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Os verbos botar e colocar em Salvador e Porto Alegre: um estudo variacionista nos dados do Atlas Linguístico do Brasil

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OS VERBOS BOTAR E COLOCAR EM SALVADOR E

PORTO ALEGRE: UM ESTUDO VARIACIONISTA NOS

DADOS DO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL

THE VERBS BOTAR AND COLOCAR IN SALVADOR AND

PORTO ALEGRE: A VARIATIONIST STUDY ON

LINGUISTIC ATLAS OF BRAZIL DATA

Cassio Murilio Alves de LAVOR

Vinicius da Silva VIEIRA

Aluiza Alves de ARAÚJO

Universidade Estadual do Ceará, Brasil

RESUMO |INDEXAÇÃO | TEXTO | REFERÊNCIAS | CITAR ESTE ARTIGO | O AUTOR

RECEBIDO EM 03/06/2019 ● APROVADO EM 02/01/2020

Resumo

Com base nos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 2008; WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006), este trabalho objetiva analisar a variação entre as formas verbais botar e colocar, no sentido de pôr, nos falares de Salvador, capital da Bahia, e de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a partir de dados extraídos do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB). A amostra compôs-se de 16 informantes estratificados por sexo, faixa etária,

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Miguilim – Revista Eletrônica do Netlli | V. 8, N. 3, p. 493-511, set.-dez. 2019 escolaridade e localidade. A pesquisa contou com três rodadas de análise: uma geral com as duas capitais, uma só com Salvador e outra só com Porto Alegre. Das sete variáveis independentes controladas na rodada geral, apenas os grupos de fatores tópico discursivo e escolaridade foram selecionados como relevantes para o verbo botar. A análise, neste estudo, levou-nos a concluir que o uso do verbo botar é frequente nos dados examinados, sobrepondo-se à sua variante concorrente colocar. Não obstante ocorrer em menor número, a variante colocar também se mostrou frequente, com 33,5% das ocorrências totais.

Abstract

Based on the theoretical-methodological assumptions of the Variationist sociolinguistics (LABOV, 2008; WEINREICH LABOV HERZOG, 2006), this work aims to analyze the variation between the verbal forms botar and colocar in order to put, speak of Salvador, capital of Bahia, and Porto Alegre, capital of Rio Grande do Sul, from data extracted from the linguistic Atlas of Brazil (ALiB). The sample consisted of 16 informants stratified by gender, age, schooling and locality. The research included three rounds: a general with the two capitals, one with Salvador and the other only with Porto Alegre. Of the seven independent controlled variables, only the groups of factors discursive topic and schooling were selected as relevant for the verb botar. The analysis in this study led us to conclude that the use of the verb botar is frequent in the data examined, overlapping with its competitor variant. Although it occurs in smaller numbers, the variant colocar was also frequent, with 33.5% of the total occurrences.

Entradas para indexação

PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Botar. Colocar. Pôr. ALiB. KEYWORDS: Linguistic variation. Botar. Colocar. Put. ALiB.

Texto integral

Introdução

A partir dos estudos sociolinguísticos, podemos constatar o fato de que muitos fenômenos da língua são variáveis no português do Brasil, contribuindo significativamente para a formação de uma gramática do português falado no nosso país e também para reflexões acerca das variabilidades, inerentes às línguas naturais. Além disso, acreditamos, também por meio de pesquisas acerca da variação linguística, que fenômenos variáveis se manifestam de formas distintas em diferentes comunidades, condicionados por fatores linguísticos e sociais, reveladores da estrutura e evolução da língua no real contexto de uso em que ela ocorre. Um desses fenômenos é o uso dos verbos botar e colocar, e o intuito de descobrirmos se os esses verbos variam mais em dialetos da Região Nordeste ou não, motivaram-nos a fazer essa pesquisa. Levando em consideração a importância de duas capitais brasileiras de regiões diferentes, Salvador e Porto Alegre, levantamos, para esta breve pesquisa, as seguintes questões: como os verbos botar

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e colocar se apresentam nessas duas comunidades de fala? O que promove a escolha, no momento da fala, por uma dessas formas verbais variantes aplicadas com o mesmo valor de verdade no mesmo contexto social (TARALLO, 1997)? Nesse sentido, entendemos que a melhor maneira de registrarmos como os verbos sob análise se comportam nas capitais dos solos baiano e gaúcho é a partir de um estudo variacionista, lançando mão do aparato teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006).

Portanto, nosso objetivo neste artigo é analisar a variação dos verbos botar e colocar, no sentido de pôr, nas comunidades de fala das capitais Salvador (BA) e Porto Alegre (RS), a partir de dados extraídos do banco de dados Atlas Linguístico do Brasil (doravante, ALiB), identificando quais fatores levam o falante a escolher entre uma das formas variantes e qual destas é mais empregada no falar das comunidades pesquisadas.

Identificamos, a partir de nossas pesquisas prévias, que o fenômeno variacionista estudado aqui ainda é pouco pesquisado, fato que nos permite elaborar reflexões e encontrar explicações, procurando entender o funcionamento da alternância entre esses verbos, botar e colocar, pois nada na língua funciona aleatoriamente. De antemão, acentuamos que o presente estudo contribui com o projeto de construção de um retrato sociolinguístico do falar dos brasileiros em diferentes localidades, o que leva a entender a complexidade da língua portuguesa e seus desdobramentos.

Além desta introdução – onde explicitamos nosso tema, justificativa e objetivo –, organizamos retoricamente o presente artigo em cinco seções, nas quais constam respectivamente: arcabouço teórico; breve revisão de literatura; metodologia; análise e discussão dos dados e considerações finais. Na próxima seção, explanamos sobre os fundamentos teóricos que norteiam nosso estudo.

