será indicada a respetiva fonte legal.

(4)

iii ABREVIATURAS

BFDUC – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra CC – Código Civil

CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas

CPEREF – Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa CSC – Código das Sociedades Comerciais Ed. – Edição

MP – Ministério Público n.º – número

n.ºs – números

RFDUCP – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa SS. – e seguintes

UNL – Universidade Nova de Lisboa VOL. – Volume

(5)

iv ÍNDICE GERAL AGRADECIMENTOS ... i MODO DE CITAÇÃO ... ii ABREVIATURAS ... iii RESUMO ... vi ABSTRACT ... viii I. INTRODUÇÃO ... 1

1. Delimitação do objeto de estudo ... 1

2. Nota introdutória sobre o dever de apresentação à insolvência e responsabilidade civil dos administradores por insolvência culposa ... 2

II. O DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA ... 7

1. Em que situação se verifica... 7

2. O conceito de insolvência ... 8

3. A insolvência iminente e o dever de apresentação à insolvência ... 13

4. Prazo e suspensão do prazo ... 20

5. O dever de apresentar o devedor à insolvência nos termos do artigo 19º do CIRE ... 24

III. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO INCUMPRIMENTO DO DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA ... 36

1. Aspetos gerais ... 36

2. Incidente de qualificação da insolvência ... 36

3. O incidente pleno (tramitação) ... 39

4. O incidente limitado (tramitação) ... 44

5. Insolvência culposa noção e pressupostos ... 45

6. Efeitos da qualificação da insolvência como culposa ... 62

7. Pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa ... 62

8. A obrigação de indemnizar os credores do devedor insolvente ... 63

IV. RESPONSABILIDADE INSOLVENCIAL VERSUS RESPONSABILIDADE SOCIETÁRIA POR VIOLAÇÃO DE NORMAS DE PROTEÇÃO ... 68

1. Aspetos gerais ... 68

2. Pressupostos de aplicação do artigo 78º do CSC ... 68

3. Pressupostos gerais da responsabilidade civil ... 71

3.1 O facto ... 71

3.2 A ilicitude ... 72

(6)

v 3.4 O dano ... 74 3.5 O nexo causal ... 76 4. Pontos de contactos e diferenças entre responsabilidade insolvencial e responsabilidade societária ... 78 V. CONCLUSÕES ... 82 BIBLIOGRAFIA ... 85

(7)

vi RESUMO

A presente dissertação tem por objeto o estudo do regime da responsabilidade civil dos administradores perante os credores sociais pelo não cumprimento do dever de apresentação à insolvência e por insolvência culposa.

A responsabilidade civil dos administradores perante os credores sociais está intimamente ligada à violação de deveres legais ou contratuais a que os administradores estão adstritos - como os deveres de cuidado e de lealdade, previstos no artigo 64º do CSC, que de uma certa forma têm enquadramento legal nas diversas alíneas do artigo 186º do CIRE.

Como sabemos, pelas dívidas da sociedade responde o seu próprio património. Assim sendo, a razão de ser ou o fundamento que conduz a que os administradores respondam pelas dívidas da sociedade, será por estes terem praticado atos dolosos ou com culpa grave, que criaram ou agravaram a situação de insolvência, artigo 186º/1 do CIRE ou por terem violado normas destinadas a proteger os credores sociais, artigo 78º/1 do CSC. Na presente dissertação, inicia-se a analise do dever de apresentação à insolvência previsto no artigo 18º do CIRE, cujo não cumprimento pode constituir os administradores na obrigação de indemnizar os credores sociais no montante dos créditos não satisfeitos, na medida em que o não cumprimento desse dever pode levar à qualificação da insolvência como culposa.

Ao longo do nosso estudo, verificou-se que o dever de apresentação à insolvência, consagrado no artigo 18º do CIRE, pode fundamentar a responsabilidade civil dos administradores perante credores sociais quer por insolvência culposa, prevista no artigo 186º/3 alínea a) do CIRE, quer por violação de normas de proteção prevista no artigo 78º/1do CSC.

Com as alterações feitas pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril, ao artigo 189º/2, alínea e), conclui-se que, atualmente, os credores sociais se encontram bem mais protegidos contra os atos de gestão danosa dos administradores que lesam os seus direitos, na medida em que estes (administradores) são obrigados a indemnizar os credores do

(8)

vii devedor declarado insolvente, como também se verificou que o objetivo do CIRE em acabar com as insolvências dolosas ou fraudulentas será mais facilmente atingindo.

Palavras-chaves: responsabilidade civil dos administradores/credores sociais/ insolvência culposa/normas de proteção/ dever de apresentação da insolvência/ qualificação da insolvência.

(9)

viii ABSTRACT

The aim of this dissertation is to study the regime of civil liability of the administrators before social creditors for failure to fulfill the obligation to file for insolvency and for fraudulent insolvency.

The civil liability of administrators to the social creditors is very closely related to the violation of legal or contractual duties to which the administrators have to follow - such as the duties of care and loyalty provided for in Article 64 of the CSC, which in some ways have a legal framework found in paragraphs of Article 186 of the CIRE.

As it is known, the debts of society respond to their own heritage. Therefore, the rationale or reason for administrators to answer for the debts of society, is due to committing malicious or grossly fraudulent acts that have created or aggravated the insolvency, Article 186/1 of the CIRE or for breaching rules designed to protect social creditors, article 78/1 of the CSC.

In this dissertation, an analysis of the obligation to file for insolvency provided for in Article 18 of the CIRE, of which the non-compliance may result in the administrators being compelled to compensate the creditors in the amount due, furthermore the non-compliance may lead to the classification of the insolvency as fraudulent.

Throughout this study, it was verified that the obligation to file for insolvency, enshrined in Article 18 of the CIRE, can substantiate the civil liability of administrators towards social creditors by fraudulent insolvency, as provided for in Article 186/3 a) CIRE , or by the violation of the norms of protection foreseen in article 78/1 of the CSC.

With the amendments made by Law no. 16/2012, April 20th, to article 189/2, paragraph e), one can conclude that, currently, social creditors have much better protection against acts of fraudulent management which lead to the infringement of their rights, in such a way that these (administrators) are obliged to recompense the creditors of the debtor declared insolvent. But it has also been found that CIRE's objective of ending malicious or fraudulent insolvencies will be more easily achieved.

(10)

ix Keywords: civil liability of administrators / social creditors / fraudulent insolvency / standards of protection / insolvency filing / insolvency qualification.

(11)

1 I. INTRODUÇÃO

1. Delimitação do objeto de estudo

A delimitação do objeto de estudos da presente dissertação passa pela abordagem de questões relativas ao dever de apresentação à insolvência, tais como quando se verifica este dever; o conceito de insolvência; se a insolvência iminente constitui ou não o devedor na obrigação de requerer a declaração da sua insolvência; prazo e suspensão do prazo, e se, a apresentação à insolvência nos termos do artigo 19º do CIRE, exige ou não uma prévia deliberação dos sócios.

