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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO

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Academic year: 2019

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MESTRADO EM TEATRO

DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA

COMMEDIA DELL’ARTE

E EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PROCESSO

DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA

COMMEDIA DELL’ARTE E EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica.

Orientadora: Profa. PhD. Beatriz Ângela Vieira Cabral.

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DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA

COMMEDIA DELL’ARTE E EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Teatro, na Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, e aprovada em sua versão final pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 25 de fevereiro de 2011.

Profᵃ. Vera Regina Martins Collaço, Drᵃ. Coordenadora do PPGT

Apresentada à Banca Examinadora, integrada pelas professoras:

Profᵃ. Beatriz Ângela Vieira Cabral, PhD. Universidade do Estado de Santa Catarina

Orientadora

Profᵃ. Vera Lúcia Bertoni dos Santos, Drᵃ. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Membro

Profᵃ. Vera Regina Martins Collaço, Drᵃ. Universidade do Estado de Santa Catarina

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AGRADECIMENTOS

Como não poderia deixar de ser, meus primeiros e sinceros agradecimentos são dedicados às meninas da Trupe da Alegria: Andréia Alzira de Moraes, Márcia Mesquita de Andrade, Márcia Venâncio, Maria Helena Alonso, Maria Sônia de Souza, Maurícia Santos Bezerra, Milena Marchi, Roseli Schütel, Rosetenair Feijó Scharf, Rozana Maiza Vicente, Vanessa Cecconi, Verônica Bergera, Waléria Melo e Zely Mara Duarte, sem as quais esta pesquisa não passaria de um projeto no papel.

Meus agradecimentos também...

A minha orientadora, Beatriz Ângela Vieira Cabral (Biange), pela generosidade e diálogo, pelas valiosas observações, pelas pizzas e encontros nas férias.

Ao apoio da Gerência de Formação da Prefeitura Municipal de Florianópolis, à equipe que tirava as cadeiras da sala, servia um cafezinho e ainda “aturava” o ensaio das músicas toda semana. Agradeço, em especial, à ex-gerente Rosângela Kittel, por tantas tardes de conversa, sempre muito produtivas.

À Diretoria de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de Florianópolis, por contribuir com várias etapas da pesquisa, principalmente por liberar as professoras nos dias de apresentação. Em especial, agradeço à diretora Sônia Cristina Lima Fernandes pela entrevista concedida e por acreditar nessa proposta.

À Rosetenair Feijó Scharf, por estar presente desde o embrião dessa pesquisa, por ser uma grande parceira, amiga, mãe, artista e pela organização logística (das Vans aos parafusos).

Às creches que receberam a Trupe de Alegria com muito carinho.

Às crianças que com seus olhares atentos e curiosos, seus risos e abraços, nos fizeram crescer como artistas, professores e como pessoas.

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Ao Marcelo de Souza (tio Marti) por me ajudar MUITO na confecção das máscaras em couro da Commedia dell‟arte e às tantas outras mãos que me ajudaram, meu obrigado também.

Ao Mauro Mesquita Grault Vianna de Lima pela “mão” na concepção e na costura dos figurinos.

Aos meus pais, Ademir e Nazareth, pelo incentivo e apoio incondicional e pelo cenário da peça que minha mãe fez com tanto carinho.

Aos irmãos Luciane, Lucas e Douglas, que com meus pais formam meu porto seguro.

À Adriana Santos (Drica), minha irmã de coração, por estar sempre ao meu lado nos momentos tristes e alegres, pelos “bafos” e “desabafos” dessa caminhada.

Ao Tobias Nunes (Tobis), por compartilhar comigo tantas angústias dessa jornada acadêmica e humana, pela presença, pela ausência, pelo carinho.

Aos eternos amigos Mariana Coradeli (Prima), Júlia Darela (Roberts), Lara Matos (Larica), Cristiano Damaceno (Cris), Luciana Santos (Luh), Aline Covolo (Meimei) e Bruno Figueiredo (Bruninho) que, quer presentes, quer ausentes, quer por msn ou orkut me fazem seguir em frente.

Às novas amigas, Alessandra Antônio (@li PT) e Fabiula de Aquino (tenho que arrumar um apelido pra você) por “segurarem a barra” comigo nesse fim de ano... E pelas festas, óbvio, e caminhadas, grelhados e saladas.

À Helen Padilha e Andriel Luersen, por terem participado de momentos muito importantes dessa jornada, à vocês, muita luz.

Às observações preciosas da minha banca de qualificação: Vera Collaço, Vera Bertoni e Stefhan Baungärtel. Obrigado por terem aceito o convite!

Às meninas do PPGT, Mila e Sandrinha, que estão sempre dispostas a nos ouvir, nos ajudar, “quebrar uns galhos”...

Aos professores e colegas do PPGT, pelos conhecimentos compartilhados, pelo crescimento conjunto, pelos “pitacos” sempre muito importantes para nossos projetos.

À CAPES pela bolsa que possibilitou terminar meus estudos.

A todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram com este trabalho.

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Entre duendes e fadas, a terra encantada espera por nós,

Abra o seu coração, na mesma canção, em uma só voz,

Entra vem no picadeiro, pintar essa cara com tinta e pó,

Não deixe a criança escondida, esquecida, esquecer que ela é a voz...

Embarque nesse carrossel, onde o mundo faz de conta a terra é quase o céu...

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RESUMO

Este estudo baseia-se na possível contribuição da Commedia dell‟arte para a formação de professores. A partir da investigação dos personagens “tipos” da Commedia, busquei explorar e expandir o repertório corporal e expressivo de 14 professoras da rede de Educação Infantil do município de Florianópolis, capacitando-as a introdução do trabalho teatral com crianças. Para realizar essa investigação, desenvolvi com essas professoras uma oficina que consistia em um processo de apropriação e ressignificação de elementos da Commedia dell‟arte. O resultado dessa oficina foi a criação de um espetáculo apresentado em 08 unidades da Educação Infantil desse município. Uma investigação teórica sobre o papel do professor como ampliador do capital cultural da criança serviu como base para essa prática.

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ABSTRACT

This study draws on the possible contribution of Commedia dell Art for teachers' education. It was based on the investigation of its character's types in order to explore and expand 14 teachers' physical expression as a way to enable them to better introduce small children to theatre work. To carry out this investigation I have engaged these teachers in a workshop based on a process of appropriating and re-signifying the character's types by looking at their body language. The aim was to enlarge and extend the teachers' expressive physical repertory, in order open up alternatives for day-to-day classroom theatre work. The outcome of this workshop was a performance presented at 08 primary schools. A theoretical investigation of the role of the teacher for enlarging children's cultural capital backed this practice.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – O Grupo ... 79

Figura 02 – Expressão Corporal ... 92

Figura 03 – Expressão Corporal ... 92

Figura 04 – Desenho de Apresentação ... 93

Figura 05 – Desenho de Apresentação ... 93

Figura 06 – Desenho de Apresentação ... 94

Figura 07 – Movimento Indireto ... 98

Figura 08 – Exploração do fator Tempo com objetos ... 102

Figura 09 – Exploração do fator Peso com objetos ... 102

Figura 10 – Exploração das Ações Referenciais ... 104

Figura 11 – Explorando o Zanni ... 107

Figura 12 – Explorando o Polichinelo ... 107

Figura 13 – Explorando o Pantaleão ... 108

Figura 14 –Improvisação com os “Tipos” ... 110

Figura 15 –Improvisação com os “Tipos” ... 110

Figura 16 – Polichinelo improvisando com a cadeira ... 114

Figura 17 – Capitão improvisando com a cadeira ... 114

Figura 18 – Enamorada improvisando com a cadeira ... 114

Figura 19 – Ensaio da Coreografia Final ... 117

Figura 20 – Exploração das Máscaras e “Blablação” ... 121

Figura 21 – Máscaras: Zanni, Pantaleão e Capitão ... 122

Figura 22 – Máscaras: Briguela, Doutor, Zanni, Polichinelo e Arlequim ... 122

Figura 23 – Cena do Lanche ... 124

Figura 24 – Cena do Abraço ... 124

(11)

