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A educação a distância na pós-graduação: um estudo sociológico exploratório sobre as opiniões e experiências dos atores

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Academic year: 2020

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Lina Manuela L. Henriques Rosálio

A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA PÓS-GRADUAÇÃO:

Um estudo sociológico exploratório sobre as opiniões e experiências dos atores

Dissertação de Mestrado Mestrado em Ciências da Educação

Área de Especialização em Sociologia da Educação e Políticas Educativas

Trabalho efetuado sob a orientação do Professor Doutor Almerindo Janela Afonso

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Agradecimentos

Este trabalho é o resultado de um empenho pessoal, mas que, sem a colaboração, incentivo e confiança de numerosas pessoas não seria possível. A limitação só me permite referenciar os principais, a todos os meus profundos agradecimentos.

Ao Professor Doutor Almerindo Janela Afonso, que assumiu a orientação deste projeto e cuja atitude de disponibilidade possibilitou a conclusão do trabalho. A ele o meu sincero apreço e estima.

Ao Professor Doutor José Augusto Palhares e coordenador deste mestrado, pelo incentivo desde os primeiros dias que me permitiu trilhar este caminho, e a todos os Professores que me concederam alguns momentos preciosos do seu tempo, que para mim se traduziram em conhecimento.

A todos os estudantes com quem tive o privilégio de partilhar esta experiência e receber com confiança o contributo das suas próprias experiências.

À minha família pelo reforço, cuidado e tolerância manifestada nos momentos da minha inexistência. Aos meus amigos mais próximos, nomeadamente à Ana Maria pela sensibilidade para ouvir as minhas reflexões tantas vezes em voz alta.

Por fim, à minha filha Cristiana pelo amor, carinho, presença e atitude com que sempre suportou os meus estados de espírito.

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A Educação a Distância na Pós-graduação.

Um estudo sociológico exploratório sobre as opiniões e experiências dos atores

Resumo

O objetivo geral do presente estudo procura compreender, numa aproximação sociológica, a modalidade de e-learning em alguns cursos de ensino superior e, em função disso, perceber as experiências dos atores envolvidos. Sendo um trabalho exploratório, não se centra em encontrar resultados definitivos, mas sim em descobrir um caminho que permita uma aproximação fundamentada a uma realidade que, em etapa posterior, se espera vir a retomar com maior profundidade. A construção da parte teórica, a partir de uma variada literatura especializada, permitiu chegar a um enquadramento concetual capaz de dar sentido a muitos dos dados recolhidos numa fase subsequente, na qual, por sua vez, se realizou alguma análise documental, se construiu e aplicou um questionário

online e se fizerem entrevistas tendo como base um guião semiestruturado. Da recolha de

dados sobressaem alguns aspetos: uma população adulta, maioritariamente feminina e inserida no mercado de trabalho, que procura conciliar a sua vida profissional e pessoal com a formação; neste retorno ao ensino superior, além de uma nova identidade, subsiste a necessidade de progressão na carreira; o sucesso passa agora pela sua integração na “comunidade virtual” e esta abrange a confiança na organização e no modelo educativo; as perspetivas futuras são construídas na socialização (a distância) e são fruto da constante interação com os professores; a desmotivação, o não compromisso e o isolamento são determinantes para o abandono dos cursos. Todo este cenário implica (re)definir as metodologias de ensino-aprendizagem e as práticas educacionais, onde cada vez mais são evidenciados os contextos da educação a distância. Nesta dimensão, as conclusões reiteram outros trabalhos onde se mostra a importância de processos educativos mediados pelas tecnologias em que a interação, a confiança, o debate, a reflexão e a capacidade crítica, são facilitadores da construção do conhecimento. Não obstante as novas responsabilidades pedagógicas dos professores, é também no comprometimento do estudante para com o seu projeto de formação e com a sua autorregulação que se desenvolvem a autonomia e as competências para aquisição de conhecimentos.

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Distance Education in Post-Graduation

An exploratory sociological study about the opinions and experiences of actors

Abstract

The objective of this study is to examine, using a sociological approach, the

e-learning process in a number of Higher Education courses and to, as a result of that exam,

understand the experiences of the actors. As an exploratory work, this study’s focus is not to reach definitive results but rather to uncover a path that may allow an approach grounded in reality which, at a later stage, will be subject of a deeper, more refined, research. The theoretical section, based on specialized literature, allowed the development of a conceptual framework which will enable us to give meaning to a large dataset. This dataset will be collected at a later stage and following documental analysis, the creation and application of an online questionnaire, and interviews based on a semi-structured script. These are the aspects that we drew from the data collection: (1) the population is in its majority, adult, female, and professional, and tries to conciliate their professional and personal lives with training; (2) this “return” to Higher Education is dictated by the search for a new identity, and the need for career progression; (3) success is taken as integration in the “virtual community” that encompasses trust in the organization and in the educational model; future perspectives are built in (distant) socialization and are the result of the constant interaction with teachers; and (4) the de-motivation, the non-commitment and the isolation determine training abandonment. This scenario suggests a “re”-definition of teaching–learning methodologies and educational practices where, increasingly, contexts of distance education grow. Our conclusions reiterate the conclusions of other studies that stress the importance of technology-mediated educational processes, where the interaction, trust, debate, reflection and critical reasoning are facilitators of knowledge building. More than in the pedagogical responsibilities of teachers, it is in the commitment of students with their training project and their auto-regulation, that autonomy and competencies to acquire knowledge develop.

Keywords: Sociology of Education; TIC; Distance Learning on Higher Education;

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Índice

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1 ... 3

DO ESTADO-NAÇÃO À TRANSNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ... 3

1. Modernidade histórica e Estado-nação... 4

1.1.Estado-nação e Escola Pública ... 6

1.2 Escola Democrática: construindo a Escola para todos ... 10

1.3 Crescimento internacional: um modelo emergente ... 16

1.4 A internacionalização e a (re)definição da universidade ... 18

CAPÍTULO 2 ... 23

O ENSINO SUPERIOR E A EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA ... 23

2. Ensino Superior: trajetórias de mudança em Portugal ... 24

2.1 A expansão do ensino superior ... 25

2.1.2 A limitação ao acesso ao ensino superior e sua estagnação ... 27

2.1.3 A emergência de um ensino superior de massas ... 28

2.2 Da “desestatização” à “mercadorização” do ensino superior... 29

2.3 Economia do conhecimento: um foco para o ensino superior ... 32

2.4 EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA ... 35

2.4.1 Educação, formação e aprendizagem ... 36

2.4.2 Dos movimentos populares à “rotura” da educação de adultos ... 37

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CAPÍTULO 3 ... 45

A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR ... 45

3. E-learning: breve alinhamento Histórico ... 46

3.1 Impactos, mudanças e transformações na atual (re)definição da Educação ... 47

3.2 Educação a Distância: Novos Cenários e Desafios para o Ensino Superior... 50

3.2.1 Educação a distância: recomposição das interações face a um novo sistema de comunicação ... 53

3.2.2 Professor: dilemas, desafios e oportunidades na Educação a distância ... 57

3.2.3 O processo de ensino-aprendizagem na Educação a distância: motivações, perspetivas e barreiras dos estudantes ... 62

CAPÍTULO 4 ... 67

CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO NA MODALIDADE DE E-LEARNING: OFERTA FORMATIVA E EXPERIÊNCIAS DOS ACTORES ... 67

Considerações Metodológicas e Procedimentos de Pesquisa ... 68

Critérios e Técnicas para a Recolha de Dados ... 69

Definição da população e amostra ... 78

Tratamento de dados e análise dos resultados ... 79

Reflexões finais ... 113

Bibliografia ... 117

Anexos ... 132

Inquérito ... 133

Guião de entrevista... 140

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Lista de Abreviaturas e Siglas

AEEI - Associação Europeia para o Ensino Internacional.

