A DESCRIçÃO DA REALIDADE FÍSICA FORNECIDA PELA
MECÂNICA QUÂNTrCA
poDE
sER CoNSTDERADAcoMFLETA?./t
NIELS BOHRResumo: Mostta-se que um certo "crltërio de realilode flsica
þnwldo,útmûtigo
lecente de A. EínsteÍn, B, Podolsky e
N.
Rosen, coûL o tltulo ocima, øntëm umtømblgüllade essencíal quøndo aplicado a ¡ètómenos quântlcos, Em ænex&¡
øm
lsso, expõe-se um pontode
vlúa denomlnodo 'bomplemcntørldade", a¡nrtb
do qual a descriçto lolerecila pelof mecôníca quôntlcø þam osl fetómeaos flsbrts æ mostru capaz de preencher, em seu âmbito, todøs as exigêncløs ,zcíctuisde atmpletude.Num
artigo recente com
essetítulo\ A.
Einstein,
B.
Podolskye N.
Rosenapresentaram argumentos
que
os
levaram
a
responderà
pergunta
em
pautade
rnodo
negativo.O
veio
de
sua argumentação,porém, não me
parece lidar adequadantentecom
a
situação realcom
que nos defrontanrosna
física atômica.Por
isso,fico
satisfeitoem
poder usar esta oportunidade paraexpliciu com
um pouco rnaisde
detalheso
ponto de
vista geral, denominado convenientemente de "complernentaridade",que abordei em
várias ocasiões passadas2,e
a
partir
doqual
a
mecânicaquântica, em seu
donfnio,
se mostrariacomo uma
descrição completanrenteracional dos
fenômenosffsicos, como os que
encontñrmos nos Processos atômicos.O
quantoé
posslvelatribuir de
signihcado inequívocoa
uma expressÍio corno "realidadefísica" não
pode, evidentemente, ser deduzidoa partir de
concepçõesfilosófìcas u
priori,
mas-
como os próprios autores do artigc citado enfatizanl-
devese fundamentar
no
recursodireto
a
experiênciase
medidas. Comtal
intuito
eles propõemum "critério
de realidade", formulado como se segue: "Se, sem de modo algum perturbar um sistema, pudermos prever com certeza o valor de uma quantidadefísica, então eriste unt elemento de realidade física correspondente a essa quantidade
física." Por meio de
um
exemplo interessante,ao qual
voltaremos abaixo, elespass¡un
a mostlar
quena
mecânica quântica, da mesma maneira qr¡e na meciùúcaclássica,
é
posslvel, sob condições adequadas, prevero
valor de
qualquer variávelpertinente à
descriçãode um
sistema mecânicoa partir de
medidas inteiramente executadasem outros
sistemas, que,no
passado, interagirarncom
o
sistema sobinvestigação. Assim,
de
acordocom
seucritério, os
autores desejamatribuir
umt
Nota edítoial. Este artigàfoi
publicado originariamente em Physicol Review48
(f93S), pp.693-7o2.I
Nota do trøduto¡.A
estrutura empregada por Bohr é pouco usu¿l na língua inglesa. Nestatraduçâo tentou-se preservá-la, para evitü a introduçäo de possíveis detrrpações de sentilo, que seliam graves em um texto considerado de compreensão difícil. Isso se fez com se,nsível
.
prejuízo de estilo.I
A.Einstein, B.Podolsky o N.Rosen,Påys. R ev. 47 (l'935),p.777 .fTrtûnido acima, pp. 9&96.1'
Cf. N. Bohr, Atomic Theory ond Description olNature,I (Cambridge, 1934). Cademos de Eístöria e FìIosofia da Ciência 2 r(1981), pp. 97-10698
Niels Bohrelemento de realidade a cada uma das quantidades representadæ.por tais variáveis.