Figura 26 – Montagem do Cenario ... 127

Figura 27 – Testes de Maquiagem ... 127

Figura 28 – Foto para Divulgação ... 127

Figura 29 – Ensaio Geral ... 129

Figura 30 – Trupe da Alegria ... 131

Figura 31 – Estreia ... 135

Figura 32 – Ressignificação do Capitão ... 141

Figura 33 – Ressignificação do Zanni ... 142

Figura 34 – Ressignificação do Pantaleão ... 144

Figura 35 – Ressignificação da Enamorada ... 146

Figura 36 – Ressignificação do Polichinelo ... 147

Figura 37 – Palhaço Pimpão ... 148

Figura 38 – Ressignificação da Enamorada ... 149

Figura 39 – Ressignificação do Briguela ... 150

Figura 40 – O Narrador ... 152

Figura 41 – Palhaço Lelé ... 153

Figura 42 – Ressignificação do Doutor ... 155

Figura 43 – Ressignificação do Arlequim ... 157

Figura 44 – Palhaça Rosinha ... 158

Figura 45 – Ressignificação da Enamorada ... 159

Figura 46 – Ressignificação da Serva ... 161

Figura 47 – Capocomico e outro Zanni ... 162

Figura 48 – Desenho da Mãe e Filha ... 175

Figura 49 – Desenho da Mãe e Filha ... 175

Figura 50 – Mãe e Filha Enamoradas ... 176

Figura 51 – Desenho da Mãe e Filha ... 176

Figura 52 – Desenho da Mãe e Filha ... 176

Figura 53 – Desenho da Criança Especial ... 177

Figura 54 – Desenho da Criança Especial ... 177

Figura 55 – A Criança Especial ... 177

Figura 56 – Desenho do Cenario ... 178

Figura 57 – Desenho do Cenario ... 178

Figura 58 – Desenho do Cenario ... 178

(12)

Figura 60 – Desenho do Colorido ... 179

Figura 61 – Desenho do Colorido ... 179

Figura 62 – Desenho do Colorido ... 179

Figura 63 – As Cores do Espetáculo ... 180

Figura 64 – Desenho dos Palhaços ... 180

Figura 65 – Os Palhaços ... 180

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Experiências com áreas artísticas ... 80

Tabela 02 – Professores que trabalham com teatro ... 81

Tabela 03 – Participação em formação na área teatral ... 81

Tabela 04 – Processo de Formação ... 167

Tabela 05 – Desenvolvimento da Expressividade ... 168

Tabela 06 – Trabalho com o Corpo Neutro ... 169

Tabela 07 – Trabalho com as Ações Referenciais ... 170

Tabela 08 –Investigação dos “Tipos” ... 171

Tabela 09 – Jogos de Improvisação ... 172

(14)

SUMARIO

INTRODUÇÃO ... 15

1 ARTE E TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL ... 21

1.1 Educação Infantil X Teoria bourdieusiana .. ...22

1.1.1 Bourdieu e a Educação .... ...22

1.1.2 Habitus e capital cultural ... 26

1.1.3 Professor da Educação Infantil como ampliador do capital cultural da criança.33 1.2 Do espaço potencial à criação do jogo na criança... ... 38

1.2.1 Jogo e Sociedade, fenômenos transicionais e espaço potencial ... 39

1.2.2 Espaço potencial e jogo Dramático / teatral ... 51

1.3 Arte e Educação ... 61

1.3.1 O ensino de artes na Educação Infantil ... 61

1.3.2 A formação permanente de professores no município de Florianópolis ... 71

2 APROPRIAÇÃO DA COMMEDIA DELL’ARTE NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR ... 78

2.1 Estabelecendo relações ... 79

2.1.1 O grupo ... 79

2.1.2 A Commedia dell‟arte– histórico e apropriações ... 83

2.2 Experimentações ... 90

3 A TRUPE DA ALEGRIA E SUAS REVERBERAÇÕES...132

3.1 Apreciações ... 132

3.1.1 A estreia da Trupe da Alegria ... 132

(15)

3.1.3 A “última” apresentação ... 138

3.1.4 As professoras e seus “tipos” ... 140

3.2 Avaliações ... 164

3.2.1 Pelo olhar das professoras-artistas ... 164

3.2.2 Pelo olhar das crianças ... 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 182

REFERÊNCIAS ... 188

APÊNDICES... 193

Apêndice A: DVD com vídeo e fotos do processo / vídeo da apresentação ... 193

Apêndice B: DVD com entrevistas das professoras participantes ... 194

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INTRODUÇÃO

Na busca pela ressignificação da Commedia dell‟arte no contexto atual, pus-me a explorar, junto a quatorze professoras da rede de Educação Infantil do município de Florianópolis, possíveis aproximações com o que seriam os “tipos” da Commedia dell‟arte, transpondo-os e atualizando-os no contexto da Educação Infantil por meio da construção de um espetáculo, abordando, através de tal espetáculo, questões relacionadas ao universo dos professores e de suas crianças.

Como esses “tipos” poderiam ser transpostos para um espetáculo para crianças? É

uma questão que norteia esse estudo.

Através de cursos de capacitação nas áreas de Expressão Corporal e Teatro de Formas Animadas que realizei com professores de Educação Infantil da rede municipal de Florianópolis nos anos de 2008 e 2009, pude perceber a demanda de tais professores em conhecerem melhor o fazer teatral, pois, por mais que buscassem trabalhar o teatro com suas crianças, faltava-lhes conhecimento e ferramentas para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico estruturado, fato este que justifica a realização dessa investigação no campo da formação de professores.

O objetivo principal desta pesquisa foi propiciar as quatorze professoras de Educação Infantil que participaram do laboratório cênico, uma vivência teatral, buscando perceber o potencial da Commedia dell‟arte para a ampliação do repertorio expressivo de tais professores, assim como, propiciar uma reflexão sobre os modos de se fazer teatro para e com as crianças.

(17)

relações estabelecidas pelos “tipos” da Commedia dell‟arte e pelos personagens dos contos infantis, bem como, por meu desejo em dar continuidade à busca pela exploração do universo da Commedia dell‟arte.

Em meus estudos acadêmicos e práticas artísticas, dediquei-me a estudar os elementos da Commedia dell‟arte. Realizei cursos sobre o tema e desenvolvi, para o meu trabalho de conclusão de graduação em Artes Cênicas, um estudo sobre a Scuola Sperimentale dell‟attore, a qual realiza um projeto de ampliação da capacidade expressiva de portadores de necessidades especiais – Progeto Sciamano –em Pordenone (Itália).

A partir de minha prática como ator e dançarino, tento aliar aos cursos de expressão corporal que ministro, o contato com as máscaras da Commedia dell‟arte, explorando as possibilidades expressivas dos “tipos” da Commedia, assim como o jogo por meio do uso de máscaras e da estrutura de relações de tais “tipos”. Não me considero nenhum exímio conhecedor da Commedia dell‟arte, mas mediante os estudos que realizo, venho me aprofundando nesse universo e pondo-o em diálogo com outras realidades – como é o caso dessa experiência com professoras da Educação Infantil.

