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(In)Admissibilidade de gravações e fotografias como meios de prova no processo penal português

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Universidade do Minho

Escola de Direito

Sofia Magalhães Delgado

outubro de 2017

(In)Admissibilidade de Gravações e Fotografias

como Meios de Prova no Processo Penal

Português

Sof ia Magalhães Delgado (In)Admissibilidade de Grav ações e F o

tografias como Meios de Pro

va no Processo P enal P or tuguês UMinho|20 17

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Sofia Magalhães Delgado

outubro de 2017

(In)Admissibilidade de Gravações e Fotografias

como Meios de Prova no Processo Penal

Português

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Clara Calheiros

e da

Professora Doutora Margarida Santos

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Judiciário

(Direitos Processuais e Organização Judiciária)

Universidade do Minho

Escola de Direito

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II DECLARAÇÃO

Nome: Sofia Magalhães Delgado

Endereço Eletrónico: sofia.magalhaes.delgado@gmail.com

Número do Cartão de Cidadão: 137617763 ZY4

Título da Dissertação: (In)Admissibilidade de Gravações e Fotografias como Meios de Prova no Processo Penal Português

Orientador (es): Professora Doutora Clara Calheiros e Professora Doutora Margarida

Santos

Ano de Conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Dissertação de Mestrado em Direito Judiciário (Direitos

Processuais e Organização Judiciária)

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO, APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

Universidade do Minho, ___/___/_____

(4)

III

AGRADECIMENTOS

A dissertação deste mestrado, apesar de ter envolvido uma longa jornada, em grande medida individual e solitária a que qualquer investigador está destinado, reúne a cooperação de várias pessoas, ainda que a responsabilidade por qualquer erro ou omissão seja minha, que me ajudaram direta ou indiretamente a alcançar os meus objetivos, por isso, deixo-lhes aqui algumas palavras, insuficientes é verdade, mas com um profundo sentimento de reconhecimento e agradecimento.

Às minhas orientadoras Professoras Doutoras Clara Calheiros e Margarida Santos, por terem aceite acompanhar-me nesta dissertação, pela confiança depositada em mim e no meu trabalho, bem como pela sua disponibilidade, atenção dispensada e profissionalismo.

Aos meus amigos e colegas, por estarem constantemente ao meu lado durante esta etapa, pelo companheirismo, força e compreensão que me transmitiram.

Por último, tendo consciência que sozinha nada disto seria possível, dirijo um especial agradecimento aos meus pais, pelo seu apoio incondicional, incentivo, amizade e paciência demonstrados, e por todos os ensinamentos de vida.

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(6)

V

RESUMO

(In)Admissibilidade de Gravações e Fotografias como Meios de Prova no Processo Penal Português

A presente dissertação aborda a temática relacionada com a admissibilidade ou inadmissibilidade de imagens e gravações como meios de prova em processo penal, cada vez mais pertinente e atual face à era da globalização em que vivemos e ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologias audiovisuais.

Face à atualidade do tema marcada, sobretudo, pelo progresso nos sistemas de comunicação e informação e, ainda, pela propagação do acesso às redes sociais, pretendemos com a presente dissertação abordar tais questões em sede de Direito Processual Penal, particularmente no âmbito da valoração de prova, quando esta seja constituída por gravações e imagens que comprovam a prática de um ilícito criminal e são aptas a identificar o autor ou autores do mesmo. Desde logo o título da presente dissertação leva-nos a admitir a dualidade de posições relativamente à captação de imagens e gravação de conversas e à sua utilização em processo penal.

Estão em causa não só direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, como os direitos à imagem, à palavra e à privacidade, mas também a salvaguarda das finalidades do Direito Processual Penal, que deve ser assegurada em qualquer procedimento criminal, sem que tal implique o sacrifício ou desapreço por aqueles direitos.

A pertinência deste tema é justificada também pela controvérsia jurisprudencial suscitada acerca do mesmo, porventura, devido em parte a uma crescente adesão dos cidadãos à rede social “Facebook” desde o seu aparecimento, e à colocação de imagens, por vezes sem o conhecimento do visionado.

Assim, propomos uma abordagem a este tema com incursão pela doutrina e jurisprudência, ao nível nacional e estrangeiro, por forma a apreciar as contendas que têm surgido nos Tribunais Superiores, bem como, a posição adotada por outros ordenamentos jurídicos, e os critérios e linhas orientadores que sustentam, de um lado, a admissibilidade de imagens e gravações como meios de prova e, do outro, a inadmissibilidade das mesmas.

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VII

ABSTRACT

(In) Admissibility of Recordings and Photographs as Means of Evidence in Portuguese Criminal Procedure

This dissertation deals with the issue related to the admissibility or inadmissibility of images and recordings as means of evidence in criminal proceedings, increasingly pertinent and current to the era of globalization in which we live and to the development and improvement of audiovisual technologies.

In view of the relevance of the theme, above all, the progress made in communication and information systems and the spread of access to social networks, we intend with this dissertation to address such issues in Criminal Procedure Law, particularly in the field of valuation of evidence, when it consists of recordings and images that prove the practice of a criminal offense and are apt to identify the author or authors of the same. First of all, the title of this dissertation leads us to admit the duality of positions regarding the capture of images and recording of conversations and their use in criminal proceedings.

Not only are fundamentally constitutional rights, such as rights to image, word and privacy, but also the safeguarding of the purposes of criminal procedural law, which must be guaranteed in any criminal procedure, without this implying the sacrifice or disapproval for those rights.

The pertinence of this theme is also justified by the case law controversy raised about it, perhaps due in part to a growing citizen's adherence to the social network "Facebook" since its appearance, and to the placement of images, sometimes without the knowledge of the viewing.

Thus, we propose an approach to this subject with incursion into doctrine and jurisprudence, at national and foreign levels, in order to assess the disputes that have arisen in the High Courts, as well as the position adopted by other legal systems, and the criteria and lines which support, on the one hand, the admissibility of images and recordings as evidence and, on the other, the inadmissibility of such images.

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IX ÍNDICE AGRADECIMENTOS ... III RESUMO ... V ABSTRACT ... VII LISTA DE ABREVIATURAS ... XI INTRODUÇÃO ... 13 CAPÍTULO I O DIREITO PROCESSUAL PENAL E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA 1.ODIREITO PROCESSUAL PENAL NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS CRIMINAIS EM SENTIDO AMPLO ………...………..19

2.O“DIREITO CONSTITUICIONAL APLICADO”... 22

3.ARESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DE DIREITOS,LIBERDADES E GARANTIAS ... 25

4.ODIREITO À IMAGEM E O DIREITO À PALAVRA -CONTEÚDO ESSENCIAL E NATUREZA JURÍDICA ………...…..31

5.ARESTRIÇÃO AO DIREITO À IMAGEM E AO DIREITO À PALAVRA ... 36

6.ODIREITO À PRIVACIDADE ... 42

6.1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ENQUADRAMENTO JURÍDICO ... 44

7.ACOLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS ... 63

CAPÍTULO II AOBTENÇÃO DE IMAGENS E DE REGISTO DE CONVERSAÇÕES OU COMUNICAÇÕES 8.AOBTENÇÃO DE IMAGENS E O REGISTO DE CONVERSAS ... 69

