• Nenhum resultado encontrado

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers e a Qualidade de Vida na Terceira Idade

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers e a Qualidade de Vida na Terceira Idade"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

A SOCIOPSICOMOTRICIDADE

RAMAIN-THIERS

E A QUALIDADE DE VIDA

NA TERCEIRA IDADE*

DÉA RUTH BAROS DE CASTRO VIGGIANI**

JANETE CARRÉR***

É

crescente o número de idosos no mundo e no Brasil que tem deixado de ser um país de jovens igualando-se aos países do primeiro mundo em população idosa. O envelhecimento, de acordo com Safons (2004) é uma questão explorada, hoje em dia, por pesquisadores, epidemiologistas e muitos outros profissionais por meio de investigações científicas encontradas na literatura nacional e internacional, que revelam a projeção notória desta faixa etária.

O que se percebe tanto no panorama mundial como nos países em desenvolvimen-to, é que o suporte para essa nova condição de vida não evoluiu com a mesma velocidade. Um exemplo é que a referência à terceira idade, ou ao idoso, desencadeia a imagem de um ser humano de cabeça branca, corpo encurvado se apoiando em uma bengala. Essa imagem estereotipada também se manifesta nas relações, tendo em vista que, as experiências pessoais,

Resumo: esse artigo apresenta os resultados de uma oficina desenvolvida no programa da

Universidade Aberta a Terceira Idade, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do idoso. As vivencias orientadas pela Sociopsicomotricidade Ramain Thiers permitiram que os participantes desenvolvessem um autoconceito positivo e aumentassem o convívio social melhorando assim saúde física, mental e as relações interpessoais.

Palavras-chave: Terceira Idade. Qualidade de Vida. Sociopsicomotricidade

* Recebido em: 03.08.2012. Aprovado em: 04.09.2012.

** Especialista em Psicopedagogia PUC-GO. Sociopsicomotricista Ramain Thiers. Psicóloga. E-mail: dearuthcastro@ yahoo.com.br.

*** Orientadora. Psicóloga. Psicoterapeuta de adolescente, adulto e idosos. Sociopsicomotricista Ramain Th iers. Coor-Orientadora. Psicóloga. Psicoterapeuta de adolescente, adulto e idosos. Sociopsicomotricista Ramain Thiers. Coor-denado de oficina na UNATI-PUC/GO; Mestre em educação; Professor adjunto do Departamento de Educação da PUC/GO. E-mail: netecarrer@hotmail.

(2)

profissionais e vivenciais das pessoas nessa faixa etária não são valorizadas, sendo considerada apenas a falta de atualização com os meios tecnológicos.

Com o aumento da população idosa, surgem grandes desafios tanto na área polí-tica, como social e econômica. Talvez por isso o tema envelhecimento, inicialmente perten-cente aos domínios da geriatria e da gerontologia, começa a ganhar espaços em outras áreas do conhecimento.

Várias áreas profissionais estão concentrando seus esforços objetivando maior conhecimento sobre o fenômeno do envelhecimento, e principalmente envelhecer com quali-dade para que o idoso possa manter sua independência e autonomia. Segundo Pikunas (1979, p 411) “assim como o desenvolvimento inicial, o processo de envelhecer está geneticamente programado. Para tanto o que precisamos fazer é nos programar para uma velhice saudável”.

Hoje, os estudos de várias áreas referem-se à necessidade de uma qualidade de vida para garantir o bem estar físico, psicológico e social do sujeito. Mas, o que significa qualidade de vida? Segundo pesquisa realizada com idosos em uma cidade de porte médio no interior de São Paulo, por Vecchia (2005, p.35) e uma equipe da área de saúde, “o conceito de qualidade de vida depende do nível sociocultural, da faixa etária e das aspirações pessoais do sujeito”. Foram identificados três perfis de idosos segundo as respostas que deram sobre o que era qualidade de vida: o primeiro grupo de idosos pesquisado priorizou a questão afetiva e a família; o segundo grupo priorizou o prazer e o conforto; e o terceiro grupo, que mencionou espiritualidade, trabalho, retidão e caridade, conhecimento e ambientes favoráveis. A partir dessas respostas é possível afirmar que os idosos identificaram como qualidade de vida a pos-sibilidade de conseguir colocar em prática o seu ideário de vida.