Então, além da capacitação de professores – foco principal desta pesquisa – busquei tambémestudar a estrutura de relações existentes entre os personagens da Commedia dell‟arte; repensar as possibilidades de criação a partir dos elementos que estruturavam a citada Commedia; refletir sobre as práticas teatrais realizadas com crianças da Educação Infantil; além de contribuir com a criação de público mediante as apresentações do resultado artístico da pesquisa. Vejo também a possibilidade de contribuir com o desenvolvimento do teatro na área da Educação Infantil gerando possíveis fontes bibliográficas.

(18)

temáticas do universo infantil, para ser apresentado às crianças. Autores como Jean-Pierre Ryngaert, Ingrid Koudela, Maria Lúcia Pupo e Claudia Contin (entre outros) contribuíram para a estruturação das propostas práticas dessa investigação.

Todo o processo foi documentado e fotografado, foram realizadas escritas individuais, protocolos dos encontros, avaliações do processo e das apresentações. Não coube a esta pesquisa realizar experimentos com as crianças ou discutir as transformações que esta prática por ventura trouxe ao trabalho dessas professoras, isso é objeto de estudo para outro momento, após um tempo de maturação das experiências vividas.

Vejo nessa proposta a possibilidade de realizar uma ampliação do olhar das professoras acerca da linguagem do teatro, assim como possibilitar uma experiência cognitiva e emocional a esse professor que, acredito, posteriormente terá maiores condições de proporcionar experiências sensíveis às suas crianças, por meio de um trabalho artístico-pedagógico mais consciente.

Cabe ressaltar que a ênfase do trabalho realizado com as professoras esteve sempre no processo desenvolvido e não no resultado final. As apresentações finais compõem o processo de formação, mas o foco não estava na qualidade teatral e/ou estética do espetáculo, mas na vivência artística dessas professoras. Tenho uma preocupação maior com a dimensão da aprendizagem da linguagem teatral e do fazer teatral pautado em uma atitude dialética com a realidade, possibilitando afetar comportamentos, atitudes, modos de pensar, através de uma atividade estética coletiva que obrigou, por sua própria natureza, a constante troca de conteúdos entre seus participantes.

O trabalho desenvolvido com essas professoras tratou a prática da construção dramática coletiva como elemento fundamental da pesquisa. Sobre este tipo de investigação Beatriz Cabral ressalta,

(19)

Penso que o teatro aplicado à educação possui o papel de mobilizar as capacidades criadoras e aprimorar a relação vital do indivíduo com o mundo contingente. Não se trata de uma proposta de ensinar a esses professores “como” fazer teatro, mas de construir, por meio de experimentações, modos de pôr em contato conteúdos da prática educacional desses professores com os universos teatral e infantil, explorando a percepção de tais professores sobre as possibilidades de fazer teatro, sobre as especificidades dessa linguagem, contribuindo, talvez, com a formação de um olhar diferenciado de suas crianças para a arte teatral e formando futuros espectadores.

Pelo exposto, observo que este estudo tem como instrumento central uma proposta de formação de professores na perspectiva de colaboração e parceria entre pesquisador e professores de Educação Infantil. Este tipo de proposta, segundo Hilda Maria Monteiro Vieira (1996) enfatiza a substituição das relações hierárquicas entre quem faz a pesquisa e quem aplica a pesquisa, por relações de colaboração, na qual ambos (pesquisador e participantes) são colaboradores ativos e sujeitos no ato de construção e transformação do conhecimento, refletindo na ação e sobre a ação, no caso dessa pesquisa, na busca conjunta por explorar os elementos da Commedia dell‟arte no contexto da Educação Infantil, colocando às professoras o papel de agentes experimentadores e criadores.

Acredito que processos como este possam favorecer o desenvolvimento das potencialidades artísticas dos professores de Educação Infantil, ampliando seus conhecimentos sobre o processo de ensino, aprendizagem, formação e fruição artísticas, contribuindo para o desenvolvimento de pesquisas numa perspectiva reflexiva, crítica e colaborativa.

(20)

Paralelamente a esse laboratório prático foi realizada uma investigação teórica acerca de questões que acredito dialogarem diretamente com a ideia do projeto de formação. Os referenciais utilizados no primeiro capítulo serão apresentados para uma visualização geral das temáticas abordadas e da linha de pensamento que conduz esta reflexão sobre o fazer teatral com professores da Educação Infantil.

Dada a realidade social e cultural das crianças – principalmente aquelas que frequentam creches públicas, em geral advindas das classes menos favorecidas – vejo o professor da Educação Infantil como responsável por inserir a crianças no universo cultural, por ampliar o capital cultural dessa criança.

No início do primeiro capítulo deste texto, trago uma reflexão acerca das diferenças de capital cultural que possuem as distintas classes que compõem a nossa sociedade, para tanto, busco as teorias de Pierre Bourdieu (1930 – 2002) acerca da diferenciação de classes e dos diferentes capitais culturais existentes. Trago também à discussão, o quanto as instituições são responsáveis por manter disfarçadamente as distinções existentes em tal sociedade e reproduzi-las dentro de seu terreno – a escola é, pois, uma dessas instituições.

O professor é visto como o mediador entre o conhecimento da criança (advindo da família) e os possíveis conteúdos que poderão ser postos em contato com tal criança, ampliando seu repertório. É ele também que poderá identificar e questionar o habitus de classe, o qual determina quais conteúdos serão ensinados a tais membros de determinada classe social, além das posturas assumidas pelos professores e estudantes diante do conhecimento.

Observada a responsabilidade do professor em fornecer elementos para a ampliação cultural das crianças e visualizando o espaço da sala de aula como um ambiente propício para o desenvolvimento de experiências artístico-teatrais, busco, em um segundo momento, traçar uma linha de reflexão que parte da compreensão do jogo como manifestação arquetípica da humanidade, embasando essa visão nos escritos de Johan Huizinga (1872 – 1945).

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professor em estimular o desenvolvimento desse espaço potencial, de fornecer às crianças experiências sensíveis que possam ter significado naquele momento específico de seu desenvolvimento cognitivo e gerar uma necessidade futura de permanecerem em contato com o universo artístico.

Ainda nessa parte, busco aproximar o conceito de espaço potencial à teoria teatral, uma vez que, Jean-Pierre Ryngaert aproveita-se de tal conceito para discutir o espaço do jogo (teatral) na formação de atores, não-atores, professores, crianças, etc. Autores como Ingrid Koudela, Maria Lúcia Pupo, Vera Bertoni dos Santos e Ricardo Japiassu servirão também de ponte entre as discussões do jogo teatral e do fazer teatral com a Educação Infantil.

Na finalização desse primeiro capítulo, busco discutir a formação inicial do professor de Educação Infantil, a formação continuada (complementar ou em serviço) proposta pela Prefeitura de Florianópolis e o modo com a arte é vista e incentivada por essa instituição, aliando tais questões à observação dos Parâmetros Curriculares propostos pelo Governo Federal para a Educação Infantil e das Diretrizes Educacionais / Pedagógicas para a Educação Infantil do município de Florianópolis.

Ressalto que o interesse pela prática teatral com a Educação Infantil possui o intuito de estimular o professor a vivenciar o fazer artístico para poder recuperar, junto à criança nos primeiros níveis de aprendizagem, o sentimento ancestral de magia e encantamento que a arte apresentou na constituição da noção de humanidade, para que ao adquirir a experiência teatral, a criança possa vivenciar, ainda que de maneira fantasiosa, o mundo que a rodeia, ou quem sabe tornar-se uma espectadora assídua ou uma artista.

