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O TAMBOR COMO TEXTO: O USO DOS DESFILES DE ESCOLAS DE SAMBA NO ENSINO DE HISTÓRIA

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O TAMBOR COMO TEXTO: O USO DOS DESFILES DE

ESCOLAS DE SAMBA NO ENSINO DE HISTÓRIA

BULCÃO, Renata1

Grupo de Reflexão Docente n. 11 – Ensino de História e Linguagens Artísticas: entre propostas e práticas

Resumo:

O presente trabalho parte da premissa de que a escola não é, e não deve ser o único veículo de ensino de história, e de que dentre as diversas outras formas de letramento histórico, podemos destacar - no Rio de Janeiro - o papel das Escolas de Samba. Identificamos nessas agremiações veículos produtores de narrativas sobre o passado. Por meios distintos daqueles cunhados pela Academia, os desfiles carnavalescos constroem visões sobre o passado de forma coletiva, compartilhada, retirando dos historiadores o monopólio deste tipo de conhecimento. Esse discurso produzido pelas Escolas de Samba se dá a partir de outras gramáticas, em uma espécie de desobediência epistêmica, o que nos obriga a investir nesse letramento, não apenas para nós como historiadores e professores, mas também em nome dos estudantes das nossas salas de aula. Aproximar os estudantes dessas gramáticas e desses olhares significa aproximá-los de uma brasilidade a qual o Brasil institucional e a História Oficial não contemplam.

Palavras-chave: História Pública; Escola de Samba; Brasilidade.

1. Por uma História Pública

Observando a vasta bibliografia e as inúmeras discussões do campo do ensino de história, percebemos uma característica em comum: a produção do conhecimento histórico parece estar restrita ao ambiente universitário e escolar. Ainda que estejamos cada vez mais abertos à inserção de temáticas e estratégias as mais diversas em nossas aulas, permanece a perspectiva de que o sujeito da produção de conhecimento histórico só pode ser o professor ou o aluno. Em sentido oposto, pretendemos aqui abrir as janelas para o reconhecimento de discursos diversos sobre o passado, produzidos por grupos sem relação institucional com escolas e universidades. Acreditamos, como afirma Meneses (2020), que “qualquer grupo ou pessoa pode produzir e falar sobre história, esse é um direito humano fundamental, e, nesse sentido, podemos vislumbrar as dimensões públicas dos usos do passado.”

1 Mestre em História Social da Cultura pela Puc-Rio. Mestranda do ProfHistória da UFF. E-mail de contato: renatablc17@gmail.com

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2 Afastamo-nos da perspectiva da Public History de Robert Kelley, que é definida como a

abertura de possibilidades de ação para historiadores fora do âmbito das universidades (SANTHIAGO, 2016). No entendimento de Kelley, o termo “público” refere-se às instituições que contratam historiadores para as diversas atividades relacionadas ao passado. Nesse sentido, porém, os historiadores seguem sendo, nas palavras de Spivak (2010), “sujeitos soberanos” do conhecimento. Spivak, ao pensar as relações coloniais, denuncia que os “subalternos” só ganham espaço de fala quando este é cedido a eles pelos intelectuais europeus, que se percebem como sujeitos soberanos do conhecimento. Trazendo essa reflexão para o nosso campo de ação, a

Public History não nos parece uma maneira efetiva de desmontar determinadas hierarquias.

Pretendemos nos utilizar, portanto, da História Pública como uma plataforma de ação, isto é, como uma forma de ocupar espaço com temas históricos, ou como uma maneira de repensar nossa própria prática historiográfica. Acreditamos que o termo “público” deve referir-se a grupos mais amplos de pessoas, que possam envolver-se com a produção de conhecimento. Defendemos que os historiadores deixem de ser figuras centrais e insubstituíveis, e que a autoridade da produção historiográfica passe a ser compartilhada (FRISCH, 1990).

