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A censura em bibliotecas universitárias brasileiras durante a Ditadura Civil-Militar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

CAROLINA CARVALHO RODRIGUES

A CENSURA EM BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS

DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR

Niterói 2016

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CAROLINA CARVALHO RODRIGUES

A CENSURA EM BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS

DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Biblioteconomia e Documentação do departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense como requisito à obtenção do grau de bacharel em Biblioteconomia.

Orientadora: Profª Drª Elisabete Gonçalves de Souza.

Niterói 2016

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R696 Rodrigues, Carolina Carvalho

A censura em bibliotecas universitárias brasileiras durante a Ditadura Civil-Militar /Carolina Carvalho Rodrigues. –2016.

99f. ; il. Orientadora:Elisabete Gonçalves de Souza.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia e Documentação)–Universidade Federal Fluminense, Instituto deArte e Comunicação Social, 2016.

Bibliografia: f 63-67.

1.Censura. 2.Biblioteca universitária. 3. Ditadura Militar, 1964-1979. 4. Brasil. 5. Bibliotecário. 6. Perfil profissional. I. Souza, Elisabete Gonçalves de. II. Universidade FederalFluminense. Instituto de Arte e Comunicação Social. III. Título.

CDD027.7

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CAROLINA CARVALHO RODRIGUES

A CENSURA EM BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS

DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Biblioteconomia e Documentação do departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Biblioteconomia.

Niterói, _____ de março de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Elisabete Gonçalves de Souza

Universidade Federal Fluminense Professora orientadora

Profª Drª Lídia Silva de Freitas

Universidade Federal Fluminense

Profª Drª Marcia Heloísa Tavares de Figueiredo Lima

Universidade Federal Fluminense

Niterói 2016

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Ao meu pai, meu protetor e grande orgulho. À minha irmã, ainda em seus primeiros passos acadêmicos. E à memória dos que se foram lutando por uma sociedade melhor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora Elisabete Gonçalves de Souza, minha orientadora, que também proporcionou meu primeiro trabalho (um ótimo projeto de extensão) pela sua paciência, confiança, estímulo e carinho; por todas as vezes que internamente me encontrei perdida e ela sempre calmamente me conduzia à luz neste projeto.

Aos meus pais, José e Jane, pelo já feito por mim – e pelo que ainda farão. Não sei se teria conseguido trilhar esse caminho sem vocês, pois sei que cheguei até aqui muito graças à independência e responsabilidade que me ensinaram a ter desde a mais tenra idade (apesar das constantes fugas do mundo que tenciono).

Aos meus familiares por depositarem sua confiança e torcida em mim, meus melhores e maiores fãs, tio Álvaro, tia Preta, tia Sandra e em especial à melhor tia/madrinha, Rita, da vida, do universo e tudo mais! E, claro, à prima-quase irmã, Paula, que aturava minhas violências desde antes d’eu sair do útero.

Aos amigos de outros momentos de vida acadêmica, Bruna e Guilherme, pois, apesar da distância e mudanças que a vida nos impõe, estávamos sempre ansiando pelo bem e sucesso uns dos outros.

Aos colegas de graduação, pessoas que tornaram a vivência na UFF mais agradável apesar dos obstáculos, pessoas que permitiram que meu auxílio, minha intromissão e perfeccionismo entrassem em suas vidas, especialmente a Letícia e as outras duas componentes do “trio ternura” Jéssica e Adrianne. Jéssica, obrigada por todas as carinhosas mensagens, pois não há palavras para exprimi r o quão importante seu apoio foi e continua sendo para mim. Adrianne, minha dupla dinâmica, agradeço imensamente sua paciência, sua calma para aturar minhas crises de perfeccionismo para com trabalhos aos 47 minutos do segundo tempo e, claro, por saber exatamente como colocar no papel minhas abstrações (e como eu abstraía!). Letícia, nós nos aproximamos de verdade praticamente no apagar das luzes, mas antes tarde do que nunca: só tenho a agradecer por suas palavras de incentivo, pela sua cumplicidade e também pelas trocas de informações sobre jogos, filmes e personagens de quadrinhos.

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Aos professores do departamento de Ciência da Informação da UFF pelos ensinamentos, pela vontade de aprender que me infundiram, pelo amor a mais pela Biblioteconomia que me proporcionaram, além, é claro, de suas gratificantes aulas, muitas vezes depois de horas e mais horas vagas, devido aos constantes “buracos” no horário. Também aos professores de outros departamentos, como Rodrigo, Patrícia e Nelson que ministraram disciplinas obrigatórias do jeito esperado: sem fazer diferença para os alunos de Biblioteconomia. Aos professores Gilberto, Ana Motta e Vítor, com quem cursei disciplinas optativas que sou feliz por ter escolhido, pois não apenas ampliaram minha visão dentro do saber profissional, mas também como pessoa. Ao professor Gregório, palestrante do curso de extensão que mudou minha visão para com a vida, pois ali verifiquei as omissões que me impediam de dar passos imprescindíveis em meu trajeto.

À equipe da Biblioteca Central do Gragoatá (BCG/UFF), especialmente ao terceiro andar – Setor de Periódicos –, pois a equipe foi receptiva, paciente e boníssima comigo desde meu primeiro dia. Ana Cristina, Jussara, Jussiara, Leila, Marcella, Marco, Michelle e Thiago, vocês foram ótimos colegas de trabalho e só tenho a agradecer pelas informações, confiança e oportunidades dadas a mim.

Aos que me conheceram de outras formas e, mesmo assim, dedicaram-se a me estimular, a não me deixar desistir em nenhuma das diversas noites a fio com crises de ansiedade pensando em desistir de tudo, a mostrar a minha real capacidade além da importância da serenidade e confiança em mim mesma. Camilla, agora eu sei que “eu querendo, eu consigo” – e obrigada por ter repetido isso inúmeras vezes até virar um mantra na cabeça taurina. Mesmo distante, agradeço também à Raquel, que, de alguma forma, deixou a semente da autoconfiança plantada em mim.

Penso que não poderiam ser poucos os agradecimentos, pois a jornada até esse instante foi longa e nada na vida conseguimos somente por nós mesmos. Portanto, meu muitíssimo obrigada a todos aqui citados, nominalmente ou não.

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"Não existe militância perfeita. A gente só consegue se desconstruir até determinado ponto."

(informação verbal)1

1

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RESUMO

Trata da censura nas bibliotecas universitárias brasileiras durante a ditadura Civil-Militar (1964-1985). Contextualiza historicamente a censura e seus aparatos do ponto de vista governamental. Destaca as Constituições brasileiras no que tange a censura e liberdade de expressão. Pontua a censura a livros no governo militar e a censura no desempenho profissional do bibliotecário. Relaciona o papel do bibliotecário de aquisição com o do censor. Evidencia as mudanças no ambiente universitário e os reflexos sentidos nas bibliotecas. Identifica o posicionamento profissional ao agrupar excertos de relatos de profissionais atuantes na ditadura. Apresenta pesquisa de campo para cotejamento entre o acervo de uma biblioteca universitária e a listagem de livros censurados. Compara com o resultado de outros trabalhos em diferentes bibliotecas universitárias do estado do Rio de Janeiro (RJ).

Palavras-chave: Censura. Bibliotecas universitárias. Ditadura Civil-Militar (Brasil). Bibliotecário. Perfil profissional.