Para finalizar esta introdução, desejo observar o que a estudiosa Béatrice Picon-Vallin relata acerca da Commedia dell‟arte, citação que serve de estímulo para o desenvolvimento dessa pesquisa:

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1 ARTE E TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Busco, neste primeiro capítulo, refletir sobre a função do professor de Educação Infantil enquanto profissional capaz de ampliar o capital cultural da criança, bem como, da função da escola1 enquanto instituição promotora de experiências de produção e fruição artísticas. Dado que a distância entre a família e a escola está cada vez maior e aquela, muitas vezes, não toma para si sua parcela de responsabilidade no desenvolvimento social, educacional e cultural de seus filhos.

Para conduzir esta reflexão, tomo como referências principais os escritos de Pierre Bourdieu (1930 – 2002) acerca dos conceitos de capital cultural e habitus de classe, assim como os escritos de Donald Winnicott (1896 - 1971) sobre a existência de um espaço potencial de criação e subjetivação a ser desenvolvido na criança. Acredito que a reflexão sobre a contemporaneidade da obra desses dois autores, ao abordarem questões relativas à educação, no caso de Bourdieu, e ao brincar, no de Winnicott, é de suma importância para a compreensão do papel do professor de Educação Infantil na inserção da criança no universo da arte, assim como na compreensão dos processos de desenvolvimento de sua ludicidade.

A partir da obra de Winnicott, tecerei relações entre as noções de espaço potencial e jogo, assim como o faz o estudioso contemporâneo Jean-Pierre Ryngaert, e aproximarei tais relações dos estudos sobre teatro para crianças e da formação de professores da Educação Infantil para o trabalho teatral.

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1.1 Educação Infantil X Teoria bourdieusiana

1.1.1 Bourdieu e a Educação

Ainda que a escola tenha condições de tornar-se um ambiente democrático, um ambiente que possa contribuir para a ampliação do saber sem distinção de classe, para o despertar das crianças ao universo do conhecimento e, mais especificamente, para um contato profícuo com as artes, tanto do ponto de vista da fruição, quanto da produção e compreensão artísticas, vejo a escola como um ambiente no qual as desigualdades são exaltadas, onde as diferenças de conhecimento advindas do seio familiar são tratadas como diferenças de dom ou falta de empenho ou de inteligência.

Ainda que Bourdieu tenha se dedicado a pesquisar aspectos sociológicos relativos ao sistema educacional francês do final do século XX, vejo em seus estudos e escritos discussões e conceitos que podem ser apropriados nesta pesquisa, que retratam um panorama atual da educação que dialoga com a realidade educacional brasileira.

Escolhi, como referência principal para o desenvolvimento desta reflexão, os escritos de Bourdieu acerca das desigualdades de acesso aos conteúdos escolares, bem como, das ações desenvolvidas pelos sistemas educacionais que, pela escolha dos conteúdos a serem aplicados, por seus métodos de “transmissão de

conhecimentos” e seus critérios de avaliação, contribuem com a afirmação das

desigualdades sociais e com a diferenciação de classe2. Nesse sentido, acredito que

haja ressonância de sua teoria no universo escolar brasileiro, sobretudo no âmbito da escola pública. Como referência secundária, tomarei os trabalhos de Cláudio Marques Nogueira e Maria Alice Nogueira sobre a obra de Bourdieu. Segundo esses autores:

2

(24)

Até meados do século XX, predominava, nas Ciências Sociais e mesmo no senso comum, uma visão extremamente otimista, de inspiração funcionalista, que atribuía à escolarização papel central no duplo processo de superação do atraso econômico, do autoritarismo e dos privilégios adscritos, associados às sociedades tradicionais, e de construção de uma sociedade justa (meritocrática), moderna (centrada na razão e nos conhecimentos científicos) e democrática (fundamentada na autonomia individual) (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 12).

Esta visão otimista sobre a educação compreende a escola como uma instituição neutra, capaz de resolver os problemas de acesso dos cidadãos ao conhecimento: aqueles que, por dons naturais, tivessem destaque dentro desse sistema, alcançariam posições superiores na hierarquia social, dentro de um panorama de igualdade de oportunidades. Essa não é uma verdade, até porque não existe igualdade de oportunidades na sociedade, assim como a escalada pela hierarquia social não é dada somente pela existência de dons naturais ou melhores desempenhos escolares.

Émile Durkheim (1958 – 1917), sociólogo fundador da escola francesa de sociologia sob o qual Bourdieu se apoiou na construção de sua teoria, acreditava que o processo educacional emergia através da família, igreja, escola e comunidade. Essas instituições, segundo o autor, preparariam o homem para a vida em sociedade, uma vez que, tal sujeito era visto como um ser naturalmente egoísta, que, quando não educado para a vida social, só conseguiria ver suas necessidades. Para Durkheim, a criança só poderia conhecer o dever através de seus pais e mestres;

[...] os conteúdos sociais são independentes das vontades individuais, são as normas e os valores desenvolvidos por uma sociedade em determinados momentos históricos, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza própria (DURKHEIM, 1975, p. 47).

(25)

posição psicologista), que busque aliar o conhecimento formal ao conhecimento informal, à vida, às práticas cotidianas. Segundo Vera Bertoni dos Santos, “na perspectiva de Durkheim, a ação educativa deve preparar para o esforço e para a dificuldade que a vida futura reserva à criança” (SANTOS, 2004, p. 107).

Santos retrata que, de acordo com Jean Piaget3, “a pedagogia de Durkheim

resulta, por falta de informação suficiente em sociologia infantil, numa simples

defesa do método da autoridade” (SANTOS, 2004, p. 106). A consequencia disso,

segundo a autora, é que a pedagogia de Durkheim atesta uma “doutrina da

autoridade” que não considera a existência das sociedades infantis.

Na visão de Durkheim, o sistema educacional buscará padronizar esse

“cidadão”, que deixará de ser visto como indivíduo e passará a ser visto como

pequena parcela do coletivo. A educação, em conjunto com a moral, a arte, a religião, as ciências, as línguas, entre outros, constituem o que Durkheim conceitua

como “sistemas simbólicos”, bases estruturantes, elementos que organizam o

conhecimento e a percepção dos cidadãos para a realidade que os cerca.

É importante observar que, ainda que tais sistemas busquem perpetuar concepções de mundo e produzir um cidadão padrão, a educação não pode ser analisada como um processo desvinculado da história da sociedade, uma vez que, as mudanças sociais alteram os valores e os conteúdos a serem transmitidos ao sujeito em processo de socialização. Dado este fato, Durkheim enfatiza o vínculo entre a educação e a história da sociedade ao afirmar que:

[...] longe de a educação ter por objetivo único e principal o indivíduo e seus interesses, ela é antes de tudo o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência. A sociedade só pode viver se dentre seus membros existe uma suficiente homogeneidade. A educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando desde cedo na alma da criança as semelhanças essenciais que a vida coletiva supõe (DURKHEIM, 1975, p. 52).

3

Epistemólogo suíço, considerado o maior expoente do estudo do desenvolvimento cognitivo. Estudou inicialmente Biologia e posteriormente se dedicou à área de Psicologia, Epistemologia e Educação.

(26)

Influenciado pelo modelo de Durkheim, Bourdieu é um dos primeiros sociólogos a analisar a educação contemporânea formulando uma resposta original, abrangente e, fundamentada, tanto no nível teórico quanto empírico, ao problema das desigualdades escolares; ainda que tal resposta não deva ser analisada como uma teoria fechada e completa, fato este alertado pelo próprio autor.

Analisando o processo de constituição das ideias de Bourdieu, percebo que para o estruturalismo (pensamento de Bourdieu na primeira fase de sua produção, década de 1960) os sujeitos são uma espécie de marionetes das estruturas dominantes e a escola é vista como a instituição reprodutora e legitimadora das

desigualdades e privilégios sociais, na qual, “[...] o desempenho escolar não

dependia, tão simplesmente, dos dons individuais, mas da origem social dos alunos (classe, etnia, sexo, local de moradia, entre outros)” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 17).

