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O futuro de São Paulo na década de 1950

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

BRUNO DE MACEDO ZOREK

O FUTURO DE SÃO PAULO NA DÉCADA DE 1950

CAMPINAS 2019

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O FUTURO DE SÃO PAULO NA DÉCADA DE 1950

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em História, na Área de Política, Memória e Cidade.

ORIENTADORA:

PROFA. DRA. SILVANA BARBOSA RUBINO

Este trabalho corresponde à versão final da tese defendida pelo aluno Bruno de Macedo Zorek e orientada pela Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino

CAMPINAS 2019

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ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5227-7445

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Zorek, Bruno de Macedo,

Z769f ZorO futuro de São Paulo na década de 1950 / Bruno de Macedo Zorek. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

ZorOrientador: Silvana Barbosa Rubino.

ZorTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Zor1. Representações sociais. 2. Tempo - História. 3. Capitais (Cidades) - São Paulo (Capital) - História. 4. Intelectuais - Brasil - História - Séc. XX. I. Rubino, Silvana Barbosa, 1959-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The future of São Paulo in the 1950s Palavras-chave em inglês:

Social representations Time - History

Capitals (Cities) - São Paulo (Capital) - History Intellectuals - Brazil - History - 20th century

Área de concentração: Política, Memória e Cidade Titulação: Doutor em História

Banca examinadora:

Silvana Barbosa Rubino [Orientador] Ana Cláudia Scaglione Veiga de Castro Miguel Soares Palmeira

Heloisa André Pontes José Alves Freitas Neto Data de defesa: 15-03-2019

Programa de Pós-Graduação: História

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 15/03/2019, considerou o candidato Bruno de Macedo Zorek aprovado.

Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino

Profa. Dra. Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro Prof. Dr. Miguel Soares Palmeira

Profa. Dra. Heloisa André Pontes Prof. Dr. José Alves Freitas Neto

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Agradecimentos

A feitura desta tese só foi possível graças à colaboração de uma série de instituições e de pessoas a quem gostaria de agradecer.

De início, agradeço à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo suporte financeiro para a realização do doutorado (processo n.° 2013/17709-2) e pela concessão de uma bolsa de estágio de pesquisa no exterior (processo n.° 2014/21434-1). Graças à manutenção mensal generosa dessas bolsas, pude me dedicar exclusivamente ao trabalho de pesquisa durante os últimos anos. Além disso, as bolsas Fapesp também disponibilizavam reservas técnicas, que permitiram discutir minhas ideias em diversos eventos acadêmicos no Brasil e em outros países – assegurando, assim, que a tese fosse produzida em diálogo constante e atualizado com importantes pares da história e das ciências sociais. Portanto, é necessário frisar, a Fapesp garantiu condições privilegiadas para a realização deste doutorado – infelizmente cada vez mais raras, tendo em vista o processo de desmonetarização crescente que as agências de fomento e as universidades brasileiras vêm sofrendo ultimamente. Ainda em relação ao financiamento da pesquisa, o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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acreditar no meu projeto de pesquisa e por ter me proporcionado um ambiente acolhedor e, ao mesmo tempo, intelectualmente instigante durante os anos em que trabalhei na tese. Dos docentes da casa, em primeiro lugar, gostaria de agradecer à professora Silvana Rubino – orientadora deste trabalho. Em grande parte, esta tese é fruto de sua leitura perspicaz, de suas aulas e do seu apoio e encorajamento constantes no enfrentamento dos desafios acadêmicos e institucionais que surgiram ao longo do caminho. Gostaria também de agradecer às professoras Maria Stella Bresciani, Isabel Marson, Josianne Cerasoli e Aline de Carvalho, cujas disciplinas acompanhei no início do doutorado. Suas aulas, na prática, constituíram a essência da minha experiência inicial na Unicamp e foram fundamentais para minha formação enquanto historiador. Em separado, agradeço ao professor José Alves Freitas Neto e à professora Heloísa Pontes. Além das disciplinas que ofertaram e que tive o privilégio de assistir, ambos constituíram as bancas do exame de qualificação e da defesa, nas quais me agraciaram com leituras generosas e estimulantes.