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ABSTRACT

This paper aims to discuss the censorship in Brazilian university libraries during Civil-Military dictatorship (1964-1985). It historically contextualizes censorship and its devices from the government’s standpoint. It highlights censorship and freedom of speech provisions in Brazilian constitutions, as amended, as well as the censorship of books during the military government era. It compares the role of acquisition librarians and censors, evidencing the censorship in the librarians’ professional activities. It points out the changes in university environment and their impacts in libraries. It also provides the professional positioning at that time by gathering excerpts of narrations of librarians who worked at that time. It presents a field research for comparison between the archives of a university library and a list of censored books, as well as a comparison of other works in different university libraries within the state of Rio de Janeiro.

Keywords: Censorship. University libraries. Civil-Military Dictatorship (Brazil). Librarian. Professional profile.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico I – Publicações por cidades ... 54 Gráfico II – Publicações por editoras ... 56 Gráfico III – Publicações por idiomas ... 58

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LISTA DE TABELAS

Tabela I – Levantamento no BENANCIB e BRAPCI ... 44

Tabela II – Levantamento na BDTD ... 45

Tabela III – Obras censuradas encontradas no catálogo da Biblioteca do IFCS ... 50

Tabela IV – Obras censuradas: títulos, editoras, edições e ano ... 51

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LISTA DE SIGLAS

AI Ato Institucional

ABI Associação Brasileira de Imprensa

ALA American Library Association

BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

BENANCIB Repositório das apresentações e palestras nos Encontros Nacionais de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação

BRAPCI Base de dados referencial de artigos de periódicos em Ciência da Informação

CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea CMSPV Coleção Marina São Paulo de Vasconcelos DCDP Departamento de Censura de Diversões Públicas

DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos ECA Escola de Comunicação e Artes

FNFi Faculdade Nacional de Filosofia

ICS Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil IFCS Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

INL Instituto Nacional do Livro

JCI Junta Coordenadora de Informações

JAMP Coleção José Américo Motta Pessanha

LAI Lei de Acesso a Informação

MEC Ministério da Educação

MJ Ministério da Justiça

ONU Organização das Nações Unidas

SCDP Serviço de Censura de Diversões Públicas SFICI Serviço Federal de Informações

SNEL Sindicato Nacional dos Editores de Livros

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TCC Trabalho de conclusão de curso UDF Universidade do Distrito Federal

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFF Universidade Federal Fluminense

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFPB Universidade Federal da Paraíba

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UnB Universidade de Brasília

UNE União Nacional dos Estudantes

USAID United States Agency for International Development USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 CENSURA: CONCEITO E ABORDAGEM HISTÓRICA ... 18

2.1 CENSURA AOS LIVROS DURANTE A DITADURA ... 29

2.2 A CENSURA NAS BIBLIOTECAS ... 34

3 A CENSURA NA UNIVERSIDADE (1964-1985) ... 38

3.1 CENSURA ÀS BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS E A DITADURA ... 40

4 REFERENCIAL METODOLÓGICO E CAMPO EMPÍRICO ... 44

4.1 A BIBLIOTECA MARINA SÃO PAULO DE VASCONCELOS ... 46

4.2 IDENTIFICANDO OS LIVROS CENSURADOS ... 49

4.2.1 Paralelo: identificando a presença dos livros censurados ... 58

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 61

REFERÊNCIAS ... 63

ANEXO A – Decreto-Lei N° 1.077, de 26 de janeiro de 1970 ... 68

ANEXO B – Lista de livros proibidos pelo Ministério da Justiça ... 70

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1 INTRODUÇÃO

O interesse pela censura já vem de longa data e tornou-se uma inquietação mais forte ao verificar a pouca discussão desse tema em sala de aula, afinal, configura-se em um forte obstáculo para o desenvolvimento de nossas funções como profissionais da informação. Como provocação que faltava, ao desenvolver as atividades concernentes ao projeto de extensão “Base de dados de monografias do curso de Biblioteconomia da UFF”, no decorrer do ano de 2014, foi possível constatar que o apagamento do tema se refletia também nos trabalhos de conclusão de curso (TCCs) de Biblioteconomia e Documentação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O profissional bibliotecário possui um vasto campo de atuação, considerando a interdisciplinaridade da área de Biblioteconomia. Aliado a isso, a esse profissional são atribuídas diversas funções como a preservação da produção documental da sociedade (independentemente do suporte) e o acesso a ela. No âmbito das bibliotecas universitárias se destaca também a necessidade da coleção abranger mais de um ponto de vista sobre as áreas, influenciando diretamente nas atividades desenvolvidas (seja no ensino, na pesquisa e/ou na extensão).

No âmbito de um regime autoritário, como o instalado no Brasil pós-1964, a supressão das liberdades de expressão e opinião é uma das atividades centrais a garantir a permanência e a dominação dos governantes. Nessa direção, os militares brasileiros lançaram mão da censura, principalmente a partir da promulgação da Constituição de 67 e, no ano seguinte, do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Além dessas ferramentas, foi baixado o Decreto-Lei n° 1.077, de 26 de janeiro de 1970 trazendo o caráter prévio para a censura governamental.

Levando isso em conta, surgiu a decisão de pesquisar a censura em bibliotecas durante o período autoritário mais recente da história brasileira: a Ditadura Civil-Militar2.

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Encaramos a Ditadura como a junção das forças civis e militares, pois como Germano (1994, p. 102) expõe “[...] o Estado Militar necessita de bases de legitimação, da adesão de uma parte dos intelectuais, das camadas médias e das massas populares”. De mesma forma, Stampa e Santana (2014, p. 7) apontam que “[...] nenhum regime repressivo se sustenta apenas pelo uso da força”.

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A censura, por sua vez, impede o desenvolvimento das atividades profissionais ao proibir a circulação/divulgação de determinadas obras, chegando até mesmo ao extremo da destruição dos exemplares. Como era instituída no âmbito governamental, entendemos que a postura dos bibliotecários teve de se transformar, seja para transgredir as regras ou adequar seu acervo ao que poderia ser disponibilizado. Considerando os problemas na universidade por conta dos embates entre estudantes e governo, e as invasões (inclusive dentro das unidades informacionais), foram escolhidas como foco do estudo as bibliotecas do tipo universitárias.

No entanto, ao olhar para a universidade e sua biblioteca não conseguimos fazê-lo sem deixar de mencionar o impacto das ações censórias sobre as editoras, como, por exemplo, a Civilização Brasileira – um dos poucos canais de expressão para os autores censurados – assim como o posicionamento firme de editores e autores numa luta contra o governo, como Ênio Silveira e Jorge Zahar, no primeiro caso e Jorge Amado e Érico Veríssimo, no segundo caso. Afinal, visualizar o panorama editorial é importante principalmente para nos guiar sobre a ausência de livros censurados nas coleções das bibliotecas.

Mediante a esses direcionamentos, a questão-problema que norteia este trabalho é: como a censura ditatorial influenciou o trabalho dos profissionais de bibliotecas universitárias?

Em busca de respondê-la, os objetivos gerais do trabalho são conhecer como as ações censórias instauradas após o golpe civil-militar de 1964 atingiram as bibliotecas universitárias brasileiras e identificar como os bibliotecários agiram diante de tal situação – as estratégias que usaram para preservar suas coleções mediante as supressões.

Ao lado desses objetivos, outros mais específicos foram traçados de modo a nos ajudar a contextualizar todo esse cenário. Esses consistem em: entender o trajeto da censura como instrumento de poder e supressão cultural, focando a censura a livros durante a ditadura e a censura nas atividades bibliotecárias; verificar as mudanças causadas na universidade; e identificar a presença dos livros censurados na coleção de bibliotecas universitárias.