Em 1964, Bourdieu e Jean-Claude Passeron publicam o livro Os Herdeiros no qual afirmam, dentre outras ideias, que a instituição escolar dissimula, por trás de sua aparente neutralidade, a reprodução das relações sociais e de poder vigentes e, segundo os autores, não há qualquer possibilidade de se romper com as estruturas de reprodução, uma vez que as teorias pedagógicas procuram ocultar o poder reprodutor do sistema, o qual está nas mãos dos educadores.

Com o livro A Reprodução, publicado em 1970, os autores de Os Herdeiros introduzem alguns conceitos importantes à compreensão de todo o pensamento de

Bourdieu. Para os autores, toda “ação pedagógica” é uma “violência simbólica”, uma

imposição arbitrária que é apresentada àquele que sofre a violência de modo dissimulado, ocultando as forças que estão na base de seu poder, um poder

arbitrário que possui um determinado “arbitrário cultural”, uma concepção cultural da

elite, que é considerada como naturalmente e objetivamente superior às demais, que é imposta a toda sociedade por meio do sistema de ensino.

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mesmos tidos como “padrões”, recusando manifestações populares, causando na criança um “choque cultural”.

Dado o exposto acima, acredito que qualquer processo formativo que vise o desenvolvimento e a aquisição de códigos que compõem uma determinada linguagem, artística ou não, deveria visar para além da reprodução de elementos tomados como convencionais, visar o diálogo de tais elementos com a experiência subjetiva dos participantes.

1.1.2 Habitus e capital cultural

Utilizando-se de seu poder oculto, a escola passa a exercer sua função de reprodutora das desigualdades sociais. “Tratando, formalmente, de modo igual, em direitos e deveres, quem é diferente, a escola privilegiaria, dissimuladamente, quem, por sua bagagem familiar, já é privilegiado” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 86). Na medida em que o educando interioriza os princípios culturais que lhe são impostos pelo sistema de ensino – de tal modo que, mesmo depois de terminada sua fase de formação escolar, ele os tenha incorporado aos seus próprios valores e seja capaz de reproduzi-los na vida e transmiti-los aos outros – Bourdieu diz que ele adquire um habitus.

Para Bourdieu, habitus pode ser definido como:

Sistema de disposições duráveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como matriz, apreciações e ações, e torna possível a realização de tarefas suficientemente diferenciadas, graças à transferência analógica de esquemas que permitem resolver problemas da mesma forma, e, graças a correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidos por estes resultados (BOURDIEU, 1983, p. 65).

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subjetiva do mundo social, entre a estrutura e a prática, “[...] o habitus é uma subjetividade socializada” (BOURDIEU apud SETTON, 2002, p. 63).

[...] cada sujeito, em função de sua posição nas estruturas sociais, vivenciaria uma série característica de experiências que estruturariam internamente sua subjetividade, constituindo uma

espécie de “matriz de percepções e apreciações” que orientaria,

estruturaria, suas ações em todas as situações subsequentes [...] (NOGUEIRA; NOGUEIRA 2006, p. 28).

Bourdieu postula que as ações do sujeito social possuem um sentido subjetivo que muitas vezes não é compreendido pelo mesmo, uma vez que, segundo o autor, o sujeito age como membro de uma classe mesmo quando não possui consciência clara de sua posição, exerce o poder e a dominação, ou deixa ser dominado, quer economicamente, quer simbolicamente, de modo frequente e não intencional. As ações simbólicas expressariam sempre uma posição social segundo uma lógica que é a mesma da estrutura social: a lógica da distinção.

Dentre as instituições que reproduzem o sistema social, Bourdieu assinala a família como a maior responsável pela inserção do indivíduo num determinado patamar cultural, uma vez que ela socializa a criança antes desta entrar na escola, e, quando isso ocorre, tal criança já possui um patrimonio cultural, uma “herança” de valores, crenças, conhecimento de obras artísticas e literárias, habilidades para falar em público, postura corporal, em suma, possui (ou não) um universo social que identifica como seu e com o qual consegue se relacionar com maior facilidade. Para se referir a essa “herança” familiar, Bourdieu cria o conceito de “capital cultural”.

Entretanto, dado o contexto atual da Educação Infantil, crianças com poucos meses de idade são postas nas creches, em geral, permanecendo cerca de 12 horas nesse ambiente, o qual será uma fonte diversa, daquela familiar, na constituição de seu capital cultural. Um capital híbrido, formado pela família, ambiente escolar, capital das outras crianças e, sobretudo, pelo capital depositado pelo professor que estiver em contato com essa criança a maior parte do tempo.

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escola reproduzirá os diferentes capitais culturais das classes sociais, e consequentemente, reproduzirá as próprias classes sociais dentro do ambiente escolar. O fracasso ou sucesso da criança na escola dependerá da distância de sua herança cultural em relação à cultura preconizada pela escola.

Bourdieu ratifica a idéia anteriormente exposta,

[...] em todos os domínios da cultura, teatro, música, pintura, jazz, cinema, os conhecimentos dos estudantes são tão mais ricos e extensos quanto mais elevada é sua origem social. Mas é particularmente notável que a diferença entre os estudantes oriundos de meios diferentes seja tanto mais marcada quanto mais se afasta dos domínios diretamente controlados pela escola. (BOURDIEU, 1998, p. 45).

É curioso perceber o que Bourdieu assinala acerca da imposição do arbitrário cultural. O autor afirma que tanto os membros da classe alta quanto os membros das classes menos favorecidas desconhecem esse caráter arbitrário. Os primeiros, desde a infância, são socializados na cultura da elite e consequentemente tais valores são tidos como naturais, pois são internalizados sem reflexão e sem esforço. “[...] É o nível cultural global do grupo familiar que mantém a relação mais estreita com o êxito escolar da criança” (BOURDIEU, 1998, p. 42).

Há de haver um equilíbrio entre os conteúdos tidos como importantes pela elite – uma vez que, de fato, muitos desses conhecimentos e posturas são importantes para o desenvolvimento social e intelectual dos estudantes – com os conteúdos advindos do universo cultural dos estudantes de classes populares. É necessário buscar-se o entrelaçamento de conhecimentos, trabalhando-se com zonas de aproximação do conhecimento advindo da cultura familiar e com os conhecimentos tidos como importantes. Os conteúdos escolares poderiam buscar esse equilíbrio para que a formação escolar tivesse significado e importância para os estudantes.

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arraigado), pode servir de mediador nesse processo de incorporação, contribuindo na escolha de que valores possam ser internalizados por tais sujeitos, possibilitando a ampliação do capital cultural da criança.

Traçando um paralelo entre o campo artístico e a Educação Infantil, acredito que o professor engajado no desenvolvimento estético, artístico e cultural de suas crianças, pode ampliar-lhes os horizontes da prática e fruição artísticas, orientando-os e conduzindo-orientando-os à internalização de uma necessidade de contato permanente com às artes, fazendo com que o prazer estético, proporcionado pelo conhecer, pelo fazer e pelo fruir artísticos, seja uma necessidade incorporada à sua natureza.

Visto que, para Bourdieu, as experiências primitivas do indivíduo pesam sobre as experiências ulteriores, e, a realidade social da classe brasileira, considerada baixa, tem mostrado cada vez mais o desinteresse (ou falta de tempo e de recursos) das famílias em acompanhar, contribuir e mesmo investir no desenvolvimento educacional, cultural e social dos seus filhos, penso que a Educação Infantil possa, não substituir a educação dos pais, mas, minimizar as diferença de acesso aos bens culturais que suas crianças terão em comparação com as crianças das classes mais elevadas.