Uma das consequências jurídicas do incumprimento do dever de apresentar a sociedade à insolvência, consiste no fato de à insolvência poder ser qualificada como culposa. Assim, antes de analisar o regime jurídico da responsabilidade civil dos administradores por insolvência culposa, torna-se indispensável abordar de forma breve, a questão relativa ao incidente de qualificação da insolvência, na medida em que é no incidente, que se verifica o comportamento doloso ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, a que se refere o artigo 186º/1 do CIRE, de forma, a se poder apurar se a insolvência é ou não culposa.

Com efeito, importa também analisar brevemente a sua tramitação, de modo a perceber-se quem possui legitimidade para abrir o incidente, o prazo dentro qual o incidente deve ser aberto, as intervenções do administrador da insolvência e do MP relativamente a qualificação da insolvência. Assim, fica de fora as questões que dizem respeito as remissões feitas no artigo 188/8, para os artigos. 132º a 139 do CIRE. Dentro dos efeitos da qualificação da insolvência culposa, importa sobre tudo a responsabilidade patrimonial dos administradores prevista no artigo189º/2 do CIRE. Assim sendo, não se vai abordar as questões relativas a inibição das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência, nem a questão relativa a perda de créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.

Uma vez que, o dever de apresentação à insolvência previsto no artigo 18º do CIRE constitui uma norma de proteção para credores sociais, afigura-se também importante tratar da responsabilidade civil dos administradores por violação de normas de

(12)

2 proteção. Procurando-se estabelecer pontos de contactos e de diferenças entre responsabilidade insolvencial e responsabilidade societária por violação de normas de proteção prevista no artigo 78º do CSC.

2. Nota introdutória sobre o dever de apresentação à insolvência e responsabilidade civil dos administradores por insolvência culposa

No exercício das competências que lhes são legalmente atribuídas, os membros do órgão de administração gerem, por norma, um património alheio1, por vezes de forma que se vem a demonstrar danosa, causando sérios prejuízos quer para a sociedade, quer para terceiros, entre eles trabalhadores, clientes e credores.

Em alguns casos, estes prejuízos decorrem da exploração normal da empresa, que nem sempre gera lucros; noutros, estes prejuízos são o resultado de uma exploração deficiente por parte dos administradores, seja por estes não terem competência para o bom desempenho do cargo, por serem negligentes ou por terem a intenção de, em benefício próprio ou de terceiros, causar prejuízos à sociedade.

O objeto desta dissertação é o estudo do regime da responsabilidade civil dos administradores perante credores sociais, no âmbito do processo de insolvência, pelo não cumprimento do dever de apresentar a sociedade à insolvência, o que pode ter como consequência a qualificação da insolvência como culposa, constituindo-se os administradores na obrigação de indemnizar os credores sociais.

O artigo 18º do CIRE prevê justamente o dever de apresentação à insolvência. Como veremos adiante, esta norma, que impõe o dever legal de o devedor se apresentar à insolvência, pode fundamentar não somente a responsabilidade dos administradores por insolvência culposa, como também a responsabilidade civil destes no âmbito societário por violação de normas de proteção, desta vez nos termos do artigo 78º/1 do CSC.

1 Vide MARIA ELISABETE RAMOS, Responsabilidade civil dos administradores e diretores de sociedades anónimas perante os credores sociais, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 20.

(13)

3 O cumprimento deste dever tem uma importância fundamental, que consiste precisamente na abertura do processo de insolvência, que tem por finalidade a satisfação dos direitos dos credores da melhor forma possível. O “Direito da falência e insolvência” era visto, tradicionalmente, como um mecanismo dirigido a fazer cumprir o “princípio da responsabilidade patrimonial”2. A garantia comum dos credores era constituída pelo património do devedor; uma vez verificada a sua insuficiência, o mesmo era liquidado de forma a garantir o pagamento dos direitos dos credores3.

O Código de Processo Civil de 1939 e o de 1961 faziam referencia expressa à “liquidação em benefício de credores”. Contudo, o regime da insolvência nem sempre foi assim. De acordo com MENEZES CORDEIRO, as “reformas vintistas das leis da falência”4, levaram o legislador, no Decreto-Lei nº 177/86, de 2 de julho e no Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de abril, diploma que aprovou CPEREF, a dar primazia à recuperação da empresa em vez da satisfação dos direitos dos credores. No entanto, ainda segundo MENEZES CORDEIRO, a opção do CPEREF demonstrou não ser a melhor. As empresas em situação difícil não recuperam por si só, e a obrigação de ter de recuperar a empresa, em primeiro lugar, para posteriormente ir a “fase concursal”, traduz-se normalmente num gasto excessivo de dinheiro, com danos acrescidos para os credores e prejuízo dos “valores subjacentes à empresa”5.

Também JOSÉ LEBRE DE FREITAS considera que a primazia na recuperação da empresa foi “fonte de problemas”, devido ao facto de algumas empresas usarem desse expediente para adiarem a sua ida à falência, provocando mais prejuízos para os credores6.

2 JOSE LEBRE DE FREITAS, "PRESSUPOSTOS OBJECTIVOS E SUBJECTIVOS DA INSOLVENCIA" In: Themis

Revista da Faculdade de Direito da UNL, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, 2005. P. 11.

3 JOSE LEBRE DE FREITAS, "PRESSUPOSTOS OBJECTIVOS E SUBJECTIVOS DA INSOLVENCIA" P. 11.

4 MENEZES CORDEIRO, “Perspetivas evolutivas do Direito da insolvência” in: Revista de Direito das

Sociedades, Ano IV, nº 3, Almedina, Coimbra, 2012, p. 583.

5 MENESES CORDEIRO, "introdução ao Direito da Insolvência" In: O Direito, Ano 137, nº 3, 2005, p. 499.

“Perspetivas evolutivas do Direito da insolvência”, p. 583, e Litigância de má-fé, abuso do direito de ação e culpa in agendo, 3ª ed., aumentada e atualizada, à luz do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2014, p. 235.

(14)

4 Com a entrada em vigor do CIRE, o principal objetivo passou a ser a satisfação dos direitos dos credores: “o fim de recuperação é subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade única que orienta todo o regime”.7 Existe, segundo MENEZES CORDEIRO, uma “primazia da satisfação dos credores”8.

De acordo com MENEZES COREIRO, a primazia em satisfazer os direitos dos credores visa afastar o impedimento criado pela recuperação, passando esta a ser a última finalidade do processo. A recuperação da empresa surge “como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores”9.

Com a alteração feita pela Lei n.º 16/ 2012 de 20 de abril, o artigo 1º do CIRE dá a impressão de que a principal finalidade do processo de insolvência voltou a ser a recuperação da empresa, ficando a liquidação do património do devedor para a satisfação dos direitos dos credores em último plano.

Para ADELAIDE MENEZES LEITÃO, as alterações feitas pela Lei n.º 16/ 2012 de 20 de abril vão ao encontro do “proposto no Memorando de Entendimento e nas diretrizes da Comissão Europeia, que defende o primado da recuperação sobre a liquidação”10. Na sua nova versão, o artigo 1º do CIRE passou a ter uma filosofia muito diferente. A principal finalidade do processo deixa ser a liquidação do património do devedor para satisfação dos direitos dos credores, passando a ser a recuperação da empresa. Mas, apesar de o artigo1º “apontar” para uma inversão da finalidade do processo, pode afirmar-se que o CIRE no seu todo foi e se “mantém elaborado” sobre “o princípio da primazia da vontade dos credores”11.

