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O Ministério Público em segundo grau diante do enigma da esfinge (e a Constituição da República): decifra-me ou devoro

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Academic year: 2019

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O Ministério Público em segundo grau

diante do enigma da esfinge

(e a Constituição da República):

decifra-me ou devoro

Márcio Soares Berclaz

(marcioberclaz@terra.com.br)

Promotor de Justiça no Estado do Paraná

“Você pode até dizer

Que eu tô por fora

Ou então que eu tô inventando...

Mas é você que ama o passado e que não vê

É você que ama o passado e que não vê

Que o novo sempre vem...”

(Belchior)

1 - Introdução

Projetado e pensado como instituição vocacionada para realizar a intransigente defesa dos interesses coletivos do povo, é justamente pela sua enérgica e vibrante atuação como agente indutor e provocador de transformações na realidade social que o Ministério Público brasileiro vem ganhando destaque e conquistando cada vez mais credibilidade para ocupar seu legítimo e privilegiado espaço no palco democrático da revolucionária Constituição da República de 1988 .

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democráticos para intensificar necessário e gradual rompimento com as amarras do burocratismo estatal que, tradicional e historicamente, de modo absolutamente equivocado, estabeleceu a viciada cultura de atrelar e condicionar as atividades do Parquet de modo reflexo à forma de atuação e organização do Poder Judiciário.

Ganhar substância como instituição permanente e autônoma vinculada à sociedade civil e exercer de modo adequado o papel de único e real anteparo disponível ao cidadão no enfrentamento e fiscalização criteriosa da atuação dos demais órgãos e poderes estruturais do Estado Democrático de Direito (Executivo, Legislativo, Judiciário): esta a nobre e elevada missão do Ministério Público brasileiro. Tal compromisso de natureza genuinamente sociológica, como se vê, é muito mais amplo e complexo do que o puro e simples exercício de mecânicas atribuições judiciais, inexistindo dúvidas de que o Ministério Público deve, cada vez mais, assumir seu papel de indutor do processo de evolução social, buscando soluções criativas e ágeis para as mazelas que afligem a coletividade cuja tutela lhe foi outorgada pela Constituição da República (JATAHY ).

Todavia, apesar do árduo e longo percurso até aqui percorrido, tomando por base o perfil exigido do novo Ministério Público edificado a partir da Constituinte de 1988, fato é que o cumprimento eficaz da missão constitucional ainda é um permanente e grande desafio aos membros do Ministério Público brasileiro, especialmente para aqueles que exercem atribuições vinculadas ao segundo grau, o que, de certa forma, problematiza a constatação de que o tempo é o genuíno horizonte de toda interpretação e toda compreensão do ser (HEIDEGGER ).

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cultivados (WARAT).

Negligenciar o enfrentamento do gravíssimo problema originário no fato de que a macroestrura institucional permite que a imensa maioria dos membros do Ministério Público em segundo grau descumpra e omita cumprimento ao papel constitucional será o mesmo que não decifrar os códigos e a simbologia de uma mudança de consciência mais do que necessária e urgente na otimização do cosmo constitucional, aqui metaforicamente representado pela esfinge.

Nesse contexto, entre construir esses novos caminhos possíveis ou resignadamente aceitar o devoramento do papel constitucional atribuído ao Parquet nessa esfera de atuação, a singela proposta deste superficial estudo, ao pretender traçar breve panorama e segmentado diagnóstico capaz de apontar considerações crítico-propositivas envolvendo a atuação do Ministério Público Estadual em segundo grau, opta pela primeira alternativa, tudo com o objetivo de subsidiar maior reflexão crítico-institucional.

Para uma instituição que, dentre outras metas, pretende otimizar resultados e incrementar sua legitimidade e interlocução com a sociedade civil de modo a fortalecer e consolidar sua identidade constitucional, quer o presente artigo utilizar lentes críticas com o objetivo de fornecer considerações que subsidiem a projeção e o debate sobre a (re) construção de um realizador e diligente Ministério Público em segundo grau.

2 – Problematizar a questão do segundo grau no âmbito do Ministério Público Estadual: estabelecendo diretrizes

“E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa aparecer E ver que toda esta engrenagem já sente a ferrugem lhe comer” (Zé Ramalho)

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passados mais de vinte anos da atividade constituinte, infelizmente vivenciamos e presenciamos a instituição encarregada de defender os mais caros interesses do povo ainda presa a uma estrutura de execução em segundo grau que, de maneira geral, mostra-se absolutamente inefetiva, obsoleta, burocrática e, sobretudo, desestimulante .

A abordagem da situação do Ministério Público Estadual atuante em segundo grau como recorte específico deste trabalho enfrenta problemas de natureza diversificada, não só de forma, como também de conteúdo, situação crítica e patológica agravada por uma profunda e estrutural crise epistemológica (natureza) e metodológica (como fazer) sobre o real sentido, espaço e conteúdo das atribuições das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução.

O Ministério Público em segundo grau, com sua atuação focada no míope e quase exclusivo exercício de atribuições de mero órgão interveniente, continua agindo (e se escondendo) na sombra da caverna do Poder Judiciário em uma estrutura formal-parecerista de diminuta resolutividade que precisa urgentemente de revisão e redimensionamento à luz e influxo do inexorável paradigma constitucional. Dentre os entraves dificultadores do desenvolvimento pleno e eficaz da missão constitucional confiada ao Ministério Público, merece destaque certa cultura institucional equivocada e pessimista de que não há o que se possa fazer para mudar o formato da atuação em segundo grau, sensação que não raras vezes alimenta intervenções passivas e inefetivas, seja no conteúdo, seja na despreocupação com a sua eficácia no contexto da prestação jurisdicional.

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conseqüências. Mais do que simplesmente discutir os casos em que se deve ou não intervir, sob o enfoque da racionalização e filtragem constitucional das atribuições, também constitui ponto fundamental problematizar o critérios da atuação como fiscal da lei.

Por essas e outras que o Ministério Público atuante em segundo grau, na sua apagada atuação ordinária “parecerista”, descumpre raiz constitucional que lhe exige papel proativo e protagonista em favor da defesa do povo e seus mais elevados interesses difusos e coletivos. Tanto é assim que, tivesse MAURO CAPPELLETTI focado sua reflexão crítica sobre o acesso à justiça na tutela coletiva a partir da contribuição exclusiva dos órgãos de execução do Ministério Público em segundo grau, seria bem possível que suas deterministas e inexoráveis conclusões formuladas não estivessem tão distantes da realidade, tamanho o apagamento, enfraquecimento e desprestígio que hoje envolve a atuação ministerial em segundo grau.

Da mesma forma, se no âmbito criminal o foro especial por prerrogativa de função soa quase como um convite para a impunidade em razão da indefinição ou lentidão no processamento dos feitos junto ao Tribunal, seja na fase preliminar, seja na fase propriamente judicializada, além das dificuldades atribuíveis ao Judiciário (que não são poucas), quem sabe parcela da responsabilidade por esse fato também não deva ser relacionada à insuficiência ou mesmo ineficiência do papel até aqui desempenhado pelo Ministério Público como órgão autor, agente e provocador do impulso nesta esfera de persecução, debilidades sentidas tanto na esfera criminal quanto cível.

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Ontológica e idealmente, não há razão para que haja tanto discrímen na percepção. A rigor, seja em primeiro ou em segundo grau, a missão constitucionalmente confiada ao Ministério Público pelos artigos 127 e 129 da Constituição não deveria mudar. Fale-se de Promotorias ou Procuradorias de Justiça, a verdade incontestável é que ambas as unidades deveriam constituir órgãos de execução do Ministério Público que, no espaço dos seus misteres, na combinada (mas nunca concomitante) atuação como órgão interveniente e agente, deveriam concentrar esforços conscientes no privilégio do exercício da segunda possibilidade, como hoje infeliz e distorcidamente ainda não ocorre.