Dada a realidade social brasileira, as crianças passam a maior parte do seu tempo na escola. Segundo Sônia Cristina Lima Fernandes4, diretora da Educação Infantil do município de Florianópolis, a Diretoria de Educação Infantil atende diretamente 10.500 crianças, sendo que dessas, 70% em período integral (12h contínuas), e mais 2.440 de forma indireta, através de convênios com ONGs e outras entidades, dessas, quase 100% em período integral.

Como se pode observar, a maior parte dessas crianças, desde o berçário ou maternal5, são socializadas no ambiente da creche, em contato com outras crianças

advindas de outras estruturas familiares (semelhantes ou não). Há, consequentemente, a diminuição da influência dos hábitos familiares na constituição desse indivíduo social, aumentando a parcela de responsabilidade da unidade educativa nesse processo, cabendo ao professor fornecer vivências, sobretudo teatrais e corporais – dada a ótica da presente pesquisa que presa por tal conhecimento – ampliando o capital cultural das crianças.

4Dados informados em entrevista a mim concedida no dia 10/09/2010.

5Berçario é o espaço existentes em algumas unidades de Educação Infantil destinado a crianças de 0

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Isso não significa subordiná-las a qualquer tipo de teatro, ou mesmo a ouvir qualquer tipo de música, ou a assistir filmes puramente comerciais, mas sim, que no âmbito da Educação Infantil, os professores estejam preocupados com a formação estética de suas crianças, interessados em colocá-las em contato com produções voltadas para suas idades e seus interesses, produções realizadas com qualidade artística e fundamentação pedagógica.

Sobre o termo “capital cultural”, cunhado por Bourdieu, cabe uma maior compreensão. Nogueira comenta que há nesse termo uma analogia a conceitos econômicos, que pode ser facilmente percebida da seguinte forma: os indivíduos que possuem maior “capital cultural” seja ele objetivado (propriedade de objetos culturais como livros, obras de arte, etc.); incorporado (posturas corporais, habilidades linguísticas, conhecimentos, preferências, hábitos relacionados à cultura das classes superiores, etc.) ou institucionalizado (certificados escolares, títulos acadêmicos), possuem, consequentemente, um maior “valor agregado” seja no mercado de trabalho, no mercado matrimonial6 ou no sistema escolar. “[...] Do ponto de vista de Bourdieu, o capital cultural constitui (sobretudo, na sua forma incorporada) o elemento da herança familiar que teria o maior impacto na definição do destino escolar” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 60).

As vantagens ou desvantagens sociais de acesso a determinados conteúdos, sejam artísticos, históricos ou mesmo de desenvolvimento corporal, que a criança encontra no seu cotidiano, são aos poucos convertidas em vantagens e desvantagens escolares, uma vez que, escolhas precoces, feitas pelos pais acerca de quais conteúdos serão postos à disposição das crianças, comprometerão as oportunidades de tais crianças de atingirem determinado grau de ensino com êxito; assim como de possuírem (ou não) uma relação profícua com as manifestações artísticas a ponto de sentirem (ou não) necessidade de estar em com contato com o universo artístico.

Pergunto-me então: como se conceberá uma sociedade crítica e sensível se a arte não for inserida no cotidiano do homem desde sua infância, sobretudo no âmbito da Educação Infantil? Como a arte será necessária e se tornará uma necessidade se não for concebida como essencial na formação escolar e humana?

6

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A quem interessa a formação de cidadãos com as mesmas possibilidades de acesso a arte e a reflexão crítica por ela incitada?

Bourdieu ressalta no seu livro A Distinção (1979) que há uma forte relação entre a questão da necessidade e a valorização dos bens culturais:

Os membros das classes populares valorizariam os bens materiais ou simbólicos vistos como úteis, práticos ou funcionais e rejeitariam tudo o que parece supérfluo, teórico ou abstrato. Os membros das classes dominantes, por sua vez, valorizariam os bens supérfluos, sem utilidade prática, puramente estéticos, ou seja, tudo o que atesta um distanciamento em relação ao mundo concreto e às necessidades materiais (BOURDIEU, 2008, p. 44).

Neste ponto, há de se fazer também uma analogia com a realidade social brasileira. As dificuldades econômicas encontradas por muitas famílias que sobrevivem com um salário mínimo, que necessitam sustentar um grande número de filhos, tendem a ater-se à aquisição de bens materiais mínimos e necessários à sua existência. Os bens culturais de elite7, que os aproximariam de um modelo de cidadão culto, estão, em certa medida, longe de seu acesso, custam um valor que muitos não podem pagar, ou que outros consideram como desperdício.

Ações conjuntas entre governo e escola podem aproximar a criança e até mesmo o adulto do universo das artes, por meio do incentivo ao acesso aos bens culturais de forma gratuita ou com baixos custos. Não cabe a esta pesquisa uma discussão acerca de políticas públicas de incentivo à cultura e à fruição de bens culturais, mas ratifico a necessidade e a importância de tais ações na redução das distâncias entre os universos culturais das classes altas, médias e baixas existentes no universo brasileiro.

A decisão de investir ou não na aquisição de determinado capital, não é nem aleatória, nem plenamente consciente. Cada grupo social, em função de sua posição social e de um conhecimento prático sobre o que é possível ou não de ser alcançado pelos membros de sua classe, dentro de sua realidade social, opta por

7Quando me refiro aos bens culturais de elite, tento retratar uma elite intelectual que tem acesso a

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investir em ações que possam lhes ser mais seguras e rentáveis. Essas opções feitas pelos grupos, aos poucos, compõem também o habitus de tal grupo.

Bourdieu distingue três conjuntos de disposições e estratégias de investimento escolar que seriam adotados pelas classes popular, média e elite. As classes populares caracterizam-se pelo pequeno volume de patrimônio, possuem um estilo de vida marcado pelas pressões materiais e pelas urgências temporais, vivem sob o princípio da “escolha do necessário”. “A estatística intuitiva das derrotas

ou dos êxitos parciais das crianças do seu meio” (BOURDIEU, 1998, p. 47) levam os

membros dessa classe a perceberem que as chances de sucesso escolar são reduzidas para elas.

Os retornos de investimentos feitos na área de educação ocorrem a longo prazo, principalmente nos casos em que o indivíduo não possui um grande capital

social (“conhecidos”, amigos, pessoas influentes, etc.) que possam facilmente

inseri-lo no mercado de trabalho, ou não possui disponibilidade de investir nos melhores cursos, de estudar uma língua estrangeira, ou ainda, não possui um capital cultural introjetado.

Os pais de classes populares não têm como suportar a demora nos retornos dos investimentos em educação, Bourdieu ressalta que suas expectativas são de inserir seus filhos o mais brevemente no mercado de trabalho, com um nível de escolaridade básico, que, em geral, já seria superior aos seus, entretanto, “[...] o desejo razoável de ascensão através da escola não pode existir enquanto as chances objetivas de êxito forem ínfimas [...]” (BOURDIEU, 1998, p. 48).

A classe média tem como busca (e necessidade) a ascensão social e, no que compete às estratégias educativas, tendem a fazer grandes investimentos de forma sistemática na educação de seus filhos. São famílias que possuem uma expectativa de retorno superior às classes populares e possuem um capital econômico superior àquelas, que lhes permite investir nesse “mercado”. Essa classe necessita abdicar de prazeres imediatos em benefício da espera por um retorno futuro, adotando posturas que Bourdieu nomeia de ascetismo (renúncia aos prazeres imediatos), malthusianismo (controle da fecundidade) e boa vontade cultural (reconhecimento

da “cultura legítima” e esforço para adquiri-la).