Segundo LUÍS MENEZES LEITÃO, apesar de a Lei n.º 16/ 2012 de 20 de abril, ter atenuado a “filosofia do Código” passando a prever como finalidade principal a recuperação da

7 JOSE LEBRE DE FREITAS, "PRESSUPOSTOS OBJECTIVOS E SUBJECTIVOS DA INSOLVENCIA" P. 12.

8 MENEZES COREDIRO, “Introdução ao direito da insolvência” p.498, “Perspetivas evolutivas do Direito da

insolvência” p. 582, e Litigância de má-fé, abuso do direito de ação e culpa in agendo, p. 234.

9 Vide MENEZES CORDEIRO, “Introdução ao direito da insolvência” p. 500. “Perspetivas evolutivas do

Direito da insolvência” p. 583, e Litigância de má-fé, abuso do direito de ação e culpa in agendo, p. 236.

10 ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Insolvência de pessoas singulares: A exoneração do passivo restante e o

plano de pagamentos. As alterações da Lei n.º 16/ 2012 de 20 de abril” in: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor JOSÉ LEBRE DE FREITAS, 1ª ed., vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 513.

11 ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Insolvência de pessoas singulares: A exoneração do passivo restante e o

(15)

5 empresa “esta simples alteração” não é suficiente para afastar a ideia de que a finalidade principal do processo de insolvência é a satisfação dos direitos dos credores, da qual “a recuperação da empresa é um mero instrumento”12.

Assim sendo, e de acordo com alguns autores13 podemos afirmar que a alteração feita pela Lei n.º 16/2012 de 20 de abril, ao artigo 1º/1 do CIRE, é apenas formal, e não substancial, porque a recuperação da empresa prevista no plano de insolvência ou a liquidação do património do devedor, ficam dependentes da vontade dos credores. Antes das alterações feitas pela Lei n.º 16/ 2012 de 20 de abril, o prazo para o devedor se apresentar à insolvência era de 60 dias. O legislador, entendeu encurtá-lo para 30 dias, de modo a que as empresas em situação de insolvência requeiram imediatamente a sua declaração de insolvência, evitando desta forma que a sua situação se agrave e com isso saiam prejudicados aqueles que com ela se relacionam. O não cumprimento deste prazo pode acarretar sérias implicações, entre as quais o agravamento da situação financeira da empresa, bem como a qualificação da insolvência como culposa nos termos do artigo 186º/3, alínea a) do CIRE. Uma vez qualificada como culposa, os administradores, ou melhor dizendo as pessoas afetadas por esta qualificação, ficam obrigados a indemnizar os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos. (Artigo 189º/2, alínea e) do CIRE).

É de salientar que, entre 2004 e 2012, o CIRE não previa qualquer sanção patrimonial para as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa14, omissão que dificultava o combate às insolvências dolosas ou fraudulentas15. Esta situação veio a

12 LUÍS MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 6º ed., Almedina,

Coimbra, 2012, pp. 45-46.

13 LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2013, P. 257. Segundo o autor,

apesar de o legislador ter expressado a sua predileção pela recuperação da empresa em vez da liquidação, deixa dependente da vontade dos credores a escolha entre a recuperação da empresa e a liquidação do património do devedor. No mesmo sentido, CATARINA SERRA, O Regime Português da Insolvência, 5ª ed. Revista e atualizada à luz da lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, e do DL n.º 178/2012, de 3 de Agosto, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 25-66. ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Insolvência de pessoas singulares: A exoneração do passivo restante e o plano de pagamentos”, p. 510.

14 ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Insolvência culposa e responsabilidade dos administradores na lei nº

16/2012, de 20 de abril” In: I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013, p.275, a autora, refere-se à ausência de uma disposição legal no CIRE entre 2004 e 2012, que previsse a responsabilidade dos administradores na insolvência culposa pelos créditos não satisfeitos.

15 CARNEIRO DA FRADA, “A responsabilidade dos administradores na insolvência” In: Revista da Ordem

(16)

6 alterar-se com as mudanças feitas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, ao regime da responsabilidade civil dos administradores por insolvência culposa.

O legislador, no artigo 406º do CSC, estabelece uma certa discricionariedade empresarial ao referir-se que é da competência do conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, designadamente sobre extensões ou reduções importantes da atividade da sociedade16 . Portanto, confere-lhe um vasto poder, que, no meu entender, impõem o cumprimento dos deveres legais ou contratuais a que os administradores estão adstritos.

Ora, se, por um lado, se justifica a autonomia empresarial em nome do sucesso na atividade de administração, por outro, a discricionariedade empresarial pode levar a falta de prudência nas tomadas de decisão e causar sérios prejuízos a várias pessoas, como por exemplo, à própria sociedade, aos trabalhadores, sócios e credores17. Tudo isto vem fundamentar uma maior responsabilização por parte daqueles que integram estes órgãos.

16Vide MARIA ELISABETE RAMOS, Responsabilidade civil dos administradores e diretores de sociedades anónimas perante os credores sociais, p. 20. Veja-se também o artigo 406º do CSC.

17 MARIA ELISABETE RAMOS, Responsabilidade civil dos administradores e diretores de sociedades anónimas perante os credores sociais, p. 21.

(17)

7 II. O DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA

1. Em que situação se verifica

Nos termos do artigo 18º do CIRE, o devedor tem a obrigação de requerer a sua declaração de insolvência no prazo de 30 dias, contados a partir do momento em que tem conhecimento da situação de insolvência, ou a partir da data em que devesse conhecê-la. Sendo que, quando o devedor é titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível que o mesmo tem conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses após o incumprimento generalizado de certas obrigações, nomeadamente as referidas na alínea g) do n.º 1 do artigo 20º (como, por exemplo, o incumprimento generalizado nos últimos seis meses de dívidas tributárias).

O n.º 2 do referido artigo excetua desse dever as pessoas singulares que não sejam titulares de empresas na data em que incorram em situação de insolvência. Este dever recai, assim, sobre as pessoas singulares titulares de empresas no momento em que se verifica a situação de insolvência, e sobre as pessoas coletivas, sendo que, neste último caso, as mesmas ficam sempre adstritas a este dever sendo ou não titulares de empresas18.

Tratando-se de uma pessoa coletiva, por exemplo uma sociedade, este dever recai sobre o órgão socialmente incumbido da sua administração, ou na falta deste, sobre qualquer um dos seus administradores (artigo 19º do CIRE).

Para efeitos do CIRE, não sendo o devedor uma pessoa singular, os administradores são aqueles a quem compete a administração ou a liquidação da entidade ou do património em causa, nomeadamente os titulares do órgão social que para o efeito forem competentes (artigo 6º/1, alínea a).

O dever de apresentação à insolvência exige que o devedor esteja efetivamente em situação de insolvência, sob pena de o pedido de declaração de insolvência ser liminarmente indeferido (artigo 27º do CIRE). Assim, torna-se necessário analisar o

(18)

8 conceito de insolvência a fim de se perceber quando é que uma pessoa está em situação de insolvência.

