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A intervenção federal no estado do Rio de Janeiro sob à óptica do direito penal do inimigo

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MATHEUS PEREIRA DOS PASSOS

A INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SOB À ÓPTICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Araranguá 2018

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A INTERVENÇAO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SOB À ÓPTICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Geraldo Paes Pessoa, MS.

Araranguá 2018

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MATHEUS PEREIRA DOS PASSOS

A INTERVENÇAO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SOB À ÓPTICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 19 de junho de 2018.

______________________________________________________ Professor e orientador Geraldo Paes Pessoa, MS.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Diego Archer De Haro, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Marcos Monteiro da Silva, MS.

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AGRADECIMENTOS

Um período de muitas renúncias, muito trabalho, muita pesquisa e, por que não superação, em contrapartida muito prazeroso com o conhecimento adquirido e o resultado obtido. Eis o que foi para mim a época de confecção de um trabalho de conclusão de curso. Cinco anos resumidos em um pouco mais de 50 páginas, as quais canalizam na escolha do tema e no desenrolar do trabalho os rumos que serão seguidos pelo profissional. A forma de escrever, de expor as ideias dizem muito sobre nós. Há quem reclame dos desafios enfrentados, eu agradeço.

Agradeço primeiramente à Deus, pelo dom da vida, por ter saúde, por levantar todos os dias com vontade de vencer e tornar-me alguém melhor, em todos os sentidos. Segundamente aos meus pais, os quais sempre supriram minhas necessidades, sem nunca exigirem nada em troca, aos quais frisaram a importância dos estudos e que o conhecimento é o máximo degrau para subir as escadas da vida com honestidade. Agradeço aos mestres, desde os primeiros do ensino fundamental até os últimos da graduação, com toda certeza tornei-me alguém melhor, intelectualmente e como ser humano.

Em especial, deixo minha gratidão ao orientador do presente trabalho, Mestre Geraldo Paes Pessoa. Ainda que tacitamente desafiou-me, elevou o patamar de pesquisa do estudo e com muita sabedoria, tranquilidade e generosidade guiou-me no caminho árduo, porém prazeroso, percorrido até o findar do presente estudo.

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“Esse povo que a cidade chama de fora da lei, vive com dignidade sem levar vida de rei” (Fundo de Quintal).

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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo central realizar uma análise dos aspectos da intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, a partir da teoria do Direito Penal do inimigo, com o objetivo de verificar se há características da teoria na intervenção, comparando índices de criminalidade de outros estados brasileiros com os números do estado do Rio de Janeiro. Num primeiro momento, a expansão do Direito Penal é abordada, principalmente o rompimento da matéria penal com seus aspectos clássicos, havendo um afastamento do princípio da intervenção mínima, migrando da ultima ratio para prima ratio. Posteriormente aborda-se a globalização e a consolidação das sociedades de risco, estabelecendo um ambiente favorável para a disseminação do punitivismo, consequentemente do Direito Penal do inimigo. Este é exposto no capítulo seguinte, abordando suas bases filosóficas, seus aspectos dogmáticos e as principais críticas realizadas pela doutrina sobre o tema. Conseguinte, o procedimento de uma intervenção federal é demonstrado. Por derradeiro, analisa-se o Decreto Nº 9.288 de 2018, processo interventivo do Governo Federal na Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, concluindo-se que a medida interventiva contém características do Direito Penal do inimigo, revelando caráter de um Direito Penal simbólico e violador de direitos e garantias de alguns cidadãos, estigmatizados como inimigos. A escolha do tema justifica-se em razão de sua atualidade para a sociedade brasileira e para a dogmática jurídico penal. Para a elaboração do trabalho utilizou-se o método de abordagem dedutivo; procedimento estatístico, monográfico e histórico; com técnica de pesquisa teórica bibliográfica.

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ABSTRACT

The present work has central scope to analyze the aspects of federal intervention in the State of Rio de Janeiro, from theory of the Criminal Law of the enemy, with the objective of verifying if there are characteristics of the theory in the intervention, comparing crime rates of other Brazilian states with the numbers of the state of Rio de Janeiro. At first, the expansion of Criminal Law is approached, mainly the disruption of criminal matters with its classic aspects, with a departure from the principle of minimum intervention, migrating from the last ratio to the prime ratio. Subsequently, the globalization and consolidation of risk societies is approached, establishing a favorable environment for the dissemination of punitivism, consequently of the Criminal Law of the enemy. This is explained in the following chapter, addressing its philosophical bases, its dogmatic aspects and the main criticisms made by the doctrine on the subject. Consequently, procedure of a federal intervention is demonstrated. Finally, we analyze Decree No. 9,288 of 2018, an intervention process of the Federal Government in the Public Security Department of the state of Rio de Janeiro, concluding that the intervention measure contains characteristics of the Criminal Law of the enemy, revealing the character of a Law Penal symbolic and violator of rights and guarantees of some citizens, stigmatized as enemies. The choice of theme is justified because of its relevance to Brazilian society and to criminal legal dogmatic. For the elaboration of the work the method of deductive approach was used; statistical, monographic and historical procedure; with theoretical bibliographical research technique.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Ranking dos estados federativos, taxa de mortes violentas (por 100 mil habitantes) no ano de 2016. ... 55 Tabela 2 – Medo, risco e vitimização na cidade do Rio de Janeiro em 2018... 60 Tabela 3 – Ranking dos estados federativos, crimes de tráfico de Drogas por 100 mil habitantes no de 2016. ... 61 Tabela 4 – Ranking dos estados federativos, mortes decorrentes de intervenções policiais por 100 mil habitantes no ano de 2016. ... 62 Tabela 5 – Ranking da violência nos três primeiros meses de intervenção federal ... 63

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1 INTRODUÇÃO... 10

2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORÂNEOS ACERCA DO DIREITO PENAL ... 12

2.1 EXPANSÃO DO DIREITO PENAL... 12

2.1.1 A crise do Direito Penal clássico e o princípio da intervenção mínima ... 13

2.1.2 Globalização e a desigualdade social ... 15

2.2 CONSOLIDAÇÃO DAS SOCIEDADES DE RISCO ... 20

2.3 VELOCIDADES DO DIREITO PENAL ... 25

2.3.1 A primeira e a segunda velocidade do Direito Penal ... 27

2.3.2 A terceira velocidade do Direito Penal: o Direito Penal do inimigo ... 29

3 DIREITO PENAL DO INIMIGO ... 32

3.1 BASES FILOSÓFICAS E HISTÓRICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO ... 33

3.2 O FUNCIONALISMO PENAL ... 35

3.2.1 O funcionalismo radical ou sistêmico de Gunther Jakobs ... 38

3.3 A DICOTOMIA CIDADÃO X INIMIGO ... 41

3.4 ALGUMAS CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO ... 45

4 INTERVENÇÃO FEDERAL ... 49

4.1 REQUISITOS PARA INTERVENÇÃO FEDERAL ... 49

4.2 PROCEDIMENTO ... 50

4.2.1 Iniciativa ... 51

4.2.2 Procedimento de Decreto Interventivo ... 52

4.2.2.1 Nomeação de interventor ... 53

4.2.3 Controle político ... 54

4.2.4 O sobrestar da intervenção federal... 54

4.3 DECRETO Nº 9.288, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2018 ... 55

5 A INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SOB À ÓPTICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO ... 59

5.1 MEDO SUBJETIVO X MEDO OBJETIVO ... 60

5.2 PRIMEIROS EFEITOS DA INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ... 62

6 CONCLUSÃO ... 65

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1 INTRODUÇÃO

A teoria do Direito Penal do inimigo, também denominada funcionalismo sistêmico, apesar de criticada pela doutrina penal moderna, vem ganhando espaço nos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo. Indaga-se sobre a possibilidade e a admissibilidade da teoria no ambiente do Estado Democrático de Direito, tutelador da dignidade da pessoa humana. Demonstrar-se-á algumas características desta celeuma, trazendo à baila a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, verificando-se a incidência de características do Direito Penal do inimigo na intervenção.

