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Um Problema a Respeito de Substância e Relativo em Aristóteles

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Um Problema a Respeito de Substância e Relativo em Aristóteles

CHRISTOPHER SHIELDS

Departamento de Filosofia University of Colorado

Tradução: Paulo Fernando Tadeu Ferreira

Abstract: If form qualifies as substance, as it is claimed in Metaphysics, then we seem to have a problem: a form appears to be a relative, while evidently no relative is a substance. At any rate, Aristotle had held in the Categories that no primary substance could be a relative; so, if it turns out that form in the Metaphysics is primary substance, then either Aristotle has contradicted himself or else he has revised his categorial ontology to the point where he no longer maintains even that x's being a substance precludes x's being a relative. If, on the other hand, the categories are by the time of the Metaphysics no longer understood to be mutually exclusive of one another, then the categorial framework itself seems fundamentally in jeopardy; that would be in itself an alarming conclusion, since Aristotle appeals to the doctrine of categories repeatedly in the Metaphysics, where the clear impression is that he continues in that work to uphold it in the main. On the entirely credible assumption, then, that the Metaphysics retains the doctrine of categories articulated in the Categories and the Organon, we seem left with the other, unhappy alternative, that form, as primary substance, is a also a relative - if, that is, it can be shown that every form is a relative.

Key-words: Aristotle. Substance. Relative.

“O relativo é, menos do que todas as coisas, uma natureza ou uma substância” (Metafísica 1088a 23-24).

Embora alguns possam querer indagar se a forma esgota a categoria de substância na ontologia madura de Aristóteles, não deveríamos duvidar do fato de que ele pelo menos pensa que a forma seja qualificada como substância. Na

Metafísica, Aristóteles regularmente enumera forma como uma das três maneiras

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forma e matéria (Meta. 1035a2, 1070b13, cf. DA 412a6-9). Além disso, na medida em que está inclinado, na Metafísica, a falar de substância primária (protê ousia), Aristóteles menciona apenas a forma (Meta. 1032b1-2, 1038b9-101); e, muito

freqüentemente, ele simplesmente procede como se as palavras ‘substância’ (ousia) e ‘forma’ (eidos) pudessem ser usadas intercambiavelmente (Meta. 987b21, 1015a11, 1022a15 1033b17, 1037a29, 1041b9, 1050b2). Então, quer apenas forma seja substância, quer não, forma é substância.

Se a forma for substância, se é que a forma se qualifica como substância, então parece que temos um problema: uma forma aparenta ser um relativo, enquanto evidentemente nenhum relativo é uma substância. Pelo menos, Aristóteles havia sustentado nas Categorias que nenhuma substância primária poderia ser um relativo (Cat. 8a15-17); então, se acontece da forma, na Metafísica, ser substância primária, então ou Aristóteles se contradisse ou revisou a sua ontologia categorial até o ponto de não mais manter nem mesmo que o fato de x ser uma substância impede x de ser um relativo. Se, entretanto, uma substância pudesse ser um relativo, poderia também uma qualidade ser uma quantidade? Se, isto é, as categorias não são mais, ao tempo da Metafísica, entendidas como mutuamente excludentes uma da outra, então a própria estrutura categorial parece fundamentalmente em perigo; essa seria, por si mesma, uma conclusão alarmante, uma vez que Aristóteles recorre à doutrina das categorias repetidamente na Metafísica, onde a clara impressão é de que ele continua, nessa obra, a sustentá-la no principal. Assim, por exemplo, ele abre Metafísica vii 1 com um apelo direto à doutrina das categorias, insistindo que o ente é multiplamente significante, uma vez que “significa, por um lado, o que algo é (ti esti) e o isto (tode

ti), e, por outro, uma qualidade ou quantidade e cada uma das outras coisas

predicadas como são essas” (1028a12-14; cf. 998a21, 998b4-8, 998b15-20, 999a4-5, 1054b28, 1059b27). De fato, parece ainda reafirmar seu compromisso com a mútua exclusividade de substância e relativo de um modo extraordinariamente vigoroso quando insiste que “o relativo é, menos do que todas as coisas, uma

1 Essa segunda citação admite ler, com os ms. E e J, protê em lugar de proton em

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natureza ou uma substância” (Meta. 1088a23-24). Na suposição completamente confiável, então, de que a Metafísica retém a doutrina das categorias articulada nas

Categorias e no Órganon, parece que nos resta a outra, infeliz alternativa, de que

forma, como substância primária, é também um relativo −isto é, se se pode mostrar que toda forma é um relativo.

Na primeira seção deste artigo, intento mostrar que há fortes razões

prima facie para tratar a forma como relativo. Meu propósito não é, contudo,

condenar Aristóteles por contradição. Ao contrário, desejarei argumentar essencialmente que Aristóteles fornece uma maneira de lidar com a nossa preocupação. Mais exatamente, é possível fornecer uma compreensão da concepção de Aristóteles de substância como forma que não só deixa de condená-lo por contradição, mas também serve para destacar uma extraordinária e defensável, embora infelizmente negligenciada, característica de sua teoria madura da substância.

