MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nº 1209/13 – MJG
HABEAS CORPUS N.º 118.513/PR
PACTE:
ELIAS RIBAS
IMPTE:
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
IMPDO:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATOR: EXMO. SR. MIN. DIAS TOFFOLI
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL.
DESCAMINHO OU CONTRABANDO – ART. 334, CP.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. TRIBUTO QUE NÃO SUPERA O
LIMITE PREVISTO NO ART. 20 DA LEI N. 10.522/02.
IRRELEVÂNCIA NO CASO CONCRETO. PRODUTO
SOBRE O QUAL INCIDE PROIBIÇÃO RELATIVA –
CIGARROS –, DANDO RELEVÂNCIA À TIPICIDADE
PENAL. CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL. COAÇÃO ILEGAL
INEXISTENTE.
- Parecer pela denegação da ordem.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos autos
em epígrafe, diz a V.Exa. o que segue:
Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria
Pública da União, em favor de Elias Ribas, contra ato do Superior Tribunal
de Justiça, que, à unanimidade dos membros de sua Quinta Turma, negou
provimento ao agravo interno no REsp 1.366.118/PR, em acórdão proferido
nos moldes da seguinte ementa (e-STJ 460):
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. CRIME QUE OFENDE A SAÚDE PÚBLICA. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. ALTERAÇÃO DO PATAMAR DE R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS) PARA R$20.000,00 (VINTE MIL REAIS). PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O entendimento cristalizado pela Terceira Seção do STJ, em relação ao princípio da insignificância, aplica-se apenas ao delito de descaminho, que corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, elidindo, tão somente, o pagamento do imposto.
2. No crime de contrabando, além da lesão ao erário público, há, como elementar do tipo penal, a importação ou exportação de mercadoria proibida, razão pela qual, não se pode, a priori, aplicar o princípio da insignificância.
3. Agravo regimental improvido.”
Consta nos autos que o paciente foi denunciado como
incurso no art. 334, caput, do Código Penal
1, após ser flagrado na posse de
35 (trinta e cinco) caixas de cigarros de origem estrangeira, sem a
documentação comprobatória de sua regular importação e do recolhimento
dos tributos devidos. As mercadorias foram avaliadas em R$ 6.886,40 (seis
mil e oitocentos e oitenta e seis reais e quarenta centavos), sendo de R$
16.657,28 (dezesseis mil e seiscentos e cinquenta e sete reais e vinte e oito
centavos) o valor dos tributos federais elididos (Imposto de Importação e
Imposto sobre Produto Industrializado) (e-STJ 2/4).
Por sentença proferida em 19/9/2012 (e-STJ 170/176),
o paciente foi sumariamente absolvido (art. 397, III, CPP), reputando o juiz
1 “Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena quem: [...] c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;”
sentenciante incindir na espécie o princípio da insignificância, uma vez que
o valor dos tributos elididos não superou R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A
decisão absolutória foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região
2, em acórdão proferido nos moldes da seguinte ementa (e-STJ 350):
“Direito Penal. Art. 334 do CP. Contrabando de cigarros.
Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Expressivo desvalor da conduta e ofensa a outros bens jurídicos relevantes. Atipicidade. Não configuração. 1. Consoante
recente entendimento das duas turmas do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de internalização irregular de cigarros (1ª figura do art. 334 do CP) não há como aplicar o princípio da insignificância para tornar atípica a conduta do agente. 2. Os fundamentos da não incidência do aludido preceito consistem em: a) ser a mercadoria proibida no território nacional; b) haver ofensa à saúde pública e à atividade industrial pátria; c) não ser o crime puramente fiscal; e d) não estar implementado um dos seus elementos balizadores (reduzido desvalor da conduta). 3. In casu, presentes os requisitos legais, impõe-se a remessa dos autos à vara de origem, a fim de dar regular prosseguimento ao feito.”
Confirmado o decisum pela Corte Superior (REsp n.º
1.366.118/PR), a defesa se insurge neste remédio heroico pugnando pelo
restabelecimento da sentença absolutória, diante da atipicidade material da
conduta praticada.