Além
disso,como uma
caracterlsticabem
conhecidado
formalismo atual
damecânica quântica
é o
fato
de não
ser jamaisposível, na
descriçÍodo
estadode
um
sistema mecânico,atribuir
valores definitivosa
duas variáveis canonicamenteconjugadas,
eles
conæqüentementedizem que
tal
formalismo
é
incompleto,
eexprimem
a
crençade que uma teoria mais
satisfatóriapode ser
desenvolvida.No
entanto,é
diffcil
vet
comotal
argumentaçãopoderia
afetata
correção da ðescriçãoquântica,
que
æ
baseianum' formalismo
m¿temdtico coerente, qqecobre
automaticamentequalquer
processode
menzuraçãocomo
o
indicado3.Na
verdade,a
aparente contradiçãosó põe
a
nu
uma
inadequação esæncial daperspectiva costumeira da fìlosofia natural em fomecer uma descrição racional dos fenômenos
físicos
do tipo
que
estamos interessadosna
mecânica quântica' Com3
As deduções presentes no artigo citado podem, sob esse aE ecto, se¡ consideradas comoconseqüência imediata dos teo¡emas de transformação em mecânica quântica, os quais, talvez
mais
do
que qualquer out¡a característica Co formalismo, contribuem para assegurar sua complefude matemática e sua conespondência racional com a mecânica clássica. Na verdade,na descrição de um sistema meciìnico que consiste
do
dois sistemas parciais (1) e (2), queinteragem
ou
ndo entre si, é sempre possfvel substituir quaisquer dois pares de variáveis canonicamente conjugadas (qt pz),(qzpù,
relativos respectivamente aos sistemas (1) e (2),e que satisfazem às regras de comutação usuais
[q,
prl
=
lqzpzl
=
i¡lzt¡,
Íg, czl
=
lpt pzl
=
lqt pzl
= lqzptl =
o,por
dois noyos pares de variáveis conjugadas(QtPù, (QzPù,
relacionadas às primehasva¡iáveis
pot
uma transformação ortogonal simples, correspondentea
uma rotaçÍio deângulo
0
nosplanos(qtqù,
@tpz)
q1
:
Qços|
- Q2senï
p1-
Pposï
-
P2sen0 q2:
Q¡sen|* g2cos|
p2-
Ppcnî
*
P2cosî. Como tais variáveis satisfazem a regras análogas de comutação, em particular[Ø
ptl
: ihl2¡,
lQ,
Pzl:
o,segue-se que, na descrição do estado de um sistema combinado, não se pode at¡ibuir valores
numé¡icos definidos z Q1 e
Py
sirnultaneamente, mas que podemos claramente fazê-lo comrespeito a
Qt
e P2. Nesse caso, segue-se ainda dæ expressões dessas va¡iáveis em temosde
(qtpù s
(q2p2),ovæja,tQ,
=qçosî
+e2sen02
Pz=
-
p1senï + p2cosî,que uma medida subseqüente de 42 ou de p2 nos permitirá prever respectivamente os valores
Descrþão dø Mecllnica Qultntica 99
efeito,
a
interaçliofinita
efltrc objeto
e
agênciøsde
medidu, condicionada pelaprópria
existênciado
quantum de
ação,implica
-
devido
à
impossibilidade decontrolar
a
reação provocadapelo objeto nos
instrumentoSde
medida, s€ estes devem servira
seus objetivos-
a
necessidadede uma
renúnciafinal
às
idéias clássicas de causalidade, e uma revisão radical de nossa atitude perante o problema da realidade física. Na verdade, como verernos, umcritério
de realidade física comoo
proposto pelos autores
mencionadoscontém
-
apesarde
sua
formulação aparentemente cuidadosa-
uma
ambigüidade essencial,qtrando aplicado
aosproblemas reais que nos iuteressam aqui. Com
o
objetivo de apresentar da maneirarnais clara possível
o
argumento para essefim,
considerarei inicialmente com algum detalhe uns poucos exemplos simples de procedimentos de medida.Comecemos com
o
caso simples de uma partícula que atravessa uma fenda num diafragma, que pode tomar parte de alguma montagem experimental, mais ou menoscomplicada. Mesmo que
a
quantidade de movimento da partícula seja inteiramente conhecida antes que ela alcanceo
diafragma, a difração provocada pela fenda sobrea
onda plana que fornecea
representação simbólicade
æu estado impiicará uma incertezana
quantidadede
movimentoda
partícula
depois queela
atravessar o diafragma, [incerteza esta]tanto
maior quanto mais estreitafor
a fenda.A
largura da fenda, se é grande quando comparada ao conrprimento de onda, pode ser encaradacomo uma
incerlezaAq
da posição da partícula com respeito ao diafragma, numa direção perpendicularà
fenda. Além disso, vê-se facilmente, apartir
da relação deile
Broglie entre
a
quantidadede
movirnentoe
o
comprimentode
onda,que
a incertezaLp
da
quantidadede
movirnento da partícula nessa direção se relacionacom
Aq
através do princlpio geral de HeisenbergLpM-h,
que, no
fomralismo quântico,é
uma conseqüência direta da relação de comutaçãopara qualquer
par
de
variáveis conjugadas.É
¿Uvioque
a
incertezaÂp
liga-seindissoluvelmente
à
possibilidade de uma troca de quantidade de movirnento entrea partícula
e
o
diafragma;e
a pergrmta de interesse principal para nossa discussãoé,
agora,o
quantoa
quantidadede
movimento æsim transt'erida pode ser levada em consideração na descr'íção do fenömeno a ser estudado pelo ananjo experimentalem questÍo, do qual a
p¡rssagem da partícula pela fenda podeær
encarada comoo estágio inicial.