Procederei como segue. Depois de dar uma formulação ao problema para Aristóteles (Seção 1), considerarei e rejeitarei três soluções deflacionárias (Seção 2). Montarei então uma defesa de Aristóteles contra a crítica apontada, da qual os principais componentes serão recolhidos de uma consideração de

Metafísica vii 17, um capítulo que é um tipo de pedra fundamental para a teoria da

substância esboçada ao longo de Metafísica vii e viii (Seção 3).

1. O problema tornado nítido: nenhuma substância é um relativo

O problema pode ser motivado por um argumento simples, cuja conclusão claramente inaceitável requer cuidadosa consideração.

Em sua discussão dos relativos nas Categorias, Aristóteles propõe a questão de se qualquer substância é qualificada como relativo (pros ti) (8a13-15). Ele põe a questão desse modo a fim de indagar, com efeito, se substâncias

secundárias não poderiam ser relativas. Ele não decide a questão acerca das

substâncias secundárias definitivamente, admitindo que “com algumas substâncias secundárias há espaço para disputa” (8a25). Todavia, Aristóteles é firme na questão das substâncias primárias: nenhuma substância primária é um

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relativo (8a15-17). Mais exatamente, nenhuma substância primária qua substância primária, isto é, enquanto substância primária, é um relativo.

O propósito da locução com qua nesse contexto é claro. Se Quinto é um escravo, e uma substância primária, então há uma substância primária que é um relativo, a saber, Quinto, o escravo. Então, alguém poderia concluir, a alegação de Aristóteles de que nenhuma substância primária é um relativo é diretamente refutada. A resposta fornecida ao se dispor da locução com qua é concessiva. Quinto é um escravo e um escravo é um relativo; então, Quinto é um relativo. Todavia, não é enquanto substância que ele é um relativo: enquanto humano, Quinto não é −e não poderia ser− de qualquer pessoa, absolutamente. Pela segunda e final definição de ser um relativo (x é um relativo =df o que é para x ser F é o mesmo que o que é para x estar em R com y; Cat. 8a32), então não poderia

ser o caso que Quinto, enquanto substância primária, fosse um relativo. Pois não é o caso, e não poderia ser, de que o que é para Quinto ser humano é estar ele em alguma relação R com alguma entidade distinta dele mesmo. Isso decorre de uma série de considerações, incluindo, por exemplo, a simples observação de que é perfeitamente possível existir um humano sozinho, enquanto não é possível existir um escravo sozinho, sem senhor. Até aqui parece perfeitamente defen-sável.

O que não é tão obviamente defensável é a reivindicação de que uma forma, a qual é a substância-de alguma coisa, pode o ser sem ser também um relativo. Isso pode ser ilustrado mais prontamente por meio do simples argumento heurístico a seguir, o qual chamarei de Argumento da Relatividade da Substância (ARS).

(1) Necessariamente, (Se x é a substância de alguma coisa, x é em sua natureza a causa de aquela coisa ser <F>) (Meta. 1041b27-28).

(2) Necessariamente, (Se x é em sua natureza a causa de alguma coisa ser <F>, x é em sua natureza uma causa).

(3) Necessariamente, (Se x é em sua natureza uma causa, x é em sua natureza um relativo).

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(4) Então, necessariamente, (Se x é a substância de algo, x é em sua natureza relativo).

Se essa cadeia de inferências é aceitável, então novamente temos um sério problema. (4) sustenta que, por necessidade, se algo é a substância de algo, é em sua natureza relativo.2 Desse modo, ser a substância de algo não é como ser

um escravo humano, uma vez que nunca é o caso de que, necessariamente, se x é um humano, x é um escravo. Então, quando quer que tenhamos um caso de algo que é a substância-de algo, temos um caso de um relativo. Se também sustentamos que a substância primária é a substância de algo, então temos a conclusão de que, necessariamente, toda substância primária é um relativo. Se isso está correto, então temos não apenas uma contradição na teoria de Aristóteles da substância, mas uma incompatibilidade sistemática na teoria das categorias de Aristóteles.

2. Três respostas deflacionárias

Talvez a questão possa ser resolvida facilmente. Talvez, isto é, alguma das premissas de nosso argumento heurístico se baseie em uma compreensão errônea a respeito de alguma característica do modo de Aristóteles tratar a substância que, uma vez reconhecida, anula a força da conclusão. Três respostas deflacionárias distintas têm por teor como isso poderia ser facilmente realizado. Cada uma pretende mostrar como a forma poderia ser a substância-de algo sem também ser substância, subjacente a sugestão de que é substância e não substância-de que Aristóteles nega posubstância-der ser um relativo.

(1) Comentadores freqüentemente notam, com arrependimento, que ‘substância’ é uma adaptação infeliz e enganadora da palavra ‘ousia’ de Aristóteles em português. Formada como um substantivo abstrato a partir do particípio feminino ‘ente’ (ousa) do verbo ‘ser’ (einai), ‘ousia’ poderia ser mais bem traduzida

2 A expressão “em sua natureza” porta um tanto quanto de peso aqui. Novamente,

não há problema em uma substância ser um relativo (Quinto, o escravo, é um relativo); há, porém, um problema se uma substância qua substância é um relativo. Essa é a conclusão ameaçada por esse argumento.