A3ES - Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

EaD – Educação a Distância.

EEES - Espaço Europeu de Ensino Superior.

ERASMUS - European Action Scheme for the Mobility of University Students.

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.

ONU - Organização das Nações Unidas.

TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação.

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Lista de Gráficos

Gráfico I – A EaD face à Internacionalização.

Gráfico II - Área de estudo.

Gráfico III - Áreas científicas ensinadas a distância.

Gráfico IV - A EaD face à formação contínua.

Gráfico V - Gráfico V - Valorização pessoal, social e profissional.

Gráfico VI - Autonomia e aprendizagem em ambientes virtuais.

Gráfico VII - Grau de motivação dos estudantes.

Gráfico VIII - Grau de confiança relativamente à instituição e projeto formativo.

Gráfico IX - Interação com o professor.

Gráfico X - Interação versus construção do conhecimento.

Gráfico XI - A importância da formação de professores em EaD.

Gráfico XII - Responsabilidades pedagógicas do professor em EaD.

Gráfico XIII - Perceção dos estudantes face à sua permanência no curso.

Gráfico XIV - Perceção dos estudantes face à avaliação dos cursos superiores na EaD.

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Idade / sexo dos estudantes

Tabela 2 - Regime e modalidade de estudo

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INTRODUÇÃO

Assumimos desde o início desta jornada, e ao longo de todo o nosso trajeto neste mestrado, o quanto importante é agarrar todos os espaços, momentos, debates, experiências, partilha de ideias e interações sociais, sempre no sentido de exercitar e fundamentar o trabalho de investigação e de convocar os contributos das Ciências da Educação, nomeadamente da Sociologia da Educação.

Toda esta jornada, acompanhada desde cedo pela curiosidade, não procurou soluções, mas buscou compreender os fatos respeitando as regras metodológicas em uso. Com o objetivo geral centrado em procurar compreender sociologicamente a modalidade e-learning e problematizar as experiências dos sujeitos nelas envolvidas, sabíamos que este mundo não nos era totalmente desconhecido.

Almejávamos ver uma nova luz que nos fizesse compreender se estamos perante um

novo paradigma quando se aborda a educação a distância no ensino superior ou se apenas

(re)inventam novas formas que não são mais que continuidades.

A escolha deste tema não surgiu por mero acaso. O fato de termos frequentado o Mestrado de Sociologia da Educação e Políticas Educativas em regime b-learning, permitiu-nos conceptualizar desde o início uma ideia que foi amadurecendo e se transformou em projeto. Embora o tema seja contemporâneo, fomos exercitando o gosto e a capacidade de leitura ao abordar alguma literatura do passado (sempre recente) que ajudou a contextualizar o objeto.

Uma breve visão diacrónica serviu para localizar a evolução da educação, desde a escola do Estado-nação à escola atual das tecnologias da informação e comunicação, em contexto de crescente internacionalização dos processos de ensino e aprendizagem. Os alicerces teóricos, ao terem em conta também alguma literatura especializada, foram geradores do casamento com o percurso empírico.

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2 Fez-se também uma reflexão muito sucinta sobre a universidade, inserida na economia do conhecimento, para procurar o sentido das mudanças que justificam hoje a crescente opção pela educação a distância.

A elaboração dos instrumentos de recolha de dados (quer o questionário tipo Likert, quer o guião das entrevistas) passaram pelas fases normais de validação e permitiram obter informações para perceber as opiniões e experiências dos estudantes de pós-graduação que participaram deste estudo exploratório.

Verificou-se que o posicionamento dos sujeitos é genericamente favorável à educação a distância, pelas oportunidades que abre de frequentar o ensino superior em moldes não tradicionais.

A finalizar esta introdução, e como último comentário, gostaríamos de testemunhar a capacidade de reflexão e crítica com que muitos estudantes, com quem tivemos oportunidade de contatar em momentos informais, se apresentaram sempre com determinação e confiança perante os obstáculos ao longo do seu percurso. Este trabalho de investigação que tanto nos desafiou e nos impulsionou para uma busca continuada à nossa tentativa de compreensão, deixa-nos agora em (desas)sossego. Sossego porque estamos de consciência tranquila quanto ao termos atingido os nossos objetivos, desassossego porque esta investigação nos foi permitindo levantar outras questões, que uma pregunta só, não poderá responder.

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CAPÍTULO 1

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4 1. Modernidade histórica e Estado-nação

Quase todas as aproximações à realidade social, quando se observa o seu trajeto, acabam por tocar nas transformações e mutações ocorridas num determinado tempo e espaço. Por isso, tonar-se-ia tarefa pouco compreensível em relação ao objeto deste capítulo não relacionar de algum modo a modernidade com a criação do Estado-nação e com a educação escolar. Ou, se pretendermos um ponto de partida, poderíamos convocar um dos mais importantes sociólogos da atualidade para sublinhar que “a história do tempo começou com a modernidade” (Bauman, 2001, p. 128). Para a sua compreensão é necessário reformular os princípios básicos da análise sociológica e confrontá-los com os mais diversificados problemas e questões, sempre recorrentes, como se não fosse possível resolve-los definitivamente (Ortiz, 1998, p. 160). Toda esta complexidade revela-se ainda mais evidente, quando se pretendem estudar as instituições modernas, e neste contexto (também) não se dispensa a natureza da modernidade, pois esta persiste em alterar “radicalmente a natureza da vida social quotidiana e afecta os aspectos mais pessoais da nossa experiência” (Giddens, 1994, p. 1). É nesta moldura que a compreensão da realidade social se preenche da história, e nos permite conhecer a trajetória das sociedades modernas ao retroceder até ao momento da dissolução das formas de vida tradicionais, para posteriormente se analisarem os processos extraídos dos “novos tempos”. Neste âmbito, podemos abraçar, numa aproximação inicial, que modernidade “refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (Giddens, 1991, p. 8).

Mas esta perspetiva de modernidade não se esgotou e tem vindo a redefinir-se ao longo do tempo. Neste contexto, abordar o projeto da modernidade requer, pelo menos, ter em conta o processo social, político, económico e cultural que marcou a evolução histórica nos últimos séculos. Marcada por um tempo e um espaço (histórico) em que ocorreram as aspirações racionalistas do humanismo burguês (humanismo moderno) associadas às revoluções americana e francesa, e que o projeto de modernidade capitalista se desenvolveu e teve o seu impulso, enquanto projeto societal, ancorado na esperança do desenvolvimento social, cultural

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5 e económico abraçado à revolução industrial (Afonso & Ramos, 2007, p.78). E, no que concerne ao espaço europeu, este foi construído e consolidado em grande parte em torno da própria da natureza do Estado-nação. É este posicionamento, enraizado numa época promissora de otimismo, de fé, de libertação, da razão humana e do progresso, que nos é possível compreender as formas culturais produzidas e os fatores de mudança (políticos, sociais e económicos) que foram palco de “convulsões permanentes”. O Estado-nação, fruto da modernidade, triunfou como unidade dominante, política e cultural, e deve ser entendido na sua conceção inicial, através da definição dos conceitos quer de Estado quer de nação, quando se pretendem descreve-los e compreende-los nas suas mais diversas articulações e imbricações. A persistência no esclarecimento inicial de conceitos permite estabelecer uma relação entre estes e cidadania, pois não sendo consensuais os seus significados e caraterísticas, também a tradução dos seus processos históricos não são fiéis à origem e desenvolvimento de cada um.