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X

8.2.FILMAGENS E GRAVAÇÕES PARTICULARES ... 84

8.3.PROVA PROIBIDA –CONSIDERAÇÕES GERAIS ... 88

8.4.ATUTELA DO DIREITO PROCESSUAL PENAL ... 99

CAPÍTULO III GRAVAÇÕES E IMAGENS COMO MEIOS DE PROVA 9.DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS NO CRIME DE GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS ILÍCITAS ………...115

9.1.DAS GRAVAÇÕES ILÍCITAS ... 125

9.2.DAS FOTOGRAFIAS E/OU FILMAGENS ILÍCITAS ... 133

9.2.1. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA – O “FACEBOOK” E OS SISTEMAS DE VIDEOVIGILÂNCIA ... 141

10.CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE DE GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS ... 149

10.1.AJUSTA CAUSA ... 152

10.2.ACLÁUSULA DA RAZOÁVEL EXPECTATIVA DE PRIVACIDADE ... 167

11.GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS COMO MEIOS DE PROVA LÍCITOS ... 180

11.1. ANÁLISE COMPARATIVA NOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS AMERICANO E ANGLO -SAXÓNICO –AADMISSIBILIDADE DA PROVA ILEGAL ... 183

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 198

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XI LISTA DE

A

BREVIATURAS Ac. Acórdão Apud Citado em art. Artigo arts. Artigos Cfr. Confrontar C.C. Código Civil

C.R.P. Constituição da República Portuguesa C.P.P. Código de Processo Penal

C.P. Código Penal

C.E.D.H. Convenção Europeia dos Direitos do Homem ed. Edição

p. Página

pp. Páginas proc. Processo

P.I.D.C.P. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos T.E.D.H. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

T.R.C. Tribunal da Relação de Coimbra T.R.E. Tribunal da Relação de Évora T.R.G. Tribunal da Relação de Guimarães T.R.P. Tribunal da Relação do Porto S.T.J. Supremo Tribunal de Justiça Vide Verificar

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I

NTRODUÇÃO

Todo o nosso progresso tecnológico, que tanto se louva, o próprio cerne da nossa civilização, é como um machado na mão de um criminoso.

(Albert Einstein)

Vivemos atualmente numa era fortemente marcada pela globalização. Todos os dias somos confrontados com o evoluir da tecnologia. Os sistemas de informação e comunicação são hoje uma presença constante na vida de qualquer cidadão.

A evolução que a tecnologia apresenta, a predominância dos sistemas de informação e comunicação e o acesso quase instantâneo a todo o tipo de informações, são índices aos quais o cidadão tem que, inevitavelmente, adaptar-se.

Também o Direito Processual Penal teve que acompanhar a evolução da tecnologia e adaptar-se à mesma, podendo afirmar-se que, hoje em dia, graças ao desenvolvimento e proliferação de dispositivos tecnológicos, nomeadamente os que são idóneos à captação de imagem e som, poderá ser possível a sua utilização com vista à prossecução da verdade material, e segundo o critério de que a prova seria, de outra forma, impossível de obter. A instalação de sistemas de videovigilância, que atualmente não nos passam despercebidos, e de outros mecanismos tecnológicos capazes de captar, em tempo real, comportamentos humanos, assumem relevância na área do Direito Processual Penal, quando aqueles comportamentos comprovam a prática de infrações criminais.

É, assim, sobretudo em matéria de prova em processo penal que nos propomos com a presente dissertação abordar a temática relacionada com a captação de imagens e a gravação de conversas. A barreira que separa aquilo que é público daquilo que é considerado do foro privado ou íntimo é cada vez mais ténue, e os tribunais deparam-se, amiudadas vezes, com situações que envolvem confronto de direitos constitucionais. E falamos em confronto de direitos constitucionais porque a questão inicial reside no facto de averiguar se é, ou não, legítimo o sacrifício dos direitos à imagem e à palavra, face a uma tutela jurisdicional efetiva e plena realização da justiça, quando esteja em causa, precisamente, prova constituída por imagens e gravações, obtidas sem o consentimento do visado, comprovativos da prática de infrações criminais.

Assim, primeiramente, iremos tecer breves considerações acerca do “direito constitucional aplicado”, na designação adotada por HENKEL e, entre nós por FIGUEIREDO

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14 Processual Penal português. Porque falamos de direitos fundamentais, importa analisar em que circunstâncias os mesmos podem ser restringidos, fazendo particular referência aos principais direitos que eventualmente estarão em causa aquando da utilização de imagens e gravações em processo penal, como o direito à palavra, o direito à imagem e o direito à privacidade, e averiguar que, apesar de limitados constitucionalmente, é possível a sua válida restrição para proteção de outros bens jurídicos ou interesses constitucionalmente consagrados, como é o caso do direito à segurança de pessoas e bens. Antecedendo a temática das gravações e imagens como meios de prova em processo penal, revela-se pertinente abordar, primeiramente, quer a regulamentação legal da videovigilância, quer a questão da obtenção de filmagens e gravações por particulares. Finalmente, abordaremos os bens jurídicos que estão em causa no crime de gravações e fotografias ilícitas, a par de uma análise jurisprudencial aos recentes casos que têm ocupado os Tribunais Superiores, através da rede social “Facebook” ou através de sistemas de videovigilância, instalados quer em estabelecimentos comerciais quer em residências.

Esta temática tem sido amplamente discutida, e afigura-se complexa, quer na doutrina quer na jurisprudência, pelo que revela-se pertinente indagar, igualmente, a tomada de posição dos Tribunais Superiores, sobretudo, nos casos em que tais elementos probatórios são os únicos meios existentes para comprovar a prática de ilícitos, bem como, para proceder à identificação do autor ou autores dos mesmos. Se, por um lado, os Tribunais Superiores e parte da doutrina têm caminhado no sentido de admitir os mesmos em processo penal, porque constituem prova inequívoca da prática do crime e de quem foi o seu agente, à semelhança do que acontece nos sistemas jurídicos anglo-saxónico e americano a que também iremos fazer referência, por outro lado, existe jurisprudência que acolhe a ideia de que a conduta de quem capta imagens e gravações, sem o consentimento do visado, mais não é, ela própria, do que a prática de um ilícito criminal, sendo, portanto, meio de prova absoluta e inequivocamente inadmissível e, como tal, proibida por lei.

No âmbito desta temática surge-nos a questão da chamada prova transnacional, quando a prova se localiza fora dos limites do território nacional, ou se encontra em diversos Estados. A eliminação do controlo nas fronteiras dos países da União Europeia facilitou, consideravelmente, a livre circulação de pessoas e bens, mas veio também facilitar a atividade criminosa transfronteiriça. A problemática surge quando, num determinado procedimento criminal, a prova constituída por imagens ou gravações de conversas

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15 localiza-se no exterior. Embora seja um tema pertinente, dada a complexidade e atualidade do mesmo, em virtude da abolição das fronteiras no espaço europeu, não iremos abordar tal matéria já que não se trata da temática central da presente dissertação. Ainda que relevante no foro penal, o tema da captação de imagens e gravações assume, igualmente, pertinência no âmbito do Direito Constitucional, como já referimos, visto que está em causa não só a plena realização da justiça, obtida através do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, mas também a salvaguarda e o respeito pelos direitos constitucionais que, neste caso em concreto, entram em confronto com aquele. O direito à privacidade, que sofreu uma grande evolução quanto à sua natureza, é um dos conceitos que é colocado em causa quando estamos perante a captação de imagens e gravações sem o consentimento do visado.