2. O conceito de insolvência

Nos termos do artigo 3º/1 do CIRE, está em situação de insolvência o devedor que não consegue cumprir com as suas obrigações vencidas.

A noção de estado de insolvência prevista no artigo 3º/1 do CIRE aplica-se quer às pessoas singulares quer as pessoas coletivas. Na presente dissertação debruçar-nos-emos principalmente sobre as pessoas coletivas. Aliás, só as pessoas singulares titulares de empresa e as pessoas coletivas é que estão obrigadas a pedir a sua declaração de insolvência dentro do prazo estabelecido no artigo 18º/119.

Porém, as pessoas singulares não titulares de empresa no momento em que se verifica a situação de insolvência, quando pretendem a exoneração do passivo restante, podem apresentar-se à insolvência dentro daquele prazo ou num prazo mais longo, desde que não ultrapasse os seis meses após o conhecimento da sua situação de insolvência, sob pena de o pedido de exoneração do passivo restante ser indeferido liminarmente20 nos termos do (artigo 238º/1 alínea d) do CIRE.

À primeira vista, o artigo 3º/1 do CIRE dá a impressão de que o estado de insolvência, implica o não cumprimento de todas as obrigações vencidas do devedor.

No entanto, a doutrina tem entendido que o conceito de insolvência não implica necessariamente o não cumprimento de todas as obrigações vencidas do devedor, e que o estado de insolvência deve ter como referência a incapacidade de cumprimento pontual das obrigações do devedor. Assim, a menção feita as obrigações vencidas torna-se irrelevante, pois o artigo 780º/1 do CC determina que o credor pode exigir o cumprimento imediato da obrigação se o devedor se tornar insolvente. Portanto, a

19 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 55.

20 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 54. ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Insolvência

(19)

9 insolvência do devedor, mesmo que não declarada judicialmente, tem como consequência a perda do prazo21.

Segundo SOVERAL MARTINS, para que um devedor esteja, nos termos do artigo 3º/1, em situação insolvência, basta que o mesmo não consiga cumprir com algumas das suas obrigações vencidas, e que este não cumprimento demonstre a sua impossibilidade de cumprir com o resto das obrigações. Assim, não é necessário fazer-se prova do não cumprimento relativamente a cada uma das obrigações vencidas do devedor,22 sendo que a falta de cumprimento deve verificar-se pontualmente23.

Para COUTINHO DE ABREU, a falta de cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 3º/1 do CIRE tem, fundamentalmente, por base a ausência de “meios de pagamento ou bens de liquidez”24. Por sua vez, as obrigações vencidas e não cumpridas têm de revelar ou o conjunto das obrigações vencidas do devedor, ou parte essencial delas. Assim, um devedor cujo ativo é superior ao passivo, pode estar em situação de insolvência por falta de liquidez25.

De um modo geral, a situação de insolvência traduz-se na falta de pagamento das obrigações vencidas. LUÍS MENEZES LEITÃO entende que, apesar de o artigo 3º/1 do CIRE ter adotado o “critério do fluxo de caixa” para definir situação de insolvência, o preceito em análise deve ser devidamente interpretado: não se trata da situação de impossibilidade de cumprimento prevista no artigo 790º do CC. Dessa forma, para o autor era “preferível” a noção de insolvência que constava do CPEREF.

21 LUÍS MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, p.48, SOVERAL

MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 24.

22 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 24. No mesmo sentido, MARIA DO ROSÁRIO

EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, p. 22. A autora defende que a impossibilidade de cumprimento das obrigações do devedor, não tem que se verificar em todas as obrigações vencidas do mesmo, pode estar em causa apenas o não cumprimento de uma só obrigação, ou “poucas dívidas”, o importante é que estas dívida, pelo seu valor, assumam um papel relevante no passivo do devedor, ao ponto de poderem demonstrar que o mesmo está impossibilitado de cumprir com a “generalidade das suas obrigações”. Veja-se também, MARIA JOSÉ COSTEIRA, “A insolvência de pessoas colectivas Efeitos no insolvente e nos administradores” in: julgar, nº 18, 2012, P. 162.

23 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 25.

24 COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. I, 9ª ed. Almedina, Coimbra, 2013, p. 135. 25 COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, p. 135.

(20)

10 No regime do CPEREF, estava em situação de insolvência o devedor que não conseguia cumprir pontualmente com as suas obrigações por carência de meios próprios e por falta de crédito26.

Assim, para LUÍS MENEZES LEITÃO, a situação de insolvência deve corresponder “à falta de cumprimento pontual das obrigações e não à mera insuficiência patrimonial”27, equivalente a falta de liquidez.

Com efeito, a falta de liquidez não acarreta necessariamente a insolvência do devedor, desde que o mesmo consiga cumprir pontualmente com as suas obrigações, ainda que com recurso ao crédito. Como também, o facto de o devedor estar numa “situação liquida positiva”, não impede que se verifique a situação de insolvência, desde que a falta de recurso ao crédito não permita que o devedor vá cumprindo pontualmente com as suas obrigações28.

Para o autor, a noção de situação de insolvência, entendida como falta de cumprimento das obrigações vencidas, “não parece correcta”29. Portanto, o problema de saber se a obrigação está ou não vencida não é importante, na medida em que a insolvência do devedor tem como consequência a perda do beneficio do prazo do artigo 780º CC30. Assim sendo, seria melhor manter a noção de insolvência que constava do artigo 3º do CPEREF31.

26 LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, P.74, e Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, p. 48. No mesmo sentido, PEDRO ALBUQUERQUE, “Declaração da situação de insolvência” In: O direito, Ano 137, nº 3, 2005, p. 51; segundo este autor, a situação de insolvência terá de representar a impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, por carência de meios próprios e por falta de crédito, “como de resto se indicava na definição de insolvência empresarial constante do CPEREF”. SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 25. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Iuris?, 2013, pp. 83-84. Veja-se também o artigo 3º do CPEREF, na versão original.

27 LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, P.74.

28 LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, P.74-75. No mesmo sentido, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 9ª ed., p. 135. MARIA DO RÓSARIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, p. 23.

29 LUÍ MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, P.48. 30 LUÍ MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, P.48.

31 No regime do CPEREF, a situação de insolvência é definida como sendo a impossibilidade de

cumprimento pontual das obrigações, por carência de meios próprios e falta de crédito (artigo 3º do CPEREF, versão original).

(21)

11 O n.º 2 do artigo 3º CIRE prevê um critério complementar da noção de situação de insolvência, aplicável as pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos, por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responde pessoal e ilimitadamente. Assim, as entidades acabadas de referir, serão também consideradas em situação de insolvência quando, avaliadas segundo regras contabilísticas aplicáveis, o seu passivo for manifestamente superior ao seu ativo. Isto significa que, relativamente a estes entes, a sua situação de insolvência pode ser aferida com base no critério geral do artigo3º/1 ou do critério complementar artigo3º/2 do CIRE32.

De acordo com CATARINA SERRA, o pensamento subjacente a esse n.º 2 consiste no facto de que, nessas circunstâncias, como não há grandes oportunidades de obtenção de “crédito pessoal”, a manifesta superioridade do passivo em relação ao ativo, normalmente, vem expressar a impossibilidade dos entes acima referidos cumprirem as suas obrigações33.