É neste diálogo entre Estado e nação que os autores Almerindo Afonso e Emílio Ramos (2007) prosseguem o seu discurso afirmando que nem todas as nações aspiram a constituir o seu próprio Estado e nem todos os Estados se constituíram partindo da base de nações previamente existentes, podendo haver nações igualmente sob o mesmo Estado, seja em aberto confronto, seja ainda mantendo tensões latentes que visam ampliar a sua autonomia e independência, o seu reconhecimento ou ainda mantendo e coexistindo diversas especificidades históricas e convergências de ordem estratega. Referindo igualmente, que podem ainda existir nações, e aqui no sentido de comunidades de pessoas que partilham a mesma linguagem e identidade cultural, repartidas e divididas e até possivelmente oprimidas e marginalizadas entre os diversos Estados; ou comunidades com uma forte identidade mas que se apresentam sem um território definido e sem Estado. Importa salientar ainda, que todas as questões relacionadas com processos de extrema violência e abomináveis de limpeza étnica, continuam a existir e ainda se encontram hoje muito presentes na memória coletiva. Este debate sobre Estado e nação demonstra inequivocamente que se está perante diferentes realidades, por vezes com sequências, precedências, protagonismos e percursos distintos, que podem ou não construir profundos vínculos e de longa duração, mas que têm sempre historicidades próprias (Afonso & Ramos, 2007, pp. 78-80).

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6 1.1.Estado-nação e Escola Pública

É indiscutível o papel da escola pública e o seu contributo para o projeto de construção do Estado-nação nestes dois últimos séculos, bem como para a reprodução da identidade nacional:

“[…]a centralidade da escola decorreu, até agora e em grande medida, da sua contribuição para a socialização (ou mesmo fusão) de identidades dispersas, fragmentadas e plurais, que se esperava poderem ser reconstituídas em torno de um projeto político e cultural comum, genericamente designado de nação ou identidade

nacional” (Afonso & Ramos, 2007, p. 80).

Tendo em conta o trabalho produzido que envolvem algumas questões centrais, é-nos dado conta pela mão dos autores acima referidos, que a intervenção do Estado teve um papel fundamental e decisivo na formação e desenvolvimento da escola pública de massas, cuja função principal inicial passa pelo assegurar a educação básica ao cidadão. Uma outra revisão teórica apresentada por Helena Araújo (1996) ilustra que esta intervenção estatal na educação escolar veio fazer com que esta fosse obrigatória, gratuita laica e universal, revestindo o conceito de escola de massas pois esta abrange um conjunto de variados processos que incluem “a declaração de interesse pelo campo escolar, financiamento, supervisão, definição de currículos, formação do pessoal docente, entre outros” (Araújo, 1996, p. 162). Todo este processo ocorrido em vários e diferentes períodos, em diversos contextos mundiais e, na Europa, apontam a sua criação e os primeiros sinais de desenvolvimento entre meados do século XVIII prolongam-se no século XIX. Ao tentar teorizar o papel do Estado no processo de desenvolvimento da escola de massas, a autora aponta como fator crucial a compreensão do papel do Estado como um passo primordial para perceber o desenvolvimento da escola de massas em Portugal. Da leitura efetuada pode-se verificar que ela foi criada para rapazes e raparigas (apesar das diferenças de conteúdos e formatos), assim como também foi possível verificar-se uma precocidade da intervenção estatal na educação no nosso país, nomeadamente na sua intervenção na escola primária em 1772, com a criação de escolas de “ler, escrever e contar”. Esta intervenção, ainda que significativa, pois a legislação de suporte não a contemplava como criação da escola pública de massas, estas escolas visavam responder a

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7 determinados setores da população portuguesa bastante específicos: os filhos (apenas os rapazes) de artesãos urbanos, não abrangendo este setor os filhos dos camponeses, pois supostamente os ensinamentos dados pelos párocos eram vistos como o bastante para esta classe.

No marco seguinte surge a escola para raparigas. Em 1835-1836 através das declarações de escolaridade obrigatória e com ela a intenção de não abranger a questão da divisão de géneros, mas sim “dirigir-se a uma criança universal, que socialmente não era construída através de papéis sociais diferentes” (Araújo, 1996, p. 164). Apesar da discrepância temporal, a intervenção na escola de massas em Portugal acabou por se mostrar também ela precoce, no que concerne à sua obrigatoriedade em relação a vários países da Europa. A Prússia em termos comparativos com outros países, terá sido mesmo o primeiro país no lançamento da escolaridade obrigatória. A legislação que confere obrigatoriedade na escolaridade data de 1716, e era a para as crianças que não tinham “outra forma de escola”, e a legislação de 1763 vem regular o financiamento destinado as essas mesmas escolas (Araújo, 1996, pp. 164-165). Assim, a escola de massas é considerada uma construção dos Estados-nação enquanto unidade política e cada um define a organização estrutural da educação, embora com poder limitado, pois há normas que advêm do sistema global inter-Estados. Face ao sistema mundial, a situação estrutural de cada Estado-nação é que determinará a adesão à escola de massas. Portugal detinha uma situação de país de semiperiferia, face aos países dominantes, o que fez com que estivesse mais afastado das grandes competições dos países dominantes, cujas reformas educativas eram determinadas pelos países de centro periféricos.

Foi neste cenário que cada Estado-nação se tornou responsável pela determinação da adesão à escolaridade obrigatória. Países com maior poder (dominantes), como a França e a Inglaterra, assinalam a adesão mais tardiamente à escola de massas, do que países com menor poder de intervenção, o que traduz o recurso à escola de massas de forma precoce. Particularmente, estes últimos apresentam na sua historicidade períodos de derrotas militares e tentativas políticas falhadas que numa primeira instancia teriam o objetivo de industrializar o país, assim como a não concretização de ocupação de um lugar visível perante as relações globais. Note-se que a formação da nação é a “ construção do espaço político que se pretendeu atingir com a criação e expansão da escola de massas, de forma universal” (Araújo, 1996, p. 166), e é com base na determinação de um conjunto de “prescrições normativas” que emerge

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8 o modelo, que se apresenta como semelhante da escola de massas, em cada país à escala mundial.

No que concerne ao observado no nosso país, é de salientar a visão que nos é dada pela autora. Antecipando à partida que não é possível, tendo em conta o quadro relacional de poder inter-Estados e sendo este pautado por processos comuns aos países que se encontram na mesma situação estrutural, entender a precocidade portuguesa relativamente à adesão da escola de massas, quando Portugal também se encontra sob influência do sistema mundial impulsionador das demandas escolares. É possível sim compreender a precocidade portuguesa, bem como de outros Estados periféricos, no sentido de “constituir durante o período de emergência da escola de massas, um Estado de menor poder face aos Estados dominantes” (Araújo, 1996, p. 166) cujos momentos de expansão eventualmente podiam ser compreendidos como tentativas para a (re)criação de uma unidade política. Deste modo, as declarações de obrigatoriedade escolar, observadas em Portugal, podem ser interpretadas como forma de procurar ultrapassar momentos de fortes crises e vazios políticos.

A “ineficácia” portuguesa no que se refere ao desenvolvimento e acompanhamento da escola de massas quando observados outros países, julga-se mais percetível quando se analisam os processos da sua emergência em países como a Prússia, a Suécia, a Áustria e a Dinamarca, comparativamente aos países da Europa do Sul que tardaram o lançamento da escola de massas, apesar de se caraterizarem precocemente pela intenção e interesse dos seus Estados na sua concretização. É deste modo a autora Helena Araújo (1966) nos ilustra algumas pistas determinantes e que em parte justificam a emergência da escola de massas e da educação pública em Portugal. O envolvimento relativamente reduzido de escolas primárias e a diferença substancial de escolas femininas e masculinas carateriza um primeiro momento, dando primazia a uma educação masculina. No entanto, entre 1854-1868 verifica-se uma percentagem mais elevada o que leva a supor uma maior visibilidade e uma maior expansão da escola de massas. Apesar desta “aparente expansão” é de forma lenta e precária que o desenvolvimento da escola de massas se configurou em Portugal. Contudo, como sustenta a autora, é na perceção e na compreensão da “natureza” do Estado, neste caso semiperiférico, que se torna necessário rever alguns dos seus aspetos e que se mostram cruciais para esta compreensão. Deste pressuposto comungamos com as palavras de Boaventura Sousa Santos quando refere que o “Estado-nação continua a predominar enquanto unidade de análise e

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9 suporte lógico da investigação” (Santos, 1996, p. 104). Nesta condição e tendo em conta a forte influência do Estado na sociedade portuguesa, para além da forte heterogeneidade verificada nas atividades produtivas e nos vários espaços estruturais, este não foi suficientemente forte para solidificar o seu “papel cultural e educativo”, o que pode explicar que o desenvolvimento da escola de massas em Portugal tenha sido parcial.