O arcabouço teórico laboviano

Em contrapartida às correntes estruturalistas dos estudos linguísticos, a Sociolinguística Variacionista passou a ter o seu terreno mais bem assentado a partir da década de 1960 com a dedicação de William Labov na formulação de princípios teórico-metodológicos que até hoje regem, em várias partes do mundo, as principais pesquisas sobre variação e mudança linguísticas.

Um desses princípios é o da heterogeneidade organizada frente aos fenômenos variáveis da língua, ou seja, que estes não ocorrem caótica e desordenadamente, mas podem ser sistematizados, uma vez que fatores linguísticos e sociais condicionam e explicam o uso de uma ou outra variante nos processos de variação (LABOV, 2008). Ou seja, a Sociolinguística Laboviana defende que, em todos os níveis da análise da língua (não só no nível fonológico), há fenômenos linguísticos, que são as variáveis, para os quais há formas distintas (variantes) de se dizer um mesmo conteúdo representacional, e essa variação é motivada por fatores internos e externos à língua. A título de exemplo, tenha-se o objeto de análise neste estudo, que é um fenômeno lexical: o item verbal na língua

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para expressar o sentido de pôr é a variável, cujas variantes são os verbos botar e

colocar, haja vista ambos exprimirem o referido sentido com o mesmo valor de

verdade.

Assim, quebra-se o paradigma outrora proposto de que aspectos como sistematicidade e ordenamento ligam-se somente ao âmbito da homogeneidade, reconhecendo-se, dessa forma, o estatuto social da língua, diretamente ligado ao reconhecimento do comportamento linguístico real não com base em indivíduos ideais, mas a partir da comunidade de fala. E o estudo em uma comunidade de fala é altamente sistematizável justamente porque seus membros, consoante Labov (2008, p. 225), “[...] compartilham um conjunto comum de padrões normativos, mesmo quando encontramos uma variação altamente estratificada na fala real”.

Nesse contexto, o que os estudos linguísticos antes concebiam como variação livre ou ocasional, devendo ser desprezado para os processos de descrição linguística, passou a ser sistematizado com os estudos de Labov, ou seja, passou-se a aceitar um fato por muito tempo renegado: de que a língua constitui-se não só de regras categóricas, mas também de regras variáveis.

Desde os estudos do próprio Labov na ilha de Martha’s Vineyard (Massachusetts), onde analisou a variação fonético-fonológica de /ay/ e /aw/ tomando por base faixas etárias e grupos étnicos e ocupacionais (LABOV, 2008), vários foram os estudos variacionistas, que se espalharam e continuam sendo desenvolvidos em vários pontos do globo, atestando que variação e mudança são fatores inerentes às línguas e contribuem para uma descrição mais real e fidedigna dos usos que delas são feitos pelos falantes. Esse caráter de concreticidade é corroborado por Tarallo (1997, p. 18) ao afirmar que “o modelo teórico metodológico da sociolinguística parte do objeto bruto, polido, não-aromatizado artificialmente”.

Então, tendo traçado essas linhas gerais sobre alguns postulados sociolinguísticos, ao investigarmos a variação dos verbos botar e colocar em Salvador e Porto Alegre, estamos em consonância com o pensamento laboviano de que é um serviço bastante útil os linguistas, em suas pesquisas, banirem a ilusão da “deficiência verbal” ao oferecerem uma noção mais adequada das relações entre dialetos padrão e não padrão (LABOV, 2008). Por isso, para o presente estudo, foi importante conhecermos a revisão de literatura do assunto em questão, apresentada na próxima seção.

Revisão de literatura sobre a variação entre os verbos botar e colocar no PB

Em uma busca por trabalhos que contemplassem o fenômeno da variação entre os verbos botar e colocar no português brasileiro, encontramos poucos trabalhos, mesmo esses verbos se apresentando com muita frequência no Português do Brasil (doravante, PB), fato que torna essa pesquisa extremamente relevante. É preciso considerar que os verbos sob análise se apresentam de maneira indistinta e harmônica, já que não consideramos haver em suas formas variantes a presença de estigma, ou seja, nenhuma das duas formas em variação é

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marcada negativamente. Essa conclusão, todavia, não imuniza esses verbos de um juízo de valores, criado pelo senso comum, o qual, muitas vezes, atribui ao verbo

colocar o peso de correto e ao verbo botar, o de errado ou inovador.

Identificamos quatro trabalhos que analisaram o emprego dos verbos botar e colocar valendo-se dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006), o que interessa para a nossa pesquisa. Em virtude dessa similaridade, escolhemos esses quatro estudos como norteadores no processo de levantar questões, construir hipóteses e selecionar variáveis, a saber: Barreto, Oliveira e Lacerda (2012), que fizeram uso de dois

corpora, o Projeto Mineirês (UFMG) e o Projeto NURC/RJ (UFRJ); Carmo e Araújo

(2015), que usaram dados do corpus PORCUFORT; Lavor, Araújo e Viana (2018), que utilizaram dados do ALiB, assim como faremos nesta pesquisa; e Lavor (2018), que analisou dados do NORPOFOR. Nos próximos parágrafos, explanamos descrições mais detalhadas desses estudos, dando ênfase, principalmente, à apresentação dos bancos de dados, às variáveis selecionadas e aos resultados alcançados por cada pesquisa.

O último trabalho publicado, entre os elencados anteriormente, foi o de Lavor (2018), que analisou os verbos botar e colocar em Fortaleza-CE, extraindo dados de informantes do banco Norma do Português Oral Popular de Fortaleza (NORPOFOR). Nesse estudo, foi selecionado o tipo de inquérito DID (Diálogo entre Informante e Documentador) para selecionar uma amostra de 72 informantes, estratificados em função do sexo (masculino e feminino), faixa etária (I- 15 a 25 anos; II- 26 a 49 anos; III- a partir dos 50 anos) e escolaridade (A- 0 a 4 anos; B- 5 a 8 anos; C- 9 a 11 anos de escolarização). Para essa pesquisa, foram controlados grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos, a saber: sexo, faixa etária,

escolaridade, tópico discursivo, traço semântico e animacidade do objeto, (in)determinação do sujeito, papel do falante e sentido materializado pelo verbo na sentença, usando o verbo botar como valor de aplicação para a regra variável.