Suponhamos
inicialmente que,
de
acordocom
experiências usuaisa
respeitodo
notável feirômenoda
difraçãode
elétrons,o
diafragma,da
mesma forma queoutras partes
do
arranjo
experimental-
digamosum
segundo diafragma, com diversasfendas
paralelasà
primeira,
e
mais uma
chapafotográfica
-,
estejarigidamente
lxado
a
um
suporte,
que
defìne
o
sistema referencial espacial. Entãoa
transferência de quantidade de movimento entrea
partícula eo
diafragma passará para esse suporte comum, juntamente com a reação da partícula a outroslO0
Niels Bohrcorpos.
Com
iso,
eliminamos voluntariamentequalquer
possibilidadede
levar separadamenteem conta tais
reações em previsões concernentei ao resultado fìnal da experiência-
digamos, a posição da impresslo produzida pelapartlcrfa
na chapa fotográfìca.A
impossibilidadede uma
an¡flisemais
detalhada das reações entrea
partfcula
e
o
instrumento de
medidanão
é,
de fato, uma
peculiaridade do procedimento experimental descrito, masuma
propriedade essencialde
qualquer arranjo adequadoao
estudode
fenômenosdo
tipo
considerado, em que devemoslidar com um
aspecto de individuolidøde'completamente estranho à física clássica.Na
ver<lade, qualquer possibilidade de levar æparadamente enn conta a quantidadede movimento trocada entre a partlcula e as diversas partes do arranjo experimental
nos
permitiria
de
imediato derivar
conclusões referentesao "porvit" de
tais fenômenos-
por
exemplo,
atravésde
qual
das fendasdo
ægrurdo diafragmaa partfcula
passaem
seu caminhoem
direçãoà
chapa fotográfìca-,
o
que seriabastante incompatfvel
corn
o
fato de a
probabilidadede a
partíc'.rla alcançar um dado elemento de área na chapa não ser determinada pela presença de qualquer fenda em especial, mas pelas posições de todas a¡ fendas do segundo diafragma [que estão] ao alcance da onda difratada pela fenda do primeiro diafragma,Por meio de um outro
arranjo experimental, em queo
primeiro diafragma nifofica
rigidamenteligado a
outras partes da montagem, seria possível, ao menos empriñcfpioa, medir
sua quantidadede
movimentocom
qualquer graude
precisãodesejado, antes
e
depoisda
passagemda
partícula,e
assim prevera
quantidadede movimento desta
última
depois que atravessou a fenda. Na verdade, tais medidasde
quantidadede
movimento exigem apenas.a
aplicação inequívoca dalei
clásicada
consewaçãoda
qúantidadede
movimento,feita, por
exemplo,num
processode choque entre
o
diatìagma e algum corpo de teste, cuja quantidade de movimento seja adequadamente controlada antese
depoisdo
choque.É
verdade queum
tal controle dependerá essencialmente de um exame do desencadear espaço-temporal dealguns processos aos quais se podem aplicar as idéias da mecânica cftissica; se, porém,
todas as
dimensões espaciaise
intervalosde tempo
são tomados suficientementegrandes, isso não envolve obviamente nenhuma limitação no que conceme o controle preciso
de
sua coordenação espaço-temporal. Estaúltima
circunstânciaé,
de fato, bastante análogaà
renúncia ao controle da quantidade de movimento do diafragmafixo
no
arranjo experimentaldiscutido
acima,e
depende,em última
análise, dopressuposto de uma descrição puramente clássica do arranjo de medida, o que implica
a
necessidadede permitir uma
imprecisão, conespondenteàs
relações quânticas de incerteza, em nossa descrição de seu comportamento.A
principal diferença entre os dois arranjos experimentais em considenção estâ,a