Além de Pontes e Freitas Neto, agradeço imensamente aos professores Miguel Palmeira e Ana Veiga de Castro por suas inestimáveis contribuições ao meu trabalho durante a defesa. Estendo esses agradecimentos também às professoras Josianne Cerasoli, Cristina Meneguello e Lidiane Soares Rodrigues, que aceitaram a posição de suplentes da banca.

Sou grato ao Departamento de História da Columbia University que gentilmente me recebeu quando realizei parte da minha pesquisa em Nova York. Nominalmente, gostaria de agradecer aos professores Kenneth T. Jackson, que supervisionou meu estágio nos EUA, e Karl Jacoby, que me permitiu acompanhar sua disciplina sobre historiografia estadunidense, oferecida para os estudantes de doutorado em história da Columbia University. Ambos tiveram um papel decisivo na ampliação de minhas referências e em tomadas de decisão centrais para a organização da tese.

Embora este trabalho tenha sido desenvolvido na Unicamp, uma série de parcerias com a Universidade de São Paulo (USP) foram fundamentais para seu bom termo. Agradeço, portanto, ao professor Francisco Queiroz, por aceitar minha participação em sua disciplina sobre história, ciência e utopia – cujas leituras foram importantes para as reflexões presentes nesta tese. Agradeço também aos três grupos de estudo uspianos que acompanhei até agora e dos quais espero continuar fazendo parte. Ao coletivo Arte, Saberes e Antropologia, coordenado pela professora Fernanda Peixoto. Ao Corte e Cultura, formado por estudantes e

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pelo professor Miguel Palmeira.

Os funcionários dos arquivos, museus e bibliotecas que frequentei durante os últimos anos merecem um agradecimento especial. Não fosse seu trabalho de guarda, organização e manutenção dos acervos, minha pesquisa seria impossível de ser realizada. Portanto, muito obrigado ao pessoal das seguintes instituições: Biblioteca Octávio Ianni e Biblioteca de Obras Raras da Unicamp; Biblioteca Florestan Fernandes da USP; Museu Paulista; Arquivo Histórico Municipal Washington Luís de São Paulo; Butler Library e Avery Library da Columbia University; New York Public Library; e Rockefeller Archive Center. Com especial respeito e admiração, agradeço ao pessoal da secretaria de Pós-Graduação do IFCH, Unicamp, sobretudo Sônia Miranda de Castro e Daniel Hatamoto.

Outro agradecimento importante é para os estudantes de graduação me ajudaram a refinar a pesquisa. De início, agradeço aos alunos do curso de história da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Antes mesmo de ingressar no doutorado, tive a oportunidade de ministrar na UEPG uma disciplina na qual discuti os principais autores utilizados na elaboração do projeto de pesquisa. Também, sou grato aos estudantes da Unicamp que acompanharam a disciplina oferecida por mim e pela professora Silvana Rubino. Nessa nova ocasião, já com a pesquisa consolidada, trouxe para a sala de aula não só os autores fundamentais para a estrutura teórica da tese, mas também parte de minhas fontes e algumas das principais análises e hipóteses propostas na tese.

Também gostaria de agradecer aos meus amigos e colegas da UEPG, especialmente Erivan Karvat, Niltonci Batista Chaves e Antônio Benatte, que leram e comentaram os primeiros esboços de minha proposta de doutorado. Além desses professores, ao longo dos últimos anos, diversas pessoas se dispuseram a ler e discutir comigo o andamento da tese. Nesse sentido, agradeço especialmente a Lorena Avellar de Muniagurria, Thaís Waldman, José Muniz Jr., Camila Gui Rosatti e Elisa Klüger, cujas contribuições foram fundamentais para o amadurecimento do trabalho. Outra pessoa importante nesse sentido foi a ou o parecerista anônima(o) da Fapesp, que acompanhou todas as fases da pesquisa e sempre fez comentários instigantes e generosos.

Meu muito obrigado aos amigos e colegas da pós-graduação na Unicamp – sobretudo Clecia Gomes, Carlos Alberto Oliveira, Mateus Pavan e Alessandra Mafra – com quem discuti inúmeras vezes questões acadêmicas e tantas outras questões sobre a vida. Sou grato

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André Sarturi e Bruno Rampone, que ajudaram a fazer do cotidiano nesse distrito campineiro um período bastante agradável. Um agradecimento especial a Laura Alberti que, além de fazer da vizinhança onde moro um ambiente acolhedor, também me ajudou com sua leitura e comentários sobre a tese.