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em português simplesmente como “essência” (“being”), uma palavra maleável que exibe muito da versatilidade sintática de ‘ousia’. Enquanto para muitos ouvidos contemporâneos ‘substância’ sugere coisa ou sujeito de propriedades, ‘essência’ (‘being’) apreende melhor a questão de Aristóteles: o que é ousia? Pois essa questão pergunta não o que é coisa, ou o que é que subjaz a propriedades, mas o que é, para algo, existir em uma determinada categoria de modo que seja alguma coisa particular que manifeste uma capacidade de existência independente.3 Pergunta o

que é, para algo, ser um ente por sua própria conta. Isso é algo que um exame acerca da “substância” não apreende de imediato, pelo menos não sem a estipulação que ‘substância’ deve ser entendida como um termo técnico, parcialmente definido por seu papel na teoria das categorias.

Subjaz então o pensamento de que o deslize de substância-de (algo relativo) para substância (algo oposto a um relativo) é na verdade um artefato de tradução infeliz, e não, absolutamente, um problema para o exame de Aristóteles acerca da ousia. Afinal, o próprio Aristóteles não encontra nenhuma dificuldade em mover-se entre essas duas noções, que, de diferentes modos, caracterizam o que a ousia de uma certa classe de entes é e o que, simplesmente, é a ousia. Isso deveria, por si mesmo, fornecer algum indício de que ele está simplesmente perguntando o que um ente é, e investigando essa questão tentando determinar o que a essência (being) das coisas é.

Essa resposta é insuficiente. O problema identificado não deriva de práticas de tradução ineptas ou infelizes. Está, outrossim, em função do fato de que ousia tem usos diferentes e não-equivalentes: posso perguntar o que é a ousia do azul e responder que é uma cor; e posso perguntar o que é, para algo, ser uma

ousia e responder de um modo que completamente desqualifique dessa categoria a

essência do azul. O problema não se dissolve simplesmente dando-se atenção ao uso próprio de Aristóteles da linguagem. Ao contrário, é o uso que gera o

3 Para uma apresentação clara e incisiva da introdução por Aristóteles desse tipo de

critérios, ver FINE, G., “Plato and Aristotle on Form and Substance”, Proceedings of the

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problema, de qualquer modo que seja que ‘ousia’ seja traduzida em português ou em outras línguas modernas.4

(2) Vale a pena enfatizar que mesmo se estivéssemos dispostos a identificar substância e essência, como o próprio Aristóteles, a preocupação que levantei não desapareceria de imediato. Isto é, posso imaginar uma réplica fácil ao problema que articulei: Aristóteles pensa que substância (ousia) é essência (to ti ên

einai) e que essência é substância (e.g., Meta. 983a27, 988a35, 993a18, 1007a21,

1022a8, 1031a18, 1032b2-14, 1035b15, 1038b14, 1075a2). Presumivelmente, então, determinar a substância-de x é determinar substância. Revendo as nossas questões iniciais através dessa determinação, então, uma identificação de substância e essência nos permite propor (1) e responder (2), ou vice versa. Se queremos saber o que substância é e resulta que substância é essência, nossas duas questões não serão tão prontamente distinguíveis. Em vez disso, serão duas maneiras de perguntar pela natureza da mesma coisa, a saber, a substância que é a essência de algo.

Essa resposta não lida com o problema proposto. Para avaliar isso, é necessário apenas perguntar se entidades em categorias não-substanciais têm essências.5 Se têm, dizemos ou que a essência delas é a sua substância, caso em

4 De minha parte, estou contente com ‘substância’, e não meramente por deferência

à tradição. Do modo como as coisas se desenvolveram, ‘substância’ e ‘ousia’ são ambas, em alguns contextos, termos técnicos, e em outros contextos, não. Tanto nos contextos técnicos como nos não-técnicos, seus campos semânticos alinham-se razoavelmente bem: falamos da substância de uma proposta, assim como da ousia de um ser humano; falamos de um homem de substância, assim como da ousia (riqueza) de um homem; e, nos contextos técnicos, estamos livres para estipular que substância é a categoria de entes independentes com características especificáveis, exatamente como Aristóteles precisava fazer com ‘ousia’.

5 Aristóteles está disposto a distinguir duas noções de essência, e manter que

apenas substâncias têm essências simplesmente e sem qualificação (Meta. 1030a-31), enquanto as outras categorias, incluindo, e.g., qualidade, têm essências apenas de algum outro modo. A alegação é difícil. É freqüentemente entendida como significando que, uma vez que itens em categorias não-substanciais dependem, para a sua existência, da existência de substâncias que os realizem, definições que especifiquem a essência de tais categorias forçosamente farão referência às essências das substâncias. Ver, e.g., WEDIN,

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que não-substâncias serão essencialmente substanciais (um resultado estranho, para dizer o mínimo), ou que o fato de algo ter uma essência substancial não é suficiente para isso ser uma substância (novamente, um resultado estranho, para dizer o mínimo). Se, contrariamente, não-substâncias não têm essências, então é difícil avaliar como elas podem ser definidas em termos de definições canônica-mente aristotélicas, isto é, colocando-as em seus gêneros e diferenciando-as de outras espécies no mesmo gênero. Pois nesse estilo de definição, o gênero declara a essência. Mais geralmente, uma definição, Aristóteles mantém, deve ser especificadora da essência (Tópicos 101b38; cf. Anal. Post. 93b29-94a14). Se isso é correto, então todas as não-substâncias deixarão de ser definíveis. Isso também seria um resultado estranho: se os princípios de Aristóteles implicam que não é possível definir, e.g., a qualidade ser justo, então os princípios de Aristóteles devem ser rejeitados. (Note que a mesma observação poderia ser feita a respeito de diversas definições oferecidas de fato por Aristóteles, incluindo as definições de mudança em Física ii 1, 201a9, e de lugar em Física iv 4, 212a2, como o limite de um corpo continente.) Mais propriamente, se resulta que, a fim de evitar uma confusão entre as questões (1) e (2), somos compelidos a insistir que apenas substâncias são definíveis, então não teremos lidado com nosso problema tanto quanto o engolido.