Deixando de lado qualquer tipo de corporativismo, goste-se ou não de ouvir os acordes e tons desse diagnóstico crítico e livre de qualquer sentimento de proteção ou blindagem institucional , a verdade, por mais dura , amarga e severa que seja, é que o intenso e arejado ambiente que mobiliza e impulsiona os órgãos de execução ministerial oficiantes em primeiro grau não raras vezes cede espaço ao crepúsculo enfastiante e monótono que hoje integra as atribuições ordinárias da maior parte das Procuradorias de Justiça.

E dessa forma ocorre porque a engenharia estrutural e organizacional da instituição para a atuação em segundo grau, de modo geral, salvo raríssimas e elogiosas exceções pinçadas no varejo, privilegia, no atacado, a manutenção de uma estrutura inflexível, de atuação eminentemente judicial edificada de forma reflexa ao Poder Judiciário, quando, em verdade, a realidade dos fatos e do direito achado na rua exige que a instituição do Ministério Público, desde há muito, concentre e estruture o desenvolvimento de atividades prioritárias no campo extraprocessual, notadamente na promoção da ação penal nos casos de autoridade com competência originária e defesa dos interesses coletivos e metaindividuais da sociedade.

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capazes de surgir no eterno conflito entre unidade e independência funcional .

Independentemente de estar ou não correta a sustentação de primeiro grau, indiscutível que esta, chegando ao Tribunal, já existe de modo consolidado e não mais poderá ser apagada, constatação que enfraquece o argumento frequentemente invocado de que seria útil a intervenção “parecerista” de segundo grau justamente para corrigir o rumo de uma situação tratada de modo inadequado ou equivocado pelas Promotorias de Justiça como órgãos de execução. Esquece-se aí, na verdade, que o duelo de posições entre membros do Ministério Público atuante em graus distintos não só enfraquece a atuação institucional na sua totalidade, expondo contradição prejudicial ao sentido (e sentimento) de unidade, como, igualmente, desperdiça forças e energias relevantes que poderiam ser melhor instrumentalizadas no cumprimento da larga e extensa pauta de atribuições proativas judiciais e extrajudiciais que, por falta de estrutura eficaz de recursos humanos, cotidianamente deixam de ser cumpridas a contento.

Assim, conforme anunciado faz pouco, tomando por base o desempenho de atribuições criminais, não seria muito mais adequado e proveitoso que as Procuradorias de Justiça Criminais, por exemplo, ocupassem seu tempo e esforço no exercício e movimentação das investigações preliminares e ações penais envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça, o que abrangeria eficiência no combate e persecução dos incontáveis delitos de Prefeito que não raras vezes ficam paralisados nos escaninhos do Judiciário sem encaminhamento adequado que não seja o risco de prescrição? Se a atuação interveniente nas matérias penais é realmente imprescindível e útil, quem é que a exerce entre a notícia-crime e a sentença de primeiro grau? Ora, se o Promotor de Justiça em primeiro grau pode acumular e assumir a função de parte imparcial que concilia a titularidade da ação penal com o papel permanente de fiscal da lei, por qual razão em segundo grau há de se ter dois órgãos atuando de forma dupla e ambivalente como órgão agente e interveniente?

Outrossim, mudando de foco e indo para o âmbito das atribuições cíveis e de tutela coletiva, qual o sentido de se entender que é o Promotor natural que tem melhores condições de elaborar as contrarrazões de recursos que aportam ao Tribunal se, ainda assim, sua sustentação será invariavelmente repetida ou confrontada por outra intervenção ministerial?

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Tribunais de Justiça não raras vezes mascara e impede efetiva e relevante concentração de energia no manejo de recursos excepcionais (extraordinário e especial) junto aos Tribunais Superiores (STF e STJ), especialmente quando, nos núcleos recursais específicos, existem escassos recursos humanos, muitos dos quais arregimentados no quadros dos membros de primeiro grau? Aliás, a rigor, formular recurso excepcional para impugnar decisões dos Tribunais não deveria constituir tarefa e dever de ofício de todo Procurador de Justiça?

A propósito, conforme prescreve o artigo 25, V, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93 – LONMP), se a manifestação do Ministério Público pode se dar sempre que cabível para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos, e se o presente dispositivo pode servir para autorizar manifestação do primeiro grau em feitos que tramitarão ou terão julgamento junto ao segundo grau de jurisdição , qual a razão de seu conteúdo não ser aproveitável também para releitura e redimensionamento das atribuições dos Procuradores de Justiça? Propor a reflexão crítica sobre a adequação constitucional das atribuições exercidas pelos membros do Ministério Público em segundo grau, assim, é contribuir para o fortalecimento de uma instituição que precisa ter a sua estruturação material e humana total e integralmente comprometida e engajada para cumprimento da sua atividade-fim de defesa e promoção de direitos da sociedade.

Em suma, a partir da compreensão que se tem do perfil constitucional exigido do Parquet em segundo grau, quer-se sustentar objetivamente que:

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institucional propiciam adicionais dificuldades assentadas a partir de duas outras faltas lacanianas prejudiciais, quando não impeditivas ao estabelecimento de harmonia e conformidade constitucional nas atividades ordinariamente desenvolvidas pelas Procuradorias de Justiça enquanto órgãos de execução: 1) falta de definição clara das atribuições extrajudiciais; 2) carência ou desempenho inadequado de atribuições originárias que lhe assegurem atitude de protagonismo tanto no âmbito judicial quanto extrajudicial. Em suma, como bem aponta com precisão GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA , o Ministério Público deixou de ser o simples guardião da lei (custos legis) e agora, cada vez mais, precisa assumir o papel de guardião da sociedade (custos socioetatis).

É justamente no embalo e entusiasmo desse raciocínio que, partindo do posicionamento de algumas dificuldades e obstáculos ao papel constitucional exercido no âmbito do segundo grau, espera-se produzir emancipadora abertura de janelas e perspectivas que estimulem o debate dialético em prol do crescimento e aperfeiçoamento institucional.

3. Falta de definição clara das atribuições extrajudiciais ao Ministério Público de segundo grau: primeira delimitação

“E correm através da madrugada, a única velhice que chegou... demoram-se na beira da estrada e passam a contar o que sobrou” (Zé Ramalho)

Tal como um corpo orgânico privado ou limitado de suas funções e sentidos, a constatação a que se chega é que, atualmente, de maneira geral, os membros ministeriais oficiantes em segundo grau, a despeito de sua independência funcional, não possuem margem de atuação e dinamismo que lhes permita atuar com a mesma desenvoltura que os colegas Promotores de Justiça no cumprimento do papel constitucional.

Um dos primeiros indicadores do presente estudo parte do entendimento de que esta crucial incompatibilidade operacional, este diferencial quantitativo e qualitativo no desempenho do perfil constitucional estabelecido de acordo com o nível de atuação, tem sua origem patológica na ausência de efetiva delimitação e regulação das atribuições extrajudiciais cabíveis e exigíveis dos Agentes Ministeriais de segundo grau, especialmente quando faz-se indispensável que os Membros do Ministério Público atuem como agentes políticos transformadores da realidade social, superando a perspectiva meramente formalista e processual de sua atuação .