Durante o doutorado, morei em várias casas em diferentes cidades e, graças a alguns amigos, em condições excepcionais. Gostaria de agradecer a Frederico Coutinho e Maria Luisa Freitas, por terem disponibilizado seu apartamento enquanto estavam nos Estados Unidos. Também agradeço a Adriano Codato e Fábia Berlatto, na casa de quem morei quando eles estavam a França. Sou grato a Derek e Romi Lyon, que me receberam em Nova York. E sou especialmente grato a Rafael Benthien e Waleska Barbosa, que, além de terem emprestado seu apartamento em São Paulo, são amigos para todas as horas. Não bastasse isso, Rafael Benthien também se dispôs a ler e comentar parte da pesquisa, contribuindo de forma decisiva para este trabalho.

Agradeço aos meus grandes amigos Carlos Ramos, Felipe Araújo, Camilo Gonzáles e Bruno Alexandre que, de diferentes maneiras, tornaram mais fácil o processo da pesquisa. Sobretudo, agradeço a Maikon Augusto Delgado, cuja amizade me permitiu inúmeras vezes escapar um pouco da vida acadêmica e que, quando não havia escapatória, também me ajudou na escrita da tese.

Agradeço aos amigos de Curitiba: Rodrigo Turin, Hilton Costa, André Cavazzani, Mayra Bertussi, César Cundari, Sara Alvarez, Lennita Ruggi, Helder Cyrelli, Vanessa Sandim, Jonas Pegoraro, Cláudia Petry, Caroline Guebert, Gabriela Azevedo, Rodrigo Gonçalves, João Arthur Grahl, Allan de Paula Oliveira, Maria Helena Macedo, Leonardo Marques, Gisele Candido, Rodrigo Duarte, Valéria Floriano, Camila Santana, Cauê Krüger, Milton Stanczyk, Asanga Cechin, Alexandre Meireles, Jeison dos Santos, Claudia Wenzkowski, Stephanie Hauck, Camila Casara, Franciele Berlatto e Raphael de Carvalho. Aos amigos de São Paulo: João Ivo Guimarães, Maria Carolina Vasconcelos Oliveira, Priscila Henning, Thaís Brito, Alexandre Bispo, Julia Di Giovanni, Julia Goyatá, Bruno Pereira, Diogo Maciel, Vinícius Spira, Adriana Taets, Aline Murilo, Luísa Valentini, Rodrigo Ramassote, Luís Felipe Sobral, Victória de Zorzi, Isabela Amatucci, Mariana Osés, Franco Della Valle, Carlos Suarez, Júlio César da Silva, Bruno Galeano, Renato Rodolfo, Lívia Orsati, Luiz Mota, Alexandra Tedesco, Anne Capelo, Carla Baute, Fernanda Drumond,

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Merkel, Scott Barton, Michele Washington e Constanza Ontaneda.

Agradeço aos meus familiares, especialmente a meus pais, Neusa (in memoriam) e Angelo Zorek, pelo apoio incondicional nos mais diversos momentos da vida, e às minhas irmãs Maíra e Milena Zorek.

Finalmente, agradeço a Lorena Avellar de Muniagurria, parceira intelectual, leitora competente, minha companheira de vida e a pessoa que experimentou comigo todas as agruras e felicidades do doutorado.

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Resumo

O principal objetivo desta tese é discutir a produção do futuro de São Paulo, com foco nas transformações dos destinos da cidade ocorridas na década de 1950. Durante a primeira metade do século XX, a imagem dominante do seu futuro era a de uma metrópole gigantesca, funcionando de maneira harmoniosa e marcada pela ordem e pelo progresso. Na segunda metade, em contraste, a representação hegemônica, embora também imaginasse uma metrópole gigantesca, apostava em um futuro de caos e paralisia, provocados pelo excesso de problemas urbanos. Portanto, um destino que se previa glorioso passou a ser visto como trágico. Foi nos anos 1950 que se deu a passagem de uma imagem a outra. Contudo, ao longo dessa década, ambos esses destinos coexistiram sem se anularem, produzindo um futuro esgarçado para São Paulo. Naquele momento, a metrópole estava predestinada a ser o paraíso e o inferno ao mesmo tempo.