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Para atingir esses objetivos, tomamos como referencial teórico os estudos de Leitão (2011) para contextualizar a censura a bibliotecas e como base aos acontecimentos brasileiros, de Battles (2003) para compreender a censura às bibliotecas ao longo da história mundial, de Hallewell (2005) para assimilar o panorama da indústria editorial durante a ditadura, de Reimão (2005, 2014) para perceber a censura no governo militar no âmbito mais geral da produção cultural, de Germano (1994) para entender a reforma universitária de 1968 e seu significado e de Azevedo (2003) e Bastos (2008) para verificar e cotejar a presença dos livros censurados nas coleções de bibliotecas universitárias do estado do Rio de Janeiro.

Em termos metodológicos este trabalho consistiu em uma pesquisa do tipo exploratória, pautada em revisão de literatura e na pesquisa documental, a partir de levantamento bibliográfico-documental com foco na área de Biblioteconomia e História, com o intuito de entender a questão da censura no Brasil no período de 1964-1985 e o impacto causado nas coleções bibliográficas das bibliotecas universitárias.

Para melhor observação do controle e ação da censura no âmbito das bibliotecas universitárias, escolheu-se como campo empírico a biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além de verificar como seu acervo foi atingido pelas ações censórias do regime militar, a intenção da pesquisa foi verificar, de que forma os bibliotecários enfrentaram essas intervenções e como reagiram, ou, resistiram. Através do cruzamento de lista de livros censurados (anexos B e C) procuramos identificar quais obras censuradas pelo governo militar (anexo B) faziam parte do acervo da biblioteca do IFCS/UFRJ e quais obras listadas como de cunho político e censuradas pelo SNEL (anexo C) estavam presentes nos acervos das bibliotecas universitárias fluminenses.

Em termos de organização, o presente trabalho foi desenvolvido em cinco capítulos, a saber. No primeiro capítulo é apresentado o trabalho, a partir de sua justificativa, questão/problema, objetivos gerais e específicos, referencial teórico- metodológico e a metodologia de pesquisa.

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O segundo capítulo trata da conceituação e histórico da censura, da censura a livros no espaço temporal da ditadura e da censura ocorrente durante o fazer de um bibliotecário.

No terceiro capítulo é descrito o panorama universitário, principalmente os motivos e efeitos da contrarreforma3, e os efeitos sentidos nas bibliotecas universitárias, a partir dos relatos de profissionais atuantes à época.

No quarto capítulo é exposta a pesquisa de campo, demonstrando a relevância da temática por meio de levantamento e apresentando a biblioteca do IFCS/UFRJ e a professora homenageada pela unidade (Marina São Paulo de Vasconcelos) antes dos resultados do cotejamento da lista do anexo B com o acervo da biblioteca Marina São Paulo de Vasconcelos e da comparação entre os resultados desta pesquisa com os de Azevedo (2003) e Bastos (2008).

Na quinta seção estão expressas as conclusões alcançadas de acordo com os estudos arrolados nas seções e os objetivos já apresentados.

3

Entendemos a Reforma Universitária de 1968 como contrarreforma pelo seu caráter contrário aos anseios e propostas estudantis.

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2 CENSURA: CONCEITO E ABORDAGEM HISTÓRICA

De acordo com Amora (2000, p. 135), censura se constitui na ação de “crítica, reprovação, repreensão”. É um conceito amplo e seus alvos são dos mais diversos: livros, filmes e até mesmo pessoas.

A censura do saber é um comportamento antigo, como Báez (2006) traça a trajetória, intrinsecamente ligado ao poder, pois permite a manutenção de uma ideologia. Além de trazer a definição do verbete em latim equivalente à censura4, Vergueiro (1987, p. 22) a conceitua, no contexto de sua época, como “[...] um esforço por parte de um governo, organização, grupo ou indivíduo de evitar que as pessoas leiam, vejam ou ouçam o que pode ser considerado como perigoso ao governo ou prejudicial à moralidade pública”. Encara-se, então, um paradoxo, como Leitão (2011) aponta, pois ao se destruir consagra-se o saber “perdido”, ao menos provocando a curiosidade dos leitores para entrar em contato com o que é “proibido”. Em outras palavras, a destruição finda o objeto, mas o ideal permanece por gerações.

Voltando às conceituações, no dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 76) encontramos a seguinte definição para censura, reiterando os diversos objetos que podem vir a sofrer controle:

1. Proibição de publicar e divulgar ideias, notícias, imagens e conceitos que são considerados, pelas autoridades, como elementos capazes de abalar a autoridade do governo, ou a ordem social e moral. 2 Controle exercido sobre a informação e os livros, com a finalidade de decidir sobre a oportunidade, ou inoportunidade, de sua disseminação. (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 76)

De forma a categorizar o exercício da censura, Bastos (2008, p. 15-16) a divide em três tipos:

1. Censura prévia (ou preventiva): direito governamental de vigiar manifestações culturais (livros, peças, filmes, etc.), fora da intervenção de tribunais;

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2. Censura punitiva (ou repressiva): proibição após a apreciação pública com responsabilidade de autoridade, isto é, censura depois da publicação do texto, da veiculação de um programa televisivo, etc.;

3. Censura indireta: juízo moral em parâmetros mutáveis e repressivos a determinados comportamentos.

Uma das mais recorrentes lembranças sobre a proibição de obras nos remete à Inquisição, à censura religiosa. As Igrejas, tanto Católica quanto Protestante, tem um papel de destaque na história do controle de informação, apesar do maior foco recair sobre a Igreja Católica e sua intenção de unificação. Num adendo a essa intenção, é valoroso saber a etimologia do termo: “a palavra católico tem origem grega e significa universal. Ela foi adotada desde o Concílio de Trento (1545-1563) para distinguir a Igreja Romana em relação às Igrejas da Reforma” (LEITÃO, 2011, p. 60, grifo do autor). Antes mesmo do aparato censório religioso se solidificar e intensificar, a noção de que os escritos referentes à Igreja eram divinos e, por isso, superiores confirma o plano de centralização – com a possibilidade de, em longo prazo, suplantar a memória de obras seculares.

O grande símbolo da censura religiosa foi o Index Librorum Prohibitorum5, publicado em julho de 1559, pela Sagrada Congregação da Inquisição Romana, durante o pontificado de Paulo IV. Criado em resposta ao protestantismo e à imprensa, o Index consistia numa lista de obras heréticas e, com o domínio da Igreja sobre alguns governos europeus (como o português e o espanhol), o alcance de sua repressão era enorme. Sua última edição ocorreu em 1948, mas foi suspenso apenas no ano de 1966 (FISCHER, 2006, p. 203). Este foi o mais famoso índice censório, porém existiram outros, tanto de alcance local quanto mundial, como os emitidos pela autoridade papal (LEITÃO, 2011, p. 62).

No caso religioso, o aparato da censura era de caráter institucional, apesar da forte influência da Igreja nos governos. À época, a ideia de Estado não era a mesma concebida atualmente e a controladora das regras morais era a religião.

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Com a censura forte em Portugal, o mesmo acontecia em suas colônias, como o Brasil. Para que ideias indesejadas não adentrassem o território eram realizadas vistorias nos navios e proibida a impressão local de obras. Sendo que, no Brasil, a impressão só foi permitida com o estabelecimento da Imprensa Régia, após a chegada da família real em 1808.

Entretanto, o caso português é singular pela sua estruturação censória anterior, visto que “quando a Inquisição chegou a Portugal, em 1536, o processo de produção de livros e documentos impressos já conhecia uma rotina de censura” (LEITÃO, 2011, p. 91).