A elite possui, para Bourdieu, um habitus que orienta suas ações: o princípio

da “distinção”. Investem em educação de forma diletante e descontraída – postura

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nesse meio é tido como natural e que não depende de grande mobilização familiar, pois a ascensão social não lhes é necessária, uma vez que já ocupam as posições superiores da sociedade.

1.1.3 Professor da Educação Infantil como ampliador do capital cultural da criança

Aproximações, afastamentos, esforços ou recusas a determinados conteúdos, também ocorrem no universo da educação artística. A arte possui códigos, estruturas, conceitos, que só podem ser compreendidas por meio da construção dos signos de cada linguagem, em muitos casos, não ocorrida no universo familiar.

Fazendo uma analogia entre a compreensão artística e a leitura, numa apropriação das palavras de Jean-Marie Goulemot, o qual afirma que “qualquer leitura é uma leitura comparativa, contato do livro com outros livros [...] ler será, portanto, fazer emergir a biblioteca vivida, quer dizer, a memória de leituras

anteriores e dados culturais” (GOULEMOT, 2001, p. 112 e 113) concluo, portanto,

que uma criança só poderá se apropriar dos conteúdos de determinada manifestação artística se possuir os códigos específicos para lê-la.

Saindo do universo da literatura e pensando mais especificamente no universo do teatro, somente a aquisição de códigos, de referências, o contato com espetáculos de teatro e a compreensão de sua estrutura, fará com que o espectador

(seja ele uma criança ou um adulto) consiga “ler” outros espetáculos, comparar

“leituras” e criar sentido para o que vê.

[...] diversos modos de narrativa coabitam no mesmo espaço cultural e social. A posse dos códigos que os regem permite a leitura. [...] Essa acumulação se constitui no próprio movimento histórico e cultural, mas em um momento dado, em uma sociedade definida, permite, segundo sua riqueza ou pobreza, a hierarquização cultural. O grau de cultura compara-se à polivalência dos códigos narrativos, podendo ser colocado em jogo no ato de ler (GOULEMOT, 2001, p. 113 e 114).

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contato com a educação teatral, do repertório de códigos, da compreensão da estrutura do jogo e da cena. Esse conhecimento adquirido estará presente em cada

nova experiência de fazer ou fruir, “[...] todo o saber anterior – saber fixado,

institucionalizado, saber móvel, vestígios e migalhas – trabalha o texto oferecido à decifração. [...] A Biblioteca cultural serve tanto para escrever quanto para ler” (GOULEMOT, 2001, p. 115).

A cultura à qual se está exposto, estabelece a formação do olhar do indivíduo para a interpretação das situações, manifestações e relações que ocorrem ao seu redor. Conteúdos, signos, códigos são acentuados, questionados ou reproduzidos de acordo com a cultura vigente, que nunca está isolada, ela pertence a uma construção que é ao mesmo tempo cultural e social.

Uma vez que a criação artística esta imbuída de ideologias, valores, visões, dos diversos grupos e classes da sociedade, a obra resultante representa ou discute essa realidade e talvez outras realidades possíveis. A arte pode ser um meio de questionar os padrões impostos pela sociedade, desde que o professor esteja consciente da maneira como lida com esse universo, buscando a não reprodução de hábitos, de maneiras de fazer teatro (por exemplo); desde que o professor esteja aberto ao diálogo com as realidades com as quais está trabalhando e se interesse em compreender os códigos específicos da prática que está realizando.

Retomando algumas idéias de Bourdieu, percebo a necessidade do professor e da escola de ampliarem o capital cultural de seus estudantes:

[...] somente uma instituição cuja função específica fosse transmitir ao maior número possível de pessoas, pelo aprendizado e pelo

exercício, as atitudes que fazem o homem “culto”, poderia

compensar (pelo menos parcialmente) as desvantagens daqueles que não encontram em seu meio familiar a incitação à prática cultural (BOURDIEU, 1998, p. 61).

Bourdieu afirma ainda que é necessário

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Os sistemas simbólicos sustentados pela sociedade e pela escola, ao traduzirem simbolicamente e de forma irreconhecível as hierarquias sociais, contribuem para legitimar e justificar tais hierarquias. As diferenças de poder passam a ser percebidas apenas como diferenças de conhecimento, de inteligência, de competência, de estilo, ou, simplesmente, de cultura.

É, pois, uma das funções da escola, buscar reconhecer e quebrar as estruturas de dominação e a diferenciação de classe no acesso ao conhecimento. Afastar-se da idéia de “dom natural” e de “níveis de inteligência” como premissas para o desenvolvimento intelectual e artístico das crianças.

Para tanto, faz-se necessária uma série de mudanças na estrutura educacional, eixos de ensino que reconheçam as diferenças de capital cultural e trabalhem com as mesmas, que aproximem o conhecimento escolar do cotidiano. Num sentido mais poético, o sistema de ensino deveria iniciar um trabalho de

“escuta”, de “abertura” a novas propostas. Não acredito que seja fácil tal

reestruturação, mas a mesma tem de ser posta em discussão de forma consciente e democrática.

Observando as palavras de Nogueira e Nogueira acerca da tomada de consciência de como se dá o processo educacional tem-se que:

[...] ao sublinhar que a cultura escolar está intimamente associada à cultura dominante, a teoria de Bourdieu abre caminho para uma análise crítica do currículo, dos métodos pedagógicos e da avaliação escolar (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006. p. 94).

Sérgio Farias afirma que, ainda que as escolas sejam aparelhos ideológicos, elas “[...] podem se configurar como pólo cultural, certamente com suas contradições, presentes em toda organização social. [...] elas se constituem numa rede pronta para a efetivação de políticas culturais de dinamização e fruição da

criação artística” (FARIAS, 2008, p. 27). E complementa,

[...] ainda é na escola pública que a população menos contemplada com os bens econômicos, materiais e culturais pode encontrar referências significativas. Isso não exclui a necessidade de sempre buscar-se aperfeiçoamento organizacional e curricular. A inclusão da arte é sem dúvida um dos fatores importantes nesse aperfeiçoamento (FARIAS, 2008, p. 27).

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Ressalto que, no início de sua carreira, Bourdieu anteviu uma possível solução para os alunos socialmente desfavorecidos, um processo denominado “racionalização da pedagogia”, que acreditou ser utópico com o passar do tempo e não voltou a escrever sobre o assunto, tal processo pode ser definido da seguinte maneira:

[...] uma pedagogia racional e universal, que, partindo do zero e não considerando como dado o que apenas alguns herdaram, se obrigaria em tudo em favor de todos e se organizaria metodicamente em referência ao fim explícito de dar a todos os meios de adquirir aquilo que não é dado, sob a aparência do dom natural, senão às crianças das classes privilegiadas (BOURDIEU apud NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 101).

Acredito que não seja utópico pensar em uma pedagogia que busque equilibrar os conhecimentos dos sujeitos com os conhecimentos “universais”, criar zonas de aproximação das realidades socialmente distintas, sobretudo em universos menores como o da Educação Infantil. Vejo que é uma ação de que tem de ser implementada na base do desenvolvimento do ser, na sua infância, pois, aos poucos, o processo iniciado em tal base poderá se perpetuar nos estágios educacionais seguintes.

As ideias de Bourdieu tornam-se contemporâneas na medida em que são percebidas as novas configurações que se formam acerca da constituição de sujeitos com múltiplas referências (família, escola, mídia, etc.). Segundo Maria da Graça Setton, os sujeitos estão hoje subordinados a “[...] instâncias socializadoras que coexistem numa relação tensa de interdependência” (SETTON, 2002, p. 68). Surge, para autora, um conceito de habitus como produto das relações dialéticas entre uma exterioridade e uma interioridade, derivada das múltiplas relações entre os indivíduos e as várias referências encontradas na sociedade.