A impossibilidade óbvia de efetivamente executar, com as técnicas experimentais que temos ànosa disposiçffo, procedimentos de medida 'como os discutidos aqui e no que se seguo, claramente não afeta o argumento teórico, pois osprocedimentos em questäo são essencialmente equivalentes a processos atômicos, como
o
efeito Compton, em que uma aplicação correspondente do teorema da consewaçÍÍo da quantidade de movimento é bem estabelecida,Descrþão da Mecllníca Quilntíca
l0l
porém, no fato de que, na situação adequada ao controle da
çantidade
de movimentodo primeiro
diafragma, este corpo não pode mais ser empregado como
propósito de serum
instrumento de medida, comono
cæo anterior.Ao
contrário, no que serefere a sua localização em relação ao resto da montagem, deve, da mesma maneira que a partícula que atravessa a fenda, ser tratado como um objeto de investigaçfo, no sentido de que as relações quânticas de incerteza relativas à posição e à quantidade
de
movimento precisam ser explicitamente levadasem
consideração.Na
verdade,mesmo se soubésemos a posiçÍo
do
diafragma em relação ao sistema de referência antes da primeira medida de sua quantidade de movimento, e mès¡no apesar de nra posição depois daúltima
medida poder ser determinada com precisÍo, perderlamoso
conhecimentode
sua
posição quandoa
partfcula
passoupela fenda,
devido ao deslocamento incontroláveldo
diafragma durante cada processo de choque com os corposde
teste.A
montagemé,
assim, obviamente inadequada parao
estudodo
mesmotipo
de
fenômenoque o
caso anterior. Em particular, pode-se mostrar que se a quantidade de movimentodo
diafragma é medida com precisão sufìcientepara
permitir
conclusões definitivasa
respeitoda
pasagemda
partfcula atravésde uma fenda
específicado
segundo diafragrna,então
a
menor
incerteza sobrea
posiçãodo primeiro
diafragma[que
for]
compatfvelcom um tal
conhecimento implicaráa
destruiçãototal'de
qualquerefeito
de interferência-
considerando as áreas permitidasde impacto da partícula
sobrea
chapa fotográfica-
que
seriaoriginado pela presença de mais de uma fenda no segundo diafragma, ca¡io ar¡ posições de todos os elementos do arranjo fossem fìxas umas em relaçâo às outras.
Em um
arranjo adequadoà
medidada
quantidadede
movimentodo
primeiro diafragma,é
além disso evidente que, mesmo se tivéssemos medido essa grandeza antes da passagem da partfcula através da fenda, ainda ficamos, depois dessa pæsagem,com uma
escolhal¡vre
sobre se queremos conhecera
quantidadede
movimento da partículaou
sua posição inicial com respeito ao restante do arranjo. No primeirocaso
precisaríamos apenasfazer uma
ægunda determinaçãoda
quantidade de movimentodo
diafragma, deixandopara
sempre desconhecida sua posição exataquando da pasagem da partfcula.
No
segundo caso, precisaríamos apenas determinarsua posiçÍo
com
reqpeitoao
sistemade
refer€ncia,com
a
inevitável perda de conhecimentoda
quantidadede
movimento
transferidaentre
o
diafragmae
apartfcula.
Sea masa
do
diafragmaé
suficientemente grande em comparação coma da partfcula, podemos até providenciar para que
o
procedimento de medida ocorrade modo
a
faze¡com
que, apósa
primeira determinaçãode
sua quantidade de movimento,o
diafragma permaneçaem
repousoem
alguma posição desconhecida com respeito às outras partesdo
arranjo.A fixaçÍo
subseqüente dessa posiç{o podeportanto
consistir simplesmenteno
estabelecimentode
uma conexãorígida
entreo diafragma e o suporte comum.
