“A história da mulher é a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais forte sobre o mais fraco.”1
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA 2ª VARA ESPECIALIZADA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ – MT.
Processo nº XXXX/XXXX GEAP nº xxxxx-xxx/xxxx Código Apolo nº xxxxxx
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, pela Promotora de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais e nos termos da legislação vigente, vem apresentar ALEGAÇÕES FINAIS, o que o faz nos seguintes termos:
I – DOS FATOS
O réu XXXXXXXXXXXXXXXXX, foi denunciado porque no dia
01/12/2009, por volta das 10 horas, na residência localizada na Rua L, quadra
56, casa 13, bairro Parque Atalaia, nesta capital, por ter, em tese, praticado a conduta descrita no art. 213, §1º, do Código Penal, em face de sua enteada XXXXXXXXXXXXXXXXXX
(14 anos).
Denota-se da denúncia, que o denunciado convive há dez anos em união estável com XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, a qual é mãe da vítima.
No dia dos fatos, por volta das 9 horas e 30 minutos, XXXXXXXXXXX saiu de casa e imediatamente o denunciado foi até o quarto da vítima e subiu em cima dela, mandando-a ficar calada e retirou o shorts que ela usava. Em seguida tampou sua boca para evitar que gritasse.
No entanto, XXXXXXXXX retornou para sua residência e não viu ninguém na sala, na cozinha ou no quarto do casal, razão pela qual foi ao quarto de sua filha e viu o denunciado vestido de short em cima da vítima que estava com o short abaixado até o joelho e as pernas fechadas, travadas, impedindo que ele ficasse entre elas.
Ato contínuo, XXXXXXXXXXXX grudou no denunciado, deu dois tapas no rosto dele, sendo que ele ficou de joelhos e declarou ser esta a primeira vez que tentou estuprar a vítima, dizendo estar arrependido do que fez.
Após o denunciado pegou o carro e fugiu para Santo Antônio de Leverger/MT, ocasião em que foi detido pelos policiais militares do núcleo de policiamento daquele município e conduzido ao CISC Sul, sendo preso em flagrante.
Segundo consta, quando a vítima tinha 09 anos (ano de 2004) e a família morava em uma chácara em Santo Antônio, durante cerca de seis meses, o denunciado aproveitavasse dos momentos em que ficava a sós com ela e acariciava seu corpo.
A exordial acusatória foi devidamente recebida, conforme decisão de fl. 77, sendo o réu regularmente citado e intimado e após apresentou defesa prévia às fls. 78/79.
Em audiência de instrução e julgamento, houve a retificação por erro material do nome do acusado na parte conclusiva da denúncia, onde consta XXXXXXXXXXX, leia-se: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. O réu foi interrogado em Juízo, bem como ouvida a vítima e as testemunhas, conforme consta no CD acostado aos respectivos autos.
Por fim, foi declarada encerrada a instrução, abrindo-se vistas às partes para apresentarem suas Alegações Finais.
É o relato do necessário.
II- DAS PROVAS DA
AUTORIA E DA MATERIALIDADE
O delito de estupro por se tratar de crime comissivo (satisfaz-se com o simples agir), e portanto, nem sempre deixa vestígios, sendo praticado geralmente à revelia de qualquer testemunha, assim a palavra da vítima, aliadas às circunstâncias do crime, são provas convincentes da existência de materialidade e autoria do crime.
O inquérito policial foi instaurado para apurar a prática do delito imputado ao réu, e teve seu trâmite sem vício algum, e foi encerrado com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público (fls. 02/04).
A vítima declara na fase inquisitorial (fls. 16/17) que:
quarto deitada na cama, quando sua genitora ali chegou e disse que ia até a casa da mãe dela, a qual reside ao lado da casa da declarante; Que o conduzido estava sentado no sofá da sala, assistindo televisão; Que informa a declarante que assim que sua genitora saiu, o conduzido foi até seu quarto, sentou-se na cama e disse-lhe: “sua mãe saiu, levanta!; Que a declarante continuou deitada; Que o conduzido saiu por alguns instantes e logo retornou, tendo sentado novamente na cama da declarante, ocasião em que disse: “ levanta, sua mãe não está em casa”, ao que a declarante disse que já sabia e virou-se na cama; Que o conduzido subiu em
cima da declarante e mandou que ficasse quieta, ato contínuo o mesmo tirou o short que a declarante usava; Que depois ele tampou a boca da declarante para evitar que a mesma gritasse; Que nesse momento a mãe da declarante entrou no quarto, oportunidade em que foi em direção do conduzido e o retirou de cima da declarante; Que o conduzido começou a pedir perdão, depois disse que iria se matar.
(…) Que a declarante relata que quando tinha nove anos de idade, residia em uma chácara com sua genitora e o conduzido;Que nessa ocasião, por várias vezes, sua mãe tinha que fazer serviços de limpeza na chácara e a declarante ficava sozinha em casa com o conduzido, o qual aproveitava a oportunidade e passava as
mãos por todo o corpo da declarante; Que tal fato perdurou por cerca de seis meses; Que a declarante ficou por muito tempo com medo do conduzido, em razão deste dizer que mataria sua genitora se a declarante contasse o que acontecia, porém, certo dia a declarante decidiu contar para sua
madrinha o que conduzido fazia com ela”. (grifei)
A mãe da vítima e convivente do denunciado (fls.14/15), perante a autoridade policial, assim respondeu:
(…) “Que chegou em sua casa normalmente, abrindo o portão que faz barulho, entrando dentro de casa com a porta já aberta; Que não vendo ninguém na sala e nem em seu quarto, foi até a cozinha,
onde não encontrou ninguém, e em seguida se dirigiu ao quarto da vítima, que não tem porta, viu que “o XXXXXX estava de short deitado sobre a cama. XXXXXXXXXXX estava com o short arriado até o joelho e com pernas fechadas, travadas, impedindo que XXXXXX ficasse com elas”. Que nesse instante a declarante “grudou” em XXXXXXXXXXX e lhe deu dois tapas na cara, sendo que XXXXXXXXXXX ficou de joelhos e disse que “ era a primeira vez que estava fazendo aquilo e que não sabia o porque fez” . Que a declarante
mandou que a vítima chamasse a avó e passou a falar com
XXXXXXXXXXX sobre o que ele estava fazendo, dizendo aquele que
estava arrependido; Que XXXXXXXXXXX pediu perdão também para a mãe da declarante, XXXXXXXXXXX, citando o que tinha feito contra a vítima.