Para discutir tanto a passagem de um futuro ao outro quanto o próprio futuro esgarçado, esta tese analisa não só as diferentes representações dos destinos de São Paulo, como também as condições sociais de produção dessas imagens. Nesse sentido, investiga-se a caracterização, a emergência e a rotinização dos destinos mais poderosos da cidade e, ao mesmo tempo, alguns personagens históricos que encarnaram de maneira especialmente privilegiada cada um desses futuros. Três desses personagens receberam o papel de protagonistas na tese: Francisco Prestes Maia, Luiz de Anhaia Mello e Florestan Fernandes. Prestes Maia era, na década de 1950, um importante gestor público, ex-prefeito de São Paulo e um urbanista de renome. Imaginava um futuro de glória e progresso para a metrópole, representando o discurso que foi hegemônico até aquele momento. Anhaia Mello também era um gestor público experiente e um urbanista reconhecido, mas se colocava como o principal opositor de Prestes Maia. Anhaia Mello previa um futuro apocalíptico para uma São Paulo que continuasse crescendo, mas oferecia também um destino alternativo para a metrópole – que se veria transformada em uma confederação de pequenas cidades-jardim. Fernandes, por sua vez, começou os anos 1950 como um aspirante no mundo intelectual e terminou a década como o mais importante sociólogo brasileiro. O líder da "Escola Paulista de Sociologia" encarnou tanto a transformação das expectativas de futuro quanto o próprio esgarçamento. O sociólogo, que era otimista em relação aos destinos de São Paulo, foi mudando de opinião conforme as ideias de Anhaia Mello se tornavam mais conhecidas, o campo intelectual paulistano se tornava mais autônomo e ele próprio assumia uma posição de destaque nesse campo. No final da década, Fernandes olhava com pessimismo para o futuro da cidade, embora sustentasse uma pequena esperança baseada na educação.

Ao longo da tese, conta-se a história das transformações no futuro de São Paulo com base nas ideias e nas atuações desses protagonistas. Mas, além deles, a tese também analisa um conjunto de coadjuvantes e personagens secundários, bem como da imprensa paulistana, que tiveram papel decisivo na desconstrução do destino épico da metrópole e na construção da cidade de futuro trágico.

Palavras-chave: 1. Representações sociais; 2. Tempo - História; 3. Capitais (Cidades) - São Paulo (Capital) - História; 4. Intelectuais - Brasil - História - Séc. XX.

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Abstract

The main objective of this thesis is to discuss the production of the future of São Paulo, with focus on the transformations of the city's destinies occurred in the 1950s. During the first half of the twentieth century, the dominant image of its future was that of a gigantic metropolis, functioning in a harmonious way and marked by order and progress. In the second half, in contrast, the hegemonic representation, although it also imagined a gigantic metropolis, bet on a future of chaos and paralysis, provoked by the excess of urban problems. Therefore, a destiny that was predicted glorious came to be seen as tragic. It was in the 1950s that the passage from one image to another occurred. However, throughout this decade, both these destinies coexisted without nullifying one another, producing a frayed future for São Paulo. At that moment, the metropolis was predestined to be both heaven and hell.

In order to discuss both the passage from one future to the other and the frayed future, this thesis analyzes not only the different representations of the destinies of São Paulo, but also the social conditions of production of these images. In this sense, are investigated the characterization, emergence and routinization of the most powerful destinies of the city and, at the same time, some historical personages who especially incarnated each one of these futures. Three of these personages were given the role of protagonists in the thesis: Francisco Prestes Maia, Luiz de Anhaia Mello and Florestan Fernandes. Prestes Maia was, in the 1950s, an important public manager, former mayor of São Paulo and a renowned town planner. He imagined a future of glory and progress for the metropolis, representing the discourse that was hegemonic until that moment. Anhaia Mello was also an experienced public manager and a well-known city planner, but he posed as the main opponent of Prestes Maia. Anhaia Mello foresaw an apocalyptic future for a São Paulo that continued to grow, but also offered an alternative destiny for the metropolis – which would be transformed into a confederation of small garden cities. Fernandes, in turn, began the 1950s as an aspirant in the intellectual world and ended the decade as the most important Brazilian sociologist. The leader of the "Paulist School of Sociology" embodied both the transformation of the expectations of the future as well as the change itself. The sociologist, who was optimistic about the destiny of São Paulo, changed his mind as Anhaia Mello's ideas became better known, the São Paulo intellectual field became more autonomous and he himself assumed a leading position in this field. At the end of the decade, Fernandes looked with pessimism towards the future of the city, although he held a small hope based on education.