O condicionamento da sua expansão está em boa parte relacionado não só com a autonomia relativa do Estado, que se entende pelos fracos recursos e que o afasta da competição com outros Estados, assim como enfrentar problemas de legitimação, tentando direcionar a sua ação de acordo com os processos tomados como referencia nos países centrais. Em simultâneo o condicionamento da expansão da escola de massas relaciona-se com as autonomias relativas do “espaço de trabalho” e do “espaço doméstico” (Araújo, 1996, pp. 171-172). Assim, ao ter em conta a expansão da escolarização de massas em Portugal como um processo típico de “construção retórica da educação” em que por um lado se observou uma significativa precocidade, quer no plano legislativo, quer no discurso político sobre o papel da escola na modernidade, por outro lado verificou-se uma “continuada denegação de recursos para o incremento da escolarização” (Teodoro & Aníbal, 2007, p. 15).

De facto a construção dos Estados-nação modernos não dispensou a educação escolar, porque esta assumiu um lugar privilegiado de transmissão e legitimação de um “projeto societal integrado e homogeneizador” (Afonso & Ramos, 2007, p. 81), dito por outras palavras, um projeto que pretendeu homogeneizar e uniformizar a sociedade, ocultando por vezes as suas diversificadas identidades culturais, em detrimento de uma identidade nacional. Esta identidade única, embutida numa educação intensa e massificadora, caraterística do Estado-nação, permitiu que o carácter socializador da escola pública viesse a contribuir para o desenvolvimento do sujeito enquanto cidadão livre e construtor do seu próprio destino, enquanto sujeito vinculado a determinados interesses, ideologias e valores. Quando tal se verificou tratou-se de uma ténue conceção de cidadania a que alguns autores designaram de “cidadania restrita à lógica do Estado-nação” (Afonso & Ramos, 2007, p. 81), caraterizada por “autoritária” e “não-democrática” pois ocultava a parte a submissões normativas produzidas pelo Estado, contidas nas decisões políticas e em determinações que modificavam os direitos e deves conquistados pelos cidadãos.

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10 No entanto, o projeto iluminista de modernidade vislumbrou-se muito mais complexo que isto, vindo a abrir as suas portas para outros desenvolvimentos económicos, políticos e culturais. Ainda na esteira destes autores, são de salientar muitas outras perspetivas de processos sociais de construção de cidadania, pois ela é sobretudo uma luta de classes populares, com envolvimento de outros atores, e não uma simples concessão do Estado. São estas lutas que se produzem e se têm vindo a produzir ao longo de toda a História, cuja expressividade mais forte marca os séculos XIX e XX, e são as que conduzem à criação de uma “cidadania ampliada” não se tratando apenas de direitos cívicos e políticos, mas também de direitos sociais dos trabalhadores, independentemente do género, alargando-se a todos aqueles que vêm de outros Estados-nação com outros estilos de vida e outras culturas. Este importante aspeto no que concerne à construção da cidadania para além do seu caráter histórico, remete-o para um triunfo frente ao poder instituído e por conseguinte está intimamente ligado à educação, à voz e ao uso da palavra e ao agir em conformidade com ela. Julga-se ser de toda a importância referir, por outro lado, que os projetos que derivam da

modernidade podem ser apreciados como projetos culturais. É dentro deste pressuposto que

as propostas de educação e formação de cidadãos e o desenvolvimento de uma cultura nacional se consideram valorizadas, pois são projetos que abrangem a autonomia pessoal e coletiva, cuja educação e a cultura representam a autêntica riqueza da nação.

1.2 Escola Democrática: construindo a Escola para todos

Os processos sociais de construção da cidadania, que já tivemos oportunidade de abordar anteriormente, são também eles processos de democracia (embora nem sempre o tenham sido). Para Giroux (1993) cidadania é igual a democracia pois ambas fazem parte de uma “tradição histórica”, cujo terreno se descreve por lutas sobre o conhecimento das práticas sociais e valores que constituem os diversos elementos críticos dessa tradição. Alerta, no entanto, este autor que o caráter importante destas práticas sociais é que são vivenciadas por sujeitos que constituem as “diversas formas da vida pública” (Giroux, 1993, p. 21). Esta passagem permite-nos pensar na escola acima de tudo como um espaço público, como fazendo

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11 parte da “esfera pública”1. Mas a pergunta sobre “o que é a escola?” tem tido respostas

diferentes ao longo do tempo, porque nem sempre a escola foi vista e entendida como um espaço público democrático.

No que diz respeito a Portugal, a questão da escola democrática tem sido um processo de construção com avanços e recuos, assistindo-se, sobretudo nas últimas quatro décadas, a grandes mudanças no sistema de ensino. Neste ambiente, a expansão de acesso à escola básica revela já por si uma passagem positiva para a escola democrática. Indiscutivelmente, a Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) veio concretizar o próprio direito à educação favorecendo o desenvolvimento do sujeito, o progresso social e a democratização da sociedade. Assente no princípio geral que "todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da Republica" (LBSE, artigo 2º, nº 1). Deste modo, e na esteira da autora Ana Benavente (2001) a promoção da educação e formação foram tidas como a base indispensável para a igualdade e justiça, contribuindo para a atenuação da reprodução das desigualdades sociais levando a que, por exemplo, em alguns programas de governo se desse uma importância mais relevante à educação pré-escolar e à educação básica. Revisitando as medidas de um dos governos do PS, onde participou, a autora refere ainda que a partir dos diagnósticos, das orientações e compromissos estabelecidos “prosseguimos o objectivo de melhorar a escola básica, com igualdade de oportunidades, exigência e rigor” (Benavente, 2001, p. 108). Também tida em conta a preocupação com a “democratização e a qualidade”, foi objeto de mudança a reorganização curricular do ensino básico, destacando-se três áreas curriculares consideradas essenciais: “educação para a cidadania”; “área de projeto” e “estudo acompanhando”.

Se por um lado a Lei de Bases veio defender a prioridade à educação básica, à democratização escolar e ao direito à educação, por outro lado parecem ter emergido espaços férteis a outras reflexões em torno deste terreno de conflitualidades que se apresenta também como um espaço democrático e de cidadania. O direito à educação, neste caso à educação

1 O conceito de “esfera pública” para Hannah Arendt (2007) está intimamente ligado ao termo “público” significando, que tudo o que vem a público, pode ser ouvido e visto por todos, assumindo uma maior divulgação, logo constitui a realidade, mas o termo “público” denota também outro fenómeno correlacionado mas não idêntico, é também o próprio mundo “pois ele é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (Arendt, 2007, pp. 59-62).