As análises dessa pesquisa foram produzidas a partir dos resultados estatísticos oferecidos pela ferramenta GoldVarb X (em seu melhor input1 e significance2), que, em uma primeira rodada, após retirados os nocautes3,

apresentou 846 ocorrências, sendo 664 para os verbos botar (78,5%) e 182

colocar (21,5%). O programa estatístico apontou o grupo de fatores tópico discursivo como favorável para o verbo botar, destacando deste grupo os fatores lazer (PR4 0,761), cotidiano (PR 0,693) e política local e nacional (PR 0,650) como

os maiores favorecedores. Para o autor, essa variável “mostrou-se muito relevante, tanto pelos resultados estatísticos como por nos fazer entender que o momento da fala é muito importante, quando buscamos entender o fenômeno da variação linguística” (LAVOR, 2018, p. 74).

Respeitando a ordem de seleção, o autor apresentou a variável faixa etária, destacando a faixa etária III, acima de 50 anos, com PR 0,612 como a maior favorecedora do verbo botar, seguida, de forma discreta, pela faixa etária II, 26 a 49 anos, com PR 0,525. A partir dos resultados apresentados para essa variável, o autor concluiu que a variação entre os verbos botar e colocar é um caso de variação estável. A terceira variável selecionada, escolaridade, destacou o fator B, 5 a 8 anos de escolarização, com PR 0,590, como o único favorecedor do verbo botar,

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seguido, de forma discreta, pelo fator A, 0 a 4 anos de escolarização, com PR 0,514. Quanto à variável linguística (in)determinação do sujeito, foi selecionado o fator

sujeito determinado pelo contexto (PR 0,523) como o único favorecedor do verbo botar.

Essa pesquisa apresentou, também, todas as análises para as variáveis que não foram selecionadas como relevantes para o verbo sob análise (sexo, traço

semântico e animacidade do objeto, papel do falante e sentido materializado pelo verbo na sentença). Além disso, fez um estudo detalhado sobre a variável sentido materializado pelo verbo na sentença, apresentando os resultados e análises para

os sentidos que se comportaram como relevantes para o uso do verbo botar. Já a pesquisa de Lavor, Araújo e Viana (2018) selecionou 84 informantes, 42 do sexo masculino e 42 do sexo feminino, extraídos do corpus ALiB, com o objetivo de analisar a variação dos verbos botar, colocar e pôr em três estados do Nordeste: Alagoas (Arapiraca, Santana do Ipanema e Maceió), Ceará (Camocim, Canindé, Crateús, Crato, Iguatu, Ipu, Limoeiro do Norte, Quixeramobim, Russas, Sobral, Tauá e Fortaleza) e Piauí (Canto do Buriti, Corrente, Picos, Piripiri e Teresina). Após ouvir todos os inquéritos, na íntegra, e guiados pelos trabalhos norteadores, os autores definiram as variáveis extralinguísticas a serem controladas: sexo (masculino e feminino) e faixa etária (faixa I, 18 a 30 anos, e faixa II, 45 a 60 anos). Controlaram, também, o grupo de fatores linguísticos forma verbal (presente, pretérito e demais formas encontradas) e tipo de questionário do ALiB (QFF – Questionário Fonético- -Fonológico, QSL – Questionário Semântico-Lexical, QMS – Questionário Morfossintático, Questões de Prosódia, Discursos Semidirigidos e Perguntas Metalinguísticas). Usando a ferramenta GoldVarb X, em um corpus constituído de 804 ocorrências, obtiveram 353 (42,5%) ocorrências para o verbo botar, 351 (42,2%) para o verbo colocar e 127 (15,3%) para o verbo

pôr na primeira rodada ternária. Nessa rodada, o programa selecionou o grupo de

fatores faixa etária como o mais relevante, apresentando o fator faixa etária II, 45 a 60 anos, como o mais relevante para botar (55,3%).

Em virtude do baixo índice de ocorrências do verbo pôr em relação aos verbos botar e colocar, além do número de nocautes ocorridos, os autores optaram por isolar as ocorrências com o verbo pôr e realizar uma outra rodada (binária) só com os verbos botar e colocar. Para essa rodada binária, o programa indicou 704 ocorrências, sendo 353 (50,1%) para botar e 351 (49,9%) para colocar. Após retirados os nocautes apresentados, o programa selecionou a variável sexo como a maior favorecedora do verbo botar, especificamente no fator sexo masculino (PR 0,624). A segunda variável selecionada, faixa etária, apresentou o fator faixa etária

II, com PR 0,650, como o que mais favorece o verbo botar. A terceira variável

selecionada, a localidade, apresentou a cidade de Camocim-CE (PR 0,819) como a que mais privilegia o uso de botar e a cidade de Arapiraca-AL (PR 0,233) como a que menos favorece o uso desse verbo. Entre as três capitais do Nordeste,

Teresina-PI é a maior aliada da variante botar (PR 0,710), e Maceió-AL (PR 0,493) é

a que menos favorece o verbo sob análise.

Lavor, Araújo e Viana (2018) concluíram sua pesquisa reafirmando a alta incidência dos verbos botar e colocar nas cidades pesquisadas e registrando que o verbo pôr é o mais usado em resposta ao inquérito 36 do QFF: “Quando a galinha

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canta e vai para o ninho, se diz que ela vai ______ ovos” (ALiB, QFF, Inquérito 36, p. 9).