O tema do trabalho assume relevância, haja vista tratar de dois temas atuais, um na dogmática penal moderna, debatido pela doutrina, e outro na sociedade brasileira atual, que é a intervenção federal, a qual tem divergido quanto à sua finalidade e seus métodos de atuação, podendo revelar-se uma medida político/publicitária.

Num primeiro momento serátraçado um panorama da expansão do Direito Penal, o qual rompe com seus aspectos clássicos e ideais minimalistas, muito em decorrência da globalização. O mundo globalizado em muito diverge da sociedade do período iluminista, berço do Direito Penal clássico. As relações de consumo, emprego e interações sociais tendem a aumentar as disparidades entre as classes existentes na sociedade, conforme afirma Shecaira (2014, p. 28) “globalização e exclusão são faces da mesma moeda.” Neste ambiente desigual, a estigmatização de um inimigo tende a aflorar, surge, então, um discurso midiático, utilizado também de forma política, o recrudescimento do Direito Penal. Esses fatores fomentam uma nova sociedade, a sociedade de risco, caracterizada pelo medo e a insegurança da população. Estes sentimentos canalizam anseios punitivistas e vingativos, ao passo que as pessoas cobram dos governantes medidas de recrudescimento penal para que se sintam mais seguras e os políticos apoderam-se do discurso punitivista para “saciar” a vontade do povo. Nessa ambiência de riscos exacerbados e expansão punitivista emerge o Direito Penal do inimigo. Seria este um reflexo da expansão do Direito Penal?

Será apresentada a teoria das velocidades do Direito Penal, que aborda a expansão da matéria e a sua readequação aos fenômenos da sociedade moderna, Sánchez organizou a matéria penal em três velocidades distintas.

A teoria do Direito Penal do inimigo é abordada, em uma primeira etapa, por suas bases filosóficas, utilizadas por Jakobs para fundamentar sua teoria. Após, é trazida à baila os aspectos teóricos e a classificação doutrinária, demonstrando o que seria o funcionalismo sistêmico e a importância da expectativa de cumprimento da norma. Ulteriormente trata-se da

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dicotomia realizada por Jakobs, um Direito Penal para pessoas e outro para inimigos, estes vistos como não pessoas. Inimigo é aquele que não apresenta a expectativa de cumprimento normativo, devendo ser combatido pelo Estado.

Ainda sobre o Direito Penal do inimigo, algumas críticas que a doutrina realiza sobre o mote serão apresentadas, principalmente os aspectos que remetem à um direito penal de autor e aqueles que ferem à dignidade da pessoa humana, indubitavelmente ocorre uma incompatibilidade com o Estado democrático de Direito.

O instituto da intervenção federal será apresentado em termos gerais, destacando seus aspectos procedimentais e objetivos.

Em definitivo, como escopo principal do estudo e problema de pesquisa, realizar-se-á análise do Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018. O qual instituiu a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, nutrida pelo objetivo de pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no território. Porém, esse grave comprometimento da ordem pública sustenta-se por critérios objetivos? Estariam presentes características da teoria do Direito Penal do Inimigo na Intervenção realizada?

Utilizou-se o método de abordagem dedutivo, do modo em que os entornos gerais dos estudos de expansão do Direito Penal e do Direito Penal do inimigo conectam-se com a esfera da intervenção federal, escopo do presente trabalho. As ações instrumentais de pesquisa, métodos de procedimento, condizem com as seguintes metodologias: estatística; na qual dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania possibilitaram a validade científica para fomentar uma análise dos acontecimentos anteriores e posteriores à intervenção; monográfico, ao qual se analisa os temas das sociedades de risco e do Direito Penal do inimigo; e histórico, observando a expansão do Direito Penal, trazendo as diferenças do período clássico para a sociedade globalizada.

A técnica de pesquisa aplicada foi a teórica com análise de conteúdo, convergindo alguns dados estatísticos com o ambiente da intervenção federal, e, principalmente, realizando-se interpretação de estudos bibliográficos e em bases de dados institucionais disponíveis na Internet, além do estudo da legislação e de notícias de jornais.

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2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORÂNEOS ACERCA DO DIREITO PENAL

2.1 EXPANSÃO DO DIREITO PENAL

Em sua acepção vigente, especialmente no ambiente do Estado democrático, o Direito Penal deveria ser conduzido pelo princípio da intervenção mínima, preocupando-se com a tutela dos valores estritamente necessários para convivência social.

Nesta monta, Bitencourt (2010, p. 36) afirma que o Direito Penal deve se preocupar com a guarda dos bens jurídicos fundamentais, salientando o autor que este é o entendimento predominante na doutrina brasileira.

Também nesta linha de pensamento, Jesus (2010, p. 46) diz que o “Direito Penal visa proteger os bens jurídicos mais importantes, intervindo somente nos casos de lesão de bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade.”

Essa função fragmentária deriva do Direito Penal tradicional, também conhecido por clássico, o qual teve formação entre a segunda metade do séc. XVIII e a primeira do séc. XIX, período de forte influência iluminista. Dentre os principais autores desta época podemos citar os seguintes: Beccaria; Montesquieu; Condorcet; Pufendorf; Thomasius; Bentham; Lardizábal; Carrara, etc. A pedra de toque do Direito Penal clássico é a preservação dos direitos e garantias fundamentais versus as intervenções punitivas do Estado, visando, ainda, a redução da violência, do despotismo e da arbitrariedade. (GOMES; YACOBUCCI, 2005, p. 17)

Batista (2005, p. 84) procura estabelecer uma ponte entre o Direito Penal clássico e a acepção atual da matéria, sob uma óptica da intervenção mínima. Segundo o autor, o princípio da intervenção mínima emergiu em resposta ao sistema penal, até então medieval, que existia na época. O movimento liberal do Direito Penal foi conduzido pela burguesia, já cansada das arbitrariedades estatais. Montesquieu e Beccaria foram dois dos principais expoentes deste momento histórico, defendendo a humanização do Direito Penal e que não deveriam ser tipificadas condutas desnecessárias, somente aquelas mais graves para a sociedade. Esses ideais ajudaram a moldar a visão que temos do princípio da intervenção mínima hodiernamente.

Nas últimas décadas vivencia-se uma sociedade em constantes transformações, as quais, indubitavelmente, interferem no horizonte do Direito Penal. Este começou a abarcar novas matérias, empreendendo contra tipos antes não criminalizados, muito disto se deve ao

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fenômeno da globalização econômica, corroborando as mudanças em matéria penal, conforme explicita Sánchez (2013),

[...] o Direito Penal da globalização econômica e da integração supranacional será um Direito já crescentemente unificado, mas também menos garantista, no qual se flexibilizarão as regras de imputação e se relativizarão as garantias político-criminais, substantivas e processuais. Nesse ponto, destarte, o Direito Penal da globalização não fará mais que acentuar a tendência que já se percebe nas legislações nacionais, de modo especial nas últimas leis em matéria de luta contra a criminalidade econômica, a criminalidade organizada e a corrupção (p.97-98). A globalização influi no horizonte do Direito Penal, podendo ser definida nas afirmações de Souza (2007, p. 26), o qual aduz que a globalização é uma conjuntura de proporções globais, ultrapassando as barreiras entre as nações, multinacionalizando as empresas. Ocorre uma intensa circulação de tecnologias, capitais, bens, serviços, culturas e informações, resultando no comprometimento do exercício do poder estatal. Esses fatores criaram um ambiente novo para o Direito Penal, muito em decorrência da consolidação do poder econômico e grandes influências das multinacionais nos Estados. O rompimento das barreiras nacionais resultou na frustração dos mecanismos tradicionais, voltados para a prevenção e repressão do criminoso individual.

2.1.1 A crise do Direito Penal clássico e o princípio da intervenção mínima

A sociedade não é a mesma desde à época do Direito Penal clássico, berço do princípio da intervenção mínima. O presente trabalho não tem por escopo esvaziar o aludido tema, porém é importante entender seu real sentido e forma como é aplicado no ambiente do Direito Penal moderno.