Throughout the thesis, the story of the transformations in the future of São Paulo is told based on the ideas and actions of these protagonists. But in addition to them, the thesis also analyzes a set of supporting and secondary personages, as well as the São Paulo press, who played a decisive role in deconstructing the epic destiny of the metropolis and in building the city of a tragic future.

Keywords: 1. Social representations; 2. Time - History; 3. Capitals (Cities) - São Paulo (Capital) - History; 4. Intellectuals - Brazil - History - 20th century.

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Introdução:

O futuro de São Paulo na década de 1950...14

Os personagens e suas representações do futuro de São Paulo...18

Inspirações teórico-metodológicas...22

Materiais...27

Estrutura da tese...29

Capítulo 1. Trajetórias: Das origens à década de 1950...31

Francisco Prestes Maia...33

Luiz de Anhaia Mello...44

Florestan Fernandes...51

Coadjuvantes...63

Capítulo 2. A metrópole gloriosa: Representações hegemônicas do futuro de São Paulo até meados do século XX...86

Robert Moses em São Paulo...88

Apresentação dos documentos...92

Um futuro glorioso para São Paulo...95

Os projetos e a cidade...103

Diluição da autoridade hegemônica e fortalecimento da crítica...109

Capítulo 3. Um futuro alternativo para São Paulo: A limitação do crescimento da metrópole...114

Anhaia Mello na década de 1950...115

Um futuro alternativo para São Paulo...123

Réplicas e tréplicas...129

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Sociologia, geografia e articuladores culturais entre o otimismo e o pessimismo...143

O Florestan Fernandes de 1954...144

Os geógrafos da USP...149

Articuladores culturais da intelectualidade paulistana...159

O Florestan Fernandes de 1959...171

Capítulo 5. Conclusões e um ligeiro exame da grande imprensa paulistana: Rotinizações e rarefações dos destinos de São Paulo...181

Ambiguidade metodológica...187

Glória e caos na grande imprensa...189

Questões sobre o futuro...194

Referências...199

Fontes...199

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Introdução:

O futuro de São Paulo na década de 1950

Nos anos 1950, imaginava-se que São Paulo teria um destino glorioso e, ao mesmo tempo, estaria condenada a um futuro trágico. Antes, a glória prevaleceu. Depois, a tragédia se tornou hegemônica. Mas, na década de 1950, esses dois destinos contraditórios coexistiam e não se anulavam. Olhando para o futuro da cidade como representado naquele momento, São Paulo cresceria indefinidamente até se tornar tanto uma utopia progressista quanto uma distopia caótica. Esta tese conta a história desse futuro esgarçado.

Durante o século XX, em função da industrialização acelerada e da explosão populacional, várias cidades latino-americanas se tornaram metrópoles quase da noite para o dia (Romero, 2010; Santos, 2009). A cidade de São Paulo – paradigmática nesse sentido – viveu nos anos 1950 um dos momentos fortes de tal processo. Nessa década, festejava-se a capital paulista como a primeira cidade brasileira, o maior parque industrial da América Latina e a metrópole que mais rapidamente crescia no mundo (O Cruzeiro, 23/01/1954; Folha da Manhã: 24/01/1954; O Estado de S. Paulo, 25/01/1954; Fernandes, 2008 [1954], Azevedo, 1958a). Um observador da época, o geógrafo Aroldo de Azevedo, destacava a "febre incessante de construções" que acometia São Paulo e levantava em média uma casa a cada 20 minutos em seu território (Azevedo, 1958a: 21). A metrópole de 3 milhões de habitantes, portanto, via sua estrutura física se alterando cotidianamente, com novas indústrias sendo estabelecidas o tempo todo, as periferias se expandindo de forma desordenada e as regiões