A terceira pesquisa que nos serve como norte é a de Carmo e Araújo (2015), que abordou a realização dos verbos botar e colocar em Fortaleza-CE, utilizando o banco de dados Português Oral Culto de Fortaleza (PORCUFORT), de onde extraíram uma amostra de 35 informantes estratificados em sexo e idade. As autoras trabalharam com o programa GoldVarb X na obtenção dos dados estatísticos, a partir do controle das variáveis sexo, faixa etária, tipo de registro,

papel do falante, sentido do verbo, (in)determinação do sujeito do verbo, locução verbal, tipo de sequência e tempo verbal. O programa selecionou, no melhor input e significance, 296 ocorrências totais, 167 (56,4%) para o verbo botar e 129 (43,6%)

para o verbo colocar. Os resultados estatísticos demonstraram que apenas as variáveis tempo verbal, sentido do verbo e sexo favorecem o verbo botar. Das variáveis selecionadas, o tempo verbal, sobretudo no fator presente do subjuntivo (PR 0,706), é a que mais favorece o verbo botar na amostra analisada.

A segunda maior aliada da aplicação do verbo botar foi a variável sentido do

verbo, sobre a qual os resultados estatísticos demonstraram que o fator traço + concreto (PR 0,567) é o único que beneficia o verbo botar, enquanto o traço + abstrato (PR 0,425) desfavorece o seu emprego. Quanto à variável sexo, último

grupo de fatores selecionado como relevante para o verbo em análise, os resultados apontaram que os homens (PR 0,558) favorecem o verbo botar. Assim, Carmo e Araújo (2015) concluíram que “os homens usam mais a variante não padrão, enquanto as mulheres privilegiam a forma padrão” (CARMO; ARAÚJO, 2015, p. 295).

A pesquisa de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012), por sua vez, apresentou um teor quantitativo e qualitativo, pois, diferentemente das demais pesquisas elencadas, analisou os verbos colocar e botar no sentido de pôr, buscando uma compreensão do fenômeno variacionista. Para isso, as autoras criaram um banco de dados com 314.587 palavras, extraídas dos corpora Projeto Mineirês (157.415 palavras) e NURC (157.172 palavras). Levando em consideração a quantidade de dados obtidos, fato que poderia comprometer as análises, as autoras resolveram fazer, também, uma análise qualitativa dos resultados adquiridos. Para esse trabalho, foram selecionados falantes do sexo masculino e feminino, de duas regiões, para imprimir mais equidade e não comprometer as análises dos dados. Utilizando o programa VARBRUL na versão 2001 como recurso analítico e controlando as variáveis localidade, indeterminação do sujeito, sentido do verbo,

parte (ou não) de locução verbal, termo seguinte ao verbo, papel do falante e uso do verbo, as autoras chegaram aos resultados estatísticos da pesquisa.

Os resultados iniciais demonstraram que o programa selecionou 111 ocorrências para o verbo botar e 114 para colocar, o que significa que ambas as variantes são usadas com frequência. O programa apresentou, como os mais relevantes para a realização do verbo botar, os fatores posição inicial ocupada pelo

verbo na sentença (PR 0,943), localização Rio de Janeiro (PR 0,819), determinação do sujeito do verbo (PR 0,620) e o gênero feminino (PR 0,584). Já na análise

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discursivos, a posição e o envolvimento do falante, bem como a intenção comunicativa dele na escolha de uma ou outra variante.

Sumarizamos o aparato da literatura na área elucidando que o trabalho de Lavor (2018) apresentou-se como uma contribuição inovadora para o entendimento sobre os verbos analisados, uma vez que os resultados indicaram a produtividade do verbo botar, favorecido sobretudo pelo grupo de fatores tópico

discursivo, acerca do qual o autor acrescenta que “nos leva ao entendimento de que

o momento da fala está diretamente ligado ao tema abordado durante a conversa e que o falante pode ser motivado a usar mais o verbo botar em consequência do tópico discursivo” (LAVOR, 2018, p. 121). Esse trabalho nos ofereceu a possibilidade de também controlarmos, nesta pesquisa, a variável tópico discursivo. O estudo de Carmo e Araújo (2015) também concluiu que a variante botar é a mais produtiva, o que o diferenciou da pesquisa de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012), cuja conclusão foi de que ambas as variantes ocorrem de forma similar. Quanto à pesquisa de Lavor, Araújo e Viana (2018), os verbos botar e colocar foram mais produtivos do que o verbo pôr, que é mais usado no sentido de “pôr ovo”.

Tomando por base os grupos de fatores constantes nos trabalhos supramencionados, neste estudo, buscaremos respostas para os seguintes questionamentos: qual sexo/gênero, faixa etária, escolaridade, forma verbal, tipo de

questionário e tópico discursivo favorecem o uso do verbo botar? Tais questões nos

direcionaram a levantar algumas hipóteses: i) o homem, por ser, na maior parte das vezes, menos conservador, favorece o uso de botar, e a mulher, mais conservadora, o uso de colocar; ii) os mais jovens tendem a usar o verbo botar, enquanto os mais velhos aplicam mais a variante colocar; iii) a maior escolaridade favorece o verbo colocar; iv) quando o tempo verbal é o presente do indicativo, o verbo botar é favorecido; v) o Questionário Fonético-Fonológico (QFF) no ALiB favorece o verbo botar; vi) o tópico discursivo que mais favorece o verbo botar é

lazer, contrapondo-se ao tópico trabalho, que inibe o uso do verbo botar.

Explicitados o estado da arte, as questões e as hipóteses que balizarão nosso estudo, delineamos, na próxima seção, a metodologia empregada neste trabalho.

Metodologia

Esta pesquisa é de caráter quantitativo e descritivo. Quantitativo porque pesquisas desse tipo consideram o que “pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 69). Descritivo porque “visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 52).