Em 1537 foi instituído o Desembargo do Paço, com o fim de consulta para deliberação jurídica junto a Casa da Suplicação, e apenas em 1539 a Inquisição tinha um aparato em eficiente funcionamento no tangente a repressão da liberdade de expressão. El Far (2006, p. 16) lista tarefas de responsabilidade dos funcionários do Paço, na colônia:

[...] fiscalizavam tudo o que entrava e saía dos portos brasileiros. Vigiavam também o conteúdo de cada obra, os títulos colocados à venda e a fidelidade das impressões. As publicações aprovadas recebiam a devida autorização, com os dizeres “Com licença do Desembargo do Paço”, e passavam a circular livremente [...] (EL FAR, 2006, p. 16)

Quando da separação da Igreja e do Estado, dentro do processo de formação dos Estados nacionais, o poder da censura (consonante à regulação social) segue para as mãos governamentais. Ainda em Portugal, em 1768, com a intenção de reformar o aparato censório na metrópole e nos seus domínios, a Real Mesa Censória foi instituída, sendo todos os documentos antes de serem publicados levados à apreciação no âmbito governamental. Três décadas depois (em 1794) a censura retornou para o formato tríplice, levando os documentos à apreciação de representantes do poder civil, ordinário (bispo) e pelo Santo Ofício.

Esse modelo censório foi adequado à colônia da seguinte forma: D. João em setembro de 1808 dividiu a tarefa com censores para a tipografia oficial, estipulando como instância decisória o Desembargo do Paço e mais censores a partir da criação da Intendência da Polícia do Rio de Janeiro. (LEITÃO, 2011, p. 108).

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Cronologicamente, a restrição lusitana permanecia enquanto iniciava-se a preocupação com a liberdade de expressão, de forma que “a censura portuguesa contribuiu para a formação de uma mentalidade conservadora, preconceituosa que deixou de acompanhar o progresso dos demais países europeus, notadamente a Inglaterra e a França” (LEITÃO, 2011, p. 99).

A consolidação da liberdade de expressão, marco do fortalecimento da democracia, se deu no decorrer dos acontecimentos da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. A principal base foi (e continua sendo) a Primeira Emenda da Constituição estadunidense6, proposta no mesmo ano em que foi anunciada ao público a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, documento resultante da Revolução Francesa.

No século XX, de acordo com Battles (2003, p. 157), a preocupação em controlar a informação voltou em grande intensidade, a partir da eliminação de livros e bibliotecas, pois “novas maneiras de destruir livros e de instrumentalizar essa destruição foram testadas e aperfeiçoadas”, principalmente por conta das atividades de guerra e dos regimes totalitários. Há, inclusive, reincidência na queima de unidades de informação, como no caso da biblioteca da universidade de Louvain, incendiada por tropas alemães em 1914 e 1940, datas referentes ao início da I e II Guerras Mundiais.

Mas cabe lembrar que antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, alemães incineravam livros. Battles (2003, p. 167) contabiliza trinta queimas de livros universitários durante a primavera de 1933, com a observação de que, na verdade, “[...] Goebbels jamais havia ordenado a queima de livros. A caça e queima de livros era obra de um grupo de estudantes pró-nazistas, o Deutsche Studentenschaft” (BATTLES, 2003, p. 165, grifo do autor). Josef Goebbels era grande intelectual nazista e futuro ministro da Cultura, à época dessas fogueiras.

Tangente à censura propriamente dita, a Alemanha nacional-socialista era, de certa forma, descentralizada por conta das disputas de poder, no qual quem podia

6

“O Congresso não fará nenhuma lei a respeito do estabelecimento de uma religião, ou proibindo o livre exercício dela; ou cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do povo se reunir pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de injustiças” (ESTADOS UNIDOS, 2013). A constituição estadunidense ampara discursos de forma mais livre do que a legislação de muitos países.

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exercer o papel de censor o realizava de acordo com suas ideologias, muitas vezes causando conflitos. Realizando o papel de censores, por exemplo, encontravam-se pessoas de “[...] unidades da polícia estatal, de bandos de membros do partido e de cidadãos fanáticos” (BATTLES, 2003, p. 168). De forma a enumerar a situação, Battles (2003, p. 168) expõe:

Em agosto de 1932, o jornal nazista Völkischer Beobachter publicou uma lista de escritores cujas obras seriam banidas, caso os nazistas chegassem ao poder. Em abril de 1933, Alfred Rosenberg, teórico do partido nazista e rival de Goebbels em questões culturais, divulgou uma lista modesta, com apenas doze nomes. Mas a censura expandiu-se com grande velocidade. No final do primeiro ano do regime, vinte e uma repartições separadas haviam, em conjunto, banido mais de mil livros. Um ano mais tarde, quarenta agências uniram-se para banir aproximadamente 4100 publicações (BATTLES, 2003, p. 168).

Reafirmando a prática de reprimir o saber quando se deseja suplantar determinadas ideias e/ou sociedades, não apenas na Alemanha foram realizadas medidas de desmantelamento de bibliotecas e acervos. Na Espanha em 1934 mais de duzentas e cinquenta bibliotecas populares foram destruídas e em 1937 a Biblioteca Nacional de Madrid foi bombardeada. Outra forma de censura, constituindo não na destruição e sim na ocultação, acontecera em bibliotecas portuguesas, durante a ditadura de Salazar (1932-1968), onde algumas obras não eram catalogadas, enquanto fichas de outras eram retiradas dos catálogos.

Uma observação a ser feita é a constante utilização de incêndios para a destruição de livros e também de bibliotecas. Battles (2003, p. 46) divide os incêndios intencionalmente provocados a livros em dois tipos: o primeiro consistindo na tentativa de revisar algo falho e o segundo “com a finalidade de apagar seus autores e leitores” (BATTLES, 2003, p. 46).

Focando no segundo estilo, podemos inferir que não basta a proibição de circulação das obras, sequer, em relação às bibliotecas, lacrar o edifício outrora mantenedor do saber: é necessário extirpar a existência física e minimizá-la ao passado, uma remota memória dos mais velhos. Nesse sentido, “a destruição de uma biblioteca é, muito frequentemente, o resultado do medo, da ignorância e da cobiça de seus supostos benfeitores e patronos” (BATTLES, 2003, p. 37).

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No pós-Segunda Guerra, precisamente em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) adota a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), como forma de resposta às atrocidades cometidas e respaldo para suprimir sua repetição. Na DUDH, o artigo 19 versa sobre liberdade de expressão ao apontar que

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras. (ONU BRASIL, 2009)

No que tange ao Brasil, temos como grande referência da censura durante a república o governo Washington Luís (1926-1930), mas a repressão não iniciou ali, como pudemos ver, muito menos se dissipou, tendo prosseguido a perseguir a imprensa e o movimento operário de forma intensa ceifando liberdades políticas e ideológicas. Leitão (2011, p. 115) vai além, expondo que

o movimento de censura ao pensamento só foi se intensificando no Brasil, independentemente do regime que assumisse o poder. A gestão do presidente Artur Bernardes, entre 1922 e 1926, ficou conhecida pela repressão violenta aos opositores do governo [...] [com] penalização de quatro anos de prisão para quem escrevesse ou editasse material considerado subversivo. (LEITÃO, 2011, p. 115)

Diferentemente dos governos anteriores, foi no governo Vargas que os livros voltaram a ser foco da censura (LEITÃO, 2011, p. 116). Para a autora, Vargas foi o governante que “deu início ao uso e abuso de formas violentas de coerção e repressão para coibir e controlar a difusão de ideias e de críticas ao governo, assim como ao conhecimento e ao saber” (LEITÃO, 2011, p. 142), piorando o quadro visto na década anterior com Bernardes.