Meu principal objetivo em repetir essas considerações simples e substancialmente
bem
conhecidasé
o
de
enfatizar que, n<xi fenômenos considerados,nÍo
GstamoslO2
Niels Bohrlidando
com uma
descrição incompleta, caractenzadapor uma
escolha arbitráriade
diferentes elementosde
realidade ffsica,ao
custode
sacrificaroutros de
taiselementos. [Nos defrontaÍros, ao contrário,] com uma discriminação racional entre arranjos
e
procedimerttos experimentais essencialmente diferentes, adequados sejapara uma utilizaçlfo
inequívocada idéia de
localização espacial, sejapara
uma aplicaçtfo legítima do teorema da consewação da quantidade de movimento. Qualquer aparênciarestante
de
a¡bitrariedade refere-se meramentea
nossa liberdade demanipular
os
instrumentosde
medida,que
é
caracterlsticada própria idéia
de experiência.A
renúncia, emum
dado arranjo experimental, aum
ououtro
de dois aspectos da descrição de fenômenos físicos-
cuja combinação carcclettza o métododa física clásica,
e
que portanto
podem, nesse sentido, s€r considerados como complementaresum
ao
outro
-,
depende essencialmenteda
impossibilidade, no terrenoda
teoria quântica, de controlar com precisão a reaçãodo
objeto sobre os instrumentosde
medida,ou
seja, a transferência de quantidade de movimento, no caso de medidas de posição,e o
deslocamento,no
caso de medidas cle quantidadede
movimento.
Sob este
último
aspecto,é
essencialmente irrelevante qualquer comparaçãoentre a
mecânica quânticae
a
mecânica estatlstica corriqueira-
pormais
útil
quetal
comparação possa ser para a apresentação formal da teoria. De fato,em
todosos
arranjos experimentais adequados ao estudo de fenômenos quânticos propriamenteditos,
temosnão
àpenas simplesmentede lidar
com uma ignorância acerca dos valores de certas quantidades físicas, mas com a impossibilidade de defìnirtais quantidades de modo inequívoco.
As ultimas obærvações aplicam-se igualmente bem ao problema especial abordado por Einstein,
Podolsþ
e Rosen, referido acima, e que, na verdade, não envolve complicações maioresdo
que
os
exemplos sfunples discutidosaté
aqui.
O
particular
estadoquântico
de
duas partículas livres, para
o
qual eles
fornecemurna
expressãomatemática explícita, pode ser reproduzido, ao menos ern princípio, por um arranjo experimental simples,
que inclui um
diafragmarígido com
duas fendas paralelas,muito
estreitas se comparadas coma
distância que as separa, e através de cada uma das quais passa, independentementeda outra, uma
partículacom
quantidade de movimentoinicial
conhecida. Sea
quantidadede
movimento dessa diafragma émedida com precisã'o, tanto antes quanto depois da passagem das partfculas, podemos
conhecer a soma das componentes das quantidades de movimento das duas partlculas numa direção perpendicular às fendæ, bem como a diferença entre suas coordenadæ iniciais
de
posiçãona
mesma direção; enquanto que evidentemente as quantidades conjugadas,isto é,
a diferença das componentes de suas quantidades de movimento,e a
soma de suas coordenadas de posiçÍo, permanecefn inteiramente desconhecidass .5
Como será visto, se(qt
pt),@z
pù
reprèsentam as coordenadas de posição e as componentes das quantidades de movimento das duas partículas, e se 0=
-
S
, esta descriçaio corresponde exatamente, a menos de um fator de normalização trivial, à transformaçäo deva¡iáveis descrita na notã anterior. Pode-se também observa¡ que a funçâo de onda dada pela fórmula (9) do artigo citado correspond'e à escolha particular Pz:
0, e ao caso-limite de duas fendas infin itam en te estreitas.Descrþão da Mecênica Quântic¿ lO3
É portanto claro que, neste arranjo, uma medida isolada subseqüente, seja da posição,
seja
da
quantidade
de
movimento
de
uma
das partículas,
automaticanrente determinará respectivamentea
posiçlÍoe a
quantidadede
movimentoda
outra partícula, com qualquer grau de precisã'o desejado; [isso] desde queo
comprimentode
onda correspondente ao movimentolivre
de cada partícula seja suficientemente pequeno em comparação com a largura das fendas. Comofoi
assinalado pelos autores mencionados, neste estágionos
deparamos,em
conseqtiência,com uma
escolha completamentelivre
a
respeitode
se desejamos determinaruma ou outra
destasúltimas
quantidades,por
algum
processoque não interfira
diretamentecom
apartlcula em questão.