Todos podem e todos devem falar do passado. Dessa forma, teremos sobre as experiências olhares mais diversos e interpretações também diversas, partindo de trajetórias distintas. O conhecimento produzido acerca desse passado assume, nesse sentido, múltiplas facetas, não se restringindo mais apenas ao texto escrito, mas incorporando outras formas de representação e performance.

2. Escolas de Samba produzindo história

Partindo desta problemática, nosso objeto de estudo se concentra nas Escolas de Samba, percebidas aqui como veículos públicos que produzem narrativas sobre o passado, ainda que por caminhos e métodos diferentes daqueles adotados pela historiografia tradicional, restrita à Academia. Na tentativa de romper a fronteira entre produção e recepção, e buscar um público que não seja apenas plateia para o discurso de outros, e sim ator de discussões históricas (JORDANOVA, 2008), poderíamos perceber os enredos das Escolas de Samba como o produto de um grupo de sujeitos que se assumem intérpretes da sua própria história.

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3 Nesse sentido, é essencial que, para a análise dessas narrativas, sejam levados em

consideração as questões de autoria e de contexto. Se lidos como discursos historiográficos, os enredos das Escolas de Samba devem ser examinados a partir da identificação do contexto de produção, além da percepção dos sujeitos que os elaboraram. Tomemos como exemplo alguns enredos que tratam do tema da escravidão e da Lei Áurea. O trecho abaixo foi retirado do samba-enredo cantado pelo G.R.E.S. Unidos de Lucas, em 1968, intitulado "Sublime Pergaminho”:

Ó sublime pergaminho Libertação geral

A princesa chorou ao receber A rosa de ouro papal

Uma chuva de flores cobriu o salão E o negro jornalista

De joelhos beijou a sua mão

Uma voz na varanda do paço ecoou: “Meu Deus, meu Deus

Está extinta a escravidão”2

Os versos claramente exaltam a figura da Princesa Isabel como grande redentora dos escravizados, valorizando o momento da assinatura da Lei Áurea, identificada como um “sublime pergaminho”. Podemos compará-los com um trecho retirado do samba-enredo do G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti, de 2018, intitulado: “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”:

Uma Lua atordoada assistiu fogos no céu Áurea feito o ouro da bandeira

Fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel Meu Deus! Meu Deus!

Se eu chorar, não leve a mal Pela luz do candeeiro Liberte o cativeiro social

Não sou escravo de nenhum senhor Meu Paraíso é meu bastião

Meu Tuiuti, o quilombo da favela É sentinela na libertação3

2 Compositores: Zeca Melodia, Nilton Russo e Carlinhos Madrugada. Retirado de:

<http://www.galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/unidos-de-lucas/1968/> Acesso em 15 de novembro de 2020.

3 Compositores: Cláudio Russo, Moacyr Luz, Jurandir, Zezé e Aníbal. Retirado de:

<http://www.galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/paraiso-do-tuiuti/2018/> Acesso em 15 de novembro de 2020.

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4 Nesse caso, a distância de 50 anos entre as composições trouxe uma nova perspectiva sobre a

sobre a Abolição da Escravidão. A interrogação no título da obra de 2018 coloca em dúvida a visão defendida pela Unidos de Lucas décadas antes. Vemos agora a denúncia do “cativeiro social” no qual a população negra permanece desde 1888, e a exaltação dos quilombos como verdadeiros sentinelas da libertação, além da identificação da favela como uma nova espécie de quilombo. Analisar o discurso desses dois sambas, portanto, passa diretamente pela análise do contexto histórico no qual cada um foi produzido, assim como com qualquer texto historiográfico.