Durante o Estado Novo (1937-1945) Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Para além de um projeto de propagação o DIP dedicou grande parte de seus recursos à vigilância e censura da comunicação de massa e da produção artística e intelectual, assim como o controle das publicações impressas. Contudo, a atuação no campo dos livros foi uma forma de superar a “fragilidade de estruturação administrativa” (LEITÃO, 2011, p. 155) do Instituto Nacional do Livro (INL).

(26)

O INL foi outro mecanismo criado durante o governo Vargas e que, ao controlar a difusão de livros, exercia uma forma de censura.

Segundo Leitão (2011, p. 144), a repressão ao conhecimento na era Vargas se tratava de um problema de saúde pública, consonante ao proposto pelos ditadores europeus, e, não à toa, Gustavo Capanema era ministro da Educação e Saúde. Capanema explicitou essa visão em carta para Getúlio Vargas, citada por Leitão (2011, p. 146): “[...] o Instituto [INL] dará aos brasileiros leituras de suaves tendências espirituais, para a serenidade psíquica, o controle dos êxitos individuais, das energias aproveitadas, das utilidades conseguidas e dos ideais mais nobres”.

No período entre o governo Vargas e o governo Militar, apesar da estrutura democrática no país,

[...] não houve qualquer determinação oficial que promovesse alguma transformação favorável do cenário do direito à liberdade de expressão. Longe disso, as medidas tomadas somente mantiveram ou confundiram, sobrepondo novos mecanismos à estrutura burocrática de censura existente. (LEITÃO, 2011, p. 158)

Já no primeiro governo seguinte ao Estado Novo, o do presidente Gaspar Dutra (1946-1951), foi instituído um aparato censório em nome da moral e bons costumes, distanciando-se da censura política feita pelo DIP, chamado de Serviço de Censura de Diversões Públicas. Leitão (2011, p. 159) aponta uma irônica justificativa para o elevado grau de censura artística: “[...] no projeto civilizatório do Estado, a população brasileira era considerada despreparada e manipulável em todos os sentidos”.

Uma novidade ocorreu durante o governo JK (1956-1961), por conta das medidas de abertura econômica para o capital internacional: houve renovação do maquinário da indústria editorial e expansão da mesma, até que as taxas de inflação dispararam e brecaram este desenvolvimento, principalmente pelo alto valor que o papel alcançou.

Diferentemente da censura inquisitória, documentada de tal forma a se configurar como memória da produção da época (com a ajuda do index, por exemplo), a censura durante os governos militares era desconexa e obscura. Medidas afirmando essa característica foram tomadas, como:

(27)

Em 5 de junho de 1973, por exemplo, a Polícia Federal fez saber subitamente (aliás, medida muito conveniente) que, a partir daquela data, ficava proibida qualquer referência crítica aos fundamentos, legitimidade ou funcionamento da censura, ou ao trabalho individual de censores ou às atividades dos órgãos de censura. (HALLEWELL, 2005, p. 586)

Dessa forma, as pessoas de fora da estrutura dificilmente sabiam quem fazia a engrenagem funcionar, resumindo-se a aceitar ou rebelar-se contra as ordens. Um dos principais problemas verificados durante o governo militar por conta da censura foi de viés econômico, pois se forçava as empresas a desassociarem seu capital de certos nomes, fossem investimentos ou publicidade.

Para caracterizar a censura realizada pelos regimes autoritários brasileiros do século XX, Leitão (2011, p. 128) explica que

apesar do aparato estrutural, a operacionalização da censura se efetivou de forma ambígua, contraditória e indiferente às demandas públicas contrárias às determinações oficiais. Um outro fato relevante: o papel do censor se transformou de funcionário público intelectualizado para autoridade policialesca no exercício do autoritarismo gratuito: repressão, delação, impedimento da liberdade de expressão contrária aos ideais oficiais. (LEITÃO, 2011, p. 128)

Mediante ações censórias em que exagerada força física era despendida, essa transferência de perfil do censor é nítida.

Hallewell (2005, p. 520), versando sobre a constância da restrição de formas de expressão no Brasil, como outrora citamos Leitão sobre o mesmo teor, diz que

[...] existia, e sempre continuou a existir, a aceitação implícita da interferência administrativa na disseminação da informação e da opinião como se fosse uma coisa normal no governo da sociedade. Por maior que seja a amplitude dada às fronteiras da liberdade, a mentalidade legal brasileira admite, automaticamente, a necessidade da definição de algumas dessas fronteiras por parte da autoridade. (HALLEWELL, 2005, p. 520)

De forma a tentar identificar essas fronteiras da liberdade, ou uma preocupação com a liberdade de expressão no âmbito nacional, verificamos as constituições brasileiras já promulgadas comparando os artigos referentes à temática. Na Constituição de 1824, o artigo 179, n° IV expõe:

Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura;

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com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar. (BRASIL, 1824)

Apesar das quase sete décadas que as separam e a mudança de império para república, o artigo 72, § 12 da Constituição de 1891 só se difere pela proibição do anonimato (BRASIL, 1891). Na Constituição de 1934, o artigo 113, n° 9 apresenta algumas alterações ao retirar os espetáculos e diversões públicas da independência da censura e incluindo que “é segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social” (BRASIL, 1934). A menção de guerras e processos violentos demonstra a preocupação em garantir o Estado de direito e o pleno funcionamento das instituições democráticas, em um contexto marcado pelas lembranças da I Guerra Mundial e pelo episódio da Revolução de 1917 na Rússia.

Previsivelmente, na Constituição de 1937 (conhecida como Constituição do Estado Novo), o artigo 122, n° 15 garante, no papel, o direito de manifestação da expressão, lista os seus possíveis meios (isto é, oral, escrito, impresso e/ou por imagens) assim como elenca pormenores das possíveis medidas de censura:

A lei pode prescrever:

a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação;

b) medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude;

c) providências destinadas à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado.

A imprensa reger-se-á por lei especial, de acordo com os seguintes princípios:

a) a imprensa exerce uma função de caráter público;

b) nenhum jornal pode recusar a inserção de comunicados do Governo, nas dimensões taxadas em lei;

c) é assegurado a todo cidadão o direito de fazer inserir gratuitamente nos jornais que o informarem ou injuriarem, resposta, defesa ou retificação;

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A Constituição de 1946, no artigo 141, § 5º retoma o previsto na Constituição de 1934, acrescentando os preconceitos de raça ou de classe como itens intoleráveis (BRASIL, 1946).

De certa forma mantendo a disposição anterior, tentando manter a imagem democrática, ainda que em uma ditadura, a Constituição de 1967, no artigo 150, § 8° apresenta mudanças nas especificações iniciais do texto, ao assegurar “[...] a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura [...]” (BRASIL, 1967), mantendo os outros dispostos. No entanto, por ser fruto de um período autoritário que logo recrudesce, apenas dois anos depois o artigo 153, § 8º da Emenda Constitucional de 1969 reintroduz ao fim da redação, o veto às “publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” (BRASIL, 1969), de forma a cercear a liberdade.

A Constituição de 1988, vigente atualmente, expõe no artigo 5, n° IV que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988) e no n° XIV do mesmo artigo “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (BRASIL, 1988). Podemos verificar três mudanças, anteriormente não vistas: a citação nominal do “acesso à informação”, a relação do sigilo com a atividade laboral – e não uma imposição governamental – e a nova posição do título “Dos direitos e garantias fundamentais”, culminando no assunto liberdade de expressão aparecer logo no artigo de número 5, sendo que anteriormente surgia próximo ou acima de uma centena.