Ninguém envelhece da mesma maneira, pois o envelhecimento depende de fatores internos e externos. Os fatores internos estão associados aos aspectos físicos, como a perda da vitalidade; cognitivos, como o enfraquecimento da memória e os fatores afetivos como o autoconceito e a autoestima. Focalizando o autoconceito, pode-se afirmar que ele é definido como autemodescrição, autodefinição e conhecimento de si, tem função adaptativa e regu-ladora, na medida em que contem traços, valores, memórias e expectativas à respeito de si. Para Neri (2007, p. 31) “o autoconceito permite às pessoas avaliarem-se e projetarem cenários possíveis para suas vidas”. A autora complementa ainda que “a projeção que damos às nossas vidas dependem muito de como fomos encorajados desde pequenos, como fomos amados”. Já a autoestima significa a presença dos sentimentos que o sujeito tem a seu respeito, como gosta de si, como lida com os sentimentos de inadequação e rejeição. É a autoestima que dará ao idoso a noção de competência. De acordo com a autora citada (2007, p. 33) “a autoestima tem várias fontes e é fortalecida ou enfraquecida por mecanismo de comparação social e por reforçamento ou punição autoadministrados ou extrínsecos”.

Entre os fatores externos estão as condições materiais de moradia, saneamento, as-sistência médica, a classe socioeconômica, as possibilidades de acesso a escolaridade e ao lazer e a cultura familiar, dentre outros.

Os valores da sociedade pós-moderna orientada pelo individualismo, consumismo, competição e valorização da estética, apresentados pela programação da mídia, tem mostrado um estereótipo da imagem do idoso, contribuído para complicar a qualidade de vida deste segmento da população neste momento histórico. Ele é apresentado como uma pessoa des-provida de bom senso e que inspira cuidados, mobilizando a família para isso. Raramente surge na mídia situações que mostram a possibilidade de um envelhecimento sadio, com

(3)

integração na família e no contexto social. Para Relvas (1996, p.216) “ainda temos os mitos que acompanham o envelhecimento: os idosos são associados à fraqueza, debilidade, doença e incapacidade”.

Para envelhecer ativamente, afirma Tirato (2005, p. 145), “deve-se estimular per-cepção, a criatividade, a curiosidade, a iniciativa, fluência das ideias, a flexibilidade e a origi-nalidade de pensamento”. Além cuidar da capacidade funcional, preservando-se a indepen-dência, a autonomia e o estilo de vida. Os idosos precisam ser estimulados dentro de seus próprios limites. A estimulação do idoso não é apenas no aspecto físico, embora a atividade física possa reduzir ou prevenir muitas incapacidades referentes ao envelhecimento. Mas tão necessária quanto à atividade física é a estimulação das funções afetivas e cognitivas.

Do ponto de vista físico, o fator mais importante na manutenção da saúde é o cuidado com a alimentação. Uma alimentação saudável implica em suprir o organismo com todos os nutrientes de que ele necessita para o seu bom funcionamento e para a conservação de um peso estável, fatores importantes na prevenção de várias doenças.

Alguns fatores psicológicos e sociais também contribuem para uma velhice saudável ou patológica. O modo como os idosos encaram as transformações do processo de envelheci-mento possibilitará muitas conquistas nesta fase da vida.

Para Teixeira (2005, p. 111) a velhice,

Pode ser um momento extremamente difícil para algumas pessoas quando não conse-guem elaborar e se adaptar às mudanças físicas, psicológicas e sociais que acompanham a velhice... O fator decisivo não é somente a consciência da própria morte, mas a cons-ciência da sua proximidade e, consequentemente, da ausência de perspectiva de futuro.

Muitos idosos diminuem seus contatos sociais devido à perda das funções como: diminuição da audição, da visão e de seus movimentos. Um das formas de aprender a lidar com essas perdas é participar de atividades grupais. A esse respeito Tirato (2005, p. 144) afir-ma que “a participação do idoso em atividades socioculturais é outro aspecto relevante para a manutenção da capacidade funcional. As atividades recreativas podem ser selecionadas, buscando-se responder às diferentes demandas motoras, cognitivas, emocionais e sociais dos idosos. A autora cita ainda os programas das Universidades Abertas à Terceira Idade que ofere-cem atividades educativas e socioculturais variados. Nesses programas os profissionais das mais variadas áreas empenham-se para que o idoso possa alcançar uma melhor qualidade de vida.