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centrais crescendo no sentido vertical (Meyer, 1991; Porta 2004; Grostein, 2004). Além disso, a estrutura social paulistana também sofria transformações importantes: o proletariado se viu convertido em uma força política respeitada pelos governos e pelos patrões; as camadas médias urbanas cresceram significativamente e ampliaram sua participação nas dinâmicas da cidade; enquanto as elites passavam por uma significativa diversificação de sua composição social e começavam a exercer atividades em setores antes não explorados por seus quadros (Queiroz, 2004).

Ainda nesse momento, São Paulo venceu uma espécie de batalha simbólica contra outras cidades brasileiras e cuja principal concorrente era o Rio de Janeiro. A então capital do país detinha os títulos tanto de centro da política nacional quanto o de maior metrópole – enquanto São Paulo ocupava o segundo lugar nesses aspectos, embora representasse o mais importante núcleo econômico da nação. As características que faziam dessas metrópoles lugares importantes para a cultura e para o pensamento nacionais estavam distribuídas de maneira mais equilibrada e, portanto, não havia uma prevalência definitiva de nenhuma delas – embora o Rio de Janeiro tenha sido imbatível nessas dimensões desde a sua conversão em capital da colônia e, mais intensamente, a partir da chegada da família real portuguesa em 1808. De qualquer forma, em meados dos anos 1950, essa situação mudou: a população paulistana superou a carioca e, no final da década, Brasília se tornou a nova capital do Brasil. Sendo assim, as duas propriedades que faziam do Rio de Janeiro uma adversária a ser batida deixaram de ter relevância, elevando São Paulo, a partir de então, à referência que as demais metrópoles brasileiras "deveriam" superar. O Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras continuavam reconhecidas como cidades de importância fundamental, mas a condição de principal cidade do país passou a ser atribuída a São Paulo. Essa vitória paulistana, que foi comemorada com orgulho e entusiasmo (Fernandes, 2008 [1954]), começou a se definir no imaginário de seus habitantes na época de seu quarto centenário.

São Paulo completou quatrocentos anos em 25 de janeiro de 1954, uma segunda-feira. Se, por um lado, não era exatamente o melhor dia da semana para se promover uma festa, por outro, a coincidência era com certeza apropriada para celebrar o espírito empreendedor da cidade. Os paulistanos que naquela manhã passassem em frente às bancas de jornais veriam a capa do Estadão com duas imagens: no quarto superior esquerdo, um detalhe da pintura "A Fundação de São Paulo", de Oscar Pereira da Silva, representando a missa rezada em 25 de janeiro de 1554 – evento que simbolicamente fundou a cidade; e, no quarto inferior direito,

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uma fotografia da São Paulo moderna, uma paisagem composta por avenidas e prédios, com destaque para o edifício Viadutos. No centro da página, dominando o layout, vinham as datas 1554 e 1954, uma sobre a outra. Junto à primeira, a expressão: "Evocação do passado…", vinculando a data à pintura. Junto à segunda, outra expressão: "Exaltação do futuro!", acompanhada de um pequeno texto em homenagem ao quarto centenário da cidade:

No passado das tuas “Bandeiras”, aí está, São Paulo, a melhor certeza do teu futuro magnífico, ante-visto no esplendor do teu presente ! / Terra dos Bandeirantes, os ciclópicos gigantes cujas botas marcaram as coxilhas… deixaram rastros na Amazônia… afundaram-se pelo litoral… e compassaram o oeste da Pátria Brasileira… as tuas singulares virtudes permanecem hoje ainda mais palpitantes do que ontem pois, si os “Bandeirantes” tiveram o seu progresso limitado pelas divisas da Pátria ou pelas espumas do mar, aos seus filhos de hoje, os paulistas, não mais importam essas linhas, resolvidos a fazer-te crescer e expandir no sentido vertical, rumo aos céus e espaços infinitos, sem outro limite que não o de sua própria inteligência ! / Fonte perene de estímulo à iniciativa, às realizações e ao civismo, és um esplêndido monumento homenageando o trabalho e o dinamismo dos teus próprios filhos. (O Estado de S. Paulo, 25/01/1954: 1)