Da
mesmaforma que
o
caso
simplesda
escolhaentre dois
procedimentos experimentais, estamos,na
"liberdade
de
escolha"
proporcionadapelo
últimoarranjo,
preocupados tão-somente
com
uma
discriminaçlo
entre . diferentes procedimentos experimentois, quepemitem o
uso inequívoco de conceitos cùissicoscomplementares.
Na
verdade,medil a
posição de uma das partículas não significa nadamais
do
que
estabelecer uma correlaçãoentre
s€u comportamentoe
algum instrumento rigidamentefixo
ao suporte que define o sistema de referência espacial. Conseqüentemente, sob as condições experimentais descritas, tal medida nos fomece tambémo
conhecimento,de outra forma
completamente ignorado, da localizaçãodo
diafragnracom
relaçãoa
esse sistemade
referência,quando
as
partículasatravessaram as fendas. De
fato, é
apenas desse modo que obtemos uma base paraconclusões acerca
da
posiçãoinicial
da
outra partfcula em
relaçãoao
resto da montagem. No entanto, ao permitir que uma quantidade de mrrvimento essenciahnente incontrolávelpase da
primeirapartícula
parao
suporte rnencionado, eliminamos, com esse procedimento, qualquer possibilidadefutura
de aplicar a lei da conservaçãoda
quantidadede
movimentoao
sistemaconstituído pelo
diafragmae
pelas duaspartículas, e assim perdernos nossa única bæe para uma aplicação inequívoca da idéia
de
quantidade de movimento em previsões relativas ao comportamento da segunda partícula. Reciprocamente, se escolhemos medir a quantidade de movimerto de umadas partículas,
o
deslocamento incontrolável e inevitável [que acompanha] tal medida faz com que percamos qualquer possibilidade de, apartir do
comportamento dessa partícula, deduzira
posiçãodo
diafragma em relação ao resto da montagem. Assim,não nos
restam quaisquer bases para previsões concementes à localização da outra partfcula,Do nosso ponto de vista,vemos agora que o fraseado do critério de realidade física
proposto
por
Einstein, Podolsky
e
Rosen,
mencionadoacima, contérn
r¡maambigüidade
no
que tange o significado da expressão "sem de modo algum perturbarum
sistema".É
claro que,num
caso comoo
que se acabou de considerar, não há terreno para qualquer perturbação mecânica sobreo
sistema, duranteo
último
ecrítico
estágio do processo de medida. Mas rnesmo nesse estágio existe essencialmente a questão de uma influência sobre as próprias condições que definem os tipos possíveislM
Niels Bohrde
previsões relativasao
comportømentofuturo do
sistema. Comotais
condiçõesconstituem um elemento inerente à descrição de qualquer fenômeno ao qual se possa
atribuir
adequadamenteo
termo "realidade física", percebemos que a argumentação dos autores mencionados nãojustifica
sua conclusãode que
a descrição quânticaé
essencialmenteincompleta.
Ao
contrário,
tal
descriçã'o,como
transparece da discussão precedente, pode ser caructerizada como uma utilização racional de todasas
possibilidadesde
interpretações inequívocasde
medidas,compatível
com
ainteração
fìnita
e
incontrolávelentre os
objetose os
instrumentosde
medida noterreno
da
teoria quântica*.
Na
verdade,é
apenasa
exclusãomútua
de
dois procedimentos experimentais quaisquer,permitindo
a
definiçâ'o inequívoca dequantidades físicas complementares, que fornece espaço para novas leis físicæ, cuja
coexistência poderia, à primeira vista, parecer irreconciliável com os princípios básicos
da
ciência.É
precisamente essa situação, inteiramente novano
quediz
respeito àdescrição
de
fenômenos físicos, quea
noçãode
complementaridadetem por
fìm czracteÅzar.Os arranjos experimentais discutidos
até aqui
são dotados de uma simplicidadeespecial, decorrente
do
papel
secundárioque
a
idéia
de
tempo
desempenha nadescrição dos fenômenos em pauta.