Devido às disposições expressas nos artigos 5, 37 e 216 da Carta Magna vigente, o prognóstico atual é animador no que se refere à legislação ao direito de acesso à informação.

Nessa direção, em 18 de novembro de 2011, foi decretada e sancionada a Lei n° 12.527/2011, popularmente conhecida como Lei de Acesso a Informação (LAI), que regulamenta o acesso às informações dos órgãos públicos, obrigando-os a criar mecanismos necessários para tal ação.

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Concluímos que as alterações na ótica da liberdade de expressão dentro das constituições brasileiras são consequência do contexto sócio-político, num movimento constante entre abertura e supressão da democracia nacional.

Também a partir da análise das cartas magnas, percebemos que quando grupos políticos chegam ao poder utilizam de subterfúgios para exercer medidas de exceção, nos casos de autoritarismo, principalmente através dos estados de sítio/emergência. Em vista disso, destacamos três artigos: o primeiro da Constituição de 1934, o segundo de 1937 e o terceiro da Emenda Constitucional de 1969.

A constituição de 1934, para além de seus avanços em prol da democracia, foi fruto de uma sociedade que passara pelas mazelas de uma Guerra Mundial e por isso ao legislar pensou medidas a serem aplicadas caso fosse instaurado um estado de exceção e incluiu, no artigo 175, n° 2, letra c “a censura de correspondência de qualquer natureza, e das publicações em geral” (BRASIL, 1934) e no §5° “não será obstada a circulação de livros, jornais ou de quaisquer publicações, desde que os seus autores, diretores ou editores os submetam à censura” (BRASIL, 1934).

Já na constituição de 1937, outorgada durante o Estado Novo, uma das medidas previstas na vigência de um estado de sítio era a “censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas” (BRASIL, 1937), listada na letra b do artigo 168, crescendo suas “garras” para quantos campos possíveis, independente da viabilidade das ações.

A Emenda Constitucional de 1969 acirra as medidas coercitivas da Constituição do governo militar, datada de 1967. No artigo 156, § 2°, letra f é prevista, na vigência do estado de sítio, a “censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações e diversões públicas” (BRASIL, 1969).

Sendo assim, enquanto virtualmente deveriam ser respeitados os direitos à informação e à liberdade de expressão, a reiterada vigência de medidas extremas como estados de sítio e de emergência os suspendiam.

Verificamos, ao longo das conceituações e histórico, que a censura é exercida pelos mais variados vieses, mas ao se tornar legal – instituída governamentalmente –

(31)

as suas consequências são ainda mais graves, principalmente pelo grau de violência utilizado. A seguir, focamos na censura a livros durante o governo militar.

2.1 CENSURA AOS LIVROS DURANTE A DITADURA

Pouco mais de dois meses depois de 1° de abril de 1964, primeiro dia após o Golpe Militar, foi criado um importante mecanismo governamental de controle: o Serviço Nacional de Informações (SNI) que tinha como objetivo superintender e coordenar as atividades de informação e contra informação e “[...] absorveria e centralizaria o Serviço Federal de Informações (SFICI) e a Junta Coordenadora de Informações (JCI)” (LEITÃO, 2011, p. 162). Neste panorama inicial dos mecanismos de controle, destacou-se também a Lei n° 5250, de 09 de fevereiro de 1967, a “Lei da Imprensa”. Percebe-destacou-se, assim, que o domínio sobre os veículos de comunicação era ferrenho, enquanto a leitura de livros, felizmente, era relegada ao segundo plano – provavelmente por seu alcance mais singular7.

Reimão (2005) aponta que nos primeiros anos após o Golpe Militar (ainda na década de 1960) a censura acontecia de forma irregular e pontual, ao que Hallewell (2005, p. 583) acrescenta que “[...] os livros continuavam a sofrer apenas confiscos intermitentes sem estrita justificação legal”. Os autores convergem ao indicar o AI-5 como a divisa entre a censura desorganizada e a estabelecida governamentalmente. Na época pregressa, a maior incidência de atos censórios em relação a livros acontecia em editoras, sendo notório o caso da Civilização Brasileira, pela figura de Ênio Silveira.

Ênio Silveira foi personalidade importante na indústria editorial brasileira, tanto pela coragem de enfrentar o establishment, quanto pelo seu tino comercial – Hallewell (2005, p. 538) cita a preocupação do editor com a divulgação do livro “Lolita”, fato incomum na época8. Além disso, Silveira foi vice-presidente da Câmara Brasileira do

7

De acordo com o censo demográfico do IBGE (BRASIL, 2003, p. 6), na década de 1960 a taxa de analfabetismo para pessoas com 15 anos ou mais era de 39,7%, na década seguinte diminuindo para 33,7%.

8

“[...] um levantamento feito pelo Snel, em 1967, sobre editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo revelou que 40% delas sequer possuíam um orçamento para publicidade”. (HALLEWELL, 2005, p. 545)

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Livro e, de 1952 a 1954, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), posições que comprovam seu bom trabalho e relacionamento com os pares.

Mas, por conta de seu posicionamento político e para não prejudicar a empresa, “em outubro de 1965, pressões do governo Castelo Branco obrigaram Ênio a retirar-se da direção nominal tanto da Revista como da editora” (HALLEWELL, 2005, p. 578). Hallewell (2005) lista sete prisões sofridas por Silveira em diversos momentos da ditadura, entretanto, pensar que o editor abrandaria seu posicionamento é errado e um sinal disso era sua recusa em submeter qualquer obra à censura prévia (HALLEWELL, 2005, p. 585).

A livraria da Civilização Brasileira, por sua vez, “[...] tornou-se o conhecido ponto de encontro dos escritores e outros intelectuais contrários ao governo [...]” (HALLEWELL, 2005, p. 576), ainda em 1965, portanto, é lógica a incidência de repressão nesta editora.

O AI-5 surgiu como forma de repressão às manifestações e levantes da população de ideia contrária ao regime, principalmente no meio estudantil. Leitão (2011) ressalta que a partir do decênio seguinte (1970) foram instituídas normas para censura de livros, sendo o decreto-lei n° 1077, de 26 de janeiro de 1970, o principal subsídio para a formalização da censura na década, pois instaurava a censura prévia. A mudança marcante foi justamente o caráter inicial que a censura ganhava, não mais aguardando a chegada dos livros às estantes para obter-se a avaliação dos censores9. Autores como Jorge Amado e Érico Veríssimo se opuseram publicamente ao novo caráter de censura para livros, recusando-se a fornecer seus originais (REIMÃO, 2014, p. 78).

Em contraponto a história de censura pregressa, ressalta-se a afirmação de Leitão (2011, p. 161) que, a partir do golpe militar de 1964, “[...] os processos censórios ficaram ainda mais rígidos”, ao mesmo tempo em que muito se produzia no campo cultural – como rememora Ortiz (2006, p. 83), dizendo-nos que, mesmo vivendo um clima adverso, houve “[...] expansão, a nível da produção, da distribuição e do consumo de bens culturais” o que, pensando na mesma direção, Germano (1994, p. 116)

9

Censor: “funcionário incumbido de censurar obras literárias ou artísticas ou de impor censura aos veículos de comunicação de massa.” (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 76)

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chamou de “[...] efervescência cultural, notadamente na área da música popular e do teatro”.