Indagar como o Direito Processual Penal, a par da Constituição, tutela os direitos à imagem e à palavra e através de que meios é possível a sua limitação, bem como se é possível o sacrifício do direito à privacidade, com vista à realização da justiça e à descoberta da verdade material, é a questão fulcral da presente dissertação, em que iremos destrinçar e debater as várias posições em confronto, quer na doutrina, quer na jurisprudência, tendo em conta os direitos e interesses constitucionais subjacentes.

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(18)

17

C

APÍTULO

I

O

D

IREITO

P

ROCESSUAL

P

ENAL E A

C

ONSTITUIÇÃO DA

R

EPÚBLICA

P

ORTUGUESA

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19

1. ODIREITO PROCESSUAL PENAL NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS CRIMINAIS EM SENTIDO AMPLO

O Direito Processual Penal apresenta-se como um conjunto de regras que definem e orientam um procedimento criminal tendo por escopo final responder às necessidades do Direito Penal.

Se o Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas, para ser aplicável ao caso concreto aquela lei penal necessita de um processo que irá averiguar da existência de crime, identificar o autor do mesmo e responsabilizá-lo, aplicando em concreto uma pena ou medida de segurança. Nas palavras de FIGUEIREDO DIAS,o Direito Processual Penal é,

pois, enquanto direito adjetivo e única forma de realização dos fins do processo, “(…) a regulamentação jurídica da realização do direito penal substantivo, através da investigação e valoração do comportamento do acusado da prática de um facto criminoso”.1

Tendo o Direito Penal como função a proteção de bens jurídicos fundamentais para a convivência social num Estado de Direito, o Direito Processual Penal consagra princípios e critérios que definem uma responsabilidade para quem violou direitos fundamentais, que irá consubstanciar-se na obrigação de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança por parte do Estado.2 A existência de uma norma penal que tem como conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo harmonizado com uma sanção revela, assim, o carácter instrumental do Direito Processual Penal face ao Direito Penal. A pena é não só o efeito jurídico da infração penal, mas também um efeito do processo, e a sua aplicação deve, necessariamente, ter um duplo sentido. Deve ter como função a proteção dos bens jurídicos, no sentido de prevenção geral através da intimidação geral e abstrata, coibindo os indivíduos de cometerem crimes, mas também o sentido de prevenção especial destinada, exclusivamente, ao autor da infração criminal com a

1 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 2004,

p. 28 (itálico do Autor).

2 “Ao direito processual penal cabe a regulamentação jurídica do modo de realização prática do poder

punitivo estadual, nomeadamente através da investigação e da valoração judicial do comportamento do acusado do cometimento de um crime e da eventual aplicação de uma pena ou medida de segurança.” Cfr.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes”, Secção

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20 finalidade de alcançar a reforma interior e moral deste com vista à sua ressocialização e reeducação.3

Se no Direito Penal a pena tem uma função de prevenção geral e também de proteção, surgindo, assim, como um importante meio de manutenção da paz social e proteção da convivência humana na sociedade, podemos afirmar que o seu verdadeiro objetivo está na aplicação da pena e esta não pode prescindir do processo. 4 O Direito Processual Penal é, assim, o instrumento de regulação do Direito Penal, o caminho necessário para a aplicação da pena ou medida de segurança, e é através de um procedimento criminal que se irá averiguar da existência de crime e de quem foi o seu agente, e irá concluir-se, ou não, pela verificação do ilícito e consequente aplicação da respetiva sanção penal.

FIGUEIREDO DIAS refere que a relação destes dois ramos de Direito é uma “(…) relação

mútua de complementaridade funcional (…)”, permitindo concebê-los “(…) como participantes de uma mesma unidade (…)”, pois só através do Direito Processual Penal pode o Direito Penal ser aplicado aos casos concretos, concretizando as finalidades a que se propõe: a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a proteção dos direitos fundamentais, o restabelecimento da paz jurídica, bem como a tentativa de harmonização dos problemas do foro penal através da concordância prática.5 De igual forma, JOSÉ SOUTO DE MOURA defende também esta complementaridade ao afirmar que, “se qualquer ramo de direito adjetivo é instrumental em relação a um certo sector do direito substantivo, o direito processual penal apresenta uma ligação extrema com o direito penal, já que não é possível um direito penal vivo, efetivamente aplicado, que dispense o processo penal.”6

Concluímos que não existe Direito Processual Penal sem Direito Penal, do mesmo modo que não pode ser aplicada uma sanção sem que haja um processo que lhe preceda que, orientado por princípios e critérios, conduz à averiguação de uma responsabilidade e consequente determinação e aplicação de uma sanção, com o escopo final de prevenção

3 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora,

2007, pp. 78 e ss.

4 O Direito Penal carece, por completo, de eficácia sem a pena, e a pena sem processo é inconcebível.

Segundo o princípio “nulla poena et nulla culpa sine iudicio”, não pode haver crime sem pena, nem pena cuja aplicação não seja precedida de um procedimento processual.

5 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes”,

Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Policopiadas, 1988-9, p. 5.

6 Cfr. MOURA, José Souto de. “Direito e Processo Penal Atuais e Consagração dos Direitos do Homem”.

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21 geral e especial: salvaguardar os bens jurídicos em sociedade e salvaguardar a própria comunidade em que estes se inserem.7

A relação e a interação entre estes dois ramos do direito é evidente e constitui a razão elementar da existência do processo, sendo certo que este não pode ser considerado como um fim em si mesmo, mas antes como um meio para a consecução de um fim, revelando assim o seu carácter instrumental de que temos vindo a falar. Esta instrumentalidade, porém, não deve ser concebida apenas juridicamente, dado que o processo penal, porque atua acompanhado do Direito Penal e este visa a proteção de bens fundamentais para a convivência social, interage e tem igualmente na sua base dois princípios: o da dignidade humana e o interesse comunitário.

O Direito Processual Penal assegura, assim, a realização do Direito Penal em cada caso concreto, traduzido na salvaguarda da comunidade face à violação de direitos e interesses penalmente protegidos e na aplicação de uma censura ao agente infrator.8 De outro modo podemos afirmar que o Direito Processual Penal constitui um dos ramos do direito em que é imperativa a resolução de conflitos de interesses éticos da comunidade, através da intervenção do Estado que pune os infratores e restabelece a paz jurídica e a ordem social. Existindo um interesse comunitário em perseguir os culpados e puni-los, é dever do Estado assegurar o reequilíbrio da ordem jurídica ofendida, desde logo, consagrando a intervenção do ofendido no procedimento criminal para salvaguarda dos seus direitos, como imperativo constitucional.9

Além do carácter instrumental do Direito Processual Penal face ao Direito Penal, é pertinente salientar também a estreita ligação que a Constituição da República Portuguesa, doravante designada de Constituição, tem com aquele ramo do direito. Importa trazer à colação a expressão adotada por FIGUEIREDO DIAS,devida, no entanto, a

K. HENKEL,que defende o Direito Processual Penal como um “direito constitucional

aplicado”, e que reproduz a ideia de que os alicerces daquele direito estão na Constituição,

7 “(…) À questão sobre para que serve o processo, a resposta imediata é a de que serve para a aplicação da

lei penal aos casos concertos, tendo, por isso, como também já foi indicado, um valor instrumental bem preciso: que nenhum responsável passe sem punição (impunitum nom relinqui facinus) nem nenhum

inocente seja condenado (innocentum non condennari).” Cfr. SILVA, Germano Marques da. Curso de

Processo Penal, Vol. I, 5.ª ed., Revista e atualizada, Lisboa: Editorial Verbo, 2008, p. 23.