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12 básica, enquanto direito dos cidadãos implica tocar nos “direitos sociais e culturais” associados à “ideia central de democracia” bem como outras ideias de caráter mais amplo no que concerne à educação. Ao falarmos destes últimos direitos parece estar implícita a garantia dos direitos fundamentais. O Estado democrático tende a privilegiar a expansão da escola de massas, uma escola marcada pela universalidade e diversidade cultural, uma escola aberta a todas as posições sociais, que difere daquela em que apenas tinham acesso à escola as “elites sociais ou grupos específicos”. Trata-se pois de uma construção social que ocorreu em la

longue durée e que só se desenvolveu e alargou no verdadeiro sentido quando os Estados se

“democratizaram, democratizando a igualdade de acesso à escola” (Afonso, 1999, p. 5).

Contudo, parece-nos que a construção da escola básica, enquanto escola de massas, não se afirmou como um processo linear. Em toda a sua construção tem-se vindo a observar não só alguns retrocessos como ambiguidades. A mutação do próprio Estado, observada ao longo do tempo, vem dar conta que a construção da escola pública de massas acabou por inclusive refletir outras formas de consolidação do Estado-nação. O modelo muito tempo dominante de escolarização básica e obrigatória, essencialmente marcado por objetivos de construção de uma cidadania restrita e de uma identidade nacional específica, e transmitindo a cultura oficial como a única cultura válida, viria mais tarde a confrontar-se com incertezas e novos desafios, nomeadamente pelo facto de não atender às singularidades de cada sujeito, e da sua cultura, identidade étnica, linguística, etc., dimensões estas que não estavam na génese do projeto anterior de construção do Estado-nação. Com efeito, ao longo do século XIX e XX na base do que se tem chamado “escola para todos” isto é, a escola oficial, obrigatória, laica, gratuita, é a escola do Estado-nação que promove uma identidade nacional assente numa etnia dominante, cuja intervenção do Estado com caráter normalizante se designa por “Estado educador” (Stoer, 2001, p. 250).

Não obstante as trajetórias e controvérsias em torno do modelo educativo dominante, é de salientar que Portugal (1835) foi eventualmente o quarto país no mundo a publicar uma lei que estabelecia o princípio de obrigatoriedade escolar. Mais tarde (1844) com outra reforma associada ao princípio de escolaridade obrigatória, surgem as penalizações aos pais e alunos que não frequentassem a escola. Ainda que a escola básica em Portugal comparativamente com outros países, tivesse sido introduzida mais cedo, a sua consolidação foi muito mais tardia, isto é, precoce no ato legislativo e no discurso politico mas tardio nos recursos e nos

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13 meios (Teodoro, 2003; Araújo, 1996). Mas a escola básica em Portugal tem passado por muitos momentos diferentes, como aconteceu logo a seguir ao 25 de abril de 1974. Na enunciação aos pontos que marcaram positivamente a ação educativa neste período, Rui Grácio (1981) aponta como fator inicial a alteração em todos os graus e ramos de ensino e dos conteúdos, pois estes finalmente se viram “desembaraçados” de valores associados a ideologias de carácter fascista e colonialista, dando lugar a planos renovados com características de valores de modernidade científica e cultural, de “inspiração democrática”. Aponta igualmente para a atualização e uma maior dignificação do professorado, do estatuto pedagógico, social e cívico, reforçando a importância da alteração dos objetivos propostos ao sistema de ensino, com a finalidade de travar a “subordinação aos interesses das minorias sociais” e com o isolamento intencional; por último, indica na sua “listagem francamente positiva” a implantação de medidas de “cooperação do sistema de ensino na democratização da formação social, procurando alterar a sua função de reprodução e legitimação das desigualdades sociais e regionais” (Grácio, 1981, pp. 106-107). Esta listagem assente numa perspetiva democrática veio promover a libertação das capacidades criadoras nas populações, pois como ele afirma “perdido o medo” e despertada uma nova esperança, observaram-se um conjunto de ações e produtos capazes de ilustrar uma “vontade nova”, nova esperança de justiça em matérias de bens e direitos essenciais, educação, recreio, cultura, intervenção cívica, laboral, e política. Uma esperança comprometida com o querer melhorar a qualidade de vida, assente na Constituição de República Portuguesa. Um projeto que só foi possível alcançar através da luta, através do voto, e que a maioria do povo abraçou, acreditando que esse é o único projeto capaz de constituir uma política de juventude, de cultura, e de educação capaz de ser “suscetível de reconstituir fundamente a sociedade portuguesa” (Grácio, 1981, p. 131).

Todavia, hoje, a escola básica está em grande medida consolidada e é um direito fundamental dos cidadãos. Como ilustra o catedrático de Direito Público Peter Häberle (2013, pp. 203-208) a ativação dos direitos fundamentais dentro dos benefícios sociais do Estado representa um objetivo constitucional no sentido de que os cidadãos devem ter necessariamente as mesmas oportunidades para alcançar uma vida digna e que lhe permitam desenvolver-se pessoalmente. Independentemente do percurso histórico relativo à criação e consolidação da escola básica, e suas vicissitudes, hoje continua a ser muito atual a questão da relação da escola com a justiça social e educacional. Inevitavelmente processos assentes

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14 na ideologia meritocrática têm vindo a ganhar visibilidade, podendo equacionarem-se como uma justa meritocracia, mas talvez seja necessário procurar outros tipos de justiça. Pois mesmo que este modelo seja aperfeiçoado ele comtempla na sua própria natureza limitações e fraquezas continuando a “desapontar” produzindo lamentavelmente “mais vencidos do que vencedores” (Dubet, 2004, p. 545). Podemos então reter nesta última abordagem e situando-nos na “escola para todos”, que esta continua aberta a novos modelos que permeiam as práticas de democracia e a cidadania. E esta questão é ainda mais importante quando sabemos que, no contexto atual, o fator da excelência e da meritocracia estão a marcar os discursos políticos dominantes. A este propósito, também em Portugal a ideologia meritocrática tem vindo a consagrar-me aos poucos no panorama educativo, abrangendo a ação político-pedagógica das escolas. Intimamente ligada aos processos e estratégias quer do controlo, quer de prestação de contas, as escolas são alvo de pressões constantes para a produção de resultados e racionalização de recursos. É deste modo que com maior frequência a "instituição dos quadros de excelência, valor e mérito na escola pública constitui a expressão visível desta nova preocupação” (Torres, Palhares & Borges, 2013, p. 425) marcando consequentemente os “rituais de distinção”, como referem estes autores. Hoje são muitos os desafios que se colocam à conciliação do entre mais e melhor escola ao se verificar que são vários os fatores que estão presentes na construção do processo da excelência académica. É nesta convicção que os autores Palhares e Torres (2011) nos dão conta que só é possível explicar os elevados graus de desempenho dos alunos se tivermos em conta a “rede de interdependências que se estabelecem entre o universo escolar e o universo social e familiar” (Palhares & Torres, 2011, p. 56). Trata-se de compreender o projeto de escola pública sob outros olhares que passam (também) sobre outras estratégias e disposições, cujos atores, individuais ou coletivos, integram um conjunto de relações culturais, políticas e organizacionais.

Mas a tensão que predomina entre estes atores educativos e as instituições escolares oscila entre duas vertentes: o cumprimento do mandato democrático alicerçado no projeto universal (escola de massas) que aspira a igualdade de oportunidades e a diversidade cultural dentro da escola; ou, na outra vertente, o saber qual o lugar do sistema educativo no cumprimento de uma “agenda gerencialista”, de cariz neoliberal (Palhares & Torres, 2011, p. 72). Estas duas vertentes projetam por si tensões com as quais atualmente as organizações escolares se deparam perante o sistema educativo, através da implementação das políticas e práticas educativas. Se nos situarmos na natureza dos pressupostos de, pelo menos, alguns

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15 sistemas educativos um pouco por todo o mundo, é possível observar-se que, em boa medida, todos estão condicionados por uma vertente económica e uma vertente nacionalista2,

centrados na escola como “agente educativo principal”, apesar de alguns governos3

pretenderem exercer o postulado nacionalista através do “controlo absoluto da educação” (Garrido, 2014, p. 5).