Para este estudo, optamos por trabalhar com dados do ALiB, escolha que se justifica por considerarmos esse banco de dados como um dos mais importantes projetos dialetológicos do Brasil, iniciado em Salvador em 1996, durante o seminário nacional Caminhos e Perspectivas para a Geolinguística no Brasil, sediado no Instituto de Letras da UFBA. Dentre os vários objetivos que motivaram a instauração e

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conduzem até hoje o desenvolvimento do ALiB, um dos primeiros concerne à descrição da “realidade linguística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque na identificação das diferenças diatópicas (fônicas, morfossintáticas, léxico-semânticas e prosódicas)” (COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALIB, 2001). Esse atlas, portanto, é uma grande fonte de estudos para os pesquisadores até hoje, uma vez que documentou as ocorrências dos mais variados fenômenos na língua, em todos os seus níveis de análise.

Perante o respaldo desse banco de dados, nossa pesquisa se funda em uma amostra constituída por 16 informantes (8 de Salvador e 8 de Porto Alegre) para abordar a variação dos verbos botar e colocar nessas capitais. A título de informação, dos 8 informantes de cada capital, 4 (dois homens e duas mulheres) possuem escolaridade de nível fundamental e os outros 4 (também dois homens e duas mulheres) possuem nível superior. Quanto à faixa etária, dos 8 informantes de cada capital, há dois homens e duas mulheres da faixa 1 (18 a 30 anos) e dois homens e duas mulheres da faixa 2 (45 a 60 anos).

Após a escolha do banco de dados e definição da amostra, passamos à audição, na íntegra, dos 16 inquéritos selecionados na busca por ocorrências dos verbos sob análise, prosseguindo com a transcrição, codificação e digitação em bloco de notas, a fim de submetermos tais ocorrências ao programa GoldVarb X.

O envelope de variação do nosso estudo abrangeu as variáveis linguísticas

forma verbal (presente, pretérito, futuro, infinitivo, gerúndio e particípio), tipo de questionário (QFF, QSL e QMS) e tópico discursivo (trabalho, religião, relacionamento, lazer, vestuário e acessórios, alimentação e cozinha, outros); e as

variáveis extralinguísticas sexo (masculino e feminino), faixa etária (I - de 18 a 30 anos e II - de 45 a 60 anos), escolaridade (nível fundamental e nível superior) e

localidade (Salvador e Porto Alegre). Definimos o verbo botar como aplicação da

regra variável5, ou seja, apresentamos apenas os valores correspondentes à

variante botar e, a partir desta, deduzimos os valores para colocar.

A partir desse envelope, codificamos as ocorrências e submetemo-las ao GoldVarb X, programa estatístico6 que lida com a quantificação de fenômenos

variáveis, ajudando, portanto, na sistematização dos casos de variação linguística. Em seguida, selecionamos os melhores resultados estatísticos – considerando o melhor input e significance – indicados pelo programa. Depois, a partir dos resultados apresentados como relevantes, convertemo-los em gráficos e tabelas para uma melhor apresentação dos resultados, que analisaremos, na próxima seção, à luz da base teórica e das hipóteses iniciais.

Análise e discussão dos resultados

Esta pesquisa buscou, ao analisar a manifestação variável dos verbos botar e colocar nas capitais soteropolitana e porto-alegrense, entender se existe coerência em relação às afirmações informais, tantas vezes expressas no senso comum, de que tais verbos só variam nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, diferentemente das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

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Adotando o verbo botar como valor de aplicação, fizemos uma primeira rodada binária com as duas variantes. O programa revelou existir três nocautes nessa rodada inicial: um nocaute no grupo de fatores forma verbal, especificamente no fator futuro, com 100% das ocorrências para colocar; e dois nocautes no grupo de fatores tópico discursivo, um no fator religião, com 100% das ocorrências para

botar, e outro no fator vestuário e acessórios, com 100% das ocorrências para o

verbo colocar.

Desprezamos os grupos de fatores com nocautes, mantendo o número total de ocorrências, 185, e fizemos mais uma rodada, em que o programa Goldvarb X revelou, em seu melhor nível de análise (input 0,704 e significance 0.008), que apenas as variáveis tipo de questionário e escolaridade são favorecedoras do verbo

botar, nessa ordem de relevância. Os grupos de fatores sexo, faixa etária, localidade, tópico discursivo e forma verbal não foram selecionados pelo programa neste

estudo, ou seja, tais variáveis independentes não foram consideradas relevantes pelo programa para o uso do verbo botar. Esses primeiros resultados refutam parte de nossas hipóteses iniciais, uma vez que os grupos de fatores apresentados como irrelevantes para o verbo botar haviam sido cogitados como possíveis favorecedores do mesmo verbo, com base em outras pesquisas.

Das 185 ocorrências, 123 (66,5%) foi para botar e 62 (33,5%) para colocar, conforme apresentamos no gráfico 1. Esses resultados se distanciam, quanto às frequências apresentadas, dos resultados apresentados por Lavor, Araújo e Viana (2018) na primeira rodada com dados do ALiB nos estados de Alagoas, Ceará e Piauí, em que obtiveram 42,5% para o verbo botar e 42,2% para o verbo colocar, revelando um empate técnico nos três estados da região Nordeste.

Gráfico 1 – Frequências gerais das variantes botar e colocar

Como podemos perceber, o gráfico 1 demonstra que existe uma diferença significativa a favor do verbo botar, quando trabalhamos com o número total de ocorrências provenientes das capitais Salvador e Porto Alegre, ou seja, existe uma frequência de uso muito superior do verbo botar em relação ao verbo colocar, o que já responde à pergunta que levantamos na introdução acerca de como essas variantes se manifestam nas referidas comunidades de fala. Vejamos, então, quais os grupos de fatores favorecem o uso do verbo botar e seus respectivos pesos relativos nas tabelas 1 e 2 apresentadas adiante.