Para além do contexto, é necessária também a identificação dos sujeitos que produziram produziram aquele desfile. Ainda sobre o tema da Abolição da Escravidão, podemos citar dois enredos do carnaval de 2019, que, apesar de contemporâneos, apresentavam perspectivas bastante distintas. A Unidos de Vila Isabel defendia um enredo sobre a cidade de Petrópolis, enquanto a Estação Primeira de Mangueira trazia uma história dos “excluídos” no Brasil. Em entrevista ao jornal O Globo, os carnavalescos Edson Pereira, da Vila Isabel, e Leandro Vieira, da Mangueira, discorreram sobre seus argumentos: Ao serem questionados sobre a importância da Princesa Isabel, Pereira afirmou que "Ela é a primeira socialista do Brasil. Lembram-se dela pela abolição da escravidão, mas muito antes começou a cuidar do povo". Já Vieira respondeu: "O protagonismo dela frente à abolição foi nulo, se comparado à atuação negra".4 Novamente percebemos que pontos de vista distintos podem ser apresentados pelos enredos das Escolas de Samba, fazendo-se imprescindível a identificação de autoria e contexto para a análise desses desfiles.

3. Por outras gramáticas

Além da identificação do contexto e da autoria, há uma outra questão de extrema importância no estudo dos desfiles carnavalescos: como se dá a construção dessa narrativa? O processo de elaboração do enredo se inicia, em geral, a partir da pesquisa realizada pelo carnavalesco, profissional responsável pela criação artística do desfile. Essa pesquisa se transforma em um texto escrito, que compõe o compilado de informações enviado aos jurados que avaliarão a apresentação. Observando por essa descrição simplista, poderíamos considerar,

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5 então que o agente que escreve o enredo é o carnavalesco. A história produzida pelas Escolas de

Samba, nesse sentido, não teria uma autoridade compartilhada entre sujeitos mais diversos, já que, mais uma vez, é produzida por homens brancos de classe média5, sem a participação de outros grupos.

Essa visão, no entanto, compreende como enredo apenas o texto escrito, ignorando todos os outros elementos que compõem um desfile e que, portanto, constroem igualmente a narrativa apresentada. Um desfile de Escola de Samba é composto também de quesitos musicais, estéticos e da própria participação física dos componentes. A partir do texto do carnavalesco uma sinopse é apresentada à ala de compositores da agremiação, para que seja produzido um samba-enredo com base naquela temática e no desenvolvimento proposto. Com o samba-enredo composto e escolhido, o departamento musical entra em ação, produzindo arranjos para os instrumentos de corda, e “bossas” para a bateria, comandada, em geral por pessoas ligadas diretamente às comunidades.

É o que percebemos, por exemplo, no desfile da Estação Primeira de Mangueira para o Carnaval de 2019: o enredo, já citado, pretendia contar as trajetórias de grupos oprimidos, “esquecidos” pela História Oficial. Para além do texto e da letra do samba, a bateria do mestre Wesley contava a mesma narrativa: a bossa marcheada, que lembrava os “anos de chumbo” era interrompida pelo soar de atabaques e pelo canto dos próprios ritmistas, fazendo com que as vozes e tradições negras vencessem a batalha contra a rigidez das autoridades.6

Analisando os quesitos estéticos, percebemos também a participação de uma gama mais ampla de pessoas, que formam as fileiras de trabalhadores dos barracões e ateliês, construindo e repensando os projetos de alegorias e fantasias, para colocá-los em prática. É o que mostra Natal (2020), em artigo em que analisa as Escolas de Samba dos grupos menos conhecidos do Carnaval carioca. Como resultado de todo esse esforço temos um desfile, que nada mais é do que um grande conjunto de pessoas, de perfis e trajetórias diversas, reunidas produzindo um evento vivo e em movimento.

5 Entre os 17 carnavalescos que assinaram os desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2020 há apenas uma mulher (Márcia Lage, que assinou juntamente com seu marido Renato Lage o desfile de Portela) e um homem negro (João Vitor Araújo, que assinou o desfile do Paraíso do Tuiuti).