Batista (2005, p. 84) afirma que o princípio da intervenção mínima se divide em dois aspectos: a fragmentariedade e a subsidiariedade.

A fragmentariedade no Direito Penal afirma que a matéria deve tipificar somente condutas que lesionem bem jurídicos importantes, sendo vedada a criminalização de condutas aceitas pela sociedade. O Direito Penal não deve se preocupar com qualquer tipo de ação cometida pelo homem, somente aquelas com alto grau de reprovabilidade. É o que diz Bitencourt (p. 45, 2010), afirmando que o Direito Penal não tutela todos os bens jurídicos, castigando apenas as ações mais graves, que resultem em lesão aos bens jurídicos mais importantes. Por não amparar todos os bens jurídicos, apenas uma parte deles, corrobora-se que o Direito Penal tem caráter fragmentário.

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O segundo aspecto do princípio da intervenção mínima é a subsidiariedade. Esta está intimamente ligada ao ideal de ultima ratio do Direito Penal, ou seja, “só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.” (JESUS, 2010, p. 52)

Batista (2005, 86-87) afirma que a subsidiariedade no Direito Penal nos remete à matéria como remédio sancionador extremo, devendo ser aplicado somente quando os outros meios protetores dos bens jurídicos se mostram ineficazes. Não é plausível aplicar um recurso mais grave quando há outro meio mais suave para se obter o resultado. A situação pode ser exemplificada com a situação de uma infração contratual, a qual deve ser repreendida pelo Direito Civil. A matéria penal não deve criminalizar esse tipo de situação, haja vista haver meio mais adequado e menos grave para restabelecer a ordem jurídica. Bitencourt afirma,

[...] antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social, e somente quando tais meios se mostrarem insuficientes à tutela de determinado bem jurídico justificar-se-á a utilização daquele meio repressivo de controle social (2010, p. 44).

Esses fatores realçam a importância do Direito Penal e o cuidado para o uso indevido de sua aplicação, haja vista ser considerado medida extrema, devendo ser aplicado somente quando outro meio não se revelar mais adequado.

Contudo, diante das mutações do mundo globalizado, o Direito Penal começa a migrar da ultima ratio para prima ratio, não respeitando o princípio da intervenção mínima em sua acepção clássica. Pós Segunda Guerra mundial começou a ocorrer um processo de hipertrofia jurídica, muito em resposta aos anseios sociais e a necessidade extrema da população de tutelar os bens jurídicos, conforme afirma Gomes e Yacobucci (2005),

[...] o moderno direito penal (que ainda hoje se acha em contínuo processo de transformações e já vai se modelando consoante os contornos da era da globalização) rompe, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial, com essa tradição (clássica e liberal) na medida em que a “consuma”, leia-se, na medida em que leva ao extremo a pretensão de tutela de bens jurídicos, acabando por colocar dentro do direito penal muita coisa que ele não encontra solução adequada, levando até suas últimas conseqüências [sic] a premissa da proteção dos bens jurídicos, assim como a idéia [sic] de prevenção, ou ainda quando a inverte radicalmente para transformar o direito penal de última em prima ratio, particularmente para a “solução” dos mais agudos e, com freqüência [sic], irresolúveis problemas sociais (no campo da ecologia, da genética, da economia, das finanças etc.).

No moderno, hipertrofiado e instrumentalizado direito penal, sobretudo agora sob a égide da era informacional, comunicacional e globalizada, consolida-se e acentua-se (preocupantemente) uma série de transformações e agressões aos princípios fundamentais da justiça penal como o da intervenção mínima (fragmentariedade e subsidiariedade), legalidade, culpabilidade, necessidade, proteção preponderante de bens individuais, danosidade real da conduta (ofensividade) etc (p. 22-23, grifo dos autores).

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Bitencourt (2010, p. 44) explana a questão da hipertrofia legislativa, afirmando que a intervenção mínima surgiu em decorrência do Iluminismo e dos movimentos liberais frente à repressão estatal, porém, a partir da segunda década do século XIX ocorreu uma expansão desenfreada das leis penais incriminadoras. Os legisladores hodiernos romperam com o princípio da intervenção mínima, exagerando na criminalização e na penalização. Isso resultou no descrédito do Direito Penal e, consequentemente, na sanção criminal, a qual perde força diante da hipertrofia legislativa que impera nos ordenamentos jurídicos atuais. A matéria penal abarcou muitas condutas sem que haja subsídios para tratá-las.

Então, como visto, o Direito Penal caminha para um novo horizonte, contrariando os ideais do Direito Penal mínimo da escola clássica, o qual visava uma postura mais humanitária. Está ocorrendo a rotura com os pensamentos iluministas que outrora fundamentavam a matéria penal. Passou o sistema a funcionar como resposta a outros interesses que fogem ao campo de delimitar o múnus público punitivo estatal, tratamos agora do chamado Direito Penal moderno.

A crise do Direito Penal clássico é constatada por Moraes (2006, p.18), o qual aduz que a crise se concilia com o comportamento do homem moderno, que age de maneira egoísta, visando os próprios interesses, resultando numa sociedade resumida em um agrupamento de pessoas e não em uma comunidade legítima.

A mutação globalizada disseminou a tutela dos bens individuais, enfraquecendo o sentido de coletividade e empatia da população em geral. A forte influência que o meio exerce sobre o indivíduo realçam os valores econômicos e o consumismo, resultando numa disparidade de classes sociais.

2.1.2 Globalização e a desigualdade social

A Globalização rompe barreiras nacionais, atingindo a sociedade de um modo direto, trazendo diversas consequências. Shecaira (2014, p. 27-28) expõe que as mudanças ocorridas com fenômeno fomentaram um novo paradigma de sociedade, causando transformações no direito; nas relações humanas; na criminologia; na cultura e inclusive na política. O autor afirma ainda que as transformações econômicas, com a expansão das grandes corporações, passam a sensação de uma sociedade “metanacional”, ou uma “sociedade mundial sem Estado”, disseminando a importância do lucro e do capital em todos os setores sociais.

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Pereira, Clagaro e Pereira (2016, p. 7) afirmam que no mundo globalizado, onde o sistema capitalista é o predominante, as sociedades consomem bens em demasia, fortalecendo as relações de consumo. Isso alimenta as grandes corporações, as quais ficam munidas para exercerem o controle de mercado. O resultado é um ciclo vicioso: o sistema capitalista impõe o consumo e o cidadão tem de consumir para alimentar os lucros das grandes corporações e, de certa forma, se inserir no meio social. Consumir é poder, e o poder se encontra com as grandes multinacionais.

Tal sociedade globalizada, a qual ultrapassa os limites nacionais, impõe marcos regulatórios flexíveis em benefício das grandes empresas. Nesse sentido, Moraes (2006, p. 21) afirma que isso resulta da ausência de uma jurisdição efetiva no âmbito internacional e de uma legislação internacional vinculativa. Essa inexistência apresenta consequências, dentre elas:

[...] expansão das empresas multinacionais; crescente importância dos acordos comerciais, tendência da regulação jurídica a ser mais maleável, pragmática e pluralista; tudo, enfim, para atender aos anseios da eficiência econômica e da maximização de riquezas (MORAES, p. 21).

Shecaira (2014, p. 28) nos remete a importância da inclusão tecnológica, a qual ocorre pela via de aquisição de modernos aparelhos eletrônicos. Na seara comunicacional, os eletrônicos atuam como principal interlocutor do cidadão, colocando-o em contato com todos os meios de notícia acessíveis. Tal fato resulta num binômio informação/contaminação. Se, de certa forma, o cidadão terá acesso a um grau de informação nunca atingido, de outra monta, estará sujeito à tirania comunicacional,

[...] a informação e a comunicação são postas a serviço de colossais empresas transnacionais que obedecem a lógica, aos interesses, à dinâmica e aos objetivos do mercado. A informação insistentemente repetida pelos meios comunicacionais (cinema, rádio, televisão, publicidade, pesquisa etc.) anestesia e, em seguida, manipula a consciência das pessoas, a tal ponto que estas passam a acolher os mandamentos do mercado como verdades incontestáveis, dando reforço, deste modo, ao pensamento único. E, ‘de todas as ilusões, a mais perigosa consiste em pensar que existe apenas uma só realidade’ (SHECAIRA, 2014, p. 28, grifo do autor).