É
verdade que empregÍrmos livremente palavras como"antes" e "depois",
implicando relações temporais; mas em cada caso se deve admiti¡ uma certa imprecisão, que no entânto não tem qualquer importância enquantoos intewalos de
tempo considerados sâ'o sufìcientemente grandesem
comparação aos períodos envolvidos na análise rigorosa dos fenômenos sob investigaçã'o.A
partirdo
momentoem que
tentarnos realizatuma
descrição temporal mais precisa dosfenômenos quânticos, encontramos novos
e
bem conhecidos paradoxos, para cuja elucidaçãoé
necessário trazerà baila
outras peculiaridadesda
interaçãoentre
os objetose
os instrumentosde
medida. Comefeito,
nesses fenômenos não estamos mais lidando com arranjos experimentais constituídos de instrumentos essencialmenteem
repousouns com
respeito aosoutros,
mascom
arranjos que contêm partesmóveis
-
como obturadores, situados antes dæ fendas dos diafragmas-,
controladospor
mecanismos que fazem o papel de relôgios. Dessa maneira, além da transferência de quantidade de movimento entreo
objetoe
os corpos que definem o sistema de referência,que
discutimos acima, somos forçadosa
levarem conta
uma eventualtroca de energia entre o objeto e esses mecanismos de tempo.
O
ponto
decisivo,no
que
tange as medidasde tempo na teoria
quântica, éentão
completamenteanálogo
ao
argumentorelativo
às
medidas
de
posiçÍfo,esboçado acima.
Da
mesma maneira como se verificou ser inteiramente impossívelcontrolar
a
transferênciade
quantidade
de
movimento às
diversaspartes
do*
Nota do fiodutor. O original é ambíguo com respeito ao sujeito da fræe que se inicia coma palavra compatlvel. Dada a estn¡tura da oraçâo, tal sujeito tanto: pode ser a "utilização racional", quanto as "posibilidades", quanto as "interpretações". Nos dois últimos casos, é claro que compøt{vel deve ser substituído pot compatbeis.
Descrição dø Mecilnica Quûnticø lO5
arranjo
-
das quais o conhecimento das posições relativas é necessário para a descriçãodo
fenômeno-,
tambéma
troca de energia entre o objeto e os vários corpos, cujosmovimentos relativos precisam ser conhecidos para a utilização que se pretende fazer do arranjo, desafìa qualquer análise mais detalhada. Com efeito,
uclui'se
em princípioo
controle
dø
enetgia dissipadtpelos
relögiosem
processos quenão
interferem essenciølmentecom
seu
emprcgocomo
indicadoresde
tempo.
Esse emprego,de fato,
baseia-se inteiramenteem
se pressupor a possibilidade de descrever tantoo
funcionamentode
cadarelôgio, quanto
sua comparação eventualcom
outros relôgios,com
bæe nos métodos da física clássica. Assim, nessa descriçilo deve¡nosobviamente levar em conta uma imprecisão no equilíbrio de energia, correspondente
à
relação quânticade
incertezapara
as variáveis conjugadasde
tempoe
energia.Como na questão discutida acima, sobre o caráter mutuamente excludente de qualquer emprego inequívoco, na teoria quântica, dos conceitos de
posiçlo e
de quantidadede
rnovimento,é
em última
análise essa circunstância queimplica a
relação de complernentaridadeentre qualquer
descriçãotemporal
detalhadade
fenômenos atômicos,de um lado, e, de outro,
as característicasnãeclásicas
de estabilidade intrfnsecados
átomos, postasa
nu pelo
estudode
transferênciasde
eneryia em reações atômicas.Na realidade, pode-se dizer que
a
necessidade de, em cada arranjo experimental,distinguir entre
as partesdo
sistemafísico
considerado quais asque
devem ser tratadas como instrumentos de medida, e quais constituem os objetos sob investigação, [essa necessidade]forma
umt
distinçiíofundamental enffe as
descrições cùíssicø e quântica dos fenômenos físicos.É
verdadeqw
a
parte de cada procedimento de medidaem
quetal
discriminaçãoé feita
consiste largamente, ern ambos os casos, numa questão de conveniência. Contudo, enquanto que na física clássica a distinçãoentre objeto
e
agênciasde
medidanão implica
qualquer diferençano