(…) Que hoje XXXXXXXXXXX disse para a declarante que era
assediada e ameaçada a permitir que fosse estuprada, assim mesmo resistia aos ataques e que a ameaça também era de matar a declarante caso XXXXXXXXXXX lhe contasse o que estava acontecendo”.
(grifei)
Ao ser interrogado em Juízo, o acusado nega a imputação que lhe é feita, sendo que é seu direito negá-la, tendo em vista que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Sobre o tema colaciono entendimento do insigne Rogério Greco, em sua Obra Código Penal Comentado, 4º edição, Editora Impetus, página 580, “in verbis”:
“ A lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, caminhando de
acordo com as reinvindicações doutrinárias, unificou, no art. 213 do Código Penal, as figuras do estupro e do atentado violento ao pudor, evitando-se, dessa forma, inúmeras controvérsias relativas à esses tipos penais, a exemplo do que ocorria com relação à
possibilidade de continuidade delitiva, uma vez que a jurisprudência de nossos Tribunais, principalmente os superiores, não era segura. A nova
lei optou pela rubrica estupro, que diz respeito ao fato de ter o agente constrangido alguém a ter conjunção carnal, mediante
violência ou grave ameaça, ou a praticar ou com ele permitir que se pratique outro ato libidinoso. Ao que parece, o legislador se
rendeu ao fato de que a mídia, bem como a população em geral, usualmente denominava de “estupro” o que, na vigência da legislação anterior, seria concebido por atentado violento ao pudor, a exemplo do fato de um homem ser violentado sexualmente. Agora, como veremos mais adiante, não importa se o sujeito passivo é do sexo feminino, ou mesmo do sexo masculino que, se houver o constrangimento com a finalidade prevista no tipo penal do art. 213 do diploma repressivo, estaremos diante do crime de estupro”. (grifei)
Nesses crimes sexuais, o que impera é a “lei do silêncio”, ou seja, é a situação quando a mulher foi abusada sexualmente e é obrigada a se calar, por medo das ameaças feitas pelo abusador.
Os crimes contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, geralmente são cometidos à revelia de qualquer testemunha. Assim, a palavra da vítima, aliadas às circunstâncias do crime, são provas convincentes da existência de materialidade e autoria, ensejando, assim, condenação.
Nesse sentido:
“Nos crimes contra os costumes a palavra da vítima surge como
coeficiente probatório de ampla valoração, ainda mais se corroborado pelos demais elementos dos autos”. In TJSP, RT
666/295.(grifo nosso)
“APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL –
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – VIOLÊNCIA INDUTIVA – VÍTIMA – DEPOIMENTO ACOLHIDO E CONSIDERADO COMO EXPRESSÃO DA VERDADE – FATO OCORRENTE ÀS OCULTAS
– CONCREÇÃO – HIGIDEZ PROBATÓRIA – CREDIBILIDADE – VERDADE REAL – APELAÇÃO IMPROVIDA. Os autores dos delicta carnis os efetivam ordinariamente às ocultas (clam vobis).
Inobstante a vítima, embora contando com oito anos na data do fato, expressou-se com nitidez e coerência sobre a sua
submissão a atos libidinosos diversos da conjunção carnal de
modo a inadmitir qualquer possibilidade favorável ao apelante, e por isso mesmo também sob o ponto de vista do magistério jurisprudencial, assume credibilidade inafastável e apta a gerar o decreto condenatório (v.g. RJTJESP 131/479).” (TJ/MT – Dr. Rui Ramos Ribeiro – 1ª Ccrim – RAC 14804/04 – DJ 25-5-04). (grifei)
Vejamos o entendimento da doutrina:
As demandas femininas em se tratando de crimes sexuais são frequentemente submetidas ao crivo da suspeita, do constrangimento e da humilhação durante as fases de investigação e jurisdicionalização do conflito. (A vitimização feminina no crime de estupro: o viés sexual da violência de gênero. Danielle Martins da Silva in Violência Doméstica – Vulnerabilidades e Desafios na Intervenção Criminal e Multidisciplinar. Lumen Juris Editora. RJ: 2009). (grifei)
A autoria e a materialidade do delito em tela é incontroverso, visto que as declarações da vítima e das testemunhas na fase inquisitória foram corroboradas pelas suas declarações em Juízo, e encontram-se coerentes com o contexto fático.
III – DO PEDIDO
Demonstrada a materialidade e a autoria do delito imputado ao réu, requeiro a condenação do réu XXXXXXXXXXX, nas penas dos artigos 213, §1º, do Código Penal, respeitando os ditames da Lei nº 11.340/2006, aplicando-lhe a reprimenda necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Outrossim, constato que o processo foi numerado até às fls. 84, não constando numeração das páginas seguintes, razão pela qual pugno para que sejam numeradas.
Cuiabá-MT, 19 de fevereiro de 2.010.