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dos direitos difusos e coletivos, realidade complexa que envolve desde problemas estruturais à insuficiência orçamentária, fato indiscutível é que há uma tendência para que, cada vez mais, sejam os Promotores de Justiça cobrados pela mídia e sociedade civil justamente pelas eventuais omissões praticadas no exercício das atribuições extrajudiciais. Essas, aliás, servem à defesa do que há de mais caro e relevante à sociedade na construção de Justiça Social: proteção do meio ambiente, luta pela probidade administrativa (combate à corrupção), promoção de maior acesso e qualidade na educação, garantia da saúde como serviço de relevância pública, combate ao crime organizado, manutenção de eficaz controle externo da atividade policial, tutela dos direitos da criança e adolescente, do consumidor, do idoso, dos portadores de necessidades especiais, etc.

Nesse processo, compreendido o Ministério Público na sua totalidade, abrangendo órgãos de execução estabelecidos em planos distintos, inexorável que toda esta demanda e justa pressão social que hoje se acentua e se concentra sobre os órgãos de primeiro grau (até mesmo porque são estes que estão acessíveis e disponíveis no atendimento permanente da população) também precisa transferir-se parcialmente aos colegas oficiantes em segundo grau, com os quais também há de se compartilhar responsabilidades na concretização do protótipo ministerial idealizado e esperado pela Constituição, verdadeiro eixo axiomático do Estado Democrático de Direito.

Afinal, mais de duas décadas se passaram da Constituinte de 1988 e lamentavelmente as instituições representativas do Ministério Público em todos os níveis não conseguiram estabelecer, com reflexão crítica e profundidade, a necessidade de redefinição do papel e do paradigma que informa a atuação dos membros ministeriais em segundo grau, como se esse fosse um assunto proibido. Assim, em ambiente republicano e democrático, havendo tanto por fazer e caminhar, a começar pela própria insuficiência e escassez de recursos humanos, já é mais do que chegada a hora da matriz de cobrança que impõe maior eficácia no trato da tutela dos interesses metaindividuais invadir o espaço das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução que, obviamente, como parte de uma instituição, também precisam cumprir e exercer atribuições técnico-administrativas de cunho extrajudicial.

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Corregedorias-Gerais ), a atividade ministerial em segundo grau está, via de regra, atrelada indevida e cegamente ao desempenho de atribuições exclusivamente judiciais, isso porque, dentre causas de distinta natureza, a definição institucional e orgânica das Procuradorias de Justiça, a par de contemplar atuação vinculada à determinada unidade jurisdicional, igualmente não possui necessária e obrigatória correlação com alguma área de tutela coletiva a partir dos equipamentos e mecanismos que integram o agir institucional.

Nesse contexto, se o Ministério Público tem missão constitucional passível de ser desenvolvida a partir de duas faces, uma judicial e outra extrajudicial, o primeiro impasse e sério embaraço criado pelo (des) encontro do Agente Ministerial com a esfinge (a Constituição) reside no fato da cultura institucional estar absolutamente equivocada ao abrir mão e negligenciar que os Procuradores de Justiça assumam papel proativo e de verdadeiro protagonismo nesse sentido, o que certamente contribui para explicar não só o descolamento dessas unidades com a identidade constitucional como, outrossim, a propagação de certa sensação de falta de efetividade e utilidade no desempenho de atribuições antes vivenciadas ou pelo menos possíveis quando da vinculação e exercício funcional havido no âmbito das Promotorias de Justiça.

Querer ressignificar e preencher as atribuições das Procuradorias de Justiça com atividades extrajudiciais é entender que, em verdade, na raiz, é possível superar e explicar o conflito geracional entre Promotores e Procuradores de Justiça não apenas pelo período de ingresso na carreira (antes ou depois da Constituição de 1988), mas também a partir da necessidade redimensionamento das atividades típicas das atribuições de segundo grau, pauta na qual a defesa da prerrogativa do exercício de atividades extrajudiciais como necessidade ocupa papel estratégico fundamental.

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Significativo, então, que a ausência de normatização clara e objetiva descrevendo e discriminando as atribuições extrajudiciais de desempenho necessário aos membros oficiantes em segundo grau traga prejuízo ao fortalecimento da instituição e, via de consequência, à própria sociedade. De outro lado, expressivo considerar que, mesmo à luz da normatização institucional vigente, é possível visualizar incontáveis formas e possibilidades de os Procuradores de Justiça assumirem este papel, especialmente considerando as funções e as amplas possibilidades reorganização administrativa que podem ser encaminhadas pelos órgãos da Administração Superior.

Assim, a conclusão preliminar que se chega é que esta pretendida ressignificação das atividades do segundo grau a partir da assunção e exercício de atribuições extrajudiciais começa a partir da reflexão democrática e da mudança de postura institucional interna capaz de trabalhar e adequar a estrutura vigente com possibilidade de completar seu aprimoramento num segundo momento, se preciso a partir de reestruração administrativa que passe por modificações substanciais no quadro normativo vigente. Embora este processo de reflexão e transformação seja permanente, vez que inexiste encerramento ou ponto de chegada para o aperfeiçoamento e fluir de qualquer instituição pública republicana, pretende o presente estudo insistir na ideia de que a mudança aqui defendida, e boa parte dos seus argumentos, pelo menos num primeiro estágio, não depende de intervenção legislativa externa, mas sim da própria vontade de mudar dos membros e gestores que compõem a atividade do Ministério Público.

Partindo dos dados trazidos pelo Diagnóstico do Ministério Público dos Estados, indicativos de que, em média, os Procuradores de Justiça compõem aproximadamente 15% (quinze por cento) do quadro de recursos humanos em geral, havendo 6,62 (seis vírgula sessenta) membros de primeiro grau para cada colega oficiante em segundo nível, chega-se à conclusão de que é inconcebível que a situação problemática mencionada mantenha-se passiva, inalterada e, o que é pior, longe de proposições de mudança e reengenharia institucional.

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corporação precisar buscar mesmos e idênticos objetivos com somatório de esforços, divisão de responsabilidades e encargos?

Privar as Procuradorias de Justiça de funções extrajudiciais é não só mantê-las capengas e destoantes da arquitetura constitucional como, também, enfraquecer o impacto e a medida da ação do próprio Ministério Público como instituição, quiçá violando o princípio constitucional da eficiência (artigo 37, “caput”, da CR), termo aqui utilizado não com o significado puramente econômico, mas em prol da excelência profissional, motivação organizacional e compromisso na produção de melhores e mais qualificados e efetivos resultados com máximo aproveitamento dos recursos e instrumentos disponíveis .

Se dentre os deveres funcionais dos membros do Ministério Público consta o zelo pelas suas prerrogativas, pela dignidade de suas funções, as quais devem ser desempenhadas com presteza, e se no rol destas obrigações também consta a necessidade de se adotar as providências cabíveis em face da irregularidade que se tenha conhecimento no limite das atribuições (artigo 43, II, VI e VII, da Lei 8.625/93), tais aspectos somente reforçam a necessidade de se exigir sólida e consistente atuação extrajudicial de parte dos membros do Ministério Público em segundo grau.

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No plano legislativo, é de se assinalar e se questionar qual a razão da Lei 8.625/93, contrariamente ao disposto no artigo 23 para as Promotorias de Justiça, não ter feito previsão expressa de que as Procuradorias de Justiça também podem desempenhar funções extrajudiciais, especializadas, gerais ou cumulativas, inclusive com atribuições fixadas mediante proposta do Procurador-Geral de Justiça, aprovada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, o que inclui a possibilidade de exclusão, inclusão ou outra modificação nas atribuições, contanto que estas sejam efetuadas mediante proposta do Procurador-Geral de Justiça, aprovada por maioria absoluta do Colégio de Procuradores. Ilustrando a impressão de que a intervenção legislativa é inadequada e, de certa forma, insuficiente e lacônica no que tange à regulação administrativa das Procuradorias de Justiça como órgãos de execução, o que inclui omissão grave sobre a necessidade constitucional de desempenho de atribuições extrajudiciais, contraditoriamente chama atenção o preciosismo do artigo 22 da Lei 8.625/93 ao dedicar três incisos para elencar atribuições periféricas de natureza puramente administrativa, quais sejam, escolha do responsável pelos serviços administrativos, propositura da escala de férias e solicitação de convocação de Promotor de Justiça para substituição nas funções, verdadeira inversão de prioridades, reflexo da natureza assexuada e da hiper-realidade (BAUDRILLARD) que norteia as atividades ministeriais em segunda instância.