(3) Ainda assim, alguém poderia argumentar que é injusto, para com Aristóteles, proceder como se ele mesmo não fosse perspicaz para discriminar, de um modo autoconsciente, várias noções de ousia. Afinal, ele dedica um capítulo inteiro de Metafísica v justamente a essa tarefa. Neste sentido, na medida em que o

M.V. Aristotle’s Theory of Substance (Oxford: 2000), p. 228-230. Isto me parece problemático de inúmeros modos, incluindo que confunde condições de dependência ôntica e características essenciais. Ver SHIELDS, Ch. Order in Multiplicity: Homonymy in the

Philosophy of Aristotle (Oxford: 1999), p. 265-266. No presente contexto, contudo,

precisa-se notar apenas que mesmo se fosse verdade que as essências de categorias não-substanciais não poderiam ser especificadas sem mencionar as essências das substâncias, seria não obstante o caso que itens em tais categorias poderiam ter essências ou não. Portanto, uma versão do dilema no texto poderia ser estruturada para eles.

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problema debatido o condena por deslizar inconscientemente entre concepções distintas de ousia, como se ele estivesse de todo esquecido das diferenças entre elas, ele erra o alvo.

O capítulo relevante de Metafísica v é o oitavo. Ali Aristóteles claramente distingue quatro noções de ousia:

(A) Os corpos simples (terra, fogo, água e “coisas desse tipo”); corpos em geral; animais e seres divinos compostos de corpos; suas partes (Meta. 1017b10-13).

(B) O que é a causa de ser (being), presente no tipo de coisas que não são predicadas de um sujeito, como é a alma em um animal (Meta. 1017b14-16).

(C) Partes que estão presentes em coisas tais que as limitam e significam que cada uma é um certo isto, de modo que, quando são destruídas, o todo é destruído (Meta. 1017b17-19).

(D) A essência (to ti ên einai) de cada coisa, algo cuja descrição (logos) é uma definição (Meta. 1017b21-22).

Depois de expor tais coisas acerca da substância, Aristóteles resume as conseqüências da sua quádrupla distinção:

Resulta que de ousia é dita de duas maneiras: (i) o substrato último, que não mais é predicado de nada mais, e (ii) o que é um certo isto e separável; esse tipo de coisa é a figura (morphê) e a forma (eidos) de cada coisa (Meta. 1017b22-26).

Essa passagem contém algumas dificuldades.6 Mesmo assim, se nos

concentrarmos nesse sumário, teremos muita dificuldade para ler Aristóteles como deixando de marcar a distinção refletida em algumas diferentes questões que alguém poderia querer fazer a respeito da ousia. De fato, alguém poderia argumentar, ele se mostra capaz de avaliar uma série de modos de tratar a ousia.

6 Ross observa, quando comentando acerca da alegação de Aristóteles de que a

forma é separada (chôriston): “Isso é difícil, pois a doutrina de Aristóteles é de que a forma não é, em geral, separável da matéria...; a alma, por exemplo, não é separável do corpo...” Em seguida, ele defende, separação “tem de significar apenas ‘separável em pensamento ou definição’.” Ver ROSS, W. D. Aristotle: Metaphysics v. II (Oxford: 1924), p. 311.

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Há alguma razão nessa resposta. Ainda assim, seria pelo menos prematuro aceitar os dados de Metafísica v 8 como fornecendo algo tal como uma evidência clara de que Aristóteles reconhece o problema originado por (ARS). Para iniciar, o resumo do fim do capítulo parece obviamente inútil a esse respeito. Aristóteles concede que ousia é dita de dois modos; mas esses não são os dois modos que geram (ARS). Os dois modos de Metafísica v 8 são estes: (i) o substrato último, algo que recebe predicados mas não é, ele mesmo, predicado de nada mais; e (ii) algo separado, isto é, algo que exibe uma capacidade para existência independente, aqui ilustrada, um tanto quanto surpreendentemente, pela forma. Para os presentes propósitos, precisamos notar apenas que em nenhum desses casos temos uma instância da ousia-de algo. Ao segundo caso impõe-se precisamente que seja separado e, assim, independente. A primeira noção, contra-riamente, é o sujeito final da predicação, e não é, ela mesma, predicada de nada, absolutamente. Se não é predicada de nada, não é a ousia-de nada, tampouco. É, antes, algo como ser humano, algo predicado de todos os humanos, e apenas des-ses. Conseguintemente, a distinção final de Metafísica v 8 não expõe nenhuma consciência, clara ou nascente, das duas noções de ousia que geram (ARS). Se esse sumário é para ser entendido como resumindo as principais distinções do capítu-lo, então o capítulo como um todo parece não ajudar a resolver o nosso problema.