A Universidade, como pólo capacitador, possui todos os indicativos para intervir de forma multidisciplinar nessa faixa da população, articulando ações que viabilizem resgate pro-dutivo do ser, trabalhando-o de forma global, valorizando aspectos individuais e grupais con-tribuindo para a integração do idoso com sua família e com a comunidade que está inserido. A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers é uma abordagem terapêutica educativa baseada na metodologia francesa denominada Método Ramain. Essa abordagem utiliza a psicomotricidade para mobilizar aspectos psíquicos e afetivos, que se encontram muitas vezes recalcados no inconsciente, impedindo que o sujeito se desenvolva de maneira plena. O ser humano sofre a influência em seu psiquismo do meio social em que esta inserido. De acordo com Thiers (1998, p. 26) para a Sociopsicomotricidade

(4)

[...] é impossível conceber o sujeito fora de sua sociedade, sem sofrer as influências do macro-estrutura como a política e a economia, e ao vivenciar em grupo onde o podemos compreender a estrutura psicodinâmica de cada elemento. Podemos ver como ele se relaciona com a realidade e a afetividade, através da analise de conteúdos psíquicos que são apresentados pelas propostas do Ramain-Thiers.

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers se organiza a partir de um conjunto de propostas que podem ser desenvolvidos no atendimento em grupos de crianças, adolescentes e adultos com desequilíbrios emocionais, conflitos existenciais, distúrbios de comportamen-to, dificuldade de aprendizagem e de socialização.

O seu referencial teórico se fundamenta na articulação da Psicanálise, Antropologia, Sociologia e a Psicologia Grupal oferecendo condições de analisar e compreender os aspectos corporais, cognitivo, psíquicos e sociais do indivíduo e do grupo. Essa abordagem interdisci-plinar possibilitou uma melhor compreensão dos processos psíquicos e psicopatológicos. Toda essa percepção aprimorou o olhar para as questões grupais, em uma socioanálise, pois percebe o indivíduo de maneira integrada e contextualizada. As propostas desenvolvidas pela Sociopsico-motricidade Ramain-Thiers se encontram organizadas em orientadores terapêuticos compostos por um conjunto de propostas orientadas, tendo como base: atividades de cópia, recorte, dobra-dura, simetria, entrelaçamentos e transformações são realizados utilizando lápis de cor, tesoura, alicate e outros materiais. Os orientadores estão organizados de acordo com a faixa etária.

O trabalho desenvolvido na Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers é organizado em sessões que se compõem de três momentos distintos e interligados o Trabalho Corporal, atividades de Psicomotricidade Diferenciada e verbalização.

O Trabalho Corporal é composto por uma série de vivências corporais visando a percepção de si mesmo e uma sensibilização para desenvolver a atenção interiorizada. De acordo com Cardoso (2009, p. 183).

A atenção interiorizada possibilita a percepção eficaz da realidade, levando o sujeito a lidar melhor com ela, e estimulando-o também a incrementar a sua atenção no sentido de encontrar novas maneiras de estar no mundo.

Nas vivências corporais são utilizados bambolês, bolas de várias cores e tamanho, elástico, música e vários outros instrumentos com o intuito de facilitar e mediar o contado do sujeito com seu próprio corpo.

As atividades de Psicomotricidade diferenciada ou proposta de mesa são atividades de expressão psicomotora como cópia, recorte, ditado, dobradura, simetria, entrelaçamentos, que podem ser executados em diferentes tipos de papéis, quadriculado, triangulado, pontilha-do, seda, camurça, laminapontilha-do, arames de diversas espessuras, lápis coloridos, cola, tesoura, ali-cate, barbante, pranchas perfuradas e com pregos etc. Ao oportunizar aos integrantes do grupo o trabalho com essas atividades manuais, ao mesmo tempo em que se trabalham as mãos, os conteúdos internos também são trabalhados. Castro (2001, p. 122) afirma que “O terapeuta possibilita ao indivíduo ou ao grupo viver emocionalmente etapas do desenvolvimento emo-cional atualizando na ação constando no fazer”.