Se considerarmos agora, muito brevemente, o papel da universidade, vemos que esta também teve (e ainda tem) como missão, entre outras, ajudar a construir o cidadão e a identidade nacional. Recuemos um pouco para ver como isso acontecia há cinco ou seis décadas atrás, no que diz respeito a Portugal. Não obstante a universidade durante o Estado-Novo ser a principal instituição pública de “cultura nacional”, centrando a sua missão educativa e formativa de natureza instrumental e reprodutora direcionada à formação da “classe dirigente da Nação”, ela acaba por ser vista como “capital cultural” transmissora de valores tradicionais comungando com a ideologia desse mesmo Estado. Impulsionadora dos princípios e valores do regime ditatorial como a “moral católica”, a “ordem”, a “civilização cristã e ocidental”, o “império” (Garrido, 2008, pp. 109-114) a universidade em Portugal durante este período fora colocada à mercê do Governo e ao serviço do Estado.

No entanto os desafios atuais à universidade parecem hoje ser outros. Com efeito, com a crescente internacionalização da própria universidade ela terá de ser pensada não só como instituição nacional, mas também como instituição Europeia, e, ainda, como instituição global. Em relação a este último aspeto, um dos grandes desafios colocados à universidade atual é a

globalização4, a qual se tem tornado cada vez mais referenciada nos discursos em torno do

2 A este propósito Benedict Anderson na sua obra Comunidades Imaginadas refere mesmo que “o fator nacional é o mais universalmente legitimado entre os valores da política do nosso tempo” (Anderson, 2005, p. 22). O nacionalismo não se apresenta à margem da globalização, pois os membros da mesma comunidade, mesmo sem se conhecerem, partilham a imagem de comunhão, interesses comuns e aspetos identitários.

3 A título de exemplo, e como refere o Catedrático José Luis García Garrido (2014) muitas das políticas e práticas educativas observadas em Espanha revestem uma toda tradição administrativa de “natureza Napoleónica”. As transferências educativas recaem no tipo centralista, burocrática, e controladora.

4 Cada vez mais os gestores educativos utilizam como sinónimos os conceitos de globalização e internacionalização e para se referirem a uma mesma faceta da política educativa. Não obstante constituírem aspetos diferentes, as suas estreitas relações afetam conjuntamente o desenvolvimento da educação superior. Não é possível estabelecer uma separação (clara) entre ambos conceitos. (López & Sanmartín, 2004, pp.385-385).

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16 ensino superior e das instituições de ensino superior, sobretudo quando se aborda a temática da internacionalização.

1.3 Crescimento internacional: um modelo emergente

O modelo (emergente) do crescimento internacional, visto atualmente como tendência, parece ter vindo a consolidar-se. Se nos depararmos com o plano nacional ele apresenta-se caraterizado por mecanismos de regulação que abrangem várias dimensões. Hipoteticamente o autor Gregorio Cabrero (1985) apresenta algumas dimensões que o integrariam: um tipo de fordismo robotizado e fragmentado; um Estado forte e descomprometido socialmente; um consumo (individualista) de massas estritamente ligado ao desenvolvimento da informática e das telecomunicações; uma obediência industrial corporativa, com periferias internas de disciplina readicionadas para sectores em declínio ou a grandes grupos de força de trabalho precário, e por último, uma política económica integradora, e dependente de processos transnacionais (Cabrero, 1985, p. 92). Se atendermos às hipóteses agora apresentadas, e igualmente aos mecanismos apontados por este autor, no que concerne ao plano internacional, a regulação também passa por integrar um sistema mundial menos fragmentado, ou seja mais integrado, com mercados transnacionais regulados centralmente, por uma economia de serviços e uma coordenação financeira imperativa. Neste modelo capitalista em crescimento, apresentado por este autor, as políticas estatais perderiam parte da sua autonomia e haveria uma maior intervenção do estado na deslocalização dos capitais nacionais para o tecido económico transnacional. Seriam, como refere o autor, as “duas caras” do intervencionismo estatal.

Todo este contexto global e articulado, veio acentuar a competitividade económica internacional, e com ela a crescente internacionalização dos sistemas educativos manifestada em fortes pressões sob estes. A circulação de ideias, bens, pessoas e suas qualificações, conferiram à educação nos anos 80 e 90, uma relevante importância para a promoção de políticas nacionais de desenvolvimento económico. Sob a teoria do capital humano, é acentuada a triangulação educação, competitividade económica e mercado mundial (Seixas,

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17 2001, p. 212). É incentivada e alimentada a mercadorização do conhecimento. A investigação passa a ser considerada locus de produção prioritária para o aumento da competitividade nacional e na promoção do desenvolvimento da “indústria” do ensino superior. Crescentemente, a abertura para a inovação tecnológica vão-se reproduzindo nos discursos e demandas de organismos supranacionais, que se focalizam agora no processo imperativo das tecnologias de informação e educação (TIC). Com elas surgem novas necessidades para a sociedade para acompanharem o mercado de trabalho, tornando o modelo para a educação universal.

Todo este modelo de uniformização torna o vínculo que separa conhecimento e economia mais estreito, dando lugar à tendência de comercialização e privatização da educação superior, manifestando-se sob várias formas.

“[…] na cultura empresarial, no aparecimento de novos provedores privados, no desdobramento espacial das instituições, na redução do estudante ao estatuto de cliente e consumidor, na diminuição dos financiamentos do Estado, na transnacionalização, na lógica da competição, na hegemonia do quantitativo, da rentabilidade e do lucro, nas práticas gerencialistas, no uso privado dos espaços públicos (Sobrinho, 2005, p. 168) É dentro deste quadro que a fórmula de “modelo educativo” é configurada nesta nova

ordem em diversas dimensões enquanto governação, ação e modelo(s) educacionais (Antunes,

2007a, p.2) com as suas diversas mutações, que vão surgindo cada vez mais distante daquilo que a consideramos durante algum tempo como sistema educativo, em outras palavras, emergiram as enumeras “ramificações” (programas, parcerias, protocolos, etc.) que têm vindo a alterar a missão e o funcionamento da instituição, abrindo espaços para o incerto que se apresenta tendencialmente mais "pluralizado" e "fragmentado" mas mais heterogéneo. A persistência da "nublosa em movimento" é a ideia que se vai construindo e que sobressai em toda a esfera educativa, face à persistência escolar e à instituição educativa enquanto “núcleo duro” (Antunes, 2007b, p. 428). São novas formas de educação e formação, subjugadas à informação onde sobressai o campo da ciência e tecnologia, da economia, da gestão, da política e da atividade social. Esta informação crescente e que circula cada vez mais atualizada vem provocar também o aumento da fratura entre aqueles que participam nela e os que estão fora. O conceito de mobilidade, processo onde se movem “pessoas e produtos culturais”

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18 (Carrasco, 2002, p. 84) necessário para a evolução das culturas se altera, agora é a informação é que se move e não apenas os atores sociais, nem os suportes da informação.

1.4 A internacionalização e a (re)definição da universidade

Apesar da sua importância, esta dimensão internacional tem-se manifestado de forma complexa e confusa, tendo vindo ao longo do tempo a modificar o modo e o papel (significativo) do ensino superior (Knight, 2004, p. 5). Apesar de diversas definições em torno do termo “internacionalização” apresentadas por Jane Knight, a autora opta por defini-la como “um processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global com o propósito, funções e oferta da educação pós-secundária” (Knight, 2003, p. 2). Esta tríade “internacional”, “intercultural” e “global” é intencionalmente usada pois no seu conjunto refletem a dimensão de internacionalização. Este fenómeno tem vindo a evoluir em vários contextos e realidades da educação superior, quer como ator quer como “reator” e é visto por alguns como um “processo revolucionário” porque vem introduzir diversas questões, quer diretas quer indiretas, que emergem das novas estruturas conceituais e que terão de dar resposta ao desenvolvimento da internacionalização numa época de desafios, mudanças e transições (idem, pp. 12-28).