caráter da descrição do fenômeno considerado, sua importância fundamental na teoria quântica,como vimos, tem suas raízes no uso indispensável de conceitos clássicos na interpretação de t<ldas as medidas corretamente conduzidas, mesmo apesar de as teorias clássicas
não serem suficientes para dar conta dos novos tipos de regularidades com que lidamos
na
física atômica.Em
consonância com essa situação, nã'o pode haver terreno paraqualquer interpretação inequívoca dos sfmbolos da mecânica quântica além daquela incorporada nas bem conhecidas regras que permitem prever os resultados que se
podem obter por um
dado arranjo experimental, descritode
maneira totalmenteclássica, [regras essas] que encontraram sua expressão geral através dos teoremas de transformação
já
mencionados. Assegurando sua correspondência adequada coma
teoria
clássica,tais
teoremasexcluem, em particular,
qualquer inconsistênciaimaginável
na
descrição dada pela mecânica quântica, relacionadaa
uma mudançado lugar em que
sefaz a
discriminaçãoentre
o
objeto
e
as agências de medida.Na
verdade,uma
conseqüênciaóbvia da
argumentagão acimaé
que, em qualquer arranjo experimental e procedimento de medida, só nos é permitida uma livre escolha106 Mels Bohr
desse lugar
no âmbito
de uma região em que a descrição quânticado
processo em pauta é efetivamente equivalente à descrição clássica.Antes de concluir, gostaria ainda
de
esfatizaro
papel desempenhado pela grandelição
derivadada teoria da
relatividade generalizada na questão da realidade flsica no terreno da teoria quântica. Com efeito, apesar de todas as diferenças características,as
situaçõesde
que se ocupam essas generalizaçõesda teoria
clássica apresentamanalogias surpreendentes, que
têm
sido freqüentemente assinaladas. Especialmente, a posição singular dos instrumentos de medida na descrição de fenômenos quânticos, que se acabou de discutir, mostra-semuito
semelhante à bem conhecida necessidade, nateoria
da relatividade, de manter uma descrição ordinária de todos os processos de medida, incluindose uma distinção nítida entre coordenadas de tempo e de espaço,[e
isso] apesar de a própria essência dessa teoria sero
estabelecimento de novas leisfísicas, para cuja compreensão devemos renunciar à separação costumeira entre idéias de espaço de de tempoó.
A
dependéncia que todas as leituras de escalas e relógiosguardam com respeito ao sistema de referência, na teoria da relatividade, pode até mesmo
ser
comparadacom
a
troca
essencialmente incontrolávelde
quantidadede movimento
ou
energia entre os objetos das medidas e todos os instrumentos que definemo
sistema de referência espaço-temporal, que, na teoria quântica, nos colocaa
situação caracterizada pela noçãode
complementaridade.Na
verdade essa nova caracterfsticada
fìlosofia natural
significauma
revisãoradical de
nossa atitude perantea
realidade física, que encontra paralelismo næ modifìcações fundamentais de todas as idéias concernentes ao caráter absoluto dos fenômenos ffsicos, trazidasà luz pela teoria da relatividade generalizada.
Tldução
deCLÁUDIO IT'EBER ABRAMO
ó
É justamenteessa circunstância, ao lado da invariância ¡elativística das relações de incerteza da mecânica quântica, que assegura a compatibilidade entre a argumentaçâo esboçada no
presente artigo
e
todas as exigências da teoria da relatividado. Essa questílo será abordada em maiores detalhes num artigo que está em preparaçÍIo, em que o autor discutirá em particularum paradoxo muito interessante, sugerido por Einstein, referente à aplicação da teoria da
gravitação a medidas de energia, e cuja solução proporciona uma ilustlação especialmente instrutiva
da
generalidadedo
argumentoda
complementaridade. Na mesma ocasião, seapresentará uma discussäo mais detalhada sobre medidas de espaço-tempo na teoria quântica,
com
todosos
desenvolvimentos matemáticose
diagramasde
arranjos [experimentais]necesúrios,