Coaduna-se deste entendimento Zaffaroni (2007, p. 53), realçando que a singularidade de discursos favorece o poder punitivo,

A globalização foi precedida por uma revolução tecnológica que é, antes de tudo, uma revolução comunicacional. Este formidável avanço permite que se espalhe pelo planeta um discurso único, de características autoritárias, antiliberais, que estimula o exercício do poder punitivo muitas mais repressivo e discriminatório, agora em escala mundial.

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Sánchez (2013, p. 35-36) afirma que com a globalização surgiram enormes avanços tecnológicos e uma “economia rapidamente variante”. O autor elucida que todo esse aparato trouxe benesses à vida das pessoas, principalmente ao que tange o bem-estar individual. Não obstante, trouxe consequências negativas. Com os avanços tecnológicos, certas ameaças que incidem sobre a população derivam de decisões que outras pessoas tomam na manipulação dos avanços tecnológicos. A população em geral, abarcando consumidores e usuários das tecnologias, estão sujeitos à riscos, diretos ou indiretos.

Os riscos indiretos são, principalmente, aqueles ocasionados no âmbito do controle do avanço tecnológico, englobando as mais diversas áreas: biologia; indústria, energia nuclear, genética, informática, comunicações etc.

Já os riscos diretos estão intimamente ligados aos crimes cibernéticos,

[...] a sociedade tecnológica, crescentemente competitiva, desloca para a marginalidade não poucos indivíduos, que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pessoais e patrimoniais.

O progresso técnico dá lugar, no âmbito da delinquência dolosa tradicional (a cometida com dolo direto ou de primeiro grau), a adoção de novas técnicas como instrumento que lhe permite produzir resultados especialmente lesivos; assim mesmo, surgem modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam sobre os espaços abertos pela tecnologia. A criminalidade, associada aos meios informáticos e à internet (a chamada ciberdelinquência), é, seguramente, o maior exemplo de tal evolução. Nessa medida, acresce-se inegavelmente a vinculação do progresso técnico e o desenvolvimento de criminalidade organizada, que operam internacionalmente e constituem claramente um dos novos riscos para os indivíduos (e os Estados)” (SÁNCHEZ, 2013, p. 36, grifo do autor).

A afirmação de que “sociedade tecnológica desloca para a marginalidade não poucos indivíduos” vai além da celeuma da tecnologia e dos crimes cibernéticos, tal asserção é abarcada pela sociedade globalizada em seus diversos aspectos, a globalização resulta em uma maior disparidade social, é o que afirma Shecaira (2014, p. 28),

[...] globalização e exclusão são faces de uma mesma moeda. O mesmo fenômeno que cria processos globais inovadores, também transforma o mundo, com acento nos países subdesenvolvidos (ou eufemisticamente denominados em desenvolvimento) numa sociedade abissalmente desigual. As relações de emprego são totalmente alteradas e o valor social do trabalho é modificado por demandas internacionais. Na proporção em que as novas tendências do mundo globalizado realçam a evolução tecnológica e trazem conforto para aqueles que podem usufruí-las, exclui os indivíduos que não possuem condições para adquirirem os aparatos do mundo moderno, conforme afirma Pereira, Clagaro e Pereira (2016),

No que se refere aos impactos sociais, observa-se que o consumo estratifica a sociedade em classes, dividindo-a em segmentos conforme a possibilidade de consumo de cada uma. Assim, aquele que pode consumir um produto da marca “X” ostenta um status maior do que aquele que não pode. Através dessa estratificação

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ascendem a classes superiores somente os que têm maior poder aquisitivo (p. 8, grifo do autor).

O sistema capitalista globalizado age de forma coercitiva no subconsciente do cidadão, escravo de sua própria condição. O ter virou mais importante que o ser, ao passo de que o eixo central da sociedade está relacionado à quantidade e qualidade de bens, e não aos valores humanos (PEREIRA, CLAGARO, PEREIRA, 2016 p. 7).

Wermuth (2011, p. 7) afirma que se o indivíduo não é um consumidor, ele é automaticamente excluído das relações jurídico-econômicas. A qualidade de consumidor se torna primordial para a inserção ou exclusão social, em virtude disso, as disparidades globais entre classes sociais estão cada vez mais explicitadas. Ocorre a dicotomia entre os incluídos no sistema econômico, consumidores; e os excluídos, não inseridos no meio consumerista, inúteis ao capitalismo. Na mesma linha, os indivíduos que

[...] não conseguindo consumir, são deixados à margem da sociedade.

Pelo disposto, percebe-se que o consumocentrismo acarreta uma série de problemas sociais [...] As grandes corporações indicam os rumos a serem seguidos pela população, fazendo com que haja, como já se aventou, o adestramento do cidadão, que pensa que é livre para escolher consumir ou não consumir. Porém, dependente e vulnerabilizado pelas necessidades criadas pelo mercado, consome o que lhe é imposto, sob pena de ser excluído da sociedade. Nesse contexto, esse indivíduo deixa de ser cidadão, pois não lhe importam os rumos sociais, mas apenas os rumos individuais. A certeza de participação na sociedade como cidadão de direitos e obrigações é afastada definitivamente. Isso se dá, em grande parte, pelo fato de o mesmo não se sentir pertencente ao local em que vive. Como consumidor, abandona suas raízes, pois ser consumidor significa pertencer ao mundo (PEREIRA, CLAGARO, PEREIRA, 2016, p. 9, grifo nosso).

A exclusão das sociedades de consumo acaba se traduzindo no aumento da criminalidade, haja vista que o mundo globalizado impõe o consumismo, porém não fornece meios suficientes para que o cidadão alcance tal objetivo,

[...] a população economicamente hipossuficiente, a qual, abandonada pelo Estado (mínimo em se tratando dos setores social e econômico), busca através da delinquência a satisfação de seus desejos de consumo – largamente instigados pela mídia – e, consequentemente, de equiparação à população inserida no mercado (WERMUTH, 2011, p. 8).

Ao que tange o mercado de trabalho, o desenvolvimento da economia mundial não apresentou uma redução do desemprego, pelo contrário, agravou esse problema. Racionalizar não é criar empregos, para o mundo globalizado, a maximização dos lucros incorre diretamente na redução de gastos, consequentemente na redução de obra assalariada, muitas vezes substituídas por máquinas e outros aparatos mais lucrativos. (SHECAIRA, 2014, p. 29).

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O aumento do índice de desemprego resulta em uma maior exclusão social. Não havendo condições de exercer uma profissão e prover o sustento familiar, o indivíduo acaba por viver à margem da sociedade, aumentando as estatísticas das classes sociais mais pobres.

[...] excluir faz parte dessa reordenação imposta pela sociedade global. Diferentemente de uma sociedade inclusiva, a globalização afirma o fenômeno da sociedade excludente. [...] é mais barato excluir e encarcerar as pessoas do que incluí-las no processo produtivo, transformá-las em ativas consumidoras, através da provisão de trabalho e permitir-lhes uma qualidade de vida que cumpra a condição de dignidade constitucionalmente prevista (SHECAIRA, 2014, p. 29).