Alguém poderia, contudo, argumentar que o sumário final do capítulo deixa algo de fora, algo destacado em seu corpo que também é diretamente relevante para (ARS). Pois ao longo do capítulo Aristóteles claramente distingue pelo menos essas duas noções de ousia: o tipo de ousia que um animal é (Meta. 1017b10-13) e o tipo de ousia que um animal tem, uma essência (Meta. 1017b21-22). Certamente, essas noções correspondem às noções de substância subjacentes ao (ARS): um animal é uma substância e uma essência é uma substância-de algo, incluindo, por exemplo, um animal.

Isso é correto, até aqui; mas não vai, contudo, muito longe. Em particular, não mostra como alguém poderia entender que Aristóteles evita a conclusão de (ARS). Já sabemos que as duas noções de ousia estão presentes em sua obra; o que não sabemos é como ele evita confundi-las, uma vez que ele às

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vezes parece propor uma, porém responder a outra. Observadas dessa perspectiva, as várias distinções não-equivalentes do capítulo servem apenas para pôr (ARS) em mais nítido relevo. O problema não é que Aristóteles carece da consciência das noções de substância e substância-de; é, antes, que, tendo-as distinguidas, ele parece, entretanto, confundi-las repetidamente ao longo de

Metafísica vii e viii, inclusive em algumas passagens-chave. Além disso, uma

consciência tal como ele a mostra não mostra como ele há-de evitar a conclusão de que substância, como forma, é também um relativo.

De fato, a inadequação das três respostas deflacionárias pode ser trazida a seu foco mais nítido simplesmente referindo cada uma ao problema heurístico proposto por (ARS). Pois é, infelizmente, claro que nenhuma delas fornece uma razão para acreditar que qualquer das premissas desse argumento é falsa. Além disso, nenhuma delas sugere um modo de mostrar que o argumento é, de algum modo, inválido; e, finalmente, nenhuma delas fornece nenhum modo de demonstrar independentemente como a conclusão possa ser abafada.

Se, então, finalmente deixamos de lado essas três respostas, parece que nos resta um problema genuíno, o de que substância primária, na Metafísica, é também um relativo.

Neste ponto, é-nos evidentemente possível simplesmente considerar Aristóteles como irremediavelmente confuso. Um tratamento sem caridade não só o condena por uma sistemática confusão como também oferece uma diagnose da sua gênese: Aristóteles simplesmente se compromete com teses incompatíveis a respeito da substância primária porque ele quer tratar forma como substância, na medida em que explica a identidade do composto, quando de fato deveria −na

Metafísica, bem como nas Categorias− ter considerado o composto como

substância primária. Embora nenhum composto seja um relativo, toda forma o é; e uma forma não é realmente uma substância, mas apenas a substância-de algo; então, Aristóteles estava errado em tratá-la como substância, em oposição a substância-de. Esse é o porquê de ele se ter contradito.

Esse não é o modo de tratar o assunto que prefiro. Em vez disso, quero argumentar que Aristóteles fornece um modo de lidar com a nossa preocupação.

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Mais exatamente, é possível fornecer uma compreensão satisfatória da concepção de Aristóteles da relação entre substância e substância-de que evita os expedientes examinados. Procederei como segue. Sugiro que Aristóteles conta com um princípio transformacional mais ou menos explícito que sugere uma extraordinária e filosoficamente satisfatória rejeição de (ARS). A satisfação filosófica proporcionada por esse princípio transformacional deriva de dois pontos, um local e um mais global: (i) ele nos permite ver como Aristóteles busca mover-se de algo ser a substância-de algo a algo ser uma substância, tout court; (ii) ele sugere uma distinta teoria de substância que deveria ser considerada como preferível às suas alternativas contemporâneas relevantes; e deixa o caminho aberto para a rejeição de uma premissa em (ARS).

A maioria dessas conclusões pode ser derivada de uma consideração de

Metafísica vii 17, um capítulo que é uma espécie de pedra fundamental para a

teoria da substância esboçada ao longo de Metafísica vii e viii. 3. Metafísica VII 17: de substância-de a substância

O capítulo final de Metafísica vii, vii 17, inicia com um anúncio da necessidade de um novo começo na perquirição de Aristóteles acerca da substância (Meta. 1041a6-7). Esse é um tropo ocasional dele, que normalmente significa que ele terminou as suas investigações críticas acerca das opiniões dos outros, examinou ta phainomena e ta endoxa, e está preparado para explicar a sua própria doutrina positiva a respeito da matéria sob investigação (DA 412a3-6;

EN 1117a13-14, EE 1218b31-32). Metafísica vii 17 mantém-se fiel à forma, a esse

respeito, uma vez que é aqui, depois das discussões emaranhadas do resto de

Metafísica vii, que Aristóteles finalmente articula a sua própria visão acerca de

substância.7 Os argumentos do capítulo, diferentemente daqueles de muito do

restante do tratado, são claros, diretos e comparativamente acessíveis.

7 Depois de caracterizar Meta. vii 16 como lidando com “duas visões erradas acerca

de substância”, Ross (1924, vol. II, 217, 221) corretamente oferece como título do capítulo de seu comentário de vii 17: “a verdadeira visão acerca de substância: substância é forma.”