Como refere o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, inserida neste contexto, a universidade atual atravessa “um período de transição paradigmática” (Santos, 2011a, p. 1) deparando-se com “problemas modernos” cujas soluções não se apresentam “modernas” e se inscrevem na racionalidade técnica, no progresso científico e tecnológico, na burocracia moderna do Estado, nos conflitos sociais institucionalizados através dos processos democráticos, nas descriminações racionais e de género, entre tantas outras. Em constante confronto e deparada com diversas e diversificadas questões, a universidade apenas conseguiu responder até agora com “respostas fracas” e muitas vezes com ausência destas. Estas questões

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19 que são de profundidade5, e tocam nas origens da sua própria identidade (histórica) e vocação,

são interrogações que incidem na universidade tal qual ela se apresenta, e em simultâneo se questiona o seu futuro.

É neste sentido que se torna então importante olhar para o futuro da universidade, mas não se deve ignorar igualmente o seu passado, pois só assim é possível refletir e avaliar positivamente e negativamente os seus processos e flutuações, as suas conquistas e os seus fracassos. Tudo está em aberto, e é esta perspetiva (de confronto e questionamento) que dá a possibilidade da sua redefinição. Nesta ilustração parece-nos oportuno convocar as palavras de Renato Ortiz quando sugere que “crucial não é a ruptura separando o passado do presente, mas o fato de ambos serem tensionados pelo fluxo que os atravessa” (Ortiz, 2009, p. 249). Ora, a universidade atual alimenta-se de toda uma tradição e agora busca uma nova redefinição, pois são novos contextos, novas questões, novos atores e novos fundamentos. É em função desse contraste entre passado e futuro, que faz a universidade atual, cuja abertura para o que é novo se enraíza “no solo da tradição que permanece e a antecede” (Ortiz, 2009, p. 244). As fronteiras que separam o nacional e o global esbatem-se fazendo emergir a transnacionalização6 que responde cada vez mais ao mercado mundial, atenuando o mercado nacional. É dentro deste pressuposto que os sistemas de educação se inscrevem nesta transição, tentando responder a reformas emanadas por uma agenda global e na qual a universidade de hoje procura corresponder.

São várias as estratégias, políticas e programas que têm vindo a estar na agenda global da educação superior e consequentemente a promover a internacionalização. É pela mão de Hans de Wit e Fiona Hunter (2014) no seu recente artigo: “25 anos de internacionalização na Europa: a AEEI num mundo em transformação” que nos é possível observar, sucintamente, alguns dos principais programas e processos que têm vindo a proporcionar as diversas

5 Boaventura de Sousa Santos (2011) no seu discurso apresenta para estas questões de profundidade a expressão “perguntas fortes” e identifica no seu trabalho doze “perguntas fortes” com que a universidade do séc. XXI se confronta.

6 Para uma melhor compreensão deste conceito de transnacionalização parece-nos interessante reter as palavras de Renato Ortiz (2007) na sua entrevista efetuada por Samira Marzochi, e que sucintamente se apresentam esclarecedoras: "a temática da globalização tem uma visão transnacional; não são tanto as diferenças que contam, mas a sua "integração" ou organização numa totalidade que transcende os mundos particulares." (Marzochi, 2007, p. 104).

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20 transformações no ensino superior abrangidas pela internacionalização. Por agora optamos por abordar dois deles que julgamos ser primordiais e com grande impacto para a universidade: o programa ERASMUS e o Processo de Bolonha. Com o objetivo de responder a inúmeros desafios e realidades em mudança no ensino superior, a Associação Europeia para o Ensino Internacional (AEEI) inicialmente com o aparecimento do programa ERASMUS da União Europeia criado 1987, tinha no seu âmbito geral a promoção da mobilidade dos estudantes e foi considerada desde início como política externa. Este programa, assim como outras iniciativas da Comissão Europeia, direcionadas para a “cooperação no ensino, pesquisa e desenvolvimento”, têm vindo a ser realizadas quer dentro da Europa quer fora deste continente, promovendo, assim, uma maior atenção por parte das instituições de ensino superior e dos governos para a internacionalização (Wit & Hunter, 2014, p. 86). Impulsionada por fortes ideias de uma Europa unida e de “acesso igualitário” no que se refere não só ao ensino superior, mas também ao ensino internacional como “chave no currículo “ de modo a promover quer o desenvolvimento pessoal quer a construção de um “mundo melhor”, a Comissão Europeia e as políticas da AEEI confiantes no futuro europeu assinaram a Declaração de Bolonha. Anunciado como uma das iniciativas “mais bem sucedidas” no contexto europeu, o Processo de Bolonha, inicialmente com uma dimensão interna, tinha como foco principal aproximar a estrutura de diplomas, através do sistema de créditos, como referem estes autores, “mais pontos em comum na estrutura de diplomas, no sistema de créditos e no controle de qualidade” (Wit & Hunter, 2014, p. 87). Esta “identidade externa” consagrada por novos modelos e instrumentos para as instituições europeias, veio consequentemente despertar o interesse em outras regiões mundiais. Apesar do aumento dos seus membros e da introdução da moeda única, neste período, a União Europeia com os acontecimentos provocados pela economia global, enfrentou diversas pressões associadas à globalização. Todas as exigências resultantes destas transformações, desencadearam novas linhas estratégicas e vieram questionar os modelos universitários tradicionais, emergindo novas formas de ensino superior, apontando entre elas a oferta de cursos online.

Consequentemente, este quadro veio alterar e revisar muitas das estratégias para internacionalização do ensino superior em vários países. Em Portugal, e não obstante o Programa do XIX Governo Constitucional ter estabelecido no âmbito do ensino superior a necessidade de se proceder “à racionalização da rede de instituições e à sua internacionalização”, foi identificada como área prioritária a mobilidade quer de estudantes

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21 quer de professores. O Grupo de Trabalho (MADR/MEC) nomeado pelo Despacho nº 3833/2014, de 26 de fevereiro, elaborou uma proposta de estratégia de internacionalização do ensino superior português. O relatório apresentado pelo MADR/MEC7 aponta como

condições benéficas e positivas para Portugal a integração deste na União Europeia e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP); a participação dos estudantes internacionais em Portugal através do programa ERASMUS superadas no ano letivo 2013/2014.

Porém, apesar do panorama da internacionalização do ensino superior português se apresentar “difuso e desarticulado”, com resultados “modestos” ao se confrontarem com “os recursos que são investidos” (MADR/MEC, 2014, p. 11), a estratégia apresentada no relatório pelo grupo de trabalho MADR/MAC, e “sem atentar contra a autonomia das instituições” (MADR/MEC, 2014, p. 12), vem apontar alguns pontos estratégicos para internacionalização de ensino superior português: a aposta na colaboração entre as diversas instituições (criação de consórcios); ampliação da oferta de cursos na modalidade de ensino a distância; considera crucial e com margem de progresso a mobilidade de estudantes, nomeadamente estudantes internacionais8; valorizar a língua portuguesa através de ações junto de estudantes internacionais; recomenda a ampliação da oferta dos cursos em inglês, como preparação linguística dos estudantes nacionais; recomenda por último este grupo de trabalho a criação de “um centro de racionalidade” para articulação das diversas ações e uma melhor “gestão dos mecanismos” com vista à promoção da internacionalização do ensino superior (MADR/MEC, 2014, p. 12).