Independentemente de aperfeiçoamento legislativo superveniente, tomando por base a identidade constitucional, certo é que já passou a hora de se pensar a (re) construção do Ministério Público em segundo grau a partir da leitura clara e pedagógica das múltiplas funções conferidas pela Constituição Cidadã, uma das quais o desempenho de atribuições extrajudiciais, tanto é assim que, logo adiante, tem-se a pretensão de materializar algumas sugestões deste raciocínio, o que se quer fazer a partir de exemplos e situações concretas que permitam mostrar a viabilidade de tal projeto. Antes, porém, há um ponto mais a considerar. 4. Carência e/ou insuficiência de exercício de atribuições originárias promocionais como Órgão Agente: segunda delimitação

“O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.” (Hannah Arendt)

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promocionais típicas de Órgão Agente também constituem motivos determinantes do processo de alheamento dos membros do segundo grau com o modelo realizador exigido pela Constituição.

Se é verdade indiscutível que a Lei Maior trouxe quadro de oxigenação e abertura das atribuições do Ministério Público, reforçando-lhe a titularidade da ação penal e outorgando-lhe o papel de verdadeiro fiscal e ouvidor da sociedade na defesa dos seus direitos difusos e coletivos, forçoso reconhecer que a realização dessa tarefa não se faz por mero discurso retórico, sem a disponibilização de instrumentos que permitam a implementação de processo de trabalho planejado e estrategicamente adequado para a consecução dos resultados pretendidos.

Nessa ótica, é chegada a hora de raspar o verniz para perceber que o campo de atuação dos membros do Ministério Público oficiantes em segundo grau reflete estado viciado e duplamente sedante que, especificamente no que toca o exercício de atribuições promocionais de parte, de Órgão Agente, abrange tanto a inércia da ausência como a incompletude do desempenho insuficiente, ambas situações nocivas e prejudiciais à proteção coletiva da sociedade, o que se estende tanto no âmbito criminal como cível.

A projeção dessas dificuldades é multidimensional. Da mesma forma que a ausência de atribuições promocionais originárias impede que órgãos de execução em segundo grau estejam cotidianamente voltados à atuação na condição de agentes de transformação social (por exemplo, recomendando, ajustando ou mesmo, se preciso, demandando a implementação de direitos metaindividuais, exercendo atribuições originárias criminais contra Prefeitos Municipais, quiçá contribuindo para o efetivo controle objetivo e abstrato de constitucionalidade nas leis municipais e estaduais), a insuficiência de atribuições promocionais originárias também cobra um alto preço à produtividade do trabalho institucional (materializando deficiente suporte e auxílio dado pelas Procuradorias de Justiça na viabilização de medidas de apoio relevantes para subsidiar atividades desempenhadas em primeiro grau, na falta de estrutura adequada para que se exerça com diligência e combatividade o aviamento de recursos e expedientes de impugnação disponíveis junto aos Tribunais Superiores, etc.).

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poderes, a começar pelo critério de escolha que, lamentavelmente, apesar da lista tríplice, ainda vincula sua nomeação ao decisivo arbítrio do Governador do Estado, a insuficiência da atuação, de outro lado, mostra que há uma crise de consciência, participação e emancipação dos membros oficiantes em segundo grau, perdidos e distantes que estão, muitas vezes, dos parâmetros constitucionais que deveriam informar suas respectivas funções.

Em nome de uma tradição equivocada ou mesmo sob argumento de uma formal indivisibilidade imprestável à efetividade do agir ministerial, argumentos invocados muitas vezes para esconder propósitos menores de ordem político-institucional, é inadmissível que, em tempos de luta pela democratização interna do Ministério Público brasileiro, ainda seja exigível a necessidade de formal delegação do Procurador-Geral de Justiça para que os Procuradores de Justiça possam exercer suas atribuições de modo pleno junto a estruturas de poder existentes no âmbito Estadual (Governo do Estado, Assembléia Legislativa, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, etc), não raras vezes livres de da força e incidência que impacta o controle das administrações públicas municipais.

Pior do que tudo isso, só mesmo achar que este estado de coisas é aceitável ou intencionalmente preferir deixar de lado o figurino constitucional para vestir trapos de conformismo e acomodação que tolhem os membros do segundo grau de um efetivo e mais adequado cumprimento de suas atribuições, constatação que, longe de trazer alento, aos espíritos críticos e conscientes da importância do seu papel, traz a sensação angustiante de impotência, quando não de uma atuação mais voltada para o objeto do que para o sujeito, passível de ser tida como supérflua, inútil, ou mesmo desnecessária. Defender prioridade e maior ênfase na atuação do Ministério Público em segundo grau como órgão “agente” é, de outro lado, fazer do Procurador de Justiça verdadeiro “sujeito” protagonista e não propriamente um “objeto” acessório e supérfluo de intervenção, pois, como bem ensina ZIZEK , a diferença entre o sujeito [subject] e objeto [object] também pode ser expressa como diferença entre os dois verbos correspondentes: sujeitar [to subject] e objetar [to object] (...) a atividade do sujeito, em seu aspecto mais fundamental (...) o modo fundamental da passividade do objeto, de sua presença passiva, é a que comove, incomoda, perturba, traumatiza a nós (sujeitos)”.

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Desembargadores, na medida em que o exercício de atribuições originárias promocionais, por exemplo, haverá de ser feito diretamente no Tribunal de Justiça respectivo. Ao contrário, quando se diz e se sustenta que as atribuições dos Procuradores de Justiça precisam priorizar as atividades de órgão agente frente às de interveniente, quer-se fortalecer a atuação do Ministério Público junto ao Poder Judiciário, ocupar e preencher o ofício do Procurador de Justiça com a pauta de atribuições institucionais do que efetivamente importa e interessa. Afinal, tal como a intensidade do Ministério Público em primeiro grau é igual ou mesmo superior às atividades burocráticas do próprio Poder Judiciário em primeira instância (o qual somente age quando provocado e, ademais, não tem a constante e infinita preocupação de ir proativamente atrás de detecção e solução de problemas que afligem a coletividade), qual a razão de se admitir e se entender que com os órgãos ministeriais de execução em segundo grau possa ser diferente?

Prova de que o legislador constituinte quis que o Ministério Público atuasse prioritária e fundamentalmente como concreto Órgão Agente extrai-se da própria noção de texto e programa das normas constitucionais inscritas nos artigos 127 a 129 da Lei Fundamental. Como ensina FREDERICH MULLER, tal como a norma é editada por influência da realidade, nada mais adequado que, sobre esta mesma realidade, também se deva exercer significativa influência, raciocínio que somente vem a reforçar a necessidade de se conferir papel promocional e ativo à atuação do Ministério Público como instituição.

Por aí já se vê, como já dito anteriormente, que também neste ponto ora abordado os novos caminhos possíveis para correção dos rumos do Ministério Público em segundo grau permitem amplo alcance, abrangendo tanto a necessidade de aperfeiçoamento constitucional e legislativo dependente de ação política externa, como, de outro lado, contemplando a possibilidade de que a mudança se faça aqui e agora, por conta da reestruturação das forças internas de cada Administração Superior a partir da escuta democrática dos membros da classe. Respeitados os estreitos limites desse estudo, importante assimilar que toda esta transformação de segundo grau é complexa, embora parte substancial dela dependa única e exclusivamente de uma mudança de postura e de organização interna ao próprio Ministério Público dentro de suas prerrogativas constitucionais de autonomia.