O momento da verbalização que pode ocorrer em qualquer etapa da sessão possibi-lita que cada pessoa expresse seus sentimentos, angústias, medos, lembranças relacionadas com as tarefas executadas. Também é estimulado o diálogo, a troca de experiência e o compartilhar.

(5)

Durante a realização das sessões em Ramain-Thiers o erro é trabalhado de uma forma inovadora, ou seja, o acerto e erro são considerados aspectos complementares da realidade. A troca da cor do lápis, o uso da fita durex oferece a possibilidade da reparação frente ao engano, onde este é vivido como uma forma singular de construção. A reparação vai ressignificar sentimentos de frustração, luto e perda. Segundo Thiers (1998, p. 59).

Em nossa sociedade, o erro é visto como incompetência, incapacidade, mas na abordagem Ramain Thiers , ao contrário, é considerado como possibilidade de reconstrução partindo da reflexão e da aceitação do erro como parte do crescimento, em um movimento de ressignificação e reparação.

Pelas características apresentadas o trabalho com a Sociopsicomotricidade poderá promover o resgate de bons momentos ou ainda trabalhar a ressignificação dos momentos em que foram marcantes negativamente como perdas, e mudanças. E sem dúvida desencadear a compreensão do processo de envelhecimento, assim como o reconhecimento das poten-cialidades e a aceitação de limitações, com a redescoberta do otimismo, da alegria e do bom humor para a melhoria na qualidade de vida. O resgate da alegria é algo primordial, para se conseguir obter uma condição de bem estar físico, emocional às pessoas dessa faixa etária, como forma de valorização de suas experiências acumuladas.

Finalizando Castro (2001, p. 133) considera que “a sociopsicomotricidade pode ser uma ponte com corrimão que estava faltando, para que o indivíduo possa caminhar e se apoiar no sentido de redescobrir a arte de viver e aprender a arte de envelhecer”.

METODOLOGIA Contexto

Esse estudo foi realizado como parte do Estágio Supervisionado do Curso de Espe-cialização em Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers desenvolvido no Programa da UNATI, Universidade Aberta a Terceira Idade, da PUC Goiás, no segundo semestre de 2010.

O estágio teve como proposta o tema “A qualidade de Vida na Terceira Idade: o desafio de integrar pensamento, sentimento e interação” e se desenvolveu em quatorze encontros com o grupo de idosos, sendo um encontro semanal, com duração de uma hora e trinta minutos. Participantes

O grupo trabalhado na PUC apresentava dez componentes na faixa etária de 60 a 85 anos, todos aposentados, sendo nove mulheres e um homem. A maioria pertencia à classe média baixa.

Para realizar o estudo de caso foi selecionado o conjunto de vivências da participan-te cujo nome fictício é Lúcia, gaúcha, 82 anos, viúva há 14 anos, cuja maior alegria é perparticipan-ten- perten-cer a UNATI. Filha de alemães cujo pai era o único comerciante do local onde nasceu e viveu boa parte de sua vida. Seu avô paterno, era professor de matemática, suas ações deixaram na neta muitas lembranças negativas, pois afirmava que ela não aprenderia a tabuada. Tem uma caligrafia bonita, gosta de ler e escrever. É líder e motivadora.

(6)

Procedimentos

A Oficina “A Qualidade de Vida na 3ª Idade: o desafio de integrar pensamento, sentimento e interação” foi desenvolvida com dois grupos. O grupo, apresentado neste estu-do, contou com onze participantes.

Esta oficina foi organizada a partir de vivências da abordagem denominada Sociop-sicomotricidade Ramain-Thiers. Cada encontro foi estruturado em três momentos: trabalho corporal, psicomotricidade diferenciada e verbalização.

A primeira atividade trabalhada com o grupo teve como objetivo levar os partici-pantes a perceberem a importância da participação de cada um no trabalho grupal. Foram trabalhadas ainda atividades livres, propostas corporais.

As propostas de psicomotricidade diferenciadas envolveram atividades de recortes, cópias, encaixes, simetria, trabalho com arame, dobraduras, montagem de painéis e elabo-ração de textos. As atividades foram desenvolvidas ora individualmente, ora em duplas ou pequenos grupos e em alguns momentos com todo o grupo.