8 Como refere ROXIN, “aunque la sentencia cosiga estabelecer la culpabilidade del acusado, el juicio sólo

será adecuado al ordenamento procesal (…), cuando ninguna garantia formal del procedimento haya sido

lesionada en perjuicio del imputado.” Cfr. ROXIN, Claus, Derecho Procesal Penal (trad. da 25ª ed. por

Gabriela E. Córdoba y Daniel R: Pastor), Buenos Aires: Editores del Puerto s.r.l., 2000, p. 2.

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22 já que é ao legislador constitucional que devemos os princípios e o próprio modelo do processo penal.10

Sem sermos bastante exaustivos e debatermos ideias já assentes pela doutrina, é relativamente à influência da Constituição no processo penal que nos propomos abordar seguidamente tecendo algumas considerações acerca da mesma.

2. O“DIREITO CONSTITUICIONAL APLICADO”

A relação de complementaridade entre o Direito Processual Penal e a Constituição, bem como a estatuição no texto processual penal de princípios e critérios assentes constitucionalmente, conduz-nos à ideia de que a lei fundamental é preponderante em toda a matéria processual penal, o que nos leva a concordar com FIGUEIREDO DIAS que

denominou o processo penal de “espelho da realidade constitucional”.11

De facto, porque o valor fundamental é o da pessoa humana e o Direito Processual Penal tem como valor máximo a salvaguarda da dignidade e da vida em sociedade e, portanto, o respeito absoluto pelos direitos fundamentais, a Constituição apresenta uma forte e direta incidência sobre aquele direito, patente, desde logo, pela consagração do modelo e estrutura do processo penal.12

Referir que o Direito Processual Penal é “espelho da realidade constitucional” ou “direito constitucional aplicado”, neste último caso adotando a expressão de K. HENKEL, significa, por um lado que os fundamentos do processo penal estão alicerçados na Constituição, e por outro, que a regulação de casos processuais está ajustada e prevista constitucionalmente, sendo que é a lei fundamental que dita a estrutura e os princípios pelos quais se deve orientar a lei processual penal, e define os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.13

10 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora,

2004, p. 74.

11 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Para Uma Reforma Global do Processo Penal Português. Da sua

Necessidade e de Algumas Orientações Fundamentais em “Para uma Nova Justiça Penal – Ciclo de Conferências do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados”, Coimbra: Almedina, 1996, p. 194.

12 “(…) É a Constituição que define a estrutura do Estado, as relações entre o Estado e os cidadãos e os

direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas.” Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui.

Anotação ao art. 32.º em Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 709.

13 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora,

2004, p 74. Adotam, também, esta designação JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS. Cfr. MIRANDA, Jorge e

MEDEIROS, Rui. Anotação ao artigo 32.º em Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p.709.

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23 Aliás, o Direito Processual Penal é um direito que está em constante contacto com os direitos, liberdades e garantias das pessoas e, nesta medida, é a Constituição que limita o âmbito de atuação do legislador ordinário que, ao lidar com direitos e liberdades, garante que os mesmos não são desconsiderados e estabelece quais as circunstâncias em que podem ser restringidos, à luz do regime estatuído nos n.ºs 2 e 3, do art. 18.º.14

Talvez um dos princípios mais pertinentes do Direito Processual Penal que evidencia a influência da Constituição no texto processual penal e o vínculo que une estes dois ramos do direito é, desde logo, o princípio da acusação, que define o modelo acusatório integrado por um modelo de investigação, previsto no n.º 5, do art. 32.º, da Constituição.15 Assim, é ao arguido, enquanto sujeito processual, que é garantida a liberdade para exercer a sua defesa por contraposição à acusação a qual define e fixa o objeto do processo, sendo a mesma deduzida por entidade distinta do tribunal que decide a causa, revelando, deste modo, a imparcialidade e objetividade que o julgador deve possuir, só assim contribuindo para a boa decisão da causa.16

Por outro lado, a estrutura acusatória do processo penal está intrinsecamente ligada à salvaguarda das garantias de defesa do arguido, uma vez que este tem o poder de livremente proceder à recolha de provas que possam enfraquecer outras que são recolhidas, desde logo, oficiosamente pelo órgão acusador e que constem do processo. Pretende-se, assim, a descoberta da verdade material, sendo certo que esta não pode ser considerada um valor absoluto nem sacrificada a todo o custo, já que a dignidade humana, valor supremo e inatingível, sobrepõe-se à mesma.

Pese embora esta liberdade extraprocessual do arguido na recolha de provas, em sua defesa, a mesma não pode ser arbitrária, nem coadunar-se com a limitação de outros direitos fundamentais plasmados na Constituição, sob pena de estarmos a cair na inconstitucionalidade. Tal justifica que, ainda que a distinção entre a entidade que dirige o inquérito – Ministério Público – e o órgão que dirige a instrução seja clara e notória, este último pode, excecional e exclusivamente, intervir na fase precedente quando esteja em causa limitação de direitos, liberdades e garantias, por forma a assegurar que o

14 Sobre a restrição ao exercício de direitos, liberdades e garantias, vide infra pp. 25 e ss.

15 Ao contrário do que sucede no modelo acusatório, que tem afloramentos do princípio do contraditório e

da igualdade de armas, o modelo inquisitório pauta-se por uma liberdade na recolha de provas e por uma investigação oficiosa por parte do juiz que age como um “dominus do processo” e ao qual o arguido se

submete sem poder de intervenção. Cfr. SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, Vol. I, 5.ª

ed., Revista e atualizada, 2008, Lisboa: Editorial Verbo, p. 57.

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24 respeito pelos princípios da adequação e proporcionalidade, em matéria de restrição ao exercício de direitos e liberdades, esteja assegurado.

Ora considerar a estrutura do processo penal como integrada pelo princípio da acusação, irá repercutir-se também nas finalidades deste ramo do direito.