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São também, de alguma maneira, surpreendentes em suas conclusões. Proeminente entre as surpresas é a determinação de que a substância é forma.8

Em qualquer investigação acerca da substância, Aristóteles assere, “o que se busca é a causa, isto é, a forma, em virtude de que matéria é algo; e isso é substância” (Meta. 1041b7-9). Digo que isso é surpreendente não apenas porque a forma de algum composto não é idêntica a esse composto; mas em muitos lugares ao longo dos livros centrais da Metafísica, Aristóteles procedeu como se fosse substância o composto de forma e matéria, e não meramente a sua forma (1033b17, 1035a2). É também surpreendente no sentido em que é aqui, mais do que em qualquer outro lugar, que Aristóteles parece fundir as nossas duas questões iniciais: ele diz que o que for substância é a causa de alguma matéria ser alguma coisa particular: e essa causa é a forma da matéria. Isto é, é como se ele concluísse que a substância-de algo é substância. Em suma, ele pergunta o que é a substância-de algo, e responde identificando o que é substância.

Talvez seja por causa de seu caráter surpreendente que esse resultado pegou desprevenidos tradutores e eruditos hábeis sob outros aspectos. O tradutor que tenho em mente é Jonathan Barnes, que, na Revised Oxford Translation

of Aristotle’s Work, verte a passagem como segue: “portanto o que buscamos é a

causa, i.e. a forma, em razão de quê a matéria é alguma coisa definida; e isso é a substância de cada coisa” (itálicos meus). Isso transforma a alegação de Aristóteles acerca de substância em uma alegação acerca de substância-de, com a autorização de nenhum manuscrito, e presumivelmente com o intento de ajudar o que seria, sob outros aspectos, uma inferência irremediavelmente confusa, que grosseiramente trata o que identifiquei como o ímpeto de manter que a forma é substância em primeira instância e, assim, em segunda instância, o conjunto de dados que dá origem a (ARS). Aqui Aristóteles parece argumentar simplesmente que o que quer que seja a causa de x ser F é qualificado como a substância-d’aquela coisa; e isso é forma; então forma, diz ele, é substância.

8 Ainda assim, deve-se notar que essa visão é duas vezes antecipada em Meta. vii: (i)

em vii 7, forma é chamada substância primária (1032b2); e (ii) em vii 11, onde Aristóteles identifica a alma como substância primária (1037a5).

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O erudito que tenho em mente é o maior aristotélico do século XX, W. D. Ross, cujos comentários sobre uma passagem análoga perto do fim do mesmo capítulo são de algum modo constrangedores. A passagem em questão sustenta a conclusão final de Aristóteles em Metafísica vii 17:

Isso é a substância de cada coisa, pois é a causa primária de seu ser <F>. Uma vez que algumas coisas não são substâncias, e aquelas que são substâncias estão de acordo com a natureza e são constituídas pela natureza, pareceria que essa natureza é substância, a que é não um elemento, mas uma fonte (1041b27-31).

Ross glosa essa moral de Metafísica vii 17 como segue:

Isso é a substância das coisas (pois é a causa primária de seu ser). Uma vez que todas as substâncias são mantidas unidas de acordo com a natureza e pela natureza, essa ‘natureza’, que não é um elemento material, mas um princípio, parece ser substância; os elementos, por outro lado, são os constituintes materiais das coisas.9 O principal contraste que Ross pretende traçar aqui é entre a natureza de alguma coisa material, sua forma e os elementos de que aquela forma é a natureza. Note-se, entretanto, que, procedendo desse modo, Ross afirma algo muito estranho: uma substância é mantida unida por sua substância; então, chamamos essa substância, que mantém unida uma substância, substância. Observando de diferentes maneiras, temos ou (i) uma regressão ao infinito (uma vez que a substância que mantém unida uma substância é, ela mesma, uma substância, e então também é mantida unida por uma substância) ou (ii) um tipo de substância sendo mantida unida por outro tipo que não precisa ser mantida unida. Em ambos os casos, parece que temos também substâncias que são partes próprias de substâncias, violando assim a determinação de Aristóteles de que nenhuma substância é feita de substâncias (Meta. 1039a3-4). É simplesmente difícil dar um bom sentido literal para o sumário de Ross, pelo menos não sem alguma considerável expansão. Se é um sumário acurado de Aristóteles, é igualmente difícil dar um bom sentido literal para Aristóteles.

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Para dar sentido à visão de Aristóteles aqui, precisamos refletir sobre como ele entende os argumentos dessas passagens de modo a conduzir a essa determinação final [quando corretamente traduzida]. O argumento em sua extensão é este:

(1) Para algum composto hilemórfico y, se x é a causa primária de y ser F, então x é a ousia de y.

(2) Para qualquer composto hilemórfico y dado, a forma é a causa primária de y ser F.

(3) Então, para qualquer composto hilemórfico y dado, a forma é a ousia de y.

Até agora, o que quer que façamos da verdade das premissas, o argumento é válido. Vem, então, o movimento preocupante do ponto de vista de (ARS):

(4) Se x é a ousia de algum composto hilemórfico y, então x é uma substância.

(5) Para qualquer composto hilemórfico y dado, a forma é a ousia de y. (6) Então, forma é uma substância.