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do Ministério Público no âmbito estreito do Poder Judiciário, como também frente a todas demais forças vivas da sociedade e poderes de Estado, estabelecendo efetivo ponto de mutação (CAPRA) capaz de emprestar a vitalidade, a motivação e o entusiasmo necessários para que o Ministério Público em segundo grau cumpra com o seu nobre e operoso papel constitucional.

5. Da falta de integração (o efeito Torre de Babel) às incongruências e incoerências que dificultam a convivência e remetem para o “absurdo”: da necessidade de se construir uma convivência ministerial sistêmica e harmônica entre primeiro e segundo graus

En estas contradicciones se recoñecen los primeiros signos de la obra absurda (Albert Camus)

Além da falta de um papel extrajudicial bem assentado e definido, da ausência ou mesmo insuficiência de plataforma que lhes permita prioritária atuação promocional na condição de “agente” (autor) e não como mero órgão “interveniente” (parecerista), agravando as dificuldades de os Procuradores de Justiça cumprirem com um papel efetivo e realizador coerente com o que preconiza o texto e o sentimento constitucional, há o fato preocupante de esses Agentes Ministeriais geralmente estarem não só afastados do contato com a sociedade (que, em último grau, precisa conhecer e subsidiar a atuação do Ministério Público), como também apartados e, de certa forma, sem mecanismos de comunicação e distribuição adequada que permitam maior integração técnica e humana com os colegas oficiantes em primeiro grau.

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falar a sua própria língua, ambiente onde ninguém realmente se entende e, não por acaso, o horizonte e o céu (defesa da sociedade), a partir daí, ficam muito mais distantes.

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contraditório. O efeito Torre de Babel está, justamente, na eventual impossibilidade de fala e troca democrática efetiva entre os membros do Ministério Público em primeiro e em segundo graus que, hoje, de modo geral, como já dito, habitam ambientes acentuadamente distintos, o que se reflete não só no agir institucional como, outrossim, na dificuldade de reversão de um processo cultural equivocado que não rara vezes coloca forças de trabalho de uma mesma instituição em verdadeiro estado de apartheid e segregação.

Isso porque, obviamente, aos olhos de quem se vê sobrecarregado, quando não propriamente dificultado ou impossibilitado de cumprir com o seu operoso encargo constitucional, é compreensível que a rotina de trabalho e atividades das Procuradorias de Justiça acabe sendo vista de modo marcadamente estigmatizado como zona de amortecimento e conforto, verdadeiro espaço oficial de aclimatação para a gradual chegada da inatividade ou mesmo vivência exclusiva de situações e experiências políticas institucionais, como infelizmente é do pensamento e da atitude de alguns .

Ainda nessa conjuntura, importante considerar que, entre os níveis de primeiro e segundo graus, pairam extensas divergências funcionais e práticas, além de difícil canal de comunicação, constatação que, por vezes, reflete e consolida-se na própria forma dupla, repetida, assistemática, e quando não contraproducente, com a qual alguns membros do Ministério Público sobrepõem-se aos outros, o que gera não só discussão e conflito de atribuições, como, ainda, fonte para argüição de nulidades (v.g., merece destaque a discussão envolvendo suposta violação às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório com “paridade de armas” pelo fato de o Ministério Público, em recursos criminais, falar duplamente, como parte e interveniente, neste último caso, inclusive, após a defesa e sem chance desta contrapor novos argumentos, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal – HC 87.926-8/SP).

Além de a atual estruturação permitir que haja coincidência e acúmulo de atuação do Ministério Público “agente” e “parecerista” em dado processo, propiciando violação oficial do princípio da unidade , tal situação duplica um mesmo tipo de trabalho ou serviço, patologia digna de enquadramento como síndrome nociva à organicidade institucional, que continua sendo seguida de forma acrítica e contraproducente, beirando a irracionalidade!

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primeiro grau? Como entender que muitas vezes o Procurador responsável por um determinado pronunciamento sequer está escalado na sessão do Tribunal respectivo para sustentar oralmente o seu posicionamento? Como explicar, ainda, que muitos Procuradores de Justiça, ao mesmo tempo em que rejeitam com veemência a revisão das funções ou mesmo a assunção e envolvimento com atribuições judiciais coletivas, de outro lado resistem à racionalização de atribuições cíveis no plano individual mesmo em matérias em relação às quais a própria jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores já tratou de afastar a legitimidade do Ministério Público (ex: execuções fiscais)? Quem disse que as Procuradorias de Justiça devem e precisam ter atuação restrita aos Tribunais quando o horizonte constitucional é muito mais amplo e apresenta outras possibilidades?

Com efeito, muitas são as incoerências e incongruências funcionais praticadas em segundo grau, as quais remetem para situações de difícil aceitação e proximidade da sensação de absurdo. É preciso entender que, tal como o homem absurdo de ALBERT CAMUS é aquele que, dentre outras coisas, nada faz pelo eterno, nada faz para fecundar o porvir, uma das posturas institucionais passíveis de serem tidas como incompreensíveis no atual arquétipo do Ministério Público em segundo grau começa no abandono de atribuições extrajudiciais e se completa no insuficiente exercício ativo de controle e promoção das ações penais originárias e, principalmente, no esquecimento da missão de combater e promover direitos coletivos que permitam transformação e interferência positiva na realidade social, diretrizes que, isoladamente ou combinadamente, debilitam, em muito, o rendimento, a legitimação e a credibilidade institucional.

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Só mesmo a implementação de um ambiente sistêmico e democrático fundado na busca de objetivos comuns, estabelecido a partir de funções similares, poderá estabelecer estado de inter-relação e interdependência que sirva como ponte de transposição (vaso comunicante) entre o fosso hoje existente entre primeiro e segundo graus. Ainda que não se queira defender qualquer tipo de maniqueísmo, já que os problemas também são sistêmicos e integrantes de um processo a partir do qual se entende que nenhuma das instituições será superior ou mais importante do que qualquer uma das outras, tanto é assim que todas terão que estar conscientes umas das outras (CAPRA) para a comunicação e cooperação entre si, diferente, sem dúvida, é a situação vivenciada pela fração representativa do Ministério Público em segundo grau. Embora o cumprimento da missão constitucional deva constituir desafio permanente para todos os órgãos de execução, também pela adoção da perspectiva sistêmica não há como esconder o reconhecimento e a percepção de que o maior distanciamento entre as atividades exercidas e o modelo de exigência constitucional inclina maior curva de preocupação justamente no que diz respeito aos membros oficiantes em segundo grau. Compreendido o Ministério Público como uma totalidade integrada (da qual, como bem ensina CAPRA, a natureza do todo é sempre diferente da mera soma das partes), enquanto as Promotorias de Justiça precisam “apenas” aperfeiçoar a efetividade de sua atuação (muito mais próxima cotidianamente do querer constitucional), das Procuradorias de Justiça há de se exigir urgente e substancial mutação da atual rotina de trabalho para que haja cumprimento mínimo da função que constitucionalmente lhes cabe, o que de certa forma justifica toda a temática que cerca o presente trabalho. Não pode o Ministério Público em segundo grau continuar atuando sem cumprimento eficaz do compromisso constitucional, o que, de preferência, pode e deve ser feito com valorização e destinação preferencial de esforços para atuação como órgão agente .