Desde logo, a validade e a formalidade da decisão final, em absoluto respeito pelos direitos fundamentais, e com vista à efetiva realização da justiça, vão impedir a obtenção de provas em situações suscetíveis de limitar ou invadir a esfera daqueles direitos, impossibilitando, assim, a prossecução da verdade material.17

Assim, porque o valor fundamental é a dignidade humana, o processo penal deve preocupar-se com a pacificação social e com o bem comum, como instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais. Neste sentido, todo o processo penal deve sempre ser orientado pela ideia de que se o interesse do Estado em punir os culpados é fundamental, tanto ou mais fundamental é, evitar a todo o custo a punição de um inocente; e só numa exigência de verdade e de justiça é que é aplicada uma pena.18

De acordo com FIGUEIREDO DIAS, o Estado de Direito em que vivemos não exige, em

absoluto, “(…) a tutela dos interesses das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução do interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos.”19 Porque uma das principais finalidades do Direito Processual Penal é a prossecução da verdade material aliada à eficaz realização da justiça, não é possível conceber como intocável a esfera jurídica dos direitos fundamentais, tendo que ser admitida, inevitavelmente e em casos muito particulares, a limitação daqueles direitos em prol da verdade material, fim último da lei processual penal. “Assim, e vendo agora as coisas sob outro prisma, em certas circunstâncias, para que os interesses assinalados se concretizem, necessário se torna pôr em causa direitos fundamentais das pessoas.”20 O Direito Processual Penal, em constante contacto com direitos fundamentais, proporciona e garante que os mesmos são respeitados quando de certos comportamentos – os crimes – resulta a violação ou limitação daqueles direitos, o que irá gerar uma

17 “(…) Estas limitações à obtenção da prova podem constituir entraves à descoberta da verdade que, por

isso, será sacrificada.” Cfr. SILVA,Germano Marques da. Direito Processual Penal Português, Vol. I,

Lisboa: Universidade Católica Editora, 2013, p. 25.

18 “(…) O processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma direta intenção ou

aspiração de justiça e de verdade.” Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Lições

coligidas por Maria João Antunes, Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Policopiadas, 1988-9, pp. 21 e 22.

19 Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes,

Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Policopiadas, 1988-9, p. 23.

(26)

25 responsabilidade por parte de quem os praticou, e uma sujeição a uma pena como consequência final e medida necessária, concretizando as ideias de prevenção geral e especial. Neste sentido, com o Direito Processual Penal pretende-se, também, alcançar a pacificação social ou a paz jurídica que foram afetadas por aqueles comportamentos ou pela suspeita da prática dos mesmos.21

3. ARESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DE DIREITOS,LIBERDADES E GARANTIAS

A Constituição limita o âmbito de atuação do legislador processual penal quanto a direitos, liberdades e garantias, ao estabelecer quais as regras e os princípios que permitem uma limitação ao exercício dos mesmos.

O artigo 18.º, da C.R.P., expressão máxima do Estado de Direito democrático porque integra o regime dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos estabelecendo o seu regime específico, é a norma que mais implica com os limites da própria Constituição, porque individualiza os princípios orientadores que vinculam a intervenção do legislador na esfera dos direitos fundamentais. Importa, assim, fazer uma especial referência a este artigo por ser aquele que melhor define o princípio orientador de que o Direito Processual Penal só pode e só deve ser aquilo que já estiver estabelecido constitucionalmente.

O n.º 2 daquele dispositivo legal estabelece então dois princípios orientadores: por um lado, o princípio do carácter restritivo das limitações aos direitos, liberdades e garantias e, por outro lado, na 2ª parte, prevê-se que tais limitações devem harmonizar-se com a salvaguarda e o respeito de outros direitos, liberdade e garantias, traduzidos nas ideias de proporcionalidade, adequação e necessidade. São pressupostos materiais que observados legitima e torna constitucionalmente válida a restrição ao exercício de direitos, liberdades e garantias.

Assim, “(…), o n.º 2 do artigo 18.º começa por exigir que as restrições legais sejam

expressamente autorizadas pela Constituição, estabelecendo neste domínio uma

verdadeira reserva de Constituição”.22 Está, assim, claramente definindo o primeiro pressuposto com base na exigência de previsão constitucional expressa.

21 “(…) Intenção do processo penal é não só condenar os culpados como também absolver os inocentes.”

Idem, p. 24.

22 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Anotação ao artigo 18.º em Constituição Portuguesa Anotada,

(27)

26 Se é a Constituição a consagrar quais os direitos fundamentais e a prever a possibilidade de limitação dos mesmos, é também a Constituição que prevê os casos particulares em que tal pode suceder, estabelecendo, assim, uma verdadeira exigência de assento constitucional expresso da respetiva limitação ao exercício de direitos, liberdades e garantias, por respeito ao princípio da reserva de lei, ou reserva da constituição.23 Neste sentido, a Constituição é um reduto inviolável, fechada em si mesma porque, ao mesmo tempo, prevê e restringe, em determinadas circunstâncias, o exercício de direitos, liberdades e garantias, e impõe que seja sempre o legislador constitucional a garantir o absoluto respeito pelo mesmo, definindo o alcance das restrições por ele impostas. É a chamada “doutrina da essencialidade”, porque, “por um lado, negativamente, está em causa uma absoluta proibição de restrições em branco, que permitam a intervenção conformadora de outras fontes normativas ou que transfiram para outros órgãos amplas margens de liberdade decisória. Por outro lado, positivamente, (…), ela traduz-se sempre na exigência de fixação primária do sentido normativo diretamente pela mão do legislador, sem possibilidade de delegação.”24

O segundo e terceiro pressupostos de licitude das restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias, previstos na parte final do n.º 2, do art. 18.º, dizem respeito à justificação e legitimação da restrição de um direito para salvaguarda de outro direito constitucionalmente protegido, e, intimamente ligado a este, ao princípio da proporcionalidade.

De acordo com a referida norma, as restrições devem “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, pelo que se torna, assim, justificada e adequada a restrição porque está em causa outro direito que, embora também previsto no texto constitucional, goza de uma maior proteção e, eventualmente, poderá vir a sobrepor-se àquele. Continuamos a mover-nos dentro da Constituição, sendo esta a ditar as regras internas com base nas quais é possível a restrição

23 Que adquire um duplo sentido: por um lado a matéria restritiva ao exercício de direitos, liberdades e

garantias só pode ocorrer se previstas na Constituição ou por via de lei que as regulamente ou est. Por outro lado, essa lei tem que advir da Assembleia da República ou através de decreto-lei no uso da autorização legislativa concedida por aquela – Cfr. arts. 154.º e 165.º, da C.R.P. De uma maneira geral o princípio da reserva da Constituição significa que em determinadas questões respeitantes a direitos fundamentais não devem ser reguladas por leis ordinárias, mas sim pela Constituição. “O princípio fundamental do estado de direito democrático não é o de que o que a constituição não proíbe é permitido (…), mas sim o de que os

órgãos do estado só têm competência para fazer aquilo que a constituição lhes permite (…).” Cfr. GOMES

CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 1997, p. 241.

24 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Anotação ao artigo 18.º em Constituição Portuguesa Anotada,

(28)

27 de direitos e interesses. Pretende-se esclarecer que a possibilidade de limitação ou desconsideração de direitos, liberdades e garantias, ainda que legítima face ao texto constitucional, não pode ser arbitrária ou gratuita, tendo que tal sacrifício ser proporcional, adequado e necessário à proteção de outros interesses igualmente considerados e previstos constitucionalmente.25

O princípio da proporcionalidade é intrínseco ao Estado de Direito democrático previsto constitucionalmente no art.º 2, da C.R.P. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS entendem que

este normativo legal “(…) é talvez aquele que – completado pelo artigo 29.º, n.º 2, da Declaração Universal – vai mais longe na explicitação do princípio da

proporcionalidade através de múltiplos preceitos (…).”26 Neste sentido, o Estado de Direito é, nas palavras de GOMES CANOTILHO, um Estado de “justa medida”, por,

precisamente, acolher em si o princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da proibição do excesso, no que respeita ao exercício dos direitos, liberdades e garantias.27