Para concretizar o conceito de insolvência, gostaria de referir, a titulo de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-01-2014, processo: 419/13.7TBPBL-A.C1, relator: JACINTO MECA.

O presente acórdão trata da situação de um credor (C) que pediu a declaração de insolvência de (J), S.A, alegando que a mesma é sua devedora no montante global de € 1.027.014, 98 “referente a livranças avalizadas” pela mesma, não pagas na altura do seu vencimento.

A requerida, por sua vez, reconheceu que é devedora do requerente no montante por este indicado, mas opôs-se ao pedido de declaração de insolvência, alegando entre outros que o seu ativo é superior ao passivo, pelo que não se encontra em situação de insolvência.

No entanto, a requerida foi declarada insolvente.

32 MARIA DO ROSARIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, p. 25. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, P. 75. Segundo LUÍS MENEZES LEITÃO, uma vez que os credores dos entes acabados de referir podem ser afetados “pela responsabilidade limitada dos seus sócios”,o artigo 3º/2 do CIRE vem permitir que os mesmos sejam declarados insolventes, sem que para tal se tenha em consideração a “natureza do passivo” ou o vencimento das obrigações.

(22)

12 Não satisfeita com a sentença, a requerida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, fundamentando sobretudo a nulidade da sentença do tribunal a quo, por este se ter pronunciado sobre o seu balanço relativo ao exercício de 2011, não considerando o seu balancete de 21 de dezembro de 2012, que atestava justamente a superioridade do seu ativo em relação ao seu passivo.

O Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso da apelante, e concluiu que a mesma estava insolvente, mantendo assim a decisão recorrida. A fundamentar a sua decisão, o tribunal invocou, principalmente, que o artigo 20º do CIRE elenca um conjunto de factos que, se verificados, podem permitir concluir que o devedor se encontra incapacitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Todavia, a ocorrência dos factos referidos não representa automaticamente a situação de insolvência configurada no artigo 3º/1, ou seja, pode não corresponder à “realidade factual” prevista no n. º 1 do artigo 3º.

Deste modo, afirma o acórdão em análise, se, à data do pedido de declaração de insolvência, os ativos a que se referem o “facto 5” existiam, a declaração de insolvência da apelante poderia ter sido a afastada, pois o ativo aí referido é superior ao passivo. Mas, tendo em conta “a volatilidade das participações financeiras que constituem o grosso do seu activo[10]– € 9.306.568,23”34 e acrescendo o facto de a apelante não ter cumprido com o plano de pagamentos acordado com o Estado, assim como não ter pago € 7.700,46 devido às Finanças, tudo leva a crer que a apelante se encontra numa situação difícil, impossibilitada de cumprir pontualmente as obrigações que assumiu com o Estado.

A falta de cumprimento reiterado e sucessivo das livranças na data do seu vencimento, configura uma situação de “suspensão generalizada de obrigações”, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 20º do CIRE. A matéria de facto demonstra estar também preenchida a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 20º do CIRE. Em suma, a apelante estava impossibilitada, face ao valor das suas dívidas, de cumprir com a generalidade das suas obrigações.

34 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-01-2014, processo: 419/13.7TBPBL-A.C1, relator:

(23)

13 “Em face do exposto, importa concluir que a requerida não tem liquidez para pagar as suas dívidas, sendo irrelevante,”35 a superioridade do ativo em relação ao passivo, pois a situação de insolvência verifica-se a partir do momento em que o devedor se torna incapaz de pagar as dívidas que pontualmente vão surgindo “na sua atividade”36. Assim, com base no acórdão acabado de citar e na doutrina, o que realmente importa para definir a situação de insolvência é o facto de o devedor estar impossibilitado de cumprir pontualmente com as suas obrigações. Não sendo importante a superioridade do ativo em relação ao passivo, nem o não cumprimento de todas as obrigações vencidas do devedor.

3. A insolvência iminente e o dever de apresentação à insolvência

Nos termos do artigo 3º do CIRE, a insolvência pode ser atual ou iminente. A insolvência atual carateriza-se como sendo a impossibilidade de o devedor cumprir com as suas obrigações vencidas, e a iminente carateriza-se como sendo a situação do devedor que ainda não está completamente impossibilitado de cumprir com as suas obrigações, mas já se consegue prever essa impossibilidade.

O artigo 18º/1 do CIRE é claro ao referir que a situação de insolvência relevante é a que resulta do n.º 1 do artigo 3º, no entanto, o n.º 4 do artigo3 equipara a situação de insolvência iminente à insolvência atual.

Surge assim uma questão relevante, que consiste em saber se nos casos de insolvência iminente, o devedor está ou não obrigado a requerer a sua declaração de insolvência.

35 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-01-2014, processo: 419/13.7TBPBL-A.C1, relator:

JACINTO MECA, disponível em www.dsgi.pt .

36 No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-05-2010, Processo: 2509/09.1TBPDL-2, Relator:

FARINHA ALVES, disponível em www.dgsi.pt , a situação de insolvência é também definida tendo em conta a falta de cumprimento pontual das obrigações do devedor. Afirma-se que apesar do atual artigo 3º do CIRE não mencionar de forma expressa à pontualidade do cumprimento das obrigações, referência que era feita no artigo 3º do CPEREF, a sua falta, não pode significar uma alteração ao conceito de insolvência. A corroborar este facto, temos o disposto no artigo 20º/1, alínea b), onde se faz referência a pontualidade no cumprimento das obrigações. “Depois, e em geral, parece seguro que ao conceito de cumprimento é inerente a ideia de pontualidade. Só o cumprimento pontual pode ser considerado cumprimento efectivo da obrigação”.

(24)

14 Relativamente a esta questão, a doutrina não é unanime.

Para CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, a resposta a esta questão deve ser afirmativa, uma vez que o artigo 3º/4 do CIRE equipara a insolvência iminente à insolvência atual, sem para tal estabelecer qualquer requisito ou diferença37. A única distinção feita pelo CIRE tem a ver com o poder para se apresentar à insolvência, que, no caso de insolvência iminente, cabe apenas ao devedor.

Os referidos autores defendem que devemos ter em atenção o modo como o CIRE se refere ao dever de apresentação à insolvência, como uma conexão entre este dever e o momento em que o devedor tenha conhecimento da situação de insolvência “e não necessariamente com o efetivo incumprimento de obrigações vencidas, diferentemente do que era visto suceder com o artigo 6.º do CPEREF”38.

Para além disso, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA defendem que o pensamento legislativo que esteve por detrás da reforma do instituto da insolvência, se prende com a vontade de resolver, de uma forma rápida e eficaz, a situação de empresas cuja continuidade “só pode ser fonte de inconvenientes para os credores e para o tráfego em geral”39.

Pelo que, nos casos de insolvência iminente, existe também o dever de requerer a declaração de insolvência, quando, apesar de ainda não se verificar o incumprimento das obrigações, é possível prever, com um certo grau de probabilidade, que o mesmo venha a acontecer40. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA defendem também que é do entendimento geral e pacífico da doutrina e jurisprudência que o que caracteriza a situação de insolvência não é a impossibilidade por parte do devedor de cumprir com todas as suas obrigações vencidas. “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do

37 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, P. 84.