Bourdieu retrata possibilidades existentes do rompimento de certos habitus, como por exemplo, se um indivíduo é posto em outro campo8. Uma mudança de

país ou um contato profundo com uma nova cultura, exige uma adaptação de seu

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habitus a esse novo campo. “Os ajustamentos que são incessantemente impostos pelas necessidades de adaptação às situações novas e imprevistas podem determinar transformações duráveis do habitus” (BOURDIEU, 1983, p. 106).

Penso, portanto, que as cristalizações encontradas no sistema de ensino podem ser alteradas desde que se busque um olhar distanciado e atento aos conteúdos, às “maneiras de fazer”, aos pré-conceitos relativos aos conteúdos advindos do seio familiar, às formas de “avaliar” e conceber a formação do cidadão, principalmente de um cidadão sensível às produções e manifestações artísticas. E o professor de Educação Infantil pode ser um agente que busque reconhecer essa diferenciação de classe e de conteúdos e gerar ações que ampliem o capital cultural de suas crianças.

Vejo como necessário refletir sobre o modo como o ensino de artes pode estimular a imaginação das crianças e construir um conhecimento sensível e sólido que tais crianças utilizem nas suas vidas posteriormente, ainda que exerçam as mais diferentes profissões.

No que diz respeito ao universo escolar, acredito que parte dos conhecimentos trabalhados pela escola são epistemologicamente importantes e faz-se necessário o estudos dos mesmos, não faz-sendo, pois, todos esfaz-ses conteúdos apenas afirmadores da dominação cultural.

Acredito, ainda, ser necessária uma discussão profunda e profícua sobre os conteúdos trabalhos pela escola, bem como, uma escolha consciente de tais conteúdos por professores observadores da realidade social, que busquem um diálogo entre o conhecimento teórico e a realidade concreta.

E em um âmbito mais específico, que é o da Educação Infantil, no qual o indivíduo está em processo de assimilação de um determinado habitus ainda não formado e formatado, o campo ou meio de interação constituído pelo professor, pelo auxiliar de ensino, pela estrutura organizacional da unidade educativa, bem como pelos órgãos maiores que regem o pensamento da instituição (diretorias de ensino, secretarias de educação, gerências, etc.), influenciarão de forma definitiva a formação do olhar e a maneira pela qual a criança irá se relacionar com a escola e com a cultura.

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[...] pensar o habitus do indivíduo moderno sendo forjado pela interação de distintos ambientes, em uma configuração longe de oferecer padrões de conduta fechados [...] abre-se espaço para se pensar a constituição da identidade social do indivíduo moderno a partir de um habitus híbrido, construído não apenas como expressão de um sentido prático incorporado e posto em prática de maneira

“automática”, mas uma memória em ação e construção (SETTON, 2002, p. 66).

Ao perceber a sociedade e o indivíduo em constante relação e sujeitos a constantes transformações, vejo a possibilidade de abertura para novas experiências estéticas que possam ampliar os capitais culturais, elevar as expectativas escolares, instruir, construir conhecimentos advindos das mais diversas fontes e múltiplas manifestações culturais de nosso povo, dentre elas, o teatro, como manifestação lúdica e espaço de experimentação dos potenciais criativos, tanto do adulto quanto da criança.

1.2 Do espaço potencial à criação do jogo na criança

A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. [...] A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar às suas capacidades. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social.

Aprende-se a brincar. [...] A criança pequena é iniciada na brincadeira por pessoas que cuidam dela [...]. Gilles Brougère9

Para refletir sobre a importância do desenvolvimento lúdico da criança, colocada nesta reflexão como uma das principais funções atribuídas ao professor de Educação Infantil, traçarei uma linha de pensamento que parte da visão do jogo como manifestação arquetípica, ressaltada por Johan Huizinga (1872 – 1945), chegando aos conceitos de objeto transicional e espaço potencial formulados por Donald Winnicott (1896 – 1971), para se compreender o lugar do brincar e da experiência cultural na vida da criança e do futuro adulto. Debruçar-me-ei com mais profundidade na teoria winnicottiana, uma vez que, encontro grande ressonância da

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teoria desse autor com o objetivo fim deste trabalho, dado que penso o professor de Educação Infantil como estimulador da ampliação desse espaço potencial existente na criança.

Finalizarei esta parte da escrita utilizando-me da visão de Jean-Pierre Ryngaert, que aproveitando a noção de espaço potencial proposta por Winnicott, põe o jogo como um elemento formador de um novo homem e uma nova sociedade. Autores como Ingrid Koudela, Maria Lúcia Pupo, Vera Bertoni dos Santos, Gilles Brougère, Ricardo Japiassu e Luciana Ostetto também servirão de apoio para a discussão do conceito de jogo, das possibilidades de transposição desse conceito ao universo da Educação Infantil e da formação de professores ao trabalho teatral.

Vejo o educador como essa pessoa-chave para mediar os caminhos da criança no mundo simbólico da cultura. E neste caminhar, traçado essencialmente no percurso da experiência – que é entrega, troca, disposição em se colocar no lugar do outro para compreendê-lo, reconhecê-lo e apoiar suas buscas e escolhas –, o professor movimenta-se por universos criadores e universos criados – na ciência e na arte, uma e outra, marcas do humano (OSTETTO, 2010, p. 73).

1.2.1 Jogo e sociedade, fenômenos transicionais e espaço potencial

O ser humano joga desde sempre, como afirma Huizinga (2007). O jogo é liberdade e invenção, no qual fantasia e disciplina atuam dialeticamente. O objetivo de Huizinga de estudar o jogo como forma específica de atividade, como “forma significante”, como “função social”, procura considerar o jogo a partir do que fazem os próprios jogadores, ou seja, nas suas significações mais originais e naquilo que se manifesta no jogador.

Gilles Brougère afirma que “[...] os jogos não são puras expressões de

princípios lúdicos, mas [...] são cada vez mais a representação de um aspecto da vida social, pelo menos quando não se referem a um universo imaginário” (BROUGÈRE, 1995, p. 12).

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percebe que o jogo tem tendência a assumir acentuados elementos de beleza, uma vez que a vivacidade e a graça estão originalmente unidas às formas mais elementares do jogo e, neste, a beleza do corpo em movimento atinge seu ponto culminante.

Huizinga conceitua jogo da seguinte maneira:

[...] é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana (HUIZINGA, 2007, p. 33).

Huizinga vê o jogo como elemento da cultura humana, aliás, ele propõe que o jogo é anterior à cultura, visto que essa pressupõe a existência da sociedade

humana, enquanto os jogos são praticados mesmo por animais; “[...] a existência do

jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização ou a qualquer concepção do universo” (HUIZINGA, 2007, p.32).

Esse autor destaca certas características essenciais do jogo, descritas da seguinte forma:

[...] uma atividade livre, conscientemente tomada como „não-séria‟ e

exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo certa ordem e certas regras (HUIZINGA, 2007, p. 16).

Pensando sobre as características levantas por Huizinga, faço algumas reflexões. No que diz respeito à primeira delas “uma atividade livre”, pensando que o jogo é próprio da liberdade e da inventividade, o jogo não deveria ser imposto pela necessidade física ou pela obrigação moral, assim como, não ser constituído de tarefa, ele está ligado a noções de obrigação e dever somente quando é constituído por uma função cultural reconhecida (jogos competitivos, por exemplo).

Imagem

Figura 1  –  O Grupo 24
Tabela 1  –  Experiências com áreas artísticas
Figura 2  –  Expressão Corporal                        Figura 3  –  Expressão Corporal
Figura 4  –  Desenho de Apresentação
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Referências

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