Em todo este contexto, a internacionalização é sinalizada como resposta principal e esperando-se da universidade “respostas imediatas” e de “caráter participativo” O entendimento da internalização passa a ser uma estratégia central das universidades (Wit & Hunter, 2014, p. 88). Ao incrementar a mobilidade de estudantes e professores, conferindo-lhe uma espécie de "coerência” face à oferta europeia, o que confirma que os serviços educativos são cada vez mais um bem “exportável”. Uma educação transnacional, cuja tónica

7 Grupo de Trabalho MADR/MEC (2014): Uma Estratégia para a Internacionalização do Ensino Superior Português. Fundamentação e Recomendações. (www.poph.qren.pt)

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22 assenta na captação de alunos por parte das instituições, como instrumento para reduzir, a curto prazo, os seus recursos face às instituições, nomeadamente adotando outro valor na propina a estes estudantes (López & Sanmartín, 2004, p. 404). Esta estratégia, apesar de defensiva, corrobora no entanto esse objetivo, o da transnacionalização do mercado (universitário) e por essa razão tem sido por diversas vezes “contestada” não só pelas associações europeias de universidades como pelas associações de docentes (Santos, 2011b, pp. 37-38).

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CAPÍTULO 2

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24 2. Ensino Superior: trajetórias de mudança em Portugal

Todo o processo que envolve a expansão do ensino superior português pode ser explicado recorrendo-se às teorias “técnico-funcionais da educação” ou “credencialistas” como refere Ana Maria Seixas (2003). O agente mais direto da expansão é o crescimento do sistema credencialista educacional, no qual é possível observar que ensino representou a maior percentagem de emprego oficial, mantendo a proporção: aumento de ensino superior-força do trabalho (Collins, 1989). O aumento dos graus de formação requeridos para o emprego; a proliferação dos graus técnicos de profissionais e o controlo que exercem sobre os limites dos trabalhos especializados; as grandes empresas dentro de um sistema credencializado são tudo instrumentos através dos quais o setor terciário se expandiu. No entanto, foi todo um “trabalho político”9 que despertou o “sector das sinecuras” com os empregos da administração pública,

com as instituições massivas de educação e o desenvolvimento terciário em geral.

Assim, e para uma melhor compreensão das mudanças que se têm verificado na universidade pública em Portugal, torna-se necessário observar alguns momentos que marcaram a trajetória do ensino superior português ao longo das últimas décadas. Desde a sua emergência à expansão, da sua diversificação e democratização até ao ensino superior de massas, são vários os fatores de ordem social, política e económica e cultural que têm vindo a marcar as diversas transformações no campo do ensino superior português, e que têm ocupado lugar de debate na esfera (pública) educativa. Em Portugal podemos assistir, nas últimas décadas, a três grandes períodos de evolução dos efetivos do ensino superior e suas principais características. Deste modo, Ana Seixas (2003) refere um primeiro período desde os anos 60 até ao ano 1976/77, caraterizado pela expansão do ensino superior; um segundo período entre 1977/78 até 1987/88, vincado pela limitação ao acesso ao ensino superior e sua

9 Para Collins (1989) a estrutura global do mundo moderno do trabalho assenta numa "mescla” de trabalho produtivo e “lavor” político, de um lado estão os trabalhadores sujeitos ao mercado no que refere ao trabalho produtivo, no outro os trabalhadores políticos dedicados às atividades que formam as estruturas ideológicas, financeiras e estatais (Collins, 1989, p. 65).

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25 estagnação; e por fim um terceiro período que abrange os anos 80 e 90, associado à emergência de um ensino superior de massas (Seixas, 2003, pp. 68-69).

É com base na análise de alguns fatores que caraterizam estes três períodos que se julga pertinente agora observar a trajetória en passant do ensino superior em Portugal, para uma melhor compreensão e inteligibilidade do atual sistema de ensino superior.

2.1 A expansão do ensino superior

(período 1977/78)

Até meados dos anos 70, as alterações verificadas na estrutura económica e social, o aumento das taxas de escolarização no secundário e o prolongamento da escolaridade obrigatória, aliadas às oportunidades de mercado de trabalho dos diplomados do ensino superior, apresentam-se como alguns dos principais fatores de crescimento da procura do ensino superior. É neste clima que se assiste neste período a uma “abertura” do ensino superior português. O fator da atribuição de importância do diploma escolar, “enquanto credencial e certificado de competências técnicas e sociais ou simbólicas” (Seixas, 2003, p.64), surge cada vez mais associado ao capital escolar institucionalizado, através do certificado ou diploma. Não obstante este não garantir as mesmas vantagens para todos os detentores, face ao valor social dos que não possuem capital social e capital económico, ele surge como porta de acesso aos mercados de trabalho e por consequência a determinação remuneratória simbólica e económica dos indivíduos, contribuindo para a ascensão da procura social do ensino superior.

Também neste período, e ainda relativamente à obtenção do diploma, observa-se por parte de frações mais ricas (capital económico) e de modo a garantir a posição dos seus “herdeiros” uma maior recorrência à escola, na tentativa de conservar as posições familiares. O diploma não promove por si o acesso à classe dominante, contudo, os alunos de origem burguesa, logo com maior probabilidade de acesso ao ensino superior e aos estabelecimentos do” topo da hierarquia” desempenham um papel relevante para manter as posições familiares. A este respeito, e como refere Sérgio Grácio (1982) o capital económico é facilitador da

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26 abertura a consultórios (médicos e jurídicos), bem como possibilitador de acesso aos melhores lugares (capital das relações sociais), numa tentativa de preservar as posições familiares. Assim, os efeitos integradores residem na posse do diploma que tendencialmente legitima a “transmissão das posições”, justificando que o diploma corresponde ao lugar que é preenchido por quem tem “mérito” e “qualidade” para tal (Grácio, 1982, pp. 488-489). Nesta perspetiva e tendo em conta os fatores enunciados, é possível observar que durante o período compreendido entre os anos 50 e 70 a possibilidade de melhoria, relativamente à posição ocupada no espaço social, foi coerente com a expansão das taxas de escolaridade. O “deslocamento para cima” da estrutura social portuguesa, o crescente aumento das oportunidades educativas e sociais, contribuíram para uma maior procura do ensino superior, incluindo a parte da camada jovem, pois eleva as suas aspirações e representações sociais, arrastando com elas o ascenso da procura da educação de níveis superiores.

Também possível de se observar, e ainda neste período, a tendência para o crescimento da participação e acesso ao ensino superior por parte da população feminina, como assinala Maria Manuel Vieira (1995) “no espaço de uma década consolida-se o alargamento real do «campo dos possíveis» escolares femininos” (Vieira, 1995, p. 321) relacionados em boa parte às mudanças sociais e económicas de Portugal na década de sessenta. As transformações no sistema escolar: estrutura e volume de oferta de ensino; acesso e avaliação, são também fatores demonstrativos para a expansão do ensino superior, bem como a expansão da rede escolar (Seixas, 2003, p.65). É na base de fatores relacionados com a evolução demográfica, com as transformações no sistema escolar e o alargamento da rede que se tornou possível realçar o aumento das taxas de escolarização, tornando todos estes fatores decisórios para a expansão do ensino superior neste período.

Uma das variáveis que se apresenta como fator a realçar quando se aborda a expansão do ensino superior em Portugal, prende-se com a própria política educativa dos anos 70. A incidência no prolongamento e obrigatoriedade escolar, a extinção da divisão quer escolar, quer social, abolida pela fusão dos estabelecimentos de ensino, liceu e escola técnica, veio promover uma maior proximidade entre os jovens de diversas origens sociais, e por consequência uma elevação nas aspirações e expetativas promotoras de uma maior procura do ensino superior. Conjuntamente, a entrada em funcionamento de novas Universidades, escolas superiores (integradas em Institutos Politécnicos) e novos cursos, aumentam a capacidade da

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