6 A bossa em questão pode ser ouvida aos 4:35 da gravação disponível no YouTube: <https://www.youtube.com/watch?v=jTHNh1gzLJA&t=282s>

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6 A própria participação e performance dessa massa de pessoas é parte constitutiva do

evento. Em documentário sobre o desfile da Unidos de Vila Isabel para o Carnaval de 1988, membros da agremiação afirmam que é impossível contar a história dessa apresentação sem mencionar que os componentes estariam “incorporados”, o que garantiu a vitória. O nome do carnavalesco responsável pelo enredo é citado poucas vezes ao longo do filme.7

Todos esses elementos - som, estética e performance - são partes constituintes de um desfile e, portanto, da construção da narrativa que é contada pela Escola de Samba em sua apresentação. Defendemos, assim, que o conhecimento histórico produzido por essas agremiações é feito de forma coletiva: são narrativas construídas a muitas mãos, muitos pés e muitas vozes. Essa perspectiva, todavia, só se concretiza se adotamos um olhar decolonial, que valorize formas de conhecimento outras que não apenas o texto escrito.

Em crítica às persistentes relações de dominação entre os continentes, Quijano (2009) identifica na tradição eurocêntrica uma noção de razão que se diz universal, isto é, a valorização de uma forma específica de produção de conhecimento, uma forma de racionalidade que se transformou no “emblema da modernidade”. A colonialidade do poder incide, portanto, não apenas na instância do “ser”, mas também na instância do “saber”. No mesmo sentido, Mignolo (2010) identifica a persistência da colonialidade no âmbito acadêmico, denunciando a exaltação de autores europeus em detrimento dos intelectuais latinoamericanos. Propõe então uma “opção decolonial”, baseada naquilo que denomina de “desobediência epistêmica”: o redirecionamento do olhar para os autores latinoamericanos, que seriam capazes de produzir análises mais contextualizadas sobre a realidade do nosso continente.

Mais do que a valorização da intelectualidade local, no entanto, pretendemos aqui refletir sobre os moldes desse conhecimento. Para Spivak (2010), a possibilidade de fala do subalterno, muitas vezes, se dá na subversão da linguagem, com a utilização do próprio corpo. Apenas a partir da corporialidade seria possível, então, uma “reescrita subalterna” de determinados textos sociais. Mignolo acena também para essas gramáticas coloniais, buscando, de alguma forma, “questionar os fundamentos da imagem de intelectual centrada no domínio do alfabeto, em línguas imperiais, o que negaria o papel da oralidade e das pessoas que assumiam a função de

7 KIZOMBA - 30 anos de um Grito Negro na Sapucaí. Direção de Natalia Sarro. Rio de Janeiro: Departamento

Cultural da Unidos de Vila Isabel, 2018. Disponível em:

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7 transmitir o conhecimento, edificar moralmente e reproduzir suas comunidades através de

narrativas” (FREITAS e MORAIS, 2019).

Buscando, então, essa perspectiva decolonial, procuramos evidenciar outras formas de produção de conhecimento, outras racionalidades, igualmente válidas, e que são capazes de construir narrativas complexas, como nos demonstram Simas e Rufino (2019):

Fala-se muito, por exemplo, que as escolas de samba, durante boa parte de suas trajetórias, contaram em seus enredos a História oficial, as efemérides da pátria e os propalados grandes personagens. Isso é verdade se atentarmos apenas para os enredos e letras dos sambas. As baterias, todavia, contavam outra coisa, elaboravam outros relatos, perceptíveis para aqueles que conheciam a gramática dos tambores. (...) Quem apenas observar a gramática das letras, ao ouvir o samba de 1968 da Mocidade Independente de Padre Miguel, vai identificar a homenagem ao pintor alemão Johann Moritz Rugendas, um personagem canônico. Quem aprendeu o tambor, todavia, escutará a louvação aos orixás caçadores sintetizados nos mitos de Oxossi e no toque do agueré. Enquanto as fantasias, alegorias e a letra do samba evocavam o homem das telas e pincéis, a bateria evocava a cadência e a astúcia do caçador que conhece os atalhos da floresta e caça, durante sua dança, as mazelas e dores das mulheres e dos homens para curá-las.