Novamente temos um argumento perfeitamente válido, mas agora com a premissa (4), que parece um locus de dificuldade. Isso não confunde, apenas, de um modo explícito, as nossas duas questões iniciais? Certamente é aqui que Aristóteles insiste que, sempre que identificamos a substância-de algo, identificamos com isso a substância tout court.

É ainda tentador pensar desse modo. Aristóteles pensa que forma é substância; parece não haver nenhuma maneira de chegar àquela conclusão a partir dos recursos do capítulo sem contar precisamente com (4), a alegação de que o que quer que seja a substância de alguma coisa é substância. Então, parece que nos resta ou a conclusão de (ARS) ou uma lacuna intransponível no argumento dominante de Aristóteles a respeito da natureza de ousia. Em ambos os casos, parece que nos resta uma resolução infeliz para o nosso problema.

Uma tal resolução, contudo, pressupõe que (4) exponha uma confusão da parte de Aristóteles. Quero agora argumentar que (4) quase declara, e

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evidentemente se apóia em um simples princípio transformacional, articulado em

Metafísica vii 17, que não só aponta para um modo de aproximar-se de (ARS), mas também faz a visão de Aristóteles ser defensável por sua própria conta.

O princípio transformacional, dito diretamente, é este:

(T) Se x é a ousia de y ser F, onde Fs são unidades teleonômicas (diacrônicas), então x é uma ousia.

O primeiro, e mais óbvio, argumento é o de que (T) acarreta (4). Por isso, se (T) é verdadeiro, também (4) o é. Ademais, uma vez que (4) parece a única premissa obviamente controversa no argumento de Aristóteles para a alegação de que forma é substância, se (T) é verdadeiro, temos boas razões para levar a sério a visão de Aristóteles.

Por que pensar que (T) é correto? Para começar, Aristóteles fornece uma boa razão para o fazer em Metafísica vii. Logo depois de apontar que a busca pela substância implicitamente envolve perguntar por que certos materiais, e.g., tantos tijolos e tantas pedras, são uma casa, Aristóteles desenvolve:

É claro, por conseguinte, que a causa está sendo buscada. Mas essa é a essência (to ti ên einai), falando logicamente, que em alguns casos, presumivelmente incluindo uma casa e uma cama, é o que é em vista de quê. Em outros, a causa é o que moveu primeiro; porque também isso é uma causa. Mas enquanto este tipo de causa é buscado para a geração e a corrupção, o outro <i.e., a causa final> também é buscado no caso do ser (Meta. 1041a27-32).

O que é extraordinário, embora não articulado de todo, acerca dessa passagem é o tipo de defesa que ela oferece para (T).

A defesa é teleológica quanto ao caráter. Isto é, Aristóteles aqui recorre diretamente a causas finais como as causas buscadas na explicação de por que alguma coisa é qualificada como F. Alguém poderia ter pensado que Aristóteles teria dito meramente que causas formais fornecem a explicação para o que faz esta quantidade de pedra e de tijolo ser uma casa. Afinal, é a presença da forma

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naquelas coisas que as faz uma casa. Mas ele não o faz. Em vez disso, ele insiste que a causa buscada é aquela em vista de quê (tinos heneka).

As conseqüências dessa alegação têm ramificações tanto para (ARS) quanto para o nosso entendimento da teoria da substância de Aristóteles como tal. Ambas ramificações derivam de uma única fonte: como teleológica quanto ao caráter, a análise de Aristóteles da substância é uma descrição de segunda ordem. Isto é, ele aqui caracteriza substância como aquele x, o que quer que seja, cuja presença faz alguma coisa material capaz de realizar a função que é definitiva do tipo F ao qual x pertence. Ilustrando: a substância de uma casa é aquele x, o que quer que seja, cuja presença faz tantos tijolos e tanta argamassa capazes de realizar a função de uma casa. Aquele x é a forma da casa. Então, a forma é substância.

Desdobrando brevemente, embora seja largamente apreciado que a biologia de Aristóteles é (para o bem ou para o mal) teleológica em sua essência, é menos largamente apreciado que causas finais são as causas requeridas na busca por substância. Isto é, a teoria de Aristóteles da substância não é menos teleológica que a sua biologia: toda substância tem uma causa final,10 e,

sobretudo, o que é ser uma substância é fornecer uma causa final de um tipo especificável. A visão dele não é meramente a de que cada substância tem uma causa final (embora ele o sustente). Antes, ele mantém que a categoria da substância é ela mesma funcionalmente individuada, que o que é ser uma substância é ser o tipo de causa que é responsável pela identidade (diacrônica) de unidades teleonômicas, incluindo, mais notavelmente, organismos biológicos.

Presumivelmente, Aristóteles argumenta desse modo por causa da sua aceitação de uma tese de determinação funcional, no sentido que todas as coisas

10 Eu aqui discordo de Wedin (2000, 418): “dizer que O é a causa final não é dizer

que O tem uma causa final. Assim, o primeiro motor imóvel, que é a entidade separada

par excellence, é uma causa final mas não tem uma causa final.” Talvez Wedin assuma

aqui que x tem uma causa final somente se x possui aquela causa por meio da atividade de algum ente externo a x. Se isso fosse verdadeiro, também o seria que o primeiro motor não teria causa final. Não vejo razões para concordar com essa suposição, seja ou não a de Wedin; mas sem uma tal suposição a alegação de Wedin permanece imotivada.