Importa, ainda ter presente, que este princípio da proporcionalidade subdivide-se em três subprincípios: princípio da adequação ou idoneidade, princípio da exigibilidade ou necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Relativamente ao primeiro subprincípio, o critério de restrição de direitos, liberdades e garantias deve ser adequado à salvaguarda de outros direitos, liberdades e garantias. Diz respeito, particularmente, à eficácia de uma medida legislativa que, enquanto limitadora de um direito, terá que ser adequada à proteção de outro. Quanto ao princípio da necessidade, este tem que ver com a indispensabilidade de restrição de um direito ou interesse porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos de outra maneira, ou seja, “ (…), entre os que poderiam ser escolhidos in abstrato, aquele que melhor satisfaz in concreto – com menos custos, nuns casos, e com mais benefícios, noutros – a realização do fim; (…).”28 Obriga, deste modo, ao confronto entre diferentes meios: aqueles que são verdadeiramente utilizados e outros que podiam eventualmente ser, mas que, por serem

25 “(…) A lei não se identifica com o direito e, por isso, a lei no sentido de lei em conformidade com o

princípio do Estado de direito terá de ser uma lei não arbitrária, não excessiva, não desnecessária, que terá

como princípio e limite o núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias.” Cfr. GOMES CANOTILHO,

Joaquim José. Estado de Direito, Fundação Mário Soares, Lisboa: Gradiva Publicações Lda., 1999, p. 60.

26 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Anotação ao artigo 2.º em Constituição Portuguesa Anotada,

Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 104 (negrito dos Autores).

27 Cfr. GOMES CANOTILHO, Joaquim José. Estado de Direito, Fundação Mário Soares, Lisboa: Gradiva

Publicações Lda., 1999, p. 59.

28 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Anotação ao artigo 2.º em Constituição Portuguesa Anotada,

(29)

28 mais onerosos ou desvantajosos, não são. Há uma imprescindibilidade na utilização da medida restritiva menos agressiva para o exercício de direitos fundamentais. Esta necessidade ou indispensabilidade torna-se, no fundo, numa exigibilidade.

Por último, expressão máxima do Estado de Direito, temos o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que equivale, como já dissemos, à justa medida. Neste sentido, as medidas restritivas devem ter uma justa medida relativamente aos fins visados, impedindo, assim, a utilização de critérios restritivos desproporcionais, arbítrios e infundados. “Aqui, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito convola-se na exigência de que o sacrifício imposto a uma das partes não vá além de uma justa medida, daquilo que é ordenado e legitimado pela preferência reconhecida à posição da outra parte ou ao interesse constitucionalmente tutelado.”29

Em último lugar, o n.º 3, do art. 18.º, preceitua que ainda que seja legítima a restrição ao exercício de direitos, liberdades e garantias, a mesma só atua com a observância de três requisitos imprescindíveis, relacionados, designadamente, com a natureza da lei restritiva, porque nenhuma restrição pode ser definida ou concretizada a não ser sob a forma de lei, segundo o princípio da reserva de lei. O primeiro desses requisitos é o carácter geral e abstrato que as leis restritivas têm de revestir.30 A Constituição não obriga a que a leis de carácter geral tenham um grau específico de generalidade ou abstração, mas sim que permaneçam, necessariamente, nessa escala. Se a aplicação de leis restritivas ao exercício de determinado direito apenas pode ser efetuada na medida do indispensável e para salvaguarda de outros direitos constitucionalmente tutelados, fica vedada a aplicação de leis individuais e concretas por desrespeitarem o princípio da igualdade previsto no art. 13.º. Esta imposição da generalidade e da abstração das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias tem uma particular ligação com o subprincípio da necessidade ou indispensabilidade porquanto limitam a atuação deste último. “Com efeito, se de acordo com este princípio só podem ser consideradas necessárias as leis restritivas que possuam um alcance espacial, temporal e pessoal tão reduzido quanto possível (…), a verdade é que não pode a redução ao mínimo desse alcance ser levada ao ponto de redundar na produção de uma lei individual ou de uma lei concreta.”31

29 Anotação ao art. 18.º, idem, pp. 377 e 378.

30 A lei é geral quando se dirige a uma generalidade de pessoas e é abstrata quando se aplica a um conjunto

indeterminado de casos, sendo cumulativa a verificação destes dois requisitos. Ficam, assim, constitucionalmente excluídas as leis de índole individual e concreta, ou seja, tanto aquelas que se destinam a um número determinado de pessoas, como aquelas que apenas são aplicadas a casos particulares.

(30)

29 O segundo pressuposto para aplicação de uma lei restritiva é a sua irretroatividade, não podendo, assim, aplicar-se a situações do passado, mas antes a casos que se venham a verificar após a sua entrada em vigor, nos termos do art. 12.º, do C.C.

Esta regra da irretroatividade relativamente a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, porque concede uma tutela às situações estabelecidas no passado sobre as quais não irá aplicar-se a lei nova, está intrinsecamente ligada aos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica que, embora distintos, podem ser interpretados e analisados conjuntamente, e fazem parte integrante do princípio do Estado de Direito, sendo pertinente trazermos para aqui algumas considerações acerca dos mesmos. O princípio da proteção da confiança é parte integrante do princípio da segurança jurídica, e traduz-se na garantia contra o arbítrio e o poder ilimitado do Estado. Em si mesma, a proteção da confiança não constitui um direito fundamental, mas representa o lado subjetivo da segurança jurídica, pelo que pode assegurar uma proteção equivalente à de um verdadeiro direito, liberdade ou garantia. Por outro lado, a segurança jurídica apela à proteção da confiança que os cidadãos podem dispor nas decisões e nos atos do poder político e que atinjam a sua esfera jurídica.32

Em sentido amplo, e abrangendo o princípio da proteção da confiança podemos definir o princípio geral da segurança jurídica como o direito que o cidadão tem em poder confiar que aos seus atos e decisões públicas que incidam sobre os seus direitos fundamentais e estejam reguladas por normas jurídicas, serão aplicáveis os efeitos previstos nessas normas; a lei nova não poderá aplicar-se a situações passadas já regulamentadas. “o princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, (…), a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, (…), legitima a confiança na permanência das respetivas situações jurídicas.”33

A proibição da retroatividade prevista no já referido n.º 3, do art. 18.º, aplica-se tão-somente às leis restritivas que vierem a restringir, novamente, o exercício de direitos,

32 Nas palavras de GOMES CANOTILHO: “(…) As pessoas ─ os indivíduos e as pessoas coletivas ─ têm o

direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas ou em atos jurídicos editados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento

jurídico.” Cfr. GOMES CANOTILHO, Joaquim José. Estado de Direito, Fundação Mário Soares, Lisboa:

Gradiva Publicações Lda., 1999, p. 73

33 Cfr. GOMES CANOTILHO, Joaquim José. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra:

(31)

30 liberdades e garantias por não estarem anteriormente reguladas, ou a proceder ao alargamento do âmbito de aplicação de leis restritivas já anteriormente consagradas. Assim, a regra da irretroatividade assegura a proteção da confiança dos cidadãos na ordem jurídica relativamente a leis que venham a ser aplicadas a situações do passado culminando em efeitos jurídicos que não eram previstos. A confiança na previsibilidade das soluções visa, por seu turno, a confiança que os cidadãos depositam na ordem jurídica impedindo a criação ou a alteração de medidas legislativas que contendam com direitos adquiridos ou expectativas criadas. Com a criação de uma nova lei espera-se alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica. Contrariamente, a aplicação retroativa de uma nova lei constitui uma consequência inadmissível no Estado de Direito democrático, causadora de uma insegurança jurídica, desrespeitando direitos adquiridos e expectativas legitimamente criadas.