Materiais

As sessões foram realizadas em uma sala ampla, com boa claridade, ventilação ade-quada situada na área I, da PUC Goiás, contendo carteiras, uma mesa, um quadro com opção de giz e caneta magnética.

Os materiais utilizados foram: papeis; cópia de máquina; sulfite; crepom; quadri-culado de 1cm; camurça; cartão; cartolina e papel ofício colorido; lápis preto; de cor e de cera; canetas hidrocor; adesivos; etiquetas; tesoura; cola branca e colorida; arame; barbante; durex; palito de picolé; lantejoulas coloridas; cianinhas coloridas; bolas, balões, fitas e ma-teriais diversos para confecção de caixa; EVA; Power Point; Aparelho de Som e CD. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE CASO

No primeiro encontro da Oficina A Qualidade de Vida na 3ª Idade: o desafio de integrar pensamento, sentimento e interação, ao ser realizada a dinâmica de apresentação foi possível perceber nas falas das participantes a presença da dor pelas perdas afetivas, eram na maioria viúvas ou divorciadas. Elas buscavam por oficinas que possibilitassem dançar, cantar e passear. A oficina “Sociopsicomotricidade” despertou curiosidade, e al-gumas alunas e um aluno se arriscaram conhecer. Nos primeiros encontros ficou evidente a curiosidade em prosseguir ou o medo de se confrontar. Na dinâmica de apresentação do primeiro encontro houve choros quando algumas expuseram a perda do esposo, mas também mostraram desejo, garra e coragem.

Lúcia é a personagem deste estudo de caso. Há quatorze anos frequenta a UNATI, como se diz aberta às novidades, foi atraída pela palavra psicomotricidade. Desde os primei-ros encontprimei-ros era destaque com seus comentários, muitas vezes negativos “nunca fui boa nisto, sempre tirava zero” No segundo encontro quando foi dado um retângulo de cartolina branca para a confecção de um crachá, comentou que “era péssima para desenhar, que só ti-rava “zero” em desenho. Meu irmão era um artista, pintava lindos quadros”. O seu crachá foi enfeitado com 7 estrelas, a palavra que ela escolheu foi “justiça”.

(7)

Depois de confeccionados os crachás, foi solicitado que cada componente do grupo cantasse o trecho de uma música que mais gostavam e escolhessem uma que representasse o grupo.

A seguir, a atividade corporal foi caminhar ao som da música explorando o ambien-te, caminhando para frente e para trás, para um lado e para o outro lado, e movimentando os braços em círculo. Lúcia logo pára e diz que seus braços doem e que não consegue fazer o que se pede. Com o incentivo para que faça o que conseguir, ela continua. Para finalizar a ativida-de corporal foi realizada a brincaativida-deira do picolé que consiste em imaginar um tipo ativida-de picolé no qual elas se tornariam. O picolé começa a endurecer. Paradas e em pé, começa a congelar pelos pés.... E vai congelando as pernas, braços, ombros e finalmente a cabeça. Depois teriam que imaginar este picolé exposto ao sol forte e começando a derreter. Derrete a cabeça, om-bros braços, mãos, pernas e quando derretem os pés elas sentam-se no chão. No final houve muito riso e satisfação e na verbalização comentaram o momento que mais gostaram..

No quarto encontro, quando foi realizada a atividade corporal com a brincadeira Escravo de Jó. A brincadeira inicia com o grupo em círculo, sentados, e cada um com um objeto nas mãos, todos cantam a música “Escravos de Jó, jogavam cachangá, tira, põe, deixa ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá”. Na medida em que canta vão passando o objeto que têm na mão para a pessoa da direita. Quando chega ao zigue zás, não passam o objeto para o próximo, o seguram em suas mãos. Neste momento houve desencontro com alguns objetos soltos na mesa. Quem não compreendeu a consigna, não reteve o objeto.

Lúcia ao começar a brincadeira reclama de seu braço que doía. O seu ritmo também não acompanha o grupo, pois tem dificuldades nos movimentos, embora apenas algumas fossem mais rápidas. Mas ao se envolver com a brincadeira esquece da dor.