Wacquant (2007) em análise à sociedade americana, aduz que o aumento de atuação do sistema penal é proporcional à redução do investimento em assistência social, restando apenas uma alternativa,

[...] resignarem-se aos empregos de miséria da nova economia de serviços ou então tentarem a sua sorte na economia ilegal da rua e encararem a curto prazo a realidade da prisão. Os indivíduos desprovidos de valor no mercado de trabalho, esses, nem sequer têm <<escolha>>. [...] os excluídos da América circulam como num jogo macabro de cadeiras musicais, aumentam, ano após ano, atrás das grades. A prisão serve também como depósito da escória e dos desperdícios humanos de uma sociedade cada vez mais submetida à ditadura do mercado (p. 17, grifo do autor). O horizonte para que caminha a disparidade econômica é o maior número de indivíduos excluídos e encarcerados. Vítimas ou culpados? A resposta não é simples, dependendo do ponto de vista ao qual se aborda a celeuma.

Zaffaroni (2004, p. 25) expõe sobre o tema, aduzindo que a globalização tende a proporcionar o aumento da exclusão social,

Nas sociedades mais desfavorecidas pela globalização o principal problema é a exclusão social, que não costuma ser controlada por repressão direta. Em geral é neutralizada aprofundando as contradições internas. A mensagem vindicativa é funcional para reproduzir conflitos entre excluídos, pois os criminalizados, os vitimizados e os policizados recrutam-se desse segmento, exibindo uma relação inversa entre a violência dos conflitos entre eles e sua capacidade de coalizão e protagonismo.

O próprio sistema cria mecanismos de comunicação para aumentar as disparidades sociais, enfatizando os conflitos ocorridos nas classes sociais mais baixas. Cria-se uma dicotomia desnecessária, elegendo sujeitos do bem e sujeitos do mal, os quais vivem à margem da boa sociedade.

O autor vai além, mostrando como esse “sistema” atua naqueles que são apenas observadores de toda a situação: a classe média, haja vista que não se enquadram nem como sujeitos marginalizados, nem como os grandes poderosos que dominam o sistema.

Nestas mesmas sociedades a polarização da riqueza, provocada pela economia globalizada, deteriorou gravemente as classes médias, volvendo-as anômicas. Por isso reclamam normas, mas sem saber que normas. São anômicos, clamam por

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normas e, em seu desconcerto, acabam colocando-se detrás do discurso autoritário simplista do modelo norte-americano, que vêm com o prestigio de uma sociedade que invejam e admiram, que será o que permitirá um maior controle sobre estas mesmas classes médias, que podem converter-se provedoras de dissidentes.

Dado que a mensagem é facilmente propagada, que se facilita desde o exterior, que é rentável para os empresários da comunicação social, que é funcional para o controle dos excluídos, que tem êxito entre eles mesmos, e que satisfaz às classes médias em decadência, não é raro que os políticos se apoderem dele e até o disputem (ZAFFARONI, 2004. p. 25-26).

Em decorrência da contaminação pela via dos veículos de comunicação, a população de classe média, principalmente na América Latina, “compra” o discurso da globalização de estado ideal baseando-se no modelo de vida americana, principal potência do mundo globalizado. Esse discurso propaga a exclusão social e a expansão de uma cultura punitivista, estigmatizando a população mais carente como daninha. O ciclo torna-se vicioso e perigoso. Em razão da efetividade, a mídia tende a explorá-lo cada vez mais, o medo se alastra pela sociedade, e os políticos utilizam o discurso punitivo para aumentar sua popularidade.

Os fatos acima expostos contribuíram para a formatação de uma nova sociedade: a sociedade de riscos.

2.2 CONSOLIDAÇÃO DAS SOCIEDADES DE RISCO

A sociedade hodierna convive com novos riscos. Conforme afirma Moraes (2006, p. 27), as novas tendências trazidas à vida cotidiana, dentre elas a globalização econômica e cultural; preocupação com a preservação do meio ambiente; combate às drogas; variações no sistema monetário; movimentos migratórios etc. criam um ambiente de preocupação constante na população. Insurgem, então, o medo e a insegurança, os quais alimentam os “discursos postulantes de uma tutela da segurança pública, em detrimento de interesses puramente individuais” (MORAES, 2006, p. 27). Sánchez (2013) aduz,

A sociedade pós-industrial é, além da “sociedade de risco” tecnológico, uma sociedade com outras características individualizadoras que contribuem à sua caracterização como uma sociedade de “objetiva” insegurança. [...] O cidadão anônimo diz: “Estão nos ‘matando’, mas não conseguimos ainda saber com certeza nem quem, nem como, nem a que ritmo” (p. 37, grifo do autor).

A sensação de medo e de insegurança se alastram em velocidade descomunal, atingindo a sociedade moderna quase em sua totalidade. Esse resultado foi obtido muito em face do trabalho da mídia, principal propulsora de informações no mundo globalizado. É o que diz Moraes (2006, p. 29), corroborando que a mídia acelerou o sistema de informação e

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divulgação através do globo, muito em causa da ilimitada liberdade de expressão e irrestrito direito à informação.

Ao influenciar o mundo globalizado, a contaminação midiática, consequentemente, adentrou à esfera penal de forma negativa, atuando indiretamente na parcialidade de julgamentos e ponderações. A informação é noticiada para produzir audiência e não necessariamente para firmar compromisso com a verdade, trazendo à tona somente os fatos que interessam à mídia, o objetivo é a comercialização do que está sendo difundido. Essas informações espalham-se rapidamente, principalmente em casos de grande repercussão, incitando o pré-julgamento por parte da população. O “discurso penal publicitário” exerce pressão no judiciário para que o julgamento ocorra da forma “justa”, não processualmente falando, mas popularmente difundido. Lyra (1977 apud em MORAES, 2006, p. 27-28) afirmou que o julgamento deveria ser realizado sem interferências externas, imune às excitações e incitações, de forma serena e equilibrada, e que o sensacionalismo não influa o julgador com a publicação tendenciosa de verdades prematuras e incompletas.

Zaffaroni (2007, p. 80) também alerta para pressão exercida pela mídia nos julgamentos, aduzindo que os magistrados se subalternam à pressão do discurso punitivo publicitário, haja vista que as decisões contrárias a esse discurso são passíveis de estigmatizações, acarretando em problemas para o juiz. As constituições de Direito internacional dos direitos humanos, se aplicadas, podem gerar uma perseguição ao magistrado pelos meios de comunicação em massa, pelos corpos colegiados da estrutura do judiciário e pelos políticos. O juiz tem de punir para conseguir prestígio.

Outro aspecto negativo trazido pela mídia ao horizonte do Direito Penal, realçado por Zaffaroni, é a “metamensagem” de impunidade para quem comete o delito, multiplicando o número de agentes cometedores de ilícitos,

[...] não apenas se magnifica a insegurança como também, ao proclamar a existência de uma pretensa impunidade ou leniência generalizada, lança-se uma

metamensagem que incita publicamente os excluídos ao delito (podem delinquir que não vai acontecer nada), assumindo o efeito de uma profecia autorealizada; a

mensagem, longe de ser indiferente à criminalidade comum, em tempos de desemprego, exclusão social e carência de projetos existenciais, passa a ter claros efeitos reprodutores.

Em última análise, trata-se do envio de mensagens tomadas como verdadeiras só porque têm êxito publicitário. Reforça-se como preconceito a convicção de que um

mundo em desordem pode ser ordenado com disciplina imposta através da repressão indiscriminada e, ao mesmos tempo, reitera-se a ideia de que o delito é

uma atividade fácil e impune (2007, p.76, grifo do autor).