O responsável pela censura oficial era o Ministério da Justiça (MJ), que agia através do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), órgão ligado ao Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Podemos correlacionar o nome desses setores com o fato de que o ato censório recaía mais nas atividades teatrais e musicais do que na produção literária, pois a leitura é uma ação geralmente individual e privada. Porém, verificar a repressão por esta hierarquia se configura num erro, visto que “O Estado era (e continua a ser, durante a Nova República) composto por diferentes setores com grau variável de autonomia” (SOARES, 1989, p. 8) e, consequentemente, destoam entre si.

Ressalta-se também a subjetividade da prática da censura, dado que mesmo com diretrizes para ações censórias pessoas diferentes podem interpretar obras de óticas diversas. Além das diferentes formas de interpretação, existiam outros objetivos escusos na prática repressiva, como a passagem a seguir demonstra:

Milhares de livros foram sumariamente confiscados de livrarias e editoras pelas mais diversas razões: por falarem do comunismo (mesmo que fosse contra), porque o autor era persona non grata do regime, por serem traduções do russo, ou simplesmente porque tinham capas vermelhas. Muitos policiais contentavam-se com qualquer coisa que tivesse a marca Civilização Brasileira, enquanto outros demonstravam especial preferência por dicionários, obras de referência ou qualquer coisa que se vendesse rapidamente como livro usado. (HALLEWELL, 2005, p. 575-576)

Ademais, a necessária submissão das publicações em geral para avaliação supunha uma quantidade de censores muito além do possível, o que causou críticas a ponto de ser expedida a Instrução 01 – de 24 de fevereiro de 1970 limitando a ação da seguinte forma:

Para os fins da Portaria 11-B, de 6 de fevereiro de 1970, estão isentas de verificação prévia as publicações e exteriorizações de caráter estritamente filosófico, científico, técnico e didático, bem como as que não versarem temas referentes ao sexo, moralidade pública e bons costumes. (BRASIL, 1970b)

Verifica-se, então, maior preocupação com obras atentando à moral e aos bons costumes, a literatura mais sexual e não necessariamente subversiva no viés político,

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similar ao observado na listagem de títulos censurados (anexo B). De forma a padronizar os títulos censurados por época, Hallewell (2005, p. 588) expõe que “[...] a ação oficial contra os clássicos do socialismo teórico foi uma característica predominante dos anos de 1960. Na década de 1970, a sensibilidade política do governo limitava-se, de modo geral, a obras de crítica direta à situação do Brasil”.

Diferentemente do DIP, o INL continuava a funcionar durante os anos 70 e, mais uma vez, auxiliava na censura de livros. Pelo regime de coedições, o Estado se eximia da editoração de forma a se limitar a subsidiar o setor privado, o que era atraente tanto pelo viés econômico quanto pelo político, pois ganhava a possibilidade de vetar as obras com as quais colaborava (LEITÃO, 2011, p.173). Talvez por esse motivo a censura de livros contrários ao governo tenha se destacado e sido mais fácil de detectar.

Mesmo com a restrição ao estilo das obras, “a maioria da atividade de censura em relação a livros dava-se, na prática, por denúncias” (REIMÃO, 2014, p. 78). Entretanto, apesar do parecer oficial e das denúncias de cidadãos comuns, existiam editoras contrárias ao Golpe (como a Brasiliense, a Vozes e a Paz e Terra, além da já mencionada Civilização Brasileira), que mesmo recebendo a “etiqueta” de censurado em algumas de suas publicações conseguiram alavancar as vendas, como no caso do romance “Zero”, de Ignácio de Loyola Brandão, mencionado por Wasserman (2014). El Far (2006, p. 43) reitera essa visão, também mencionando a importância de Ênio Silveira para o mercado editorial durante o regime autoritário:

Empresários de diferentes perfis, cada um a seu modo, procuraram estabelecer laços com pesquisadores, literatos e professores que pudessem divulgar ideias originais nos diferentes campos de estudo de nosso país, como também trazer do exterior projetos e coleções inovadoras. Nesse sentido, vale a pena mencionar a atuação de Jorge Zahar e de Ênio Silveira, da editora Civilização Brasileira, que diversas vezes desafiou os limites impostos pela ditadura militar com o intuito de levar ao mercado obras capazes de estimular a reflexão crítica sobre a realidade brasileira. (EL FAR, 2006, p. 43)

As figuras supracitadas – Zahar e Ênio –, ainda no ano de 1964 se uniram a Carlos Ribeiro (da Livraria São José), e auxiliaram na elaboração do Manifesto dos

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Intelectuais, “um protesto contra as ameaças revolucionárias à liberdade de expressão” (HALLEWELL, 2005, p. 541).

Fioratti (2012, p.85) aponta que de 1976 em diante diminuiu-se a quantidade de livros censurados e levanta como uma das prováveis justificativas “[...] a morte do jornalista Vladimir Herzog em decorrência de tortura praticada pelos militares, em 1975”, pois a partir daquele momento houve uma maior cobrança da sociedade como um todo dos atos dos generais-presidentes. Mas a repressão continuou, pois, em contrapartida, segundo Reimão (2014, p. 85-87) a atividade da censura foi extremamente forte ao longo do Governo Geisel (1974-1979) e, consonante aos documentos encontrados no arquivo do DCDP, três hipóteses são levantadas para justificar essa alta atividade:

1) Os parâmetros censórios recaíam mais ao aspecto moral que ao político, sendo a censura moral de alta volubilidade;

2) O DCDP acreditava na extinção da atividade censória, portanto, precisava justificar a sua existência;

3) Durante os anos de chumbo10, as ações dos censores eram mais rígidas, logo, os autores, músicos, compositores, etc. exerciam a autocensura.

Sendo visível o impedimento da disseminação de informação, protestos a favor da liberdade de expressão seriam plausíveis. Araújo (2014, p. 44) aponta o lançamento de um manifesto contra a censura, em junho de 1977, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por mais de dois mil jornalistas. No mesmo ano, no mês de janeiro, foi entregue ao ministro da Justiça o “Manifesto dos 1046 intelectuais contra a censura”, assinado por nomes como Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon (REIMÃO, 2014, p. 77). Seguindo o apresentado por Fioratti (2012), podemos supor a diminuição das estatísticas de censura como causa para as oposições públicas no ano de 1977. Contudo, acordando ao proposto por Reimão (2014), essas oposições seriam muito mais rebeldes, indo de encontro ao ápice da censura.

Por fim, visto que até a década de 1970 a censura se pautava por diretrizes difusas e confusas, há casos de livros submetidos mais de uma vez e/ou com títulos

10

A designação “anos de chumbo” corresponde à época mais repressiva da Ditadura Civil-Militar, entre os anos de 1968 e 1974, tendo como marco inicial o AI-5.

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diferentes. Por isso, as listagens de obras censuradas ao decorrer da Ditadura são incompletas, variando de entre duzentos e quinhentos livros, como Reimão (2014, p. 79-80) explana, estimativa esta que Hallewell (2005, p. 591) quase supera, ao afirmar que “em fins de 1978, perto de quinhentos livros eram proibidos no Brasil”.