66,5% 33,5%

Botar Colocar

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Tabela 1 – Atuação da variável tipo de questionário sobre o verbo botar Fator Aplica/Total % PR

QSL 49/54 90,7% 0,767

QMS 44/74 59,5% 0,418

QFF 30/57 52,6% 0,332

Input 0,704 Significance 0,008

No ALiB, há três tipos de questionários disponíveis que priorizam questões amplas e recobrem a totalidade nacional, sem marcas regionais ou de cunho particularizante, direcionando o pesquisador quanto aos tópicos a serem trabalhados. Dos três tipos de questionários – Questionário Fonético-Fonológico (QFF), Questionário Semântico-Lexical (QSL) e Questionário Morfossintático (QMS) –, os resultados estatísticos revelam que apenas o fator QSL favorece o verbo botar com PR 0,767 e frequência de 90,7%, valores bastante consideráveis. Isso se explica pelo fato de, no ALiB, o QSL vir depois do QFF, ou seja, já passou um primeiro momento da entrevista e os informantes já manifestam mais espontaneamente o seu vernáculo, tendendo a usar formas variantes mais coloquiais, como é o caso do verbo botar; além disso, é um dos objetivos do QSL no ALiB que os informantes, ao responderem as perguntas sobre o léxico, digam todas as variantes que eles sabem em relação a um fenômeno, o que implica, logicamente, um maior aparecimento de formas mais coloquiais da comunidade de fala. Já os fatores QFF (PR 0,332) e QMS (PR 0,418) comportam-se como inibidores da regra variável. Tais resultados refutam nossa hipótese de que o QFF favorece o verbo botar.

Observemos, agora, a tabela 2.

Tabela 2 – Atuação da variável escolaridade sobre o verbo botar Fator Aplica/Total % PR

Nível Fundamental 101/134 75,4% 0,569 Nível Superior 22/51 43,1% 0,325

Input 0,704 significance 0,008

O segundo grupo de fatores selecionado como favorecedor do verbo botar foi a escolaridade, apresentando o fator Ensino Fundamental como o maior aliado da regra variável. Tal favorecimento atesta que o tempo de escolarização de um indivíduo também tem “influência em seu repertório sociolinguístico” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 48). Como mostra a tabela 2, das 134 ocorrências, 101 foram para o verbo botar, ou seja, 75,4% com PR 0,569. Podemos concluir, então, que o informante com nível fundamental de escolaridade favorece o uso do verbo botar, diferentemente dos informantes com nível superior (PR 0,225), que inibem o seu

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uso. Esses resultados corroboram nossa hipótese de que a maior escolaridade favorece o verbo colocar, em contraposição à menor escolaridade, que favorece o verbo botar; atestando que variantes de prestígio ocorrem em situações mais formais, entre pessoas que ocupam posições mais elevadas na sociedade (VOTRE, 2003).

Após a primeira rodada geral, decidimos fazer uma segunda rodada binária no programa GoldVarb X, isolando os dados da capital Porto Alegre, ou seja, uma rodada só com os dados Salvador. Os resultados dessa segunda rodada podem ser visualizados no gráfico 2 a seguir.

Gráfico 2 – Frequências gerais das variantes botar e colocar em Salvador

Nessa segunda rodada, obtivemos um total de 111 ocorrências, sendo que destas, 79 (71,2%) foram para o verbo botar e 32 (28,8%) para o verbo colocar. O programa revelou a presença de 2 nocautes: 1 no grupo de fatores forma verbal, especificamente no fator tempo futuro, com apenas 1 ocorrência para o verbo

colocar; e 1 nocaute no grupo de fatores tópico discursivo, especificamente no fator religião, com 100% das ocorrências para botar. Isolamos os nocautes, preservando

o número de ocorrências, e o GoldVarb X apresentou, no seu melhor nível de análise (input 0,798 e significance 0,011), 3 grupos de fatores como relevantes para a aplicação do verbo botar: tipo de questionário, forma verbal e sexo, nessa ordem de importância, como os únicos que favorecem o verbo usado como valor de aplicação. Vejamos como cada grupo de fator se comportou a partir das tabelas 3, 4 e 5 com os dados estatísticos que seguem.

Tabela 3 – Atuação da variável tipo de questionário sobre o verbo botar em Salvador Fator Aplica/Total % PR QSL 37/41 90,2% 0,741 QMS 33/48 68,8% 0,489 QFF 9/22 40,9% 0,135 Input 0,798 Significance 0,011 71,2% 28,8% Botar Colocar

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Mais uma vez, conforme podemos visualizar na tabela 3, o grupo de fatores

tipo de questionário foi selecionado como o mais relevante para o verbo usado

como valor de aplicação nesta pesquisa, fato que nos leva a considerar a importância dessa variável independente. Como podemos observar, os resultados estatísticos defendem que o único fator que favorece o uso de botar é o QSL (PR 0,741), enquanto os fatores QFF (PR 0,135) e QMS (PR 0,489) inibem o seu uso, fato que refuta a hipótese inicialmente levantada de que o QFF beneficiaria o verbo sob análise. Como já explicamos, esse favorecimento se deve ao fato de, no ALiB, o

QSL ser um momento do questionário em que o informante já não monitora tanto

sua fala, além de ele não precisar dar respostas tão fixas como é o caso do QFF; por esse motivo, as variantes coloquiais tendem a ocorrer mais.