Essas narrativas, expressas na gramática dos tambores, seriam, portanto, uma forma de se contar o Brasil de maneira distinta daquela da Academia, valorizando saberes outros, ligados menos ao “Brasil institucional” e mais à brasilidade, na noção de Simas (ALMEIDA, 2020):

[O Brasil institucional] é um projeto colonial estruturado a partir de uma dimensão hetero-patriarcal branca, fundado na domesticação dos corpos (...). Ao mesmo tempo que você tem esse Brasil institucional (...) você tem a brasilidade que é um caldo de cultura que opera nas frestas do Brasil institucional e numa situação que tensiona a relação com esse Brasil institucional.

As Escolas de Samba são representantes, nesse sentido, de uma História Pública que busca derrubar muros e quebrar as hierarquias que privilegiam o conhecimento acadêmico, representante de um racionalismo eurocentrado. Podemos dizer que elas produzem uma história não só para o público e em público, mas sobre o público8 e, necessariamente, com o público, utilizando-se, para isso, de linguagens distintas daquelas valorizadas pela Academia.

Para além da forma de produção de narrativas, os desfiles das Escolas de Samba representam também um veículo de divulgação de discussões sobre o passado para uma

8 Se considerarmos os enredos produzidos a partir dos anos de 1960, isso se torna mais claro, com a valorização de temáticas africanas. Ver: BULCÃO, 2014.

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8 audiência mais ampla. Ao contrário de muitos historiadores ligados às universidades, que

publicam livros e teorias para um universo restrito de leitores, é seguro dizer que as agremiações carnavalescas possuem uma recepção muito mais ampla e diversa. Muitas vezes, portanto, ajudam a produzir uma consciência histórica, um raciocínio histórico, em um grupo muito mais extenso de pessoas.

Portanto, olhar para as narrativas sobre o passado produzidas pelas Escolas de Samba significa também realizar uma autoreflexão e nos questionar: “qual história pretendo contar?”. Esse questionamento se torna central no trabalho com o ensino de história dentro das salas de aula da educação básica. Nossas práticas atingem os estudantes da forma como gostaríamos? Elas reproduzem os olhares eurocentrados tradicionais ou apresentam novas gramáticas?

4. Possibilidades para o ensino de história

Com essas inquietações em mente, percebemos o espaço escolar como um espaço de encontro entre a História Pública e a História Acadêmica. Dessa forma advogamos pelo desenvolvimento de estratégias de conexão entre o universo das Escolas de Samba e as salas de aula, isto é, estratégias didáticas que disponham da experiência de letramento histórico promovida pelas agremiações carnavalescas, utilizando-se do formato diferenciado que elas apresentam.

Observamos que a utilização das produções dessas agremiações não é uma prática incomum entre professores do ensino básico.9 Essas propostas, no entanto, têm como foco principal a análise de letras de sambas de enredo que utilizam como temática eventos da História do Brasil. Em pesquisas realizadas no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) há alguns poucos exemplos de práticas que ampliam o recorte, demonstrando uma percepção mais global da experiência proporcionada pelas Escolas de Samba (NASCIMENTO, 2018 e SILVA JUNIOR, 2020).

Utilizar somente as letras dos sambas de enredo como objeto de atividade com os estudantes em sala significa apenas selecionar uma temática retirada do currículo tradicional e apresentá-la em um “pacote” mais atrativo: o texto do carnavalesco e do compositor. Eliminam-se dessa forma as possibilidades de percepção da produção participativa do conhecimento que as

9 Há, inclusive, publicações voltadas apenas para esse fim. Alguns exemplos são: AQUINO; DIAS, Luiz Sérgio, 2009, e também RANGEL; FREITAS, 2014.

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9 Escolas de Samba representam, já que essa coletividade se apresenta por meio de outras

linguagens que não o texto escrito. Assim como Audre Lorde afirma que “as ferramentas do mestre nunca irão desmantelar a casa do mestre” (LORDE, 2013), trabalhar os desfiles carnavalescos com a utilização apenas do texto escrito não é suficiente para abrir os olhos e mentes dos estudantes à brasilidade. É importante também letrar os estudantes nas outras gramáticas, tão necessárias ao entendimento das realidades brasileiras. Para “desmantelar a casa do mestre” que a nossa educação eurocentrada representa, são necessárias abordagens mais globais dos desfiles carnavalescos, que levem para as salas de aula não apenas o texto, mas também o som, a cor, o movimento.