A atividade de Psicomotricidade diferenciada nesta sessão foi a confecção de uma cesta de frutas. No encontro anterior cada uma tinha copiado duas frutas em papel quadricu-lado. A proposta agora era confeccionar uma cesta com palitos de picolé colando-os em uma cartolina. Essa cesta receberia todas as frutas copiadas pelo grupo. Houve bastante conversa entre elas. O grupo de Lúcia começou com os palitos de picolé. As participantes colocaram as frutas sobre a cartolina para verem o tamanho da cesta, optaram por uma cesta aberta, onde mais frutas poderiam ser acrescentadas.

Durante a realização da atividade Lúcia, já não se referiu mais da dor no braço, con-versando com as colegas se queixou que além de não saber desenhar era muito ruim em ma-temática, porque o seu professor de matemática no Ensino Primário afirmava que ela nunca aprenderia a tabuada. Esse professor era seu avô paterno, um alemão, muito bravo e exigente.

Pelas afirmações de Lucia pode-se perceber que ela apresentava um autoconceito negativo, com suas histórias de incompetência que não condizia com suas atitudes firmes e determinadas, resolvendo problemas e assumindo liderança em diferentes situações da vida. Presa a alguns episódios do passado ela expressava um autoconceito que estava muito aquém de suas possibilidades. A coordenadora da oficina, socioterapeuta, iniciou o trabalho de re-fletir com ela, comparando as situações do passado com as suas ações do presente para que pudesse atualizar as suas percepções à respeito de suas competências e possibilidades. Lúcia precisava rever o seu autoconceito, que segundo Neri (2007, p. 31), “é sinônimo de autodes-crição, de autodefinição e de autoconhecimento. E que muitas vezes pode regular nosso com-portamento, na medida em que contêm traços, valores, memórias sobre a própria pessoa”.

Embora Lúcia falasse de sua incompetência para o desenho e a tabuada que não conseguia aprender, contava também que foi a melhor vendedora de livros na época que

(8)

trabalhou com seu esposo. Em outros domínios da vida ela tinha suas realizações. Essas ob-servações expressam a presença de um autoconceito que considera tanto as competências, os sucessos como os fracassos. E uma autoestima que se mostra ora positiva, ora negativa. De acordo com Neri (2007, p. 32), “a autoestima deriva de auto-avaliações baseadas na compe-tência, na posse de atributos culturalmente valorizados como positivos ou negativos...” O pai de Lúcia era comerciante, o único de um vilarejo no Rio Grande do Sul, e ela manifestava muito orgulho desse pai. Ela não era “boa” na tabuada, mas cresceu em meio a bons comer-ciantes, e tornou-se uma vendedora premiada por maior número de vendas.

Nesses primeiros encontros o grupo se mostrou com uma dinâmica característica da fase Oral, segundo Freud, todos falavam muito durante a realização das atividades, muitas vezes não havia diálogos e sim monólogos. Aos poucos o grupo foi mudando, se concentrando mais, ficando mais atento as propostas e a fala descontextualizada foi diminuindo. Quando chegavam à sala comentavam: “O que será que teremos hoje?” Havia uma predisposição para novos desafios. As atividades, tanto corporal, diferenciadas como as verbalizações estavam de-sencadeando conteúdos adormecidos trazendo uma nova postura frente os relacionamentos familiares, convívio social e consigo mesmo. Como cita Castro (2002, p. 133), “no trabalho da Sociopsicomotricidade é nítida a mudança no sentido de promover a reconstrução de iden-tidade...” Lúcia ao comentar sobre os papéis quadriculados afirmava “Ah! só pode ser aqueles quadradinhos...” Em suas falas havia lembranças de suas derrotas como “tirar zero nas tabu-adas, nas pinturas”, mas suas atitudes atuais eram sempre positivas e aceitava os desafios das tarefas propostas.

Nos encontros finais chegavam perguntando sobre a atividade do dia, escutavam atentas as instruções e com uma atitude de atenção interiorizada desenvolviam o que se tinha proposto.

O décimo encontro foi iniciado com uma dinâmica de mímica. Separadas em dois grupos, ficaram frente a frente separadas a uma distância de um metro mais ou menos. Te-riam que representar ações diárias ou profissões. Lúcia foi escalada para tirar par ou ímpar pelo seu grupo, logo ela comentou: “tiro zero até no par ou ímpar!”. Ela apresenta uma boa comunicação com o grupo, e ficou decidido que representariam um banho “theco”. Durante a realização da tarefa houve muito riso, e ela balançou a cabeça desaprovando a bagunça.