38 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, p .84.

39 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, p. 85.

40 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, p. 85. Portanto, devemos fazer uma ponderação da verdadeira situação económica do devedor, relativamente quanto a sua capacidade de cumprimento, tendo em consideração o seu ativo e passivo.

(25)

15 passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”41.

Para SOVERAL MARTINS, esta não parece ser a melhor solução. O autor não concorda que a insolvência iminente constitui o devedor na obrigação de requerer a sua declaração de insolvência, defendendo que “a própria caracterização da situação de insolvência iminente já envolve alguma incerteza”42. Em segundo lugar, o artigo 18/1 remete não apenas para o artigo 3º/1, mas para a situação de insolvência tal como está descrita no artigo 3º/1, portanto é esta a situação de insolvência que releva, e não a de insolvência iminente prevista no nº 4 do artigo 3º 43.

A equiparação estabelecida no artigo 3º/4 pode levar-nos a pensar que a mesma é feita para todos os efeitos, nomeadamente para à existência do dever de apresentação à insolvência.

No entanto, SOVERAL MARTINS é de opinião contrária, entendendo que este argumento não é suficientemente forte, uma vez que o artigo 18º/ 1 remete para o artigo 3º/1, sem margem para dúvidas. “O dever existe nos casos em que há situação de insolvência «tal como descrita no nº1 do artigo 3º». A forma como a descrição da situação de insolvência é feita foi considerada determinante por lei”44.

SOVERAL MARTINS defende ainda que, não estando em situação de insolvência, o devedor pode não querer avançar com um pedido de declaração de insolvência, por pensar nas consequências que daí advêm, como por exemplo o prejuízo para o seu nome e imagem. Tal levará a que muitos devedores em situação de insolvência iminente não recorram ao processo de insolvência, e não só, uma vez que, atualmente, um devedor em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, mas

41 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, p. 85.

42 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 55.

43 Vide SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, pp.55-56. No mesmo sentido, CATARINA

SERRA, “Revitalização- A designação e o misterioso objeto designado. O homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE” in: I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra: 2013, p. 91.

(26)

16 sendo ainda possível a sua recuperação, pode recorrer ao Processo Especial de Revitalização (PER), previsto nos artigos 17º-A, e ss. do CIRE, ou ao Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), no caso de a empresa se encontrar em situação económica difícil ou em insolvência iminente, sendo que, até à entrada em vigor do DL 26/2015, de 6 de fevereiro, era possível recorrer ao SIREVE, mesmo estando-se numa situação de insolvência atual45.

Digamos que não há razões para que o devedor nessa situação seja obrigado a pedir a sua insolvência, uma vez que, se assim pretender, pode socorrer-se de um processo de revitalização ou de recuperação.

Para LUÍS MENEZES LEITÃO, a situação de insolvência relevante é a descrita no artigo 3º/1 do CIRE, ou seja, quando o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Aliás, o artigo 18º/1 remete para o artigo 3º/1, e não para o artigo 3º/4, “isto aliado ao facto de ser extremamente insegura a determinação do momento em que se verifica a insolvência iminente”46.

Concluindo, o devedor em situação de insolvência iminente pode por sua livre e espontânea vontade pedir a sua declaração de insolvência (artigo 3º/4). Mas o facto de se estar numa situação de insolvência iminente não faz com que se inicie o prazo dentro do qual o devedor deve, ou melhor, está obrigado a pedir a sua declaração de insolvência, sob pena de a mesma vir mais tarde a ser declarada culposa (artigo 186º/3

a).

Também para PEDRO ALBUQUERQUE a resposta a esta questão deve ser negativa, por ser esta a posição também defendida pela doutrina alemã, e por não se estar ainda perante uma situação de insolvência consumada, sem excluirmos a possibilidade de a situação vir a ser alterada47. Portanto, a insolvência iminente não faz iniciar o prazo estabelecido no artigo 18º/1.

45 Vide SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, pp 33-34. 46 Vide LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, pp.125-126.

47Para mais informações vide PEDRO ALBUQUERQUE, “Declaração da Situação de insolvência”, p. 513 nota

(27)

17 Segundo MANUEL REQUICHA FERREIRA, apesar de a insolvência iminente ser equiparada à insolvência atual, a verdade é que se trata de situações que “são profundamente distintas”48, diferença essa que, desde logo, serve para justificar que apenas o devedor (e não já os credores e outros legitimados) tem legitimidade para dar início ao processo de insolvência quando se está perante uma situação de insolvência iminente, o que se compreende por apenas o credor ter capacidade ou conseguir aperceber-se melhor e com segurança da dita insolvência iminente. E esta legitimidade exclusiva para dar início ao processo deve ter como contrapartida “a liberdade de apresentação à insolvência”49.

O facto de o devedor ter um melhor conhecimento da sua situação pode levá-lo a ter confiança na sua capacidade de recuperação, e com isso evitar o processo de insolvência, se comparado ao “homem médio colocado na sua posição”50. Para o tribunal, seria muito difícil examinar com exatidão a situação de insolvência iminente, com vista a poder-se apurar se houve ou não violação do dever de apresentação à insolvência, por lhe faltar o conhecimento pessoal que só o devedor pode ter51.

Uma vez que o artigo 18º/3 do CIRE consagra uma presunção inilidível de que a pessoa tem conhecimento da sua situação de insolvência, passados pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de alguns dos tipos de obrigações referidas na alínea g) do n.º 1 do artigo 20º, ao que tudo indica, o dever de apresentar à insolvência requer efetivamente o conhecimento da situação de insolvência atual e não de insolvência iminente52.

As consequências a que está sujeito o devedor insolvente que não cumpre com o dever de se apresentar à insolvência, como por exemplo ser a insolvência declarada culposa, “justificam esta solução”53 porque, caso contrário o devedor se sentiria compelido a requerer a sua insolvência apesar dos efeitos nefastos, com medo de violar o dever de

48 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” in: Direito da insolvência estudos, Coimbra

editora, 1 ª ed., Coimbra, 2011, p. 307.

49 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p. 307. 50MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p.307. 51 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p.307. 52 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p.307 53 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p.307.

(28)

18 se apresentar à insolvência, mesmo que a possibilidade de não cumprimento da generalidade das obrigações fosse mínima.

Assim sendo, o “devedor não está obrigado a pedir a insolvência caso não se encontre numa situação de insolvência atual, mas apenas de mera insolvência iminente”54. Para uma melhor tomada de posição, vejamos o que se entende por insolvência iminente.

O CIRE refere-se à insolvência iminente, mas não nos oferece um critério para a sua aferição, pelo que resta-nos saber o que é que a doutrina propõe a este respeito. De acordo com SOVERAL MARTINS, quando se fala em insolvência iminente é porque estamos perante uma ameaça, mas, não basta uma ameaça qualquer. “É preciso que se trate de uma probabilidade objetiva”55, sendo por isso necessário fazer-se um juízo de prognose “que pode ser auxiliado pela elaboração de um estudo sobre a liquidez do devedor”56. Pelo que devemos aferir sobre a probabilidade de o devedor não pagar as suas obrigações vencidas, bem como as obrigações atuais não vencidas no momento em que as mesmas vencerem. Se concluirmos pela impossibilidade de pagamento, então estamos perante uma situação de insolvência iminente57.