6. Caminhos operacionais concretos capazes de otimizar e emprestar conformidade constitucional à atuação do Ministério Público em segundo grau

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de PAULO FREIRE, “constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela”. Reinventar, portanto, é preciso. Sem prejuízo das constatações até aqui realizadas, sinalizando conscientização teórica necessária reformista ou simplesmente terapêutica e interpretativa capaz de fortalecer e propiciar aparecimento das potenciais virtudes do Ministério Público em segundo grau, mais do que oferecer resistência, convém apontar alguns caminhos complementares cujas trilhas desde já se mostrem passíveis de ser acessadas contanto que haja mobilização e reorganização estrutural interna com o objetivo de aperfeiçoar a atuação das Procuradorias de Justiça. A estas alturas, importante considerar que o presente trabalho busca não só suscitar discussão e permitir validação das modestas e limitadas premissas teóricas aqui defendidas como também pretende demonstrar a completa possibilidade e operacionalidade prática da (re) adequação e (re) enquadramento das atribuições constitucionais exigíveis do segundo grau dentro da estrutura e do arranjo institucional existente e factível.

Dentro da linha de fundamentação que problematizou a intensificação da crise caótica do Ministério Público em segundo grau a partir da deficiente conformidade da sua estrutura atual com o papel constitucional para, ato seguinte, atingir duas diretrizes objetivamente sustentadas (exercício de atribuições extrajudiciais pelas Procuradorias de Justiça e fortalecimento da atuação promocional como “órgão agente”), a esse percurso de raciocínio há pretensão de se somar 03 (três) projetos suplementares que podem ser executados pelos Agentes Ministeriais de segundo grau, quais sejam: 1) Engajamento e participação em processo de Regionalização vinculado e articulado com os membros do primeiro grau; 2) Fortalecimento e reforço dos Centros de Apoio Operacional enquanto órgãos auxiliares interligados e conectados com atribuições ministeriais em todos os níveis; 3) Apoderamento dos setores recursais, de controle da constitucionalidade, exercício de atribuições originárias e fortalecimento do controle das Administrações Públicas municipais e principalmente estaduais, dentre outras possibilidades coerentes com as funções institucionais e a programação de atuação democraticamente eleita .

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organização espacial e funcional dos órgãos de execução do Ministério Público a partir de um projeto coletivo democrático, que, ao se desvincular do tradicional modelo jurisdicional , tem sua consecução atrelada ao aprimoramento da atuação unitária, sistemática e coordenada dos agentes ministeriais na busca de maiores e melhores resultados, inclusive na esfera extrajudicial, inevitável reconhecer a afinidade e o encontro de interesses entre a proposta e a busca de uma vinculação aderente à Constituição no papel a ser desempenhado pelos Procuradores de Justiça. Se a ideia é justamente fortalecer o exercício de atribuições extrajudiciais e, ao mesmo tempo, reforçar e priorizar o atendimento de atribuições originárias pelos Procuradores de Justiça, sem dúvida que a diretriz da regionalização permite resultados satisfatórios em ambas as possibilidades, inclusive porque possibilita edificação de nova arquitetura institucional capaz de propiciar não só positivo compartilhamento como maior grau de especialização na atuação.

A simples proposta de se pensar numa redistribuição espacial e funcional mais concentrada e polarizada entre membros do Ministério Público dispostos a partir de uma escala de maior formação continuada e habilitada especificamente para o enfrentamento e trabalho sobre determinados temas, notadamente no trato das diversas áreas afetas à tutela coletiva , potencializa que se incremente a atribuição do tão esperado papel proativo que destaque a figura dos Procuradores de Justiça como coordenadores e artífices desses processos em parceria e democracia horizontal com os próprios Promotores de Justiça.

Imaginar a possibilidade da existência de uma unidade ministerial que, na sua estrutura e escalonamento funcional, seja capaz de mesclar e combinar convergência de trabalho entre Procuradores e Promotores de Justiça, é não só fortalecer o senso de integração e unidade institucional, como, também, enriquecer o processo de trabalho a partir do regime de soma de esforços e do compartilhamento de laços de solidariedade e trabalho em equipe capaz de render ótimos frutos à sociedade.

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6.2) Os Procuradores de Justiça e a vinculação de suas atribuições funcionais aos Centros de Apoio Operacional como órgãos auxiliares

Outra opção efetiva de melhor aproveitamento da força de trabalho e indiscutível experiência dos Procuradores de Justiça atuantes na instituição consiste na possibilidade de vinculação desses membros a pelo menos um dos Centros de Apoio existentes, órgãos auxiliares previstos na organicidade institucional que, quando bem estruturados e aparelhados, assumem importância capital na lubrificação mecânica da complexa engrenagem institucional, capilarizando boas práticas e iniciativas capazes de interligar todos os membros do Ministério Público no cumprimento de metas, objetivos e resultados necessários à defesa da causa social. Não por acaso a própria legislação orgânica nacional do Ministério Público foi oportuna ao estabelecer os Centros de Apoio Operacional como órgãos auxiliares da atividade funcional do Ministério Público aos quais compete tanto a função interna de estimular a integração e o intercâmbio entre órgãos de execução que atuem na mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns, como também o exercício da missão externa de estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos e privados que atuem em áreas afins, tudo para obtenção de elementos técnicos especializados necessários ao desempenho de suas funções, consoante é a dicção legal do artigo 33, incisos I e III, da Lei 8.625/93. Como se vê, para um Ministério Público que se pretende Social (mais do que isso, Constitucional), os Centros de Apoio constituem importantes instrumentos capazes de fomentar e catalisar iniciativas mais ajustadas a este perfil, missão que pode ser sobremaneira facilitada caso haja concurso e emprego da força de trabalho não só de Promotores, mas também de Procuradores de Justiça nesta tarefa (uma vez que ambos, a rigor, de preferência motivadamente, como deve ser todo e qualquer ato administrativo, podem ser designados pelo Procurador-Geral para prover os cargos dos serviços auxiliares, na forma do artigo 10, VI, da Lei 8.625/93).

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capaz de permitir não só o “colamento” das atribuições dos Procuradores de Justiça à matriz constitucional como, efetivamente, potencializar a agregação e sistematização de dados e experiências para fortalecer e subsidiar a atuação dos membros no exercício de suas atribuições.

Por mais que atualmente seja possível visualizar a inclusão de Procuradores de Justiça voluntários ou designados para Centros de Apoio, por vezes necessariamente como Coordenadores, quando se quer fazer o ajustamento e encontro da atribuição ministerial em segundo grau com a exigência constitucional, obviamente que se está pretendendo que haja uma espécie de compulsoriedade na relação e contribuição do Procurador de Justiça com algum dos órgãos auxiliares existentes, salvo se o referido membro optar por aderir a outros projetos institucionais alternativos também vinculados à redefinição do papel do segundo grau (v.g, a regionalização como abordado linhas acima ou mesmo a proposta que virá a seguir). Estimular a possibilidade de o Procurador de Justiça atuante no Centro de Apoio Operacional estar em contato com os membros atuantes em primeiro, como forma de reforçar e subsidiar a eficiência dos seus respectivos trabalhos, indiscutivelmente é bem exercer papel proativo e promocional capaz de abranger tutela, defesa e zelo por direito coletivo, ou mesmo melhor e mais eficiente exercício da persecução penal em matérias de maior complexidade e dificuldade probatória (combate ao crime organizado, delitos financeiros e de lavagem de dinheiro, infrações penais praticadas por autoridades policiais ou envolvendo corrupção em qualquer esfera, etc.).

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Procuradorias de Justiça à funcionalização dada e exigida pela esfinge-Constituição.

A noção de acompanhamento propiciada por esta participação dos Procuradores de Justiça em órgãos auxiliares, sem dúvida, configura suporte logístico humano e material capaz de incrementar atividades e alterações necessárias para que os membros ministeriais atuantes em segundo grau assumam novas e adicionais funções que lhes qualifiquem como diligentes e combativos indutores de transformações sociais, objetivo último e derradeiro de um Estado Democrático de Direito.