2.2 A CENSURA NAS BIBLIOTECAS

Sobre a censura em bibliotecas, primeiro se faz necessário ressaltar que

[...] a instituição biblioteca não é uma entidade independente, capaz de declarar quais e como serão oferecidos seus serviços, ou quais serão os seus objetivos. Depende inteiramente de uma série de circunstâncias e está sujeita a pressões existentes no ambiente onde atua, muitas das quais conflitantes. (MUELLER, 1984, p. 49)

A censura é uma dessas pressões conflitantes no desempenho das funções de uma biblioteca, dado que temos a necessidade de preservar, disseminar e organizar o conhecimento. No âmbito das bibliotecas universitárias, a situação se agrava pelo seu acervo ter como característica o fornecimento de “infraestrutura bibliográfica e documental aos cursos, pesquisas e serviços mantidos pela universidade” (LEITÃO, 2011, p. 75), fazendo-se necessária a presença de obras atendendo a incontáveis linhas de pensamento.

O bibliotecário, consonante à diversidade de pontos de vista, precisa ter em mente que

Contrapondo-se ao conceito de censura, deve-se colocar o de liberdade intelectual, podendo esta ser definida como o direito dos usuários de ter acesso a todos os aspectos de todas as informações, sem que este acesso seja restrito sob hipótese alguma. (VERGUEIRO, 1987, p. 22, grifo do autor)

Sendo assim, o profissional, em nenhum momento, pode compor as coleções apenas na linha de pensamento agradável a si: não é necessária a sua aprovação ideológica de toda a informação tornada acessível. Cabe a ressalva de que, em determinadas situações e instituições, o acesso pode ser dificultado pelo tipo de informação contida no suporte (como relatórios reservados e com informações estratégicas, comuns em algumas instituições de pesquisa). Também podemos sofrer

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pressão dos usuários, discorrendo sobre os assuntos necessários ou não ao acervo, acordando a uma possível heterogeneidade do público ou também a mudanças de mentalidade que os próprios podem sofrer. Ainda, a censura pode partir de esferas superiores dentro da própria instituição; problemas de ordem econômica também podem disfarçar um controle de obras.

Até para lidar com o volume de doações, é importante a elaboração de parâmetros para o processo de desenvolvimento de coleções, permitindo o conhecimento geral daquele acervo e de forma a não cair num grave erro, apontado por Briquet de Lemos em entrevista: “[...] o mais sério, que é o que existe e a gente não vê, é essa história da censura dentro da seleção e da aquisição. Eu não compro, eu jogo fora, eu não ponho na estante, porque eu não gosto, porque é feio, porque é pornográfico, porque é isso e aquilo...” (LEITÃO, 2011, p. 184)

Por conta do processo de seleção, Leitão (2011, p. 209) assemelha a atividade do bibliotecário com a do censor, não sem fazer ressalvas: o critério do bibliotecário deve ser ético e ter como norte para o desenvolvimento do acervo as necessidades informacionais dos consulentes, além de por definição possibilitar e incentivar o acesso à informação, enquanto o censor trabalha em busca de vetar algo, protegendo a informação por crer na insuficiência da formação do leitor, que não saberá usá-la de forma “adequada” (LEITÃO, 2011, p. 218).

Destacamos a posição da American Library Association (ALA) em relação à censura, pois, ao levar em conta os obstáculos encontrados, reafirma a postura ideal do bibliotecário em um dos pontos da Declaração para o Direito às Bibliotecas: “[...] o nosso direito de ler, buscar informações, e falar livremente não deve ser tomado como garantido. As bibliotecas e os bibliotecários defendem ativamente esta liberdade mais básica [...]” (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION, 2013). Com a garantia do acesso à informação unida à preservação da memória, proporcionam-se fundamentos e questionamentos sobre os mais diversos assuntos. Podemos, então, entender as bibliotecas como um dos símbolos de uma sociedade livre, com grande potencial de transformação.

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Correlacionando o exposto sobre a destruição de bibliotecas e o quanto a atitude do bibliotecário também pode ser nociva, citamos Battles:

Destruir uma biblioteca, porém, é apenas o modo mais grosseiro de expressar certas opiniões. Bibliotecas intactas também podem transformar-se em instrumentos de opressão e de genocídio, na medida em que disponibilizem os cânones que alimentam anseios de pureza étnica e fantasias de um nacionalismo mítico. Naquela que é, talvez, a cena mais dramática de sua autobiografia, Black Boy, Richard Wright lembra que as bibliotecas no Jim Crow South não se contentavam em proibir a circulação de certos livros, como também apoiavam a tese de que a leitura não era adequada para certo tipo de gente. As novas bibliotecas ofereciam grandes esperanças de progresso pessoal, mas também podiam ser veículos de grande sofrimento quando resolviam negar essa esperança a alguém. (BATTLES, 2003, p. 179-180)

Justamente por seu significativo papel de liberdade e guardiã de conhecimentos, “as bibliotecas sempre foram alvos de destruição em situações de guerra ou estratégias de controle” (LEITÃO, 2011, p. 58), como o caso clássico da biblioteca de Alexandria11, incendiada algumas vezes antes de sucumbir às chamas em sua totalidade – inclusive, Battles (2003, p. 30-31) indica como provável motivo para a destruição final de Alexandria a expansão do cristianismo, dado ser a biblioteca fruto de tradição helenística, portanto pagã.

No decorrer da Ditadura, nosso recorte histórico, as ações de censura pelo governo centraram-se na criação de políticas para a publicação de obras, não se preocupando em atuar fisicamente dentro das bibliotecas (LEITÃO, 2011, p. 165). Sendo assim, constituía-se um simulacro de democracia: os livros chegavam às bibliotecas, pois a censura já era realizada na fonte de publicação e, assim, não havia necessidade de determinações diretas para as unidades de informação. Aliás, segundo Bastos (2008, p. 20), “[...] no Brasil, poucas informações se possuem sobre as práticas de censura em bibliotecas”.

Em relação ao papel da biblioteca e do bibliotecário, acreditamos que a possibilidade de tornar os usuários cidadãos críticos, superando visões preconceituosas contra as ditas minorias ao intencionar o acesso democrático, é riquíssima e, por isso, o

11

Sobre essa biblioteca Battles (2003, p. 29) informa, na verdade, a existência de duas bibliotecas geograficamente próximas e, por isso, tidas como uno.

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profissional deve reconhecer o seu papel político e imparcial, posicionando-se em relação à censura. Escolhemos o termo “político”, pois, como Almeida Júnior (1997, p. 90) ressalta, ao se reportar a fala de João Ubaldo Ribeiro “política tem a ver com o processo de formulação e tomada de decisões que afetem, de alguma maneira, a coletividade”. Para justificar sua posição, o mesmo autor vai além, pois

Como pode o bibliotecário se considerar imparcial se os materiais do seu acervo são parciais? Como pode o bibliotecário se considerar imparcial se a própria localização da biblioteca onde trabalha serviu a interesses políticos e que não exprimem a real necessidade da comunidade? (ALMEIDA JÚNIOR, 1997, p. 92)

Retomamos, assim, o disposto por Mueller (1984) e acreditamos ser preciso nos libertar das fortes amarras do tecnicismo excessivo e nos conscientizar sobre a nossa parcialidade e a de nossa atividade, dado que “[...] os bibliotecários [...] sempre estarão a serviço de algum grupo” (MATTOS, 2001, p. 76), afinal a biblioteca é “[...] um espaço de busca, criação e produção de conhecimentos, mas nunca dissociado das políticas econômicas e da estrutura de poder do sistema social mais amplo” (MATTOS, 2001, p. 100).

Por isso, é essencial compreender o papel social da nossa profissão e, nos aliarmos à visão da Universidade de Chicago – que já nos idos de 1960 “[...] entendia as bibliotecas como unidade essencial de organização social” (LEITÃO, 2011, p. 132) e por isso inseriu a pós-graduação em Library Science nas Ciências Sociais.

Referências

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