Logo após, foi trabalhado a atividade diferenciada de Códigos e Inflexões. Recebe-ram um papel com vários símbolos que deveriam ser decifrados. Foi distribuído também uma tabela com a decodificação de cada símbolo e uma folha em branco para a escrita das palavras decodificadas. Finalizada a decodificação deveriam escrever um poema com as palavras deco-dificadas. Ao final quem quisesse ler o seu poema, poderia fazê-lo.

Lúcia gostou muito da atividade e não demonstrou nenhuma dificuldade. Suas pa-lavras decodificadas foram: VITÓRIA, TRISTEZA, ALEGRIA, DÚVIDA E DESESPERO e o poema escrito foi:

No penúltimo encontro foi trabalhada a confecção de uma caixinha, onde colo-cariam uma foto do grupo como lembrança. Como atividade corporal foi trabalhada uma coreografia com fitas de papel crepom. Cada uma delas deveriam escolher duas cores de fita e segurar uma em cada mão. Ao som de uma música deveriam caminhar pela sala movimen-tando a mão direita, perna esquerda, movimenmovimen-tando as fitas em círculo.

Em especial nesta atividade corporal, Lúcia que sempre reclamava de dores no bra-ço teve uma ótima participação e sem nenhuma reclamação. “Muito pelo contrário, a toda

(9)

hora falava”: no semestre que vem vocês estarão aqui novamente não é meninas?”. A música utilizada para o trabalho corporal foi sugerida por Lúcia, tratava-se da valsa do seu casamento. A recordação daquela solenidade a deixava feliz e ela expressava esse sentimento bailando com as fitas, sorridente e entusiasmada.

Uma característica forte de Lúcia é a escrita, ela expressa essa competência, com textos de sua autoria, compondo os livros do Projeto Memória Mil Histórias publicados pela UNATI. Ela tem mais de 15 pequenos textos escritos em 3 edições destas coletâneas de textos. Outra característica marcante é a sua independência de andar de ônibus sem auxílio e ainda ter autonomia para resolver alguns problemas para a filha. Também expressa muita fé se preocupando em finalizar os encontros com a oração de São Francisco de Assis.

Para Lúcia todas as atividades, os encontros, os diálogos, os desafios, as vivências proporcionadas pelas oficinas da UNATI simbolizam um aumento significativo na sua “qua-lidade de vida”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população idosa tem crescido em número, o que se torna uma preocupação para os governantes, pois aumenta a folha de pagamento de pensionistas e aposentados.

Atualmente os profissionais da saúde e da educação estão preocupados em desen-volver ações que promovam a melhora na qualidade dos anos que foram acrescentados na vida do homem. Dessa forma surgiram umas variedades de projetos destinados a alcançar esse objetivo. Dentre eles, pode-se citar a Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI), que oferece oficinas destinadas a ampliar o conhecimento de mundo, do processo de envelheci-mento, dos direitos do idoso, de como cuidar de si e viver melhor nessa faixa etária.

Esse artigo apresentou um estudo de caso desenvolvido em uma oficina ofere-cida pela UNATI na PUC Goiás, focalizando como as vivências organizadas a partir da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers que pode contribuir para a qualidade de vida na terceira idade.

A qualidade de vida na terceira idade, passa pelo resgate do autoconceito, pelo reatar dos laços familiares e do convívio social, pelo reviver do passado com o intuito de reconstru-ção de autoimagem. Para os idosos o reconhecimento de que não são considerados um peso para a família, que podem ser independentes e viverem esta fase da vida com bom humor é extremamente significativo no direcionamento da percepção do processo de envelhecimento.

A oficina orientada pela Sociopsicomotricidade ao reunir o grupo de idosos e pro-porcionar o diálogo acolhedor, a experimentação, as vivências corporais, as trocas afetivas e cognitivas permitiu o resgate da identidade, da autonomia e da autoconfiança.

Para Lúcia, esse resgate ficou muito visível na medida em que as queixas de dores e incompetência para algumas atividades foram sendo substituídas por disposição para realizar as atividades propostas, afirmações positivas á respeito de suas capacidades e reconhecimento da melhora de sua qualidade de vida. Assim, sempre alegre e contagiante, apesar de algumas dificuldades, lembranças e saudades procura ser positiva e otimista.