6.3) Os Procuradores de Justiça e os setores específicos de atribuições originárias prioritárias e relevantes

Para assimilação do papel constitucional dos Procuradores de Justiça, cumpre notar a importância de se compreender que o engajamento (SARTRE) e colaboração da força de trabalho dos referidos membros a partir de suas lotações em setores específicos e estratégicos. Tais secções, por sua vez, não só enaltecem e valorizam o papel constitucional dado aos membros nele oficiantes como, igualmente, viabilizam melhor administração e consecução de atribuições originárias prioritárias e planejadas.

Esses setores específicos (e especializados), por sua vez, podem tanto abranger segmentos envolvendo exercício de genuínas atribuições penais e cíveis de competência originária dos Tribunais como, sobretudo, dentre outras possibilidades, permitem enumeração de frações executivas que, por ora, nos parecem permanentes e prioritárias: recursos, exercício de atribuições de competência originária dos Tribunais, controle de constitucionalidade e outras possibilidades vinculadas ao maior controle do poder e da Administração Pública no âmbito Estadual. Tudo que se há de evitar é a manutenção da cultura de que o Ministério Público em segundo grau pode continuar (conta) minado pelo câncer da inércia, pela ausência de efetivo exercício da condição de agente da vontade política transformadora, genuíno comportamento passivo-impotente que poderá acarretar a perda de legitimidade (de sustentação social) .

6.3.1. Atuação recursal

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imprescindível a coordenação e participação das atividades por Procuradores de Justiça. A propósito, tanto a atividade recursal não pode ser descurada que, a rigor, apresentar relatório e indicar fundamentação jurídica nessas manifestações constitui expresso dever dos membros do Ministério Público.

Assim, em vez de insistir na estruturação de uma atuação processual puramente adjetiva e periférica de emissão de pareceres e mais pareceres, muitos dos quais lançados em meio à indiferença de discussões privadas de interesse público primário ou genuíno, ao lado da intervenção como custos legis apenas e tão-somente em áreas de comprovada indisponibilidade objetiva ou subjetiva filtrada constitucionalmente , é preciso aproveitar a mão de obra dos colegas Procuradores de Justiça para fortalecer, cada vez mais, o bom funcionamento de setores recursais voltados à interposição de expedientes de impugnação de índole excepcional (extraordinário, especial, etc.) , os quais, cada vez mais, constituem ferramentas de elaboração absolutamente complexa e imprescindível para mudar o rumo de precedentes jurisprudenciais descompassados da era pós-positivista, muitos dos quais impedem o cumprimento da identidade constitucional .

6.3.2. Atuação junto a atribuições originárias nos Tribunais

Além de se fortalecer a atuação recursal, igualmente necessário compreender que a necessidade de o segundo grau ministerial priorizar suas atribuições originárias junto aos Tribunais, especialmente na esfera penal, é decisivo mecanismo de aperfeiçoamento do papel constitucional da instituição de exclusiva titularidade da ação penal pública, conforme artigo 129, I, da CR e 25, III, da Lei 8.625/93. No âmbito de um sistema penal seletivo que infelizmente não raras vezes possui toda sua macroestrutura voltada para punição da pobreza enquanto delitos muito mais graves ficam à margem de exemplar repressão e punição, sem dúvida que a reestruturação do Ministério Público para fortalecimento de suas atribuições junto aos Tribunais pode constituir relevante e pedagógica mensagem capaz de produzir profícuos resultados em prol do combate à corrupção e delitos de colarinho branco.

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consolidado e prioritário.

6.3.3. Atuação em prol de efetivo controle abstrato de constitucionalidade e outras possibilidades vinculadas a maior controle do poder e da Administração Pública, especialmente no âmbito Estadual

Mais do que as duas situações anteriormente alvitradas, surge campo inesgotável de possibilidades de envolvimento dos membros do Ministério Público em segundo grau com atividades mais diretamente relacionadas com o padrão constitucional. Um dos aspectos alternativos que também merece particular destaque está justamente na estruturação de núcleos efetivos para o exercício permanente de controle abstrato (e objetivo) de constitucionalidade, a ser exercido não só diretamente, diante das possibilidades e limites de competência dos Tribunais de Justiça Estaduais como, indiretamente, através da potencialidade de se provocar ou estimular atuação integrada com a Procuradoria-Geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal (artigo 103, VI, da CR). A primeira hipótese, aliás, partindo de órgãos de execução, tem previsão legal expressa no artigo 25, I, da Lei 8.625/93; a segunda, de outro lado, encontra parcial apoio no que está previsto no inciso II do mesmo dispositivo .

Ao contrário do que equivocadamente sustentam alguns intransigentes e apegados defensores de toda e qualquer intervenção no âmbito cível como uma necessidade, mais do que isso, como uma gratidão histórica à própria biografia construída pelo Ministério Público (quando o caminho já indica a necessidade da racionalização), é no controle efetivo de constitucionalidade, na provocação articulada e sistematizada do controle da constitucionalidade estabelecida em nome da força normativa e da supremacia da Constituição que reside o verdadeiro sentido do papel constitucional de defesa da ordem jurídica atribuído ao Ministério Público brasileiro no artigo 127, caput, da CR .

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ao fortalecimento do sentido e ao aproveitamento do trabalho produzido em segundo grau. Este, até mesmo por questão de simetria, deve concentrar seu foco proativo na fiscalização efetiva dos poderes vigentes no âmbito Estadual (artigo 27, I e II, da Lei 8.625/93), incluindo-se aí Governos Estaduais, Assembléias Legislativas, Tribunais de Contas, Cúpula do Poder Judiciário. Tal tarefa, de modo geral, ainda segue latente e distante de uma atuação mais combativa (e efetiva), e com iniciativa não raras vezes atrelada excessiva e indevidamente às atribuições do Procurador-Geral de Justiça e sua assessoria, quando não delegadas e repassadas de modo assistemático a outros órgãos que compõem a estrutura institucional sem eficiente e adequada resposta , especialmente quando razões de ordem político-administrativa recheadas de melindre em nome de suposto interesse institucional podem vir a se sobrepor sobre argumentos de ordem técnico-executiva em prejuízo (e desperdício ) da unidade e coerência de medidas já largamente disseminadas nos demais órgãos de execução.

7. Considerações críticas adicionais

“Pela primeira vez deu-se conta da dimensão de seu projeto. Como fazer para comunicar-se com o futuro? Era algo impossível por natureza. Ou bem o futuro seria semelhante ao presente e não daria ouvidos ao que ele queria dizer, ou bem seria diferente e sua iniciativa não faria sentido” (George Orwell)

Falar o que não precisa ser dito na intervenção cível; deixar de atuar com energia e efetividade quando seria exigível denodo e rigor exemplar no trato das demandas coletivas em trâmite no segundo grau de jurisdição; falar “duas vezes” no processo penal quando, por isonomia, uma manifestação de onde quer que venha deveria ser a diretriz; deixar de cumprir com o encargo e a missão constitucional explícita no artigo 127 ao não priorizar atividades extrajudiciais; repetir trabalho ou serviço sobre questões periféricas, esforço que não raras vezes falta para a resolução de conflitos essenciais. Esses são apenas alguns exemplos de como tem se desenvolvido a atividade ministerial em segundo grau: Bem vindo ao deserto do real (ZIZEK) . Basta rápido e superficial exame comparativo entre o Ministério Público atuante em primeiro e segundo graus para realçar e destacar que muitas são as notas distintivas entre os referidos níveis de atuação. Tanto assim ocorre que o grau de insatisfação também é sentido por Procuradores de Justiça com senso crítico e cônscios da sua missão constitucional.