Tabela 4 – Atuação da variável forma verbal sobre o verbo botar em Salvador Fator Aplica/Total % PR Presente 41/49 83,7% 0,656 Infinitivo 21/31 67,7% 0,592 Particípio ½ 50% 0,351 Gerúndio 2/4 50% 0,199 Pretérito 14/24 58,3% 0,179 Input 0,798 Significance 0,011

A tabela 4 apresenta os resultados estatísticos, de forma decrescente quanto aos PR, para o grupo de fatores forma verbal. Podemos concluir que o tempo

presente (0,656) e a forma nominal infinitivo (0,592) favorecem o verbo botar,

enquanto as formas nominais particípio (0,351) e gerúndio (0,199) e o tempo

pretérito (0,179) inibem o seu uso. O maior favorecedor do verbo, o tempo presente, apresenta uma frequência de uso de 83,7%, ou seja, de um total de 49

ocorrências, 41 foram para o verbo botar. Tal resultado corrobora a hipótese, explicitada ao final da seção revisão de literatura, de que o tempo verbal presente privilegia o uso de botar.

Essa variável foi controlada pela pesquisa de Lavor, Araújo e Viana (2018) apenas com o grupo de fatores tempos verbais, e os resultados demonstraram que essa variável não foi relevante. Já na pesquisa de Carmo e Araújo (2015), o programa estatístico selecionou essa variável como a terceira em ordem de relevância, destacando o tempo presente do subjuntivo (PR 0,706) como o maior aliado da regra, seguido pelo pretérito imperfeito do indicativo (PR 0,644), pretérito

perfeito do indicativo (PR 0,592), presente do indicativo (PR 0,549) e o gerúndio (PR

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Tabela 5 – Atuação da variável sexo sobre o verbo botar em Salvador Fator Aplica/Total % PR

Homem 52/63 82,5% 0,639

Mulher 27/48 56,2% 0,321

Input 0,798 Significance 0,011

Historicamente, desde a primeira vez em que o fator sexo foi abordado, na pesquisa de Fisher (1958), essa variável tem demonstrado que, frequentemente, as mulheres utilizam mais as formas prestigiadas socialmente e que os homens empregam mais as formas menos valorizadas. Nesse sentido, a tabela 5 demonstra que, realmente, as mulheres de Salvador preferem as formas de maior prestígio. Os dados estatísticos apresentados nos possibilitam afirmar que o verbo botar (82,5% e PR 0,639) é favorecido pelos homens, enquanto as mulheres privilegiam mais o verbo colocar. Esses resultados corroboram nossa hipótese inicial de que os homens, por serem menos conservadores, favorecem o uso de botar, e as mulheres, mais conservadoras, o uso de colocar.

As pesquisas que tomamos como norte para o nosso trabalho apresentaram resultados que também confirmam tal hipótese em relação a essa variável. A pesquisa de Carmo e Araújo (2015) revelou que a variável social sexo/gênero, a última selecionada em relevância, apresenta os homens (PR 0,558) como o sexo que mais favorece o verbo botar em detrimento das mulheres (PR 0,435), que inibem o uso desse verbo. Na mesma direção, a pesquisa de Lavor, Araújo e Viana (2018) também demonstrou que essa variável é a mais relevante para o uso do verbo botar, apresentando os homens (PR 0,629) como os maiores favorecedores da aplicação da regra, enquanto as mulheres (PR 0,436) desfavorecem o uso do verbo botar. O trabalho de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012) não apresentou os pesos relativos para essa variável, mas, a partir das frequências de uso, podemos concluir que os homens (54,63%) usam mais o verbo botar em comparação com as mulheres (45,3%).

Submetemos ao programa GoldVarb X, ainda, uma terceira rodada, desta vez só com a capital Porto Alegre, cujos resultados gerais expomos no gráfico 3.

Gráfico 3 – Frequências gerais das variantes botar e colocar em Porto Alegre

59,5% 40,5%

Botar Colocar

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Nessa terceira rodada binária, o GoldVarb X selecionou 74 ocorrências, 44 (59,5%) para o verbo botar e 30 (40,5%) para colocar, conforme apresenta o gráfico 3 acima. Nessa rodada, detectamos 3 nocautes no grupo de fatores tópico

discursivo: 1 no fator religião com 100% das ocorrências, 2, para botar; 1 no fator lazer, apenas uma ocorrência para botar; e 1 no fator vestuário e acessórios, apenas

uma ocorrência para o verbo colocar, como já esperávamos, em virtude dos resultados anteriores.

Isolamos os fatores com nocautes, preservando as 74 ocorrências, e continuamos com a terceira rodada, na qual o programa, no seu melhor nível de análise (input 0,602 e significance 0,000), selecionou apenas a variável escolaridade como favorecedora do verbo botar nessa capital. A seguir, na tabela 6, apresentamos os resultados estatísticos para essa variável.

Tabela 6 – Atuação da variável escolaridade sobre o verbo botar em Porto Alegre

Fator Aplica/Total % PR

Nível Fundamental 39/51 76,5% 0,682

Nível Superior 5/23 21,7% 0,155

Input 0,602 Significance 0,000

Como podemos observar, a partir dos resultados estatísticos apresentados na tabela 6, a variável escolaridade destaca que os informantes que possuem nível fundamental são os únicos aliados da regra, ou seja, aqueles com baixa escolarização favorecem o uso do verbo botar (PR 0,682), enquanto os informante com nível superior inibem o uso do verbo botar (PR 0,155). Os dados demonstram que, em um total de 51 ocorrências, entre os informantes de nível fundamental, dos verbos sob análise, 39 são para o verbo botar (76,5%), enquanto os informantes com nível superior apresentaram 5 ocorrências (21,7%) em um total de 23. Tais resultados vão ao encontro da compreensão de que pessoas mais escolarizadas tendem a usar mais as variantes de prestígio, e as menos escolarizadas, as formas estigmatizadas (COELHO et al, 2015).

Esses resultados estatísticos corroboram nossa hipótese inicial de que os mais escolarizados favorecem o uso do verbo colocar, enquanto os menos escolarizados favorecem o verbo botar. Os trabalhos que servem como base de análise para esta pesquisa não controlaram essa variável.