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são definidas por suas funções (Meteor. 390a10-15, GA 734b24-31, Pol. 1253a19-25). O que faz um F ser um F genuíno é a presença do que Fs têm como a sua função peculiar. Sem a presença dessa função, como Aristóteles freqüentemente sugere, um F poderia ser, na melhor das hipóteses, um F espuriamente homônimo; ademais, a presença dessa função faz de alguma coisa funcionalmente apropriada um genuíno F. Isso, por sua vez, sugere uma motivação para (T): se o que é ser ousia é ser aquela causa que faz de alguma coisa um F genuíno, então aquela causa cuja presença é responsável é substância. Que causa é essa? A forma. Então, é perfeitamente razoável dizer tanto que o que quer que seja substância-de algo é a forma disso quanto que substância é forma.

Dada essa forma de motivação para (T), é possível reconsiderar a base para (ARS). Quando Aristóteles pergunta acerca da natureza da substância, ele está pedindo por uma análise: essa análise acaba por ser de segunda ordem, no sentido que não fornece uma especificação intrínseca de qualquer dada substância de primeira ordem. Aristóteles não alega, e.g., que uma substância é um feixe de propriedades ou um feixe de tropos, ou que uma substância é um substrato vazio ou um sujeito de propriedades. Em vez disso, ele afirma que uma substância é aquela entidade cuja presença faz com que alguma matéria seja um continuante diacrônico unificado. Resulta que, não acidentalmente, o que desempenha esse papel é a forma. A forma é, portanto, substância. O princípio transformacional (T) meramente permite uma inferência de um princípio operacional de segunda ordem para uma especificação extensional de primeira ordem. Desse modo, não é nem mais nem menos controverso que a seguinte inferência. O que quer que seja tal que a sua ingestão destrua a vida ou prejudique a saúde de um animal vivo ou planta é um veneno. A ingestão de cicuta tem essas conseqüências. Então, cicuta é um veneno. Essa analogia funciona, é claro, apenas quando é determinado que, como teleológica quanto ao caráter, a teoria de Aristóteles da substância fornece uma análise de segunda ordem, com ramificações extensionais de primeira ordem perfeitamente aceitáveis.

O que é extraordinário acerca da proposta de Aristóteles é precisamente o seu caráter de segunda ordem. Se pensarmos −como eu o faço− que alguns

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modos contemporâneos de tratar a natureza da substância chegaram a algum tipo de xeque-mate, então podemos muito bem indagar se não deveríamos levar a alternativa de Aristóteles mais a sério do que alguns participantes no debate contemporâneo têm-se disposto a fazer. Particularmente, parece haver esta vantagem: por continuar na segunda ordem, não tenta uma especificação de substância em termos de suas características necessariamente intrínsecas. É, provavelmente, precisamente essa tendência que deu origem às dificuldades paralelas entre descrições concorrentes correntemente em voga. O modo de Aristóteles tratar o assunto, contrariamente, oferece como uma análise intensional de substância que ela é o que quer que seja capaz de ser responsável pela existência de algum sistema teleonômico S como um continuante diacrônico unificado. Vem a ser, então, uma questão metafísica posterior o que é capaz de desempenhar esse papel. A resposta de Aristóteles: a forma.

Seja como for, temos em mãos pelo menos uma resposta viável para o nosso problema a respeito da substância e relativo. Recorde-se que o nosso argumento em favor da conclusão indesejada de que toda substância primária é um relativo baseou-se na alegação de que, necessariamente, se x é em sua natureza a causa de algo ser <F>, x é em sua natureza uma causa. (Essa era a segunda premissa do nosso argumento heurístico (ARS).) Agora, contudo, podemos ver por que isso é falso: como substância de algum composto, a forma é de fato a causa de o composto ser o composto que é. Agora, contudo, podemos ver, em vista de (T), que nada que é a causa de algo ser F é em sua natureza uma causa. De qualquer maneira, embora parecesse primeiramente analítica, resulta que essa premissa é claramente incorreta: uma forma é por necessidade capaz de causar alguma matéria ter esta ou aquela configuração; mas não se segue que uma forma seja, em sua essência, uma causa, muito menos que seja, de fato, causa de a matéria ser alguma coisa. Se concedermos que qualquer forma pode atualizar alguma matéria apropriada a ela, não se segue que a forma em questão de fato atualize essa matéria, nem que a sua natureza seja uma causa. Segue-se, então, que (T) fornece um modo de transpor as inferências de Aristóteles de substância-de a

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substância e, ao fazê-lo, deflaciona todo argumento que o pretende encilhar com uma conclusão que ele claramente pretende rejeitar.

4. Conclusão

Quando forçamos Aristóteles a encarar diretamente o problema acerca da substância e relativo, aprendemos duas coisas acerca da sua teoria madura da substância. Primeiro, mais estritamente, aprendemos que, apresentando uma análise teleológica da substância, Aristóteles pode legitimamente alegar ter refutado as objeções trazidas a seu mais nítido relevo pela nossa formulação do problema. Segundo, e mais importante, aprendemos que a sua teoria madura da substância tem uma característica que de outro modo deixaríamos de apreciar; e, felizmente, é essa mesma característica que propicia à teoria de Aristóteles o seu permanente interesse filosófico.

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