O terceiro e último pressuposto para aplicação de uma lei restritiva ao exercício de determinado direito, liberdade ou garantia previsto constitucionalmente, além de ter que ser geral e abstrata, e não operar retroativamente, tem também que respeitar “a extensão e o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”. “A questão do conteúdo essencial de um direito não pode equacionar-se senão em confronto com outro bem; mas, nos termos da Constituição, nunca essa ponderação poderá conduzir à aniquilação de qualquer direito fundamental.”34 Cremos que esta última imposição de não afetação do núcleo central de direitos fundamentais aproxima-se do princípio da proporcionalidade supra referido, uma vez que uma lei restritiva que seja arbitrária, infundada, desproporcional, irá afetar em grande parte o cerne de um direito fundamental. JORGE

MIRANDA e RUI MEDEIROS,falam, assim, da “(…) intangibilidade do conteúdo essencial

(…)” dos direitos fundamentais e entendem que, aquele normativo legal estabelece “(…) uma barreira absoluta, estática e intransponível contra as intervenções agressivas do legislador, (…)”35

34 Cfr. GOMES CANOTILHO, J. J. e MOREIRA, Vital. Anotação ao art. 18.º, em Constituição da República

Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 395 (itálico do Autor).

35 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Anotação ao art. 18.º em Constituição Portuguesa Anotada,

(32)

31

4. O DIREITO À IMAGEM E O DIREITO À PALAVRA - CONTEÚDO ESSENCIAL E NATUREZA JURÍDICA

Até aqui temos vindo a analisar a influência que a Constituição exerce na lei processual penal, sobretudo através da concretização da ideia de que os fundamentos do Direito Processual Penal são fundamentos constitucionais, e a estrutura daquele direito está consolidada na Constituição, que prevê que os direitos e garantias dos cidadãos não sejam afetados pela atuação do legislador processual penal.

Enquanto Estado de Direitos fundamentais, o legislador ordinário procura, particularmente, que os direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente sejam harmonizados no âmbito de um problema do foro penal. O Direito Processual Penal só pode ser aquilo que já tiver sido estabelecido pela Constituição.

A temática central da presente dissertação – valoração da prova proibida e a sua admissibilidade em processo penal – é um dos capítulos do Direito Processual Penal que mais contende com os direitos fundamentais, nomeadamente na questão da validade da obtenção da prova que é, por vezes, colocada em causa por colidir, no essencial, com a dignidade humana, valor supremo e intangível.

Neste sentido, a valoração de prova obtida através da captação de imagens e gravações pode potenciar diversos abusos lesivos dos direitos, liberdades e garantias, designadamente, no que diz respeito aos direitos fundamentais à palavra e à imagem, plasmados nos artigos 26.º e 37.º, da C.R.P., respetivamente.36

O direito à imagem e o direito à palavra fazem parte integrante do núcleo central dos direitos, liberdades e garantias e, no entender de JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, apresentam-se “como a sede fundamental do direito geral de personalidade.”37

O art. 70.º, do C.C. contém uma norma de tutela geral de personalidade, segundo a qual a lei protege todos os cidadãos de qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa perpetrada contra a sua integridade física ou moral. Neste sentido, os direitos de personalidade

36 “No entanto, de todos os direitos fundamentais, só estes são chamados à colação sempre que se recorre à

obtenção da prova através de meios audiovisuais, pelo que será sobre eles que centraremos a nossa atenção, não descurando pontuais referências ao direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, também

ele frequentemente invocado contra o uso de tais meios de prova.” Cfr. LUMBRALES, Nuno Botelho Moniz.

“O direito à palavra, o direito à imagem e a prova audiovisual em processo penal”, em Revista da Ordem dos Advogados, Vol. II, Ano 67, Lisboa: Ordem dos Advogados, 2007, p. 685.

37 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Anotação ao Art. 26.º, da C.R.P., em Constituição Portuguesa

(33)

32 consagrados constitucionalmente gozam de proteção jurídica, não sendo permitida qualquer ofensa ou limitação aos mesmos.

Segundo CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, os direitos de personalidade são direitos, “gerais (todos deles gozam), extrapatrimoniais (embora as suas violações possam originar uma reparação em dinheiro, não têm, em si mesmos, valor pecuniário) e absolutos”38, e constituem um elenco de direitos necessários e imprescindíveis na esfera dos direitos e deveres de cada pessoa. Os direitos à imagem e à palavra, a par de outros direitos de personalidades consagrados no referido art. 26.º, da C.R.P., constituem, assim, direitos pessoais, indispensáveis ao conteúdo essencial da personalidade e fazem parte, por isso mesmo, do elenco de direitos de personalidade.

No essencial, estes dois direitos salvaguardam que o registo e divulgação de imagens ou palavras, faladas ou escritas, não possa ocorrer sem o consentimento da pessoa visada, o que concretiza a ideia de autonomia e “transitoriedade”39 da palavra falada e da imagem pessoal.

Ao abrigo do disposto no art. 79.º, do C.C., “o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela”, sendo certo que não é necessário o consentimento “quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam ocorrido publicamente.”

No entender de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à imagem, referido no n.º 1, do art. 26.º, da C.R.P., “tem um conteúdo assaz rigoroso”40. Por um lado, compreende o direito de cada pessoa de definir a sua própria imagem, ou seja, o direito a não ser fotografado ou ver o seu retrato exposto publicamente sem o seu consentimento. Por outro lado, aquele preceito legal abrange também o direito de não ver a imagem de cada pessoa apresentada, “em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel («falsificação da personalidade»).”41 Neste sentido, existe, assim, um controlo sobre a própria imagem, autodefinindo-a, e um direito e controlo de utilização dos registos da própria imagem. Falamos, deste modo, em dois tipos de direito imiscuídos

38 Cfr. PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil, 4.º ed., Coimbra: Coimbra Editora,

2005, p. 209 (itálico do Autor).

39 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Anotação ao Art. 26.º, da C.R.P., em Constituição Portuguesa

Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 618.

40 Cfr. GOMES CANOTILHO, J. J. e MOREIRA, Vital. Anotação ao art. 26.º, da C.R.P., em Constituição da

República Portuguesa Anotada Vol. I., 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 467.