A contaminação midiática age no subconsciente do cidadão de forma coercitiva, resultando, muitas vezes, em uma falsa acepção da realidade. O medo difundido cria uma

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sensação de risco muito maior do que ele realmente representa, conforme afirma Sánchez (2013),

[...] é incontestável a correlação estabelecida entre a sensação social de insegurança diante do delito e atuação dos meios de comunicação. Estes, por um lado, da posição privilegiada que ostentam no seio da “sociedade da informação” e no seio de uma concepção do mundo como aldeia global, transmitem uma imagem de realidade na qual o que está distante e o que está próximo têm uma presença quase idêntica na forma como o receptor recebe a mensagem. Isso dá lugar, algumas vezes, diretamente a percepções inexatas; e em outras, pelo menos uma sensação de impotência. Com mais razão, por outro lado, a reiteração e a própria atitude (dramatização, morbidez) com a qual se examinam determinadas notícias atuam como um multiplicador dos ilícitos e catástrofes, gerando uma insegurança subjetiva que não se corresponde com o nível de risco objetivo (p. 47-48, grifo do autor). A propagação desenfreada de notícias ligadas à ilícitos funciona como difusor do medo, resultando numa sensação de impotência diante de tantos fatos criminosos. Moraes (2006, p. 29) afirma que a imprensa aproxima uma realidade distante para algo muito próximo, colocando o cidadão defronte à cena do crime. Essa situação tende a se tornar perigosa, haja vista que a sensação de impotência e o medo difundido, somados ao discurso punitivo publicitário, acabam por fomentar um anseio de vingança, sem um sujeito passivo definido,

[...] o discurso popularesco, grosseiro e primitivo tem maior aceitação porque

parece compensar a segurança perdida por causa da globalização: a sociedade perde coesão e está ávida por um discurso que lhe devolva essa perspectiva, por primitivo, vingativo e völkisch que seja; a coesão é alcançada através de um discurso simplista que clama pela vingança pura e simples (ZAFFARONI, 2004, p.

72-73, grifo do autor).

Esse ambiente criado, disseminador do perigo e da insegurança, tem por resultado uma busca da população por respostas, exigindo-se proteção. Se coaduna desse pensamento Souza (2007, p. 108), realçando que o risco nem sempre se traduz em realidade, basta que exista a possibilidade de ocorrência para que se sinta insegurança, exigindo-se proteção. O risco é gerador de insegurança.

Wermuth (2011, p. 4-5) afirma que uma das características desse ambiente de insegurança é um maior sentimento de solidariedade com as vítimas, muito em decorrência do medo de tornar-se uma delas. Ocorre então que o Direito Penal não é mais visto como remédio para limitação do poder punitivo estatal, mas sim como instrumento de defesa e vingança das vítimas, reais e hipotéticas, as quais cobram do Estado a proteção e medidas (des)necessárias.

Essa tutela exigida dos órgãos estatais, os quais, muitas vezes, utilizam-se do Direito Penal como meio de resposta para anseios populares, é afirmada por Sánchez (2013, p.

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50, grifo do autor) “Seja como for, o caso é que, em medida crescente, a segurança se, converte em uma pretensão social à qual se supõe que o Estado e, em particular, o Direito Penal, devem oferecer uma resposta”. Essa resposta ocorre com o enrijecimento do sistema e com a consolidação de leis mais repressivas, conforme aduz Moraes (2006, p. 30), é característico da sociedade pós-industrial as reinvindicações por mais segurança, resultando-se em leis mais repressivas, em sua maioria, irracionais e com pouca efetividade. Nessa mesma linha afirma Souza,

[...] como forma de pronta e supostamente eficiente reação, legisladores e aplicadores do ordenamento jurídico, também no mais das vezes, optam pela resposta repressiva estatal, com o máximo rigor.

O Direito Penal é, assim, trazido à baila para que o Estado – ou muitas vezes, o governante do momento, com a constante propaganda política – possa demonstrar uma imediata e aparente dura e eficaz resposta. Atende-se então ao anseio social. No mais das vezes, o caminho escolhido é o da produção dos mais diversos tipos penais, o agravamento da pena dos já existentes ou a supressão de direitos e garantias no âmbito processual ou executório de penas (2007, p. 154).

O discurso político repressivo é corroborado na fala de Wermuth (2011, p.13-14), o qual afirma que a pressão pública vingativa recai sobre os órgãos públicos, exigindo-se reformas penais punitivas. Deste modo, os políticos preocupados em maximizar seus índices de popularidade e, consequentemente, o maior número de votos possíveis, se apoderam do discurso punitivista, prometendo leis mais rígidas para responderem aos anseios populares. O Direito Penal é utilizado como arma política, sendo simplificado como instrumento de comunicação e resposta às reinvindicações sociais, porém não trata a questão com a profundidade necessária. Os mandatos e os políticos mudam, porém o discurso permanece o mesmo. Não se enfrentam os problemas para buscar uma solução que diminua a exclusão social, apenas é mantida a fórmula que nutre o discurso político para angariar votos.

O medo generalizado e o discurso punitivo influem diretamente no Direito Penal, haja vista que suas atuações incorrem, dentre outros fatores, principalmente na modificação e criação de novas leis mais rígidas. Muitos autores criticam a utilização do Direito Penal como meio de resposta aos anseios populares punitivistas, conforme afirmações de Zaffaroni (2007, p. 74), é vendido a ilusão de que a segurança aumentará se aumentar a punição para os marginalizados e a truculência policial, legitimando a violência direta e indireta, inclusive contra aos que vão de encontro ao discurso publicitário punitivo. Lyra também realiza crítica,

A repressão da criminalidade político-social desmascara-se à plena luz ou, pior, à plena treva, os interesses que o Estado representa. Ao menor sinal de perigo, a ordem torna-se a desordem absoluta. Dissolve-se tudo, corrompe todos. Sacrifica, de repente, das formalidades legais aos princípios morais, por medo, ódio e vingança (1977 apud em MORAES, p. 30, 2006).

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Wermuth (2011, p. 14) afirma que o anseio punitivo refletido no ambiente legislativo penal se reflete na constatação de um Direito Penal simbólico, haja vista que na busca por resultados rápidos e eficientes, os agentes políticos criam leis para censurar o crime o confortar os anseios populares. A legislação carrega um viés de simbologia, a qual busca demonstrar para a população que “algo está sendo feito”, não importando o modo e se há depredação dos princípios do Direito Penal. Greco (2018) aduz que o caráter simbólico do Direito Penal procura mascarar a ineficiência estatal para lidar com problemas sociais, atribuindo ao Direito Penal a função de doutrinador da sociedade. O resultado é o abismo ainda maior entre as classes sociais, a população mais carente tem acesso ao Estado apenas pelo poder de polícia que lhe é aplicado, revoltando-se. Apresenta-se o marginal como criminoso, causando desconforto em toda a população e legitimando o recrudescimento. É um ciclo vicioso sem fim.

O resultado do Direito Penal nas sociedades de risco é corroborado nas características elucidadas por Gomes e Bianchini (2002 apud em MORAES, p. 32, 2006), como o aumento da política de criminalização de condutas; alterações na parte geral do Código Penal; tutela de bens jurídicos vagos e imprecisos; relativização da proteção dos bens jurídicos, com a punição de crimes de perigo abstrato; desconsideração ao princípio da ofensividade; menosprezo à natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal, utilizando-o como política de segurança; pessoa jurídica com responsabilidade penal; enrijecimento na execução penal.

Muitas são as características do Direito Penal nas sociedades de risco. Não temos por objetivo esgotar as características acima elencadas, mas apenas ambientar o leitor das consequências reais trazidas com a expansão penal nas ditas sociedades de risco.

A atmosfera da expansão do Direito Penal afasta o aspecto ultima ratio, consolidando o aspecto punitivo na sociedade moderna e vigorando as sociedades de risco, instituídas pela insegurança coletiva. Apesar de amplamente criticada pela doutrina, o enrijecimento do sistema penal ocorre como resposta aos anseios vingativos da população. Para que esse Direito Penal moderno possa atuar, exige-se, muitas vezes, a flexibilização das garantias do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, Sánchez aduz,

A solução para a insegurança, ademais, não se busca em seu, digamos, “lugar natural” clássico – o direito de polícia -, senão no Direito Penal. Assim, pode-se afirmar que, ante os movimentos sociais clássicos de restrição do Direito Penal, aparecem cada vez com maior claridade demandas de uma ampliação da proteção penal que ponha fim, ao menos nominalmente, à angústia derivada da insegurança. Ao questionar-se essa demanda, nem sequer importa que seja preciso modificar as garantias clássicas do Estado de Direito: ao contrário, elas se veem às vezes tachadas

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de excessivamente “rígidas” e se apregoa sua “flexibilização” (2013, p. 51, grifo do autor).