Referências

ALMEIDA, Silvio. A brasilidade é libertária: Antonio Simas no Entrelinhas. Youtube, 07 de novembro de 2020. Disponível em <https://youtu.be/dnM5I5wWePs>. Acesso em 08 de novembro de 2020.

AQUINO; DIAS, Luiz Sérgio. O Samba-Enredo visita a História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2009.

BULCÃO, Renata. "Será que já raiou a liberdade?": Abolição e negritude nas escolas de samba do Rio de Janeiro. In: Anais do XVI Encontro Regional de História da Anpuh-Rio. Rio de Janeiro, 2014.

FREITAS, Altiere Dias de.; MORAIS, Jorge Ventura de. O intelectual segundo o pensamento decolonial de Walter Mignolo: redescrição e axiologia. In: Revista Interritórios, v.5, n.8, 2019. FRISCH, Michael. Shared Authority: Essays on the Craft and Meaning of Oral and Public History. Nova Iorque: State University of New York Press, 1990.

GUEDES, Rafael Pereira. Negritude e sambas enredo no Carnaval de 1988: A caixa do samba e os GRES Beija Flor, Mangueira, Tradição e Vila Isabel em interface com o ensino de história. Dissertação (ProfHistória) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2019.

JORDANOVA, Ludmilla. “How history matters now”. History & Policy, 2008. Disponível em: <http://www.historyandpolicy.org/policy-papers/papers/how-history-matters-now>. Acesso em: 01 de novembro de 2020.

LORDE, Audre. “Mulheres negras: As ferramentas do mestre nunca irão desmantelar a casa do mestre”. Geledes, 2013. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/mulheres-negras-as-ferramentas-do-mestre-nunca-irao-desmantelar-a-casa-do-mestre/>. Acesso em 03 de novembro de 2020.

MENESES, Sonia. “Que história a Folha vai contar?”. Humanas em Rede, 2020. Disponível em: <https://www.humanasrede.com/post/que-hist%C3%B3ria-a-folha-vai-contar>. Acesso em: 30 de outubro de 2020.

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10 MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de

identidade em política. In: Revista Gragoatá, n. 22, p. 11-41, 2007.

________. Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2010.

NASCIMENTO, Clemir Barbosa do. Abram alas pra História! Da concepção do enredo à

Sapucaí: os desfiles das escolas de samba como didática para o ensino de História em escolas de

privação de liberdade. Dissertação (ProfHistória) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2018.

NATAL, Vinicius. Pra colocar o carnaval na rua: Sociabilidade e resistência em uma escola de samba do grupo de acesso carioca. 2020 (no prelo)

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura.

Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009.

RANGEL, Maria Lucia; FREITAS, Tino. Aula de Samba: A História do Brasil em grandes sambas-enredo. Rio de Janeiro: Edições de janeiro, 2014

SANTHIAGO, Ricardo. "Duas palavras, muitos significados: Alguns comentários sobre a história pública no Brasil". In: Mauad, Ana Maria; Almeida, Juniele Rabêlo de; Santhiago, Ricardo. História pública no Brasil: Sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz. 2016. SANTHIAGO, Ricardo. História pública e autorreflexividade: da prescrição ao processo. In:

Tempo e Argumento, v.10, n.23. Florianópolis, 2018.

SILVA JUNIOR, Lourival Mendonça. Samba-enredo e trajetórias negras: uma proposta de sequência didática para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira. Dissertação (ProfHistória) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2020.

SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. "A Gramática dos Tambores". In: Fogo no mato: A ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.

SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar?. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

VIEIRA, Fabiolla Falconi. O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de história. Dissertação (ProfHistória) - Universidade Federal de Santa Catarina, 2016.

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