Já para CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, a “iminência da insolvência carateriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exatamente pela insuficiência do ativo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível”58.

Devemos levar em consideração as expetativas do homem médio colocado na posição do devedor “face à evolução normal da situação do devedor, de acordo com os fatos

54 MANUEL REQUICHA “Estado de Insolvência” p.308.

55 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, pp 29-30. 56 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, pp.30-31. 57 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 30.

58 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da recuperação de Empresas anotado, p. 86.

(29)

19 conhecidos e na eventualidade de nada acontecer de incomum que altere o curso dos acontecimentos”59.

Para MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, a insolvência iminente traduz-se na possibilidade de o devedor não cumprir as suas obrigações atuais, no momento em que as mesmas se vençam. Porém, a doutrina alemã tem entendido que para tal é necessário fazer-se uma projeção da capacidade de pagamento do devedor num determinado período de tempo, e concluir-se que a probabilidade de não pagamento é mais forte do que a contrária60.

Segundo MANUEL REQUICHA FERREIRA, “está em situação de insolvência iminente o devedor que não esteja, segundo um juízo de prognose, em condições de cumprir, num futuro próximo, as suas obrigações existentes no momento do seu vencimento”61. Em suma, qualquer uma destas noções de insolvência iminente vem demostrar que se trata de uma realidade que ainda não se verificou, mas que, eventualmente, poderá verificar-se. Contudo, do mesmo modo que há uma probabilidade de o devedor ficar insolvente, também há a possibilidade de o devedor não ficar insolvente. Por se tratar de probabilidades, que, como vimos, podem ou não concretizar-se, julgo que não existe uma obrigação por parte do devedor insolvente de requerer a sua insolvência, quando se encontre em situação de insolvência iminente.

A insolvência iminente só deve ser equiparada à insolvência atual para efeitos de legitimidade processual, a fim de impedir que credores ou outros legítimos pudessem requerer a insolvência de um devedor nessas circunstancias. Aliás, o artigo 3º/4, na parte final, estabelece isso mesmo. A insolvência atual é equiparada à iminente, no caso de o devedor se apresentar à insolvência.

Entendo também, como defende MANUEL REQUICHA FERREIRA, que seria muito difícil para o tribunal “aferir da situação de insolvência iminente para determinar a violação

59 CARVALHO FERNANDES, e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da recuperação de Empresas anotado, p. 86.

60 MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de direito da insolvência, p.26. 61 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p. 305.

(30)

20 do dever de apresentação nessas situações”62, porque lhe faltaria o conhecimento pessoal da situação do devedor.

Na insolvência atual já existe o incumprimento de obrigações vencidas, daí que o CIRE presuma o conhecimento da situação passados três meses do incumprimento generalizado de certas obrigações. Ao passo que na insolvência iminente existe apenas a possibilidade de a pessoa vir a não cumprir com as suas obrigações, mas ainda pode cumprir. Assim, tendo em conta os efeitos do processo de insolvência, por exemplo para a reputação e honra da pessoa, que podem sair manchadas, julgo que uma situação que não está consumada não deve obrigar o devedor a requerer a sua insolvência.

Embora seja conveniente, para o devedor em situação de insolvência iminente, pedir a sua declaração de insolvência quando comprovadamente, e através de um juízo de prognose que avalie a situação financeira do devedor, (ativo e passivo) se possa concluir que, num futuro próximo, a probabilidade de não cumprimento é maior do que a da sua verificação.

Nestas circunstâncias, a apresentação à insolvência é, do meu ponto de vista, uma faculdade63 do devedor, e não uma obrigação.

4. Prazo e suspensão do prazo

O CIRE, no artigo 18º/1, estabelece um prazo de 30 dias para os devedores pessoas singulares titulares de empresas e os devedores pessoas coletivas pedirem a sua declaração de insolvência, sob pena de, por exemplo, a insolvência vir a ser declarada culposa.

62 MANUEL REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência” p.307.

63 A presente dissertação, trata sobretudo do dever de apresentação das pessoas coletivas, daí a adoção

do termo faculdade e não ónus, porque, enquanto ónus, o dever de requer a declaração de insolvência recai sobre as pessoas singulares interessadas em pedir a exoneração do passivo restante. Como sabemos, exoneração do passivo restante é um instituto aplicável somente a pessoas singulares. Visa permitir aos devedores pessoas singulares obterem uma espécie de perdão das dívidas depois de liquidado o seu património e decorridos 5 anos sobre o encerramento do processo, de modo a permitir que estas pessoas possam recomeçar as suas vidas económicas livres de dividas. Para mais informações sobre exoneração do passivo restante veja-se LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, p. 289 e ss. CATARINA SERRA, O regime português da insolvência, p. 154 e ss.

(31)

21 Este prazo conta-se a partir do momento em que o devedor tem conhecimento da sua situação de insolvência, ou da data em que devesse conhecê-la. Sendo que se presume este conhecimento passados pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de algumas das obrigações referida na alínea g) do n.º 1 do artigo 20º, artigo 18º/3 do CIRE.

Antes das alterações feitas pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril, este prazo era de 60 dias. Para CATARINA SERRA, este encurtamento do prazo está em contradição com o “espírito geral da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, ou seja, com o aparente investimento do legislador na recuperação”64 da empresa.

O diagnóstico da situação de insolvência requer algum tempo, portanto esta redução do prazo não parece ser muito benéfica para o devedor que precisa de fazer um juízo de prognose para aferir a gravidade da sua situação. Dessa forma, era melhor que a lei tivesse concedido um prazo razoável, porque “na pressa de se acelerar a intervenção processual, existe o perigo de se submeterem ao processo de insolvência devedores cuja empresa merecia ainda uma tentativa de aplicação de soluções mais criativas”65. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO chega a questionar a “bondade” da alteração feita pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, ao prazo de apresentação à insolvência, pois, de acordo com a autora, não é clara a existência de vantagens para os credores sociais na apresentação imediata da sociedade à insolvência. Particularmente, nos casos em que ainda é possível a recuperação da empresa. Um requerimento apressado do pedido de declaração de insolvência pode ser prejudicial para a sua recuperação, porque acaba contribuindo “para a sua desvalorização no mercado”66.

Ainda segundo MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, a alteração do prazo para a apresentação à insolvência também tem sido alvo de outras críticas, como, por exemplo, as dificuldades que têm as pequenas e médias empresas portuguesas em determinarem exatamente o momento em que se encontram insolventes, porque não mantêm a sua contabilidade

64 CATARINA SERRA, O regime português da insolvência, p.41. 65 CATARINA SERRA, O regime português da insolvência, pp. 40-41.

66 MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “Responsabilidade dos administradores pela insolvência: evolução dos

direitos português e espanhol” in: Direito das Sociedades em Revista, Ano 7, Vol. 14, Almedina, Coimbra, 2015, p.72.