Se coaduna desse pensamento Moraes (2006, p. 32), afirmando que o Direito Penal, para alcançar a efetividade que lhe é exigida, está sofrendo alterações, visando acelerar o procedimento da instrução e aumentar a rapidez da justiça, consequentemente direitos e garantias fundamentais são desrespeitados em razão da operatividade do Direito Penal.

Essa flexibilização de garantias no processo acusatório trouxe à tona uma nova classificação para o Direito Penal, dividindo-o em velocidades diferentes.

2.3 VELOCIDADES DO DIREITO PENAL

A expansão do Direito Penal, no entender de Souza (2007, p. 64) influencia a hipertrofia legislativa penal. O resultado é a sensação de insegurança disseminada na população, muito em decorrência do trabalho da mídia. A expansão caracteriza-se pelo endurecimento das penas, maior incidência de agravantes e diminuição da aplicação de atenuantes, etc., mas na maioria dos casos não atingem a matriz estrutural do delito.

Nesta monta, o Direito Penal moderno se coaduna com duas situações diversas:

[...] na primeira, uma atuação tendencialmente mais rigorosa do Direito Penal clássico caracterizadora da hipertrofia mencionada; na segunda, uma atuação mais expansiva do Direito Penal, que passaria a “realizar uma tutela equilibrada de todos os bens fundamentais, individuais e coletivos”. Nestes termos, então, hipertrofia e expansão podem ser caracterizados como fenômenos distintos que, embora possam, não devem necessariamente caminhar juntos (SOUZA, 2007, p. 64-65, grifo do autor).

Abarcando hipertrofia e expansão do Direito Penal, que Jesús-Mária Silva Sánchez formulou uma nova teoria, distinguindo a aplicação da matéria na forma de três diferentes velocidades. Dentre as quais a terceira velocidade será o enfoque principal deste trabalho.

Moraes (2006) diferencia, de forma breve, as velocidades elucidadas pelo autor espanhol,

A primeira, pautada no modelo liberal-clássico, traduz a idéia [sic] de um Direito Penal de prisão por excelência, com manutenção rígida dos princípios político-criminais iluministas; a segunda, contempla a flexibilização proporcional de algumas garantias penais e processuais, conjugada com a adoção de penas não privativas de liberdade – pecuniárias ou restritivas de direitos; já a terceira velocidade, representaria um Direito Penal de pena de prisão concorrendo com uma ampla relativização de garantias político-criminais, regras de imputação e critérios processuais, que constituem o modelo de ‘Direito Penal do inimigo’ (p. 200, grifo do autor).

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Num primeiro passo, Sánchez (2013, p. 177-178) refletiu que a sociedade do século XIX, berço do Direito Penal clássico não é a mesma de hoje, hodiernamente convivemos numa sociedade globalizada. O autor ainda aduz que as sanções aplicadas pelo Estado naquela época eram muito mais rígidas e cruéis, serviu, então, o Direito Penal liberal como um contrapeso das punições inquisitoriais.

Nesta linha, o mesmo autor concluiu que as garantias de um determinado sistema têm relação direta com as suas consequências jurídicas, existindo um liame entre o sistema de imputação e a gravidade das sanções resultantes, sustentando possível a existência de diversos sistemas de imputação ao acusado, com garantias particulares, bem como com consequências jurídicas proporcionais. Os sistemas jurídicos não precisam ter as mesmas garantias, tampouco o sistema sancionatório penal exige as mesmas garantias, haja vista que as consequências jurídicas se revelam diversas (SÁNCHEZ, 2013, p. 179-180).

Sánchez corroborou a possibilidade da existência de subsistemas sancionadores dentro de um mesmo sistema penal, é o que afirma Souza (2007),

O autor pretende demonstrar, assim, a possibilidade de coexistirem espécies de subsistemas sancionatórios dentro do sistema penal. Daí porque fala em um Direito Penal de “duas velocidades” para se referir a dois diferentes subsistemas sancionatórios penais, cada qual com uma vocação específica e com um sistema de garantias próprio (p. 66, grifo do autor).

Alicerçado na premissa das garantias proporcionais às sanções, Sánchez teoriza as respostas diferentes dadas pelo direito penal conforme as novas demandas da sociedade globalizada. Desta maneira elaborou a teoria das velocidades do Direito Penal, descrevendo de forma contrariada que a expansão do Direito Penal é um caminho sem volta,

[...] será difícil frear certa expansão do Direito Penal, dadas a configuração e aspirações das sociedades atuais. Por outro lado, que a teoria clássica do delito e as instituições processuais, que por sua vez refletem a correspondente vocação político-criminal de garantias próprias do Direito Nuclear da pena de prisão, não teriam que expressar idêntica medida de exigência em um Direito Penal moderno com a vocação intervencionista e “regulamentadora” baseado, por exemplo, nas penas pecuniárias e privativas de direitos, assim como para um eventual Direito Penal da reparação. Tudo isso pode ser encarado a partir de uma configuração dualista do sistema do Direito Penal, com regras de imputação e princípios de garantia de dois níveis (SÁNCHEZ, 2013, p. 185, grifo do autor).

No mesmo norte, o autor afirma que a proposta das velocidades do Direito Penal parte da verificação de uma realidade nova, sendo impossível regressar, a realidade da expansão do Direito Penal, na qual coexistem vários Direitos Penais diferentes, divergindo nas regras de imputação, princípios processuais e regras de responsabilização (SÁNCHEZ, 2013, p. 186).

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No entender do autor, em respeito à proporcionalidade do binômio garantias/penalização, aceita-se a flexibilização de direitos quando a pena prevista é diferente da privativa de liberdade. Os “vários Direitos Penais distintos” susoditos serão particularizados a seguir.

2.3.1 A primeira e a segunda velocidade do Direito Penal

A primeira velocidade é baseada nos preceitos do direito penal clássico, o qual o ambiente remete às penas privativas de liberdade e ao vasto contraditório e ampla defesa; já a segunda nos traz uma flexibilização de garantias processuais, substituindo as penas privativas de liberdade por restritivas de direitos e pecuniárias. É o que aduz Sánchez (2013, p. 185-186), afirmando que na primeira velocidade as garantias relacionadas à legalidade, à proporcionalidade, à lesividade, à prova, etc., são preservadas juntamente com as regras de imputação, já na segunda velocidade, delitos de menor monta são acompanhados pela relativização de garantias, haja vista não resultarem na pena de prisão.

No mesmo horizonte, Souza afirma (2007, p. 66-67) que o sistema penal que responsabiliza o autor com a privação da liberdade, merece maior observância e respeito às garantias previstas, autorizando a sanção penal mais gravosa. De outro norte, em um sistema de sanções que diferem do tolhimento da liberdade, indubitavelmente mais brandas, poder-se-á relativizar às clpoder-se-ássicas garantais jurídicos-penais.

Souza (2007, p. 67) afirma ainda que o problema principal não é a expansão do Direito Penal geral, mas sim a expansão das penas privativas de liberdade. Concordando com as afirmações de Sánchez (2013, p. 186), que admite as penas substitutivas da privativa de liberdade como um mal menor ao que toca às relativizações de garantias. Porém, quando a medida impõe pena de prisão, é necessário respeitar os pressupostos clássicos do Direito Penal de imputação e responsabilidade, em razão da gravidade da penalização.

Moraes (2006, p. 201) aduz que a segunda velocidade adentrou à esfera do Direito Penal clássico sem que houvessem muitos questionamentos acerca de sua legitimidade. Isso ocorre, muito em razão, dos benefícios processuais trazidos, principalmente a celeridade, sem que haja ameaça à liberdade do indivíduo.

A primeira velocidade trata-se do Direito Penal aplicado em sua forma tradicional, podendo ser utilizado como exemplo no ambiente vernáculo o Código Penal e o Código de Processo Penal.