À guisa de sumarização dos resultados discutidos, na primeira rodada, que tomou as ocorrências do fenômeno nas duas capitais, os resultados revelaram que o uso do verbo botar se sobrepõe ao do colocar, e que o tipo de Questionário

Semântico-Lexical (QSL) do ALiB e o Nível Fundamental de escolaridade privilegiam

essa sobreposição. Na segunda rodada, por sua vez, com os dados apenas de Salvador, o uso de botar também se sobrepôs ao de colocar, e o programa estatístico indicou como favorecedores dessa variante o QSL, o tempo verbal

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Alegre, o GoldVarb X também mostrou a referida sobreposição, apresentando unicamente o grupo de fator escolaridade como relevante para o favorecimento de

botar, mais especificamente o Nível Fundamental.

Comparando as duas localidades em termos de influências sociolinguísticas em seus falares, podemos notar que, enquanto em Salvador, o uso do verbo botar é beneficiado pelo sexo dos informantes (masculino), em Porto Alegre, o que privilegia esse uso é a escolaridade (Nível Fundamental). Isso nos leva a perceber o quanto as peculiaridades de uma comunidade de fala têm a dizer para as pesquisas variacionistas, e futuros estudos precisam endossar ainda mais essa discussão, contribuindo, mais especificamente, para um mapeamento em maior escala dos verbos botar e colocar no português brasileiro.

Considerações finais

Este estudo nos levou a concluir, com base nos resultados encontrados, que o grupo de fatores localidade não determina o uso do verbo botar, uma vez que o programa estatístico não selecionou essa variável como relevante. Todavia, ambas as capitais destacam o uso da variante não padrão, botar, em seu vernáculo, claro que com uma maior probabilidade de uso na capital Salvador. Ficou evidenciado que existe uma frequência significativa de uso do verbo botar nas capitais estudadas, demonstrando que, em ambas, os verbos botar e colocar estão em processo de variação estável.

Observarmos que a variante botar se apresenta como a mais frequente na amostra analisada, com 66,5% das ocorrências totais, na primeira rodada; não obstante ocorrer em menor número, a variante colocar também se mostrou frequente, com 33,5% das ocorrências totais. Os resultados estatísticos revelaram que, das sete varáveis controladas na rodada geral (a primeira), apenas os grupos de fatores tipo de questionário e escolaridade foram selecionadas, o que refutou a maioria de nossas hipóteses iniciais. Já na segunda rodada, só para a capital Salvador, os resultados apresentados indicaram os grupos de fatores tipo de

questionário, forma verbal e sexo como os mais relevantes para o processo analítico

do valor de aplicação da regra. Na terceira e última rodada, só para a capital Porto Alegre, a escolaridade mostrou-se como a única variável dependente relevante para a análise.

Concluímos o presente artigo reiterando que o uso do verbo botar é frequente nos dados examinados, sobrepondo-se à sua variante concorrente

colocar. Esse fato nos leva a acreditar que a variação entre botar e colocar se trata

de um processo de variação estável nas comunidades em estudo. O estado da arte sobre esse fenômeno variável juntamente com os resultados desta pesquisa nos fazem afirmar que botar e colocar são verbos que perpassam o uso de falantes no Norte e Nordeste, chegando a ser identificado também no Sul. Sendo assim, sugerimos que o mapeamento sociolinguístico a respeito desse interessante fenômeno se expanda nas regiões já estudadas, bem como abranja as comunidades de fala das demais regiões do país. Afinal, estamos certos de que alargar as

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pesquisas sobre a variação e a mudança é contribuir para a descrição dos repertórios sociolinguísticos do português brasileiro.

Notas

1 O input consiste no “nível geral de uso de um determinado valor da variável dependente” (GUY; ZILLES, 2007, p. 238).

2 O nível de significance pode ser considerado a margem de erro de uma pesquisa. A margem utilizada pelo Varbrul é de 5% (threshold, 05), o que representa o grau de confiabilidade dos resultados: “se o nível de significância for acima deste valor, previamente arbitrado, os resultados não são considerados estatisticamente significativos” (SCHERRE, 1993, p. 27). 3 Nocaute ou knockOut é uma terminologia de análise do GoldVarb X usada em todos os programas da série Varbrul, “que, num dado momento da análise, corresponde a uma frequência de 0% ou 100% para um dos valores da variável dependente” (GUY; ZILLES, 2007, p. 158). Em outras palavras, os nocautes são as indicações de fatores ou grupos de fatores que se configuram como categóricos, ou seja, as variantes não competem com base nesses fatores ou grupos de fatores indicados.

4 Abreviatura para Peso Relativo das variáveis, em que PR<0,5, PR=0,5 e PR>0,5 indicam, respectivamente, desfavorecimento, neutralidade e favorecimento de uma variável independente em relação à variante escolhida como aplicação da regra.

5 Em uma análise feita pelo programa Varbrul, “o pesquisador deve escolher qual das variantes será tratada como aplicação da regra e, ao realizar a rodada dos dados, deve informar ao programa o respectivo código dessa variante” (GUY; ZILLES, 2007, p. 229).

6 Mais informações sobre o programa estatístico GoldVarb X encontram-se disponíveis em: http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/goldvarb.html. Acesso em: 12 maio 2019.

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Para citar este artigo

LAVOR, Cassio Murilio Alves de; VIEIRA, Vinicius da Silva; ARAÚJO, Aluiza Alves de. Os verbos botar e colocar em Salvador e Porto Alegre: um estudo variacionista nos dados do Atlas

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Os autores

Cassio Murilio Alves de Lavor é mestre em Linguística Aplicada no Programa

de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (POSLA/UECE).

Vinicius da Silva Vieira é mestrando em Linguística Aplicada no Programa de

Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (POSLA/UECE).

Aluiza Alves de Araújo é doutora em Linguística pelo Programa de

Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora efetiva da graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Referências

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