(32)

22 organizada. Além disso, a redução do prazo vem prejudicar o devedor na preparação de um acordo para apresentar aos seus credores, de forma a evitar a sua liquidação67. O DL n.º 178/2012, de 3 de agosto, previa no seu artigo 5º/1 que a apresentação do requerimento de utilização do SIREVE suspendia o prazo fixado no n.º 1 do artigo 18.º para apresentação à insolvência. Na versão original do diploma, tinha legitimidade para recorrer ao SIREVE qualquer empresa que se encontrasse em situação económica difícil, ou em situação de insolvência iminente ou atual, nos termos do CIRE.

Este diploma foi alterado pelo DL n.º 26/2015, de 6 de fevereiro, sendo que o seu artigo 5º foi revogado, o que quer dizer que o prazo para apresentação à insolvência não se suspende com a utilização do SIREVE.

Assim, resta-nos saber se com a utilização do PER o prazo para a apresentação à insolvência se suspende.

O Processo Especial de Revitalização visa permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas cuja recuperação ainda seja possível, estabelecer negociações com os seus credores, com o objetivo de chegar a um acordo tendente à sua revitalização, nos termos do artigo17º-A, 1.

Segundo CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, (para quem a insolvência iminente constitui o devedor na obrigação de pedir a sua insolvência) a apresentação do requerimento de utilização do PER, por parte de um devedor em situação de insolvência iminente, deve suspender o prazo para a sua apresentação à insolvência68.

O CIRE, nos artigos referentes ao PER (17º-A e ss), não dispõe de uma norma que regule diretamente este assunto. Segundo CATARINA SERRA, não havia razões para que o legislador tivesse previsto uma norma nesse sentido, à semelhança do que acontecia com o antigo artigo 5º do SIREVE. Isto porque o PER se destina a situações de pré

6767 MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “Responsabilidade dos administradores pela insolvência: evolução dos

direitos português e espanhol”, p. 72.

68 CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado,

(33)

23 insolvência e não de insolvência atual, e o devedor só está obrigado a pedir a sua declaração de insolvência nos casos de insolvência atual69.

Pode suceder que na pendência do PER o devedor venha a ficar em situação de insolvência atual. Assim sendo, surge uma questão pertinente que consiste em saber se nestas circunstâncias o devedor deve dar início ao processo de insolvência, ou se se suspende o prazo para dar início ao processo.

CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA respondem a esta questão afirmando que o prazo de apresentação à insolvência deve suspender-se. E “de duas, uma: ou é alcançado um acordo recuperatório homologado judicialmente e a situação de insolvência é, nos correspondentes termos, superada; ou não é, e segue-se o regime do artigo 17º-G, nº 3 e 4”70.

De um modo geral, e apesar de o CIRE nada dizer em relação a este assunto, podemos dizer que a resposta a esta questão também me parece afirmativa, tendo em consideração o disposto no artigo 17º-G/3 e 4.

Nos termos do artigo 17º-G/3 do CIRE, se o processo for encerrado sem acordo entre o devedor e os seus credores, e estando o devedor já em situação de insolvência, deve o juiz no prazo de três dias úteis declarar a sua insolvência. E o nº 4 do referido artigo atribui competência ao administrador judicial provisório para requerer a insolvência do devedor. Assim, sempre que no âmbito do PER o devedor se tornar insolvente, e ainda for possível a celebração de um acordo conducente à revitalização do mesmo, o CIRE admite que o administrador judicial provisório não está obrigado a pedir a declaração de insolvência do devedor, pelo que também não recai sobre o devedor a obrigação de pedir a sua declaração de insolvência71.

69 Para mais informações vide CATARINA SERRA, “Revitalização- A designação e o misterioso objeto

designado”, pp. 93-94.

70 CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas anotado,

p.720 nota 9.

71 SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, pp. 57-58. Para o autor, não é claro que a

apresentação do PER no caso de insolvência iminente, ou a insolvência atual no decurso do PER, façam suspender o prazo referido no artigo 18º/1 do CIRE. Pelo contrário, o autor pergunta se a insolvência atual no decorrer do PER não dá lugar antes a uma situação de impossibilidade superveniente da lide.

Mas, apesar da dúvida levantada, SOVERAL MARTINS é da opinião de que, nos casos de a insolvência surgir no decurso do PER, o dever de pedir a declaração de insolvência deve ser suspenso.

(34)

24 5. O dever de apresentar o devedor à insolvência nos termos do artigo 19º do CIRE

Nos termos do artigo 19º do CIRE, não sendo o devedor uma pessoa singular, a iniciativa para requerer a sua declaração de insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores.

No entanto, este artigo suscita duas questões pertinentes, que consistem em saber se, no caso das sociedades comerciais, o dever para a apresentar a sociedade à insolvência fica ou não dependente de uma prévia deliberação dos sócios nesse sentido, e quais os casos em que se aplica a parte final do artigo 19º.

A doutrina não é unânime no que toca às questões em causa.

Começando pela primeira questão, que consiste em saber se a apresentação da sociedade à insolvência carece ou não de uma prévia deliberação dos sócios, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA entendem que não, defendendo que a decisão de submeter ou não a sociedade à insolvência não está dependente de uma deliberação dos sócios, ou de qualquer outro órgão, o que é claramente confirmado pelo artigo 19º do CIRE. De outra forma, o artigo 19º do CIRE não faria sentido, e “seria totalmente inútil”72 se a finalidade do mesmo se esgotasse apenas em confiar aos administradores a tarefa de levar a cabo a prática dos atos processuais necessários ao cumprimento daquele dever73.

Para CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, o artigo 19º do CIRE tem um alcance mais amplo, no sentido de atribuir aos titulares do órgão de administração poderes legais para decidir pela apresentação, ou não, da sociedade à insolvência, “independentemente do modo como normalmente se organizem e distribuam os poderes e competências para o exercício dos direitos, prática de atos e cumprimento de obrigações que incumbem ao devedor”74.

Vide também CATARINA SERRA, “Revitalização- A designação e o misterioso objeto designado”, p. 94.

72 CARVALHO FERNANDES/ JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas anotado,

p. 197.

73 CARVALHO FERNANDES/ JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas anotado,

p. 197.

74 CARVALHO FERNANDES/ JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e Recuperação de Empresa anotados,

Referências

Documentos relacionados

Para se chegar à base de cálculo do imposto de renda (IR) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), visto que, para apurar a demonstração do resultado, a empresa

•• 56 •• Garbui BU Azevedo CS Matos AB Ensaio de resistência adesiva por microtração: revisão de literatura Rev. Shono Y, Ogawa T, Terashita M, Carvakho RM, Pashley

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Desta forma, foram criadas as seguintes hipóteses de investigação: H1 – O compromisso organizacional e o engagement são diferentes para as categorias dos militares dos

INTRODUÇÃO: A síndrome de Poland trata-se de uma anomalia congênita rara que se manifesta clinicamente de maneira variável, resultando em hipoplasia ou aplasia total dos músculos

A Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Computação, considerando o Termo de Cooperação nº 967/2013 celebrado entre a Secretaria de Educação

É por isso dentro dos seus limites finitos de recursos que o CHSJ se deve posicionar e posiciona;.. Apesar disso, o CHSJ, sendo ainda em 2015 o único no país inteiro

Labareda (CIRE anotado, 2009, página 807), “os arts.249º e seguintes complementam o regime especial aplicável à insolvência das pessoas singulares, agora por referência às que