(34)

33 naquele direito à imagem previsto constitucionalmente – autoexposição e autodeterminação, que incluem também a salvaguarda do registo da imagem sob qualquer forma de divulgação, seja através de fotografia ou de filme. Segundo ABÍLIO NETO, “não

se proíbe que se colha a imagem da pessoa. O que se proíbe, sim, é que se dê difusão ao retrato, expondo-o, reproduzindo-o ou lançando-o no mercado.”42

Enquanto direito de personalidade, como supra referimos, o direito à imagem insere-se, a par de outros direitos igualmente pertinentes, na esfera jurídica de cada pessoa. A imagem pessoal é tida como representação da figura humana que a representa. Todavia, como refere ADALBERTO COSTA, “(…) a imagem pessoal não se restringe à figura, à

fisionomia da pessoa, ao corpo que aparece no mundo real e sensível.” Porque é um direito de personalidade, a imagem é constituída também, “pela sua personalidade, pelo seu conhecimento, pela sua educação, pela sua vida enquanto ser humano, (…), pela sua vida social, pela sua sabedoria, pela sua inteligência, pela sua integração na sociedade, na família, na cultura, (…)”, enfim, a imagem caracteriza e representa a própria personalidade de cada pessoa, individualmente e socialmente.43

Para o Direito, a imagem tem um conteúdo mais abrangente, já que o direito à imagem não se restringe apenas à representação da figura humana, do aspeto físico e visual da pessoa, mas inclui também toda e qualquer reprodução daquela, através de expressões da personalidade que se manifestam na sociedade.44

Referimos anteriormente que o direito à imagem é um direito absoluto porque se caracteriza como um verdadeiro direito de personalidade, mas representa também um poder/faculdade, no sentido de que, enquanto direito pessoal ou subjetivo tutelado pela ordem jurídica – desde logo, assumindo o carácter de direito fundamental consagrado na Constituição –, o direito à imagem é indireta e implicitamente “auto-responsável”, porque a lei civil restringe a utilização/divulgação da imagem de cada pessoa e responsabiliza quem o faça sem o consentimento, nos termos do art. 199.º, do C.P.

Atualmente a imagem é um direito, que apesar de tutelado pela ordem jurídica e encarado como inatingível, fruto de uma banalização na utilização e acesso às redes sociais, como o “Facebook”, tem vindo a ser desconsiderado.

42 Cfr. NETO, Abílio. Anotação ao art. 79.º, do C.C., em Código Civil Anotado, 17.ª ed., Lisboa: Ediforum,

2010, p. 65.

43 Cfr. COSTA, Adalberto. “O Direito à Imagem” em Revista da Ordem dos Advogados, Vol. IV, Ano 72,

2012, p. 1351.

44 “Se para o Direito a imagem é tudo o que acabamos de dizer, então o objeto do direito à imagem pessoal

é tudo aquilo que faz parte da pessoa e que pode ser representado para fora de si e apreendido pelos outros.” Idem, p. 1352.

(35)

34 E não só. Se a imagem é a representação daquilo que somos individualmente ou na relação com os outros em sociedade, necessário se torna salvaguardá-la e torná-la mais resguardada.

Cremos que a imagem é um conceito frágil, que apesar de ser subjetivo e autodeterminado, fica à mercê da evolução da sociedade, nomeadamente, dos dispositivos de exposição e divulgação daquela. Se é certo que temos o direito a demarcar e delimitar o acesso à nossa imagem, circunscrevendo o âmbito de divulgação da mesma e apenas fazendo-o com o nosso consentimento, certo é também que a negligência no cuidado com a imagem pode levar a consequências nefastas e irretratáveis. Temos a liberdade de a divulgar, mas também a autodeterminação e autorresponsabilidade de, em certas e determinadas situações, não o fazer.

Salientamos, ainda que, a exposição da imagem de uma pessoa não pode confundir-se com o consentimento que tem, necessariamente, que existir para a sua publicação ou divulgação.45

Mas não só a imagem assume relevância jurídica e é tutelada pela Constituição e pela lei civil. Também a palavra, enquanto expressão típica da autonomia pessoal e encarada também como um direito de personalidade, assume posição significativa na Constituição quer ao abrigo do já referido art. 26.º, quer ao abrigo do art. 37.º, que prevê e consagra a liberdade de expressão e informação.46

O direito à palavra é um direito análogo ao direito à imagem, e implica, segundo GOMES

CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “a proibição de escuta e/ou gravação de conversas

privadas sem consentimento ou de qualquer deformação ou utilização «enviesada» (…), das palavras de uma pessoa.” Segundo aqueles autores, o direito à palavra pode ser desdobrado em três direitos: “direito à voz”, “direito às palavras ditas” e o “direito ao auditório”.47

45 PEDRO PAIS DE VASCONCELOS relata um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1989, que julgou

ilícita a publicação, numa página de um jornal, da fotografia de uma senhora semi-nua, tirada numa praia onde habitualmente se pratica nudismo. Cfr. Ac. do STJ de 24/05/1989, proc. n.º 077193 (Relator Solano

Viana), disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0fb13f24bc66065b802568fc003a1993? OpenDocument

46 A este propósito fazemos alusão ao escritor e filósofo francês VOLTAIRE, que ficou célebre não só pelas

suas obras notáveis, mas também pela sapiência do seu pensamento e falar. “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até à morte o direito que você tem a dizê-las”, é uma das suas frases mais afamadas, que reflete os princípios da sociedade democrática, em que todos têm o direito à palavra, a expressar as suas ideias e conhecimentos, e que não podem ser, por qualquer meio de censura, proibidos de o fazer, fazendo, assim, jus à liberdade de expressão.

47 Cfr. GOMES CANOTILHO, J. J. e MOREIRA, Vital. Anotação ao art. 26.º, da C.R.P., em Constituição da

(36)

35 O princípio do contraditório, ínsito no n.º 5, do art. 32.º, da C.R.P., é um dos princípios basilares em qualquer ramo do Direito, e reflete a ideia de que todos têm o direito a falar e a pronunciar as suas convicções, e a outra parte, quer concorde ou não, tem o direito de ouvir. 48

O direito à palavra acarreta a salvaguarda da confidencialidade da palavra falada e escrita não publicamente divulgadas gozando, assim, de tutela constitucional.

Atendendo à precedência histórica do regime ditador que vivemos durante cerca de 48 anos, e às práticas repressivas da censura praticadas nessa época, definitivamente abolidas após o 25 de abril de 1974, é revelador que o primeiro dos direitos fundamentais elencados na Constituição seja, precisamente, o direito à liberdade de expressão e informação previsto no art. 37.º. De facto, a “Revolução dos cravos” abriu o maior período de liberdade de expressão da história portuguesa, numa altura fortemente marcada pela repressão e censura vividas durante o Estado Novo, e que hoje está absolutamente vedada, desde logo, pelo n.º 2, do referido artigo, segundo o qual, “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.”

Cremos que o direito à palavra está intimamente relacionado com a liberdade de expressão que referimos supra, esta entendida como o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar as suas ideias e opiniões, bem como com o direito de expressão, no sentido do direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento. Se, por um lado, existe uma proibição de censura da palavra, por outro lado, a palavra falada ou escrita, gozando de uma tutela constitucional e encarada como um direito fundamental, não pode ser, a par da imagem, divulgada ou difundida por qualquer meio sem o consentimento da pessoa, ou distorcida, por forma a adulterar o sentido real da mesma. Enquanto direitos de personalidade e parte integrante da autonomia e identidade pessoal, a imagem e a palavra devem ser respeitadas, consubstanciando um princípio de verdade por parte de quem as divulga, e honrando integralmente a imagem e a palavra não sendo permitidas distorções ou alterações que disfarçam ou deturpem o verdadeiro sentido e representação das mesmas. Acolhendo os sábios ensinamentos de JORGE MIRANDA e RUI

48 No Direito Romano vigorava a máxima, “audi alteram partem” – “ouve a outra parte”, respeitando, deste

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