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da instituição do Ministério Público, pergunta-se: quantos são os pareceres lançados em intervenção cível acessória sobre questões fiscais , previdenciárias e cíveis que, a rigor, não justificariam intervenção do Ministério Público, mormente quando a racionalização de atribuições já deveria se constituir numa tendência? Mais, indaga-se: e quantas vezes o Promotor de Justiça, de quem se espera combatividade, não fica absolutamente decepcionado e frustrado com a aparente falta de entusiasmo e empenho das Procuradorias de Justiça quando do lançamento de pareceres em recursos envolvendo tutela coletiva, nos quais não se visualiza sequer sustentação oral ou mesmo distribuição de memoriais? E o que dizer quando um Promotor de Justiça recorre para aumentar/diminuir a pena no processo criminal, ou, no processo civil, sustenta a efetividade na execução provisória de astreintes ajustados em termo de ajustamento de conduta envolvendo obrigação de fazer, encontrando, em qualquer das vezes, maior obstáculo do contraditório não no advogado de defesa do réu ou do compromissado, mas, paradoxalmente, no fogo amigo do colega atuante em segundo grau quando do seu posicionamento diverso? Não será mesmo, como já dito, esquizofrenia , especialmente no processo penal, sustentar uma tese como “parte” e outra como “fiscal da lei”, como se tais funções pudessem ser dissociadas, como se pudesse haver uma sem a outra ?

Não está o Ministério Público desperdiçando recursos humanos ao manter Procuradores de Justiça focados numa intervenção exclusiva e eminentemente judicial, aplicada e efetivada sem mínimos critérios de otimização e que ainda por cima desgarra-se da identidade constitucional exigível da instituição? Não está o Ministério Público perdendo espaço e, por vezes, tendo sua força de atuação desacreditada ao limitar sua execução em segundo grau à confecção seriada de pareceres assépticos, quando, diante da escassez de recursos humanos paralela ao acúmulo de múltiplas e novas atribuições conferidas ao Parquet na defesa da sociedade, deveria concentrar forças e mobilizar esforços para, por exemplo, incrementar competente processo de atuação regional que permitisse o envolvimento de Procuradores de Justiça com as atividades promocionais do Ministério Público capazes de idealizar a construção de um novo projeto de sociedade, apto, enfim, a interferir positivamente na realidade social? Onde é que mora o perigo desde modelo?

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vocação democrática (MACHADO) do Ministério Público, acredita-se que o implemento dessas estratégias de intervenção contribuirá fundamentalmente não só para fortalecer e (re) vigorar a atuação dos membros oficiantes em segundo grau como, indiretamente, incrementar a necessária e urgente democratização interna da instituição, quiçá desconcentrando e mitigando o excessivo depósito de atribuições à figura do Procurador-Geral de Justiça, talvez permitindo que haja atuação integrada e sistêmica sob o ponto de vista técnico e humano como forma de consolidar o princípio da unidade constitucional.

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Justiça, de maneira geral até aqui não contribuíram adequadamente para reflexão que propiciasse o implemento das mudanças necessárias (artigo 17, II, da Lei 8.625/93).

O Ministério Público atuante em segundo grau apenas está sendo, mas não necessariamente será sempre assim. Para isso, aliás, que se pretende construir uma fala, um discurso que não seja simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (FOUCAULT ). Quando se sustenta, como já feito, que, em sendo o Ministério Público parte (“órgão agente”), desnecessária será atuação do segundo grau como fiscal da lei (“órgão interveniente”), quer-se, em nome do que determina a nova ordem constitucional, afastar o que hoje há em nome do que amanhã poderá existir de melhor ou, dito de outra forma, simplesmente se trata de despreciar lo que hay, en nombre de lo que puede haber (ALAN BADIOU). Ainda na lógica do “ser” (Ministério Público em segundo grau) e do “acontecimento” (adequar a atuação ministerial em segundo grau ao modelo constitucional), qualquer entendimento que contrarie esta posição é uma concepção adversária e, como tal, deve ser enfrentada . Do contrário, não teremos nunca Procuradores de Justiça ou, segundo preferem alguns, Promotores de Justiça atuando em segundo grau, mas pura e simplesmente “seres imaginários” componentes de uma emperrada engrenagem ministerial fantástica e aparente.

Se é verdade que a estrutura funcional do Ministério Público em primeiro grau está permanentemente inacabada, necessitando de aperfeiçoamento e aprimoramento contínuo, de outro lado, ao projetar o organograma atribuído aos órgãos de execução em segundo grau, não se vê outra solução, a não ser a gradual demolição dos já corroídos pilares que integram a viciada estrutura eminentemente “parecerista ”, quase ficcional, que hoje invade e consome, como erva-daninha, a força do Ministério Público enquanto instituição, transformando-o num verdadeiro “ paiol de pólvora” !

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no país (vide artigo 130-A, §2º, V, da CR). Na falta de maturidade e/ou real vontade política-institucional de refletir e conformar o segundo grau do Ministério Público ao papel constitucional de parte dos órgãos que compõem as Administrações Superiores, o que abrange subsidiariamente a atuação das entidades de classe, parafraseando o grande SARAMAGO no seu ensaio sobre a cegueira, ao CNMP cabe a responsabilidade de ter olhos, quando outros parecem já tê-los perdido. 8. Conclusão

“Os homens encontram nas próprias crises a força para sua superação. (...) O ser humano sabe fazer dos obstáculos novos caminhos, porque à vida basta o espaço de uma fresta para renascer. Nessa tarefa, o primordial é negar-nos a sufocar a vida que podemos dar à luz. (...) Não deixemos desperdiçar a graça dos pequenos momentos de liberdade de que podemos desfrutar (...) Gestos de coragem como saltar de uma casa em chamas. (...) O mundo nada pode contra um homem que canta na miséria” (Ernesto Sabato)

À vista da problemática exposta, (re) pensar a efetividade da atuação do Ministério Público em segundo grau a partir de suas vulnerabilidades e pontos críticos, mais do que uma conveniência, constitui urgente necessidade indispensável à sobrevivência e aperfeiçoamento institucional no atual momento histórico. A credibilidade da instituição decorre não só da interlocução e integração com a comunidade como, sobretudo, do eficiente cumprimento da missão constitucional, a qual exige que o Ministério Público, em todos os níveis de atuação, esteja permanentemente comprometido com a defesa do povo e promoção dos interesses sociais mais elevados.

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que se faz partindo da convicção filosófica da verdade emanada de um sujeito . Em outras palavras, se é muito complexo e difícil imaginar tudo o que o Ministério Público em segundo grau positivamente possa vir a atingir no futuro, na pior das hipóteses a exposição da presente desconformidade da atuação das Procuradorias de Justiça com o perfil constitucional quer permitir que se delimite, sob o ponto de vista da exclusão (negativo), tudo aquilo o que o Ministério Público em segundo grau não-pode-ser ou continuar sendo.

Particularizando a questão para os Ministérios Públicos Estaduais, é inconcebível que as Procuradorias de Justiça continuem atuando sem atribuições extrajudiciais claras e definidas e, ainda, sem atenção e prioridade voltada à atuação promocional de órgão agente, seja na titularidade da ação penal contra autoridades com prerrogativa de foro, seja, também, na mobilização efetiva em prol da defesa de interesses difusos e coletivos, duas importantes diretrizes para a reformulação e ressignificação setorial do segundo grau.

Dessa forma, discutir o atual aprisionamento do Ministério Público em segundo grau, antes de ser apenas um problema, constitui ponto relevante para a busca de soluções e, sobretudo, atingimento de maior maturidade na construção da vontade geral institucional, constelação de projeto coletivo que precisa ser criado e desenvolvido com maior participação e democratização interna.

Referências

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