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A segunda velocidade, caracterizada pela sua flexibilização de direitos processuais, pode ser encontrada no Brasil em institutos como a transação penal e a suspensão condicional do processo, ambos da Lei 9.099/95. Nestes institutos o Estado “abre mão” de seu

múnus público de acusar o imputado, realizando uma espécie de acordo com o mesmo.

Interrompe-se a persecução penal, havendo uma contrapartida do réu, devendo este cumprir as condições ofertadas pelo órgão acusador. Neste caso, o imputado não fica obrigado a aceitar as condições, sendo-lhe facultada a opção de aceitar o acordo ou dar sequência ao processo.

Talvez, o principal desafio para as duas velocidades do Direito Penal seja encontrar o ponto médio para sua aplicação, mesmo que em ambas não se perca a característica essencial da judicialização, sua imparcialidade.

[...] seria razoável que em um Direito Penal mais distante do núcleo do criminal e no qual se impusessem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoas jurídicas) se flexibilizassem os critérios de imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal setor continuaria sendo a judicialização (e a consequente imparcialidade máxima), da mesma forma que a manutenção do significado “penal” dos ilícitos e das sanções, sem que estas, contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão.

O conflito entre um Direito Penal amplo e flexível (convertido em um indesejável

soft law) e um Direito Penal mínimo e rígido – certamente impossível – deve achar

assim uma solução no “ponto médio” da configuração dualista (SÁNCHEZ, 2013, p. 189, grifo do autor).

A discussão trazida pelo autor, de que é impossível a aplicação de um Direito Penal mínimo e rígido nos remete aos problemas já tratados da sociedade de risco, ou seja, um Direito Penal minimalista não se coaduna com o anseio punitivista e com a sensação de insegurança.

Resta cada vez menos espaço para o Direito Penal iluminista, revelando-se desafiador encontrar o equilíbrio entre o Direito Penal clássico e o globalizado, para que este não venha a se consolidar como um Direito Penal máximo. Conforme afirma Sánchez (2013, p. 189-190), a sociedade não se apresenta receptiva com o Direito Penal mínimo, porém, não significa que o Direito Penal máximo tenha que prevalecer, resguardando o sistema clássico/garantista para o núcleo de delitos mais graves, com a incidência da pena privativa de liberdade. Em contrapartida, um sistema mais ágil, com cunho mais funcional, é reservado para os delitos menos graves, flexibilizando, de forma controlada, as regras de imputação. Assim, é cabível a recepção de dois níveis distintos para aplicação do Direito Penal.

A segunda velocidade do direito penal não se reveste de impunidade. Doutro norte, busca flexibilizar o aspecto punitivo estatal com as garantias processuais do autor. Não há que se falar em eliminação do aspecto simbólico-comunicativo do Direito Penal, apenas

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uma mutação das penas estritamente corporais. Busca-se aplicar com razoabilidade, na instância jurídico-penal, métodos que responsabilizem o autor do fato na proporcionalidade de suas ações, levando-se em conta os bens jurídicos por ele lesionados. Nos países europeus a segunda velocidade pode ser interpretada como um Direito Administrativo Sancionador, conforme as afirmações de Souza (2007, p. 67), corrobora-se que a proposta da segunda velocidade garante a função responsabilizadora do Direito Penal, sem que haja a imposição de penas privativas de liberdade, substituindo-as por restritivas de direito ou pecuniárias.

Salienta-se uma crítica a esta teoria ao que toca os crimes socioeconômicos, abarcados pela nova criminalidade. Sánchez acredita que esse tipo de delito não deve ser punido com penas privativas de liberdade, haja vista serem “desproporcionais aos meios empregados para violação da norma” (SOUZA, 2007, p. 70).

A crítica foi realizada por Franco (2000 apud em SOUZA, 2007, p. 71), o qual afirma que a incomunicabilidade das duas primeiras velocidades, no que toca os crimes socioeconômicos, reflete no sujeito passivo do delito, ao passo que o poderoso ficaria isento das penas mais severas e ao fraco incidiria a pena privativa de liberdade.

Diante do embate, a solução trazida pelo autor foi a possibilidade de migração de um sistema para o outro, conforme Souza (2007, p. 71) interpreta as afirmações de Franco,

[...] longe de afastar tal teoria expansionista, Alberto Silva Franco parece acolhê-la ao propor a hipótese de que dentro do grande sistema penal haja a possibilidade de migração de um subsistema para o outro. Assim, sempre que se tornar individualizada a conduta, haveria a migração da punição deste autor individualizado para o sistema clássico, podendo-se aplicar a pena privativa de liberdade sempre que cabível.

Demonstrou-se que no âmbito do Direito Penal pode haver espaço para um sistema de flexibilização de garantias, o que para a escola clássica parecia insólito. Questiona-se sobre a possibilidade de uma fusão entre a primeira e a Questiona-segunda velocidade, resultando na flexibilização de garantias com a sanção da pena privativa de liberdade. Tal indagação, nada mais é, que a migração susodita trazida por Franco, rompendo as barreiras dos crimes socioeconômicos. Essa ideia híbrida nos transporta para a terceira velocidade do Direito Penal.

2.3.2 A terceira velocidade do Direito Penal: o Direito Penal do inimigo

Mesmo que de uma forma mascarada, a expansão do Direito Penal atinge no atual momento histórico sua terceira velocidade.

(31)

Delineando as afirmações supraditas, temos que o direito de primeira velocidade é aquele Direito Penal tradicional, com seu eixo basilar na pena de prisão e na proteção da lei ao indivíduo perante as possíveis arbitrariedades estatais, havendo suma importância os princípios da ampla defesa e do contraditório, em todos os seus termos. Já na segunda velocidade, destacam-se os aspectos da flexibilização, tanto de penas, quanto de garantias processuais do imputado, o qual muitas vezes “abre mão” de todo aparato fornecido pela lei penal em troca de um acordo com o Estado, o qual oferece ao acusado penas alternativas da segregação corporal.

A terceira velocidade busca mesclar os aspectos mais nocentes ao réu das duas primeiras velocidades, ou seja, ocorre uma flexibilização das garantias processuais do imputado norteados pelo cumprimento da pena de prisão.

Se coadunando com as afirmações anteriores, Sánchez (2013, p. 193) aduz que o Direito Penal da terceira velocidade já é verificado, em larga escala, no Direito Penal Socioeconômico. O autor é contrário à essa aplicação, aduzindo que em tais casos deveriam ser aplicadas a primeira ou a segunda velocidade, entretanto, não deve sobrar espaço para aplicação de uma terceira velocidade?

O questionamento é polêmico e motiva muitas discussões no ambiente jurídico. No entender de Moraes (2006, p. 202) a criminalidade organizada, o terrorismo e outros delitos considerados graves atuam na fomentação de novos mecanismos no Direito Penal, corroborando técnicas processuais de uma “legislação de combate”. Tais artifícios, defendidos por Jakobs, propiciaram a criação de uma nova teoria penal, o Direito Penal do Inimigo.

Essa teoria trabalha com a dicotomia entre inimigos e cidadãos. Estes mantêm seu status de cumpridores do contrato social, cidadãos de fato, dentro de uma sociedade, lhe sendo tuteladas todas as garantias processuais dentro do sistema penal. De outra monta, aqueles estão em permanente conflito com a comunidade, apresentando perigo à mesma, devendo ocorrer a flexibilização de seus direitos e garantias. Esta flexibilização visa o combate ao inimigo e o restabelecimento da ordem. Sánchez (2013, p. 194) aduz que o inimigo “é alguém que não garante a mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e manifesta esse déficit por meio de sua conduta”.

O mesmo autor explicita alguns casos que possam ser tratados com a terceira velocidade,

[...] se levamos em conta a existência, para não dizer mais, de fenômenos como a delinquência patrimonial profissional, a delinquência sexual violenta e reiterada, ou fenômenos como a criminalidade organizada e o terrorismo, que ameaçam solapar

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