Em síntese, aduz que o bem jurídico tutelado no crime
de contrabando (art. 334, CP) é a arrecadação tributária, circunstância que,
somada ao ínfimo valor dos tributos elididos pelo paciente – inferior a R$
20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido na Portaria 75/2012 do Ministério
da Fazenda –, implicaria na atipicidade material da conduta praticada.
É o relatório.
A despeito da orientação jurisprudencial firmada nesse
Tribunal no sentido da aplicação do princípio da insignificância aos crimes
de descaminho (art. 334, CP
3), a súplica não prospera.
Isto porque, na espécie, está-se diante da importação
irregular do total de 35 (trinta e cinco) caixas contendo pacotes de cigarro,
que, por estar sujeita a diversas exigências legais, submete-se a proibição
relativa, bastante a caracterizar, em caso de inobservância dessas normas, o
crime de contrabando. Nesse sentido, tem-se o magistério de Paulo José da
Costa Júnior, que deixa clara a distinção entre os delitos de contrabando e
de descaminho, tipificados no mesmo art. 334 do Código Penal:
“O contrabando, além de atentar contra o erário público, poderá ofender a higiene, a moral ou a segurança pública, sendo idôneo ainda a prejudicar a indústria nacional.
O descaminho, ao contrário, é essencialmente um ilícito de natureza fiscal, atentando apenas contra o erário público. Como se costuma dizer, o descaminho é um contrabando contra o Fisco.
A tutela ao erário público nacional é o bem protegido, essencialmente. Ou ainda a economia nacional, o que justifica a classificação sistemática do delito, dada a concepção ampla de administração pública. Subsidiariamente, no contrabando, outros bens, retromencionados, são igualmente tutelados [...]
No que concerne ao contrabando, impõe-se verificar se os gêneros e mercadorias são proibidos. A proibição pode ser relativa ou absoluta. Será absoluta a proibição tendo-se em vista a natureza da mercadoria (tóxicos). A proibição relativa pode ser distinguida quanto ao tempo e quanto à forma.”4
Portanto, a conduta do paciente não pode ser tida sob o
simples aspecto fiscal/monetário para fins de incidência do princípio da
insignificância, pois sua conduta repercute em bens jurídicos outros.
3 “Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.”
4 COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 7ª ed. Saraiva. São Paulo : 2002,
Anote-se que ao aplicar a lei o julgador deve atender
aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum (art. 5º,
LICC), devendo observar, criteriosamente, a influência que suas decisões
produzirão no meio social. Daí o descabimento da aplicação do princípio da
insignificância ao caso sob análise, mormente nos dias de hoje, quando se
notam os enormes esforços dos órgãos públicos (Polícia Federal, Receita
Federal, etc.) no combate ao contrabando de cigarros, dado o elevado grau
de lesividade que a prática pode causar, especialmente no âmbito da saúde
pública. Não é outro o entendimento desse Supremo Tribunal Federal:
“PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE
CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. ORDEM DENEGADA. I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. II – No caso sob exame, o paciente detinha a posse, sem a documentação legal necessária, de 22.500 (vinte e dois mil e quinhentos) maços de cigarro de origem estrangeira, que, como se sabe, é típica mercadoria
trazida do exterior, sistematicamente, em pequenas quantidades, para abastecer um intenso comércio clandestino, extremamente nocivo para o País, seja do ponto de vista tributário, seja do ponto de vista da saúde pública.
III – Os autos dão conta da reiteração delitiva, o que impede a aplicação do princípio da insignificância em favor do paciente em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. IV - Ordem denegada.”5 (g. n.)
“PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica
5 HC 118000, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em
provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009) [...] 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria
importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu , muito embora também haja
sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A
insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não
tratar-se de delito puramente fiscal. [...] 8. Ordem denegada.”6 (g. n.)
Destarte, opina-se pela denegação da ordem.
Brasília, 07 de outubro de 2013.
MARIO JOSÉ GISI
Subprocurador-Geral da República
6 HC 100367, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe-172