O grupo considerou que a transformação na terceira idade se inicia quando não se dá importância para os limites que a sociedade quer impor às pessoas consideradas idosas. As carências estão dentro das próprias pessoas e quando elas são reconhecidas e atendidas a mudança se processa tanto no campo das ideias, como nos sentimentos e atitudes.

(10)

Um texto, elaborado na finalização da oficina, apresenta a seguinte afirmação: “Pas-samos a ver que nossas maiores fraquezas são as avenidas que nos levam a um maior cresci-mento na nossa existência”.

Finalizando, foi possível vivenciar uma descoberta no trabalho com a terceira idade, conviver, observar, coordenar, discutir, planejar, relatar a experiência e elaborar essa monogra-fia foram momentos significativos de crescimento e superação das dificuldades. O trabalho com a Sociopsicomotricidade foi benéfico tanto para o grupo de idosos como para a equipe de terapeutas, pois despertou o prazer de aprender com os desafios de viver e conviver em grupo.

THE SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS AND THE QUALITY OF LIFE IN OLD AGE

Abstract: this article presents the results of a workshop developed at the Open University of the

Third Age, PUC Goiás, with the goal of improving the quality of life of the elderly. The livings Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers allowed the participants develop a positive self-concept and sociability increased thereby improving physical health, mental and interpersonal relationships.

Keywords: Third Age Quality of Life. Sociopsicomotricidade. Referências

CASTRO, H. V. A arte de saber envelhecer. In: THIERS, S.; THIERS, E. A Essência dos Vínculos. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001.

CARDOSO, K. Aumentando a autoestima daqueles que vivem além da linha da Pobreza. In: THIERS, S.; GERALDI, A.C. (Org.). Corpo e afeto: reflexões em Ramain- Thiers. Rio de Janeiro: WAP Ed., 2009.

NERI, A.L. (Org.). Qualidade de vida na velhice: enfoque multidisciplinar. Campinas: São Paulo: Alínea, 2007.

PIKUNAS, J. Desenvolvimento Humano: uma ciência emergente. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1979.

RELVAS, A.P. O ciclo vital da família. Perspectiva Sistêmica. Rio de Janeiro. Edições Afron-tamento, 1996.

TEIXEIRA, M. H. Aspectos Psicológicos da Velhice. In: Saúde do idoso: a arte de cuidar. SALDANHA, A.L.; CALDAS, C.P. Rio de Janeiro: Interciência, 2005.

TIRADO, M.G.A. Reabilitação e manutenção da capacidade funcional. In: Saúde do idoso: a arte de cuidar. SALDANHA, A.L.; CALDAS, C. P. Rio de Janeiro: Interciência, 2005. THIERS, S. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

VECCHIA, R.D. et al. Qualidade de vida na terceira idade. Revista Brasileira de Epidemio-logia, 2005.

Referências

Documentos relacionados

Após ter constatado variação significativa no hematócrito e na contagem total de hemácias e leucócitos nas ratas tratadas apenas com dexametasona nos intervalos de 14 e 21 dias,

32 para escutar e aprender sobre a palavra, pois isso para eles significa aprender sobre eles e, mais importante (do ponto de vista deles), aprender sobre Deus.

Dentre as principais conclusões tiradas deste trabalho, destacam-se: a seqüência de mobilidade obtida para os metais pesados estudados: Mn2+>Zn2+>Cd2+>Cu2+>Pb2+>Cr3+; apesar dos

O estudo tem como objetivo discutir concepções de apuração do resultado e evidenciação. Na primeira parte do trabalho, serão discutidos alguns aspectos conceituais, onde se destaca

C.C CEL.MIC = CEL.N CIST COR EPT.FOL= FOL FT Cordón Celular Células de la Micropila Célula Nutritiva Cistocito Corión Epitelio F olicular Folículos Filamento Terminal

Deste modo, o concurso previu: estabelecer a relação do castelo com o jardim ; promover a relação com o restaurante, a Marktplatz (praça no centro da cidade)

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

Acreditamos que o estágio supervisionado na formação de professores é uma oportunidade de reflexão sobre a prática docente, pois os estudantes têm contato