Do passado, interessava ao jornal evocar as virtudes progressistas e expansionistas dos bandeirantes – e isso condizia com valores importantes nas representações da São Paulo da década de 1950 (Carpintéro, 1998; Arruda, 2001; Waldman, 2018). Esses valores se manifestam na "certeza" de um "futuro magnífico" reservado para a cidade, no qual seu crescimento contínuo, vertical e ilimitado conformava o ponto central, juntamente com a celebração do trabalho e do dinamismo dos seu habitantes. A metrópole tendia à expansão infinita – e isso era bom, pois era fruto da iniciativa e do empreendedorismo dos paulistanos. No entanto, essa imagem estava ameaçada. É claro que a ocasião não favorecia críticas a essa representação do futuro da cidade. Aquele 25 de janeiro era um dia para se comemorar e, se o destino de São Paulo parecia ser o de nunca parar, que esse amanhã, pelo menos naquela data, fosse visto com bons olhos. Os problemas decorrentes de um crescimento acelerado e indefinido, caso viessem a existir, podiam ser deixados para as pautas dos outros dias do ano ou, melhor ainda, podiam ficar a cargo das soluções dos descendentes dos bandeirantes, sempre cheios de recursos.

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(O Estado de S. Paulo, 25/01/1954: 1)

Essa capa do Estadão sintetizava a representação do futuro da cidade que foi hegemônica até aquele momento. Uma representação marcada por duas características fundamentais, uma historicamente constante e outra sujeita a transformações, respectivamente: um futuro de expansão contínua, ilimitada e, de preferência, acelerada; e um sentimento otimista em relação a esse mesmo futuro. Ao longo de todo o século XX, as principais representações do futuro da cidade de São Paulo foram essencialmente variações sobre o tema do crescimento ininterrupto da metrópole. Contudo, durante a década de 1950 houve uma mudança importante em sua valoração: até então, a expansão de São Paulo era representada quase exclusivamente como algo positivo; mas, daquele momento em diante, um crescente pessimismo passou a coexistir com o otimismo nos sentimentos dominantes em relação à expansão infinita da cidade. Além de marcarem a ascensão de São Paulo à condição de primeira cidade do Brasil, as celebrações dos quatrocentos anos da metrópole podem ser vistas também como o momento que simbolicamente introduziu o pessimismo nas representações hegemônicas da metrópole.

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A proposta fundamental desta tese é contar a história dessa transformação, discutindo como e por quais motivos o futuro de São Paulo deixou de ser visto exclusivamente com otimismo e passou a ser representado também com pessimismo. Para tanto, optou-se por investigar versões dessas representações que foram elaboradas por alguns personagens históricos em condições especialmente privilegiadas. Nesse sentido, não se pretendeu esgotar toda a variedade de futuros que se imaginaram para a cidade. Em vez disso, investigaram-se apenas aquelas representações que se mostraram mais significativas e eficazes na produção dos destinos da cidade. Os personagens selecionados encarnam, justamente, as imagens típico-ideais dos futuros de São Paulo e sua atuação representa de maneira consistente as principais transformações em curso. Tanto que, conforme mudanças aconteciam tanto nas posições sociais desses personagens quanto no contexto paulistano da década de 1950, também o futuro da cidade se alterava. Ao longo desta introdução, são apresentados os personagens analisados na tese, um breve esboço de suas representações de futuro, quais foram as principais inspirações teóricas e metodológicas para realizar a pesquisa, que materiais foram utilizados e, finalmente, a estrutura que organiza a tese.

Os personagens e suas representações do futuro de São Paulo

Os personagens fundamentais para a composição da tese estão divididos em dois grupos: protagonistas – Francisco Prestes Maia, Luiz de Anhaia Mello e Florestan Fernandes; e coadjuvantes – Paulo Duarte, Caio Prado Jr. e Aroldo de Azevedo. Todos eles ocuparam posições sociais de destaque na São Paulo da década de 1950 e tiveram papéis preponderantes na elaboração de futuros para a cidade.

Francisco Prestes Maia era reconhecido como um dos urbanistas mais importantes do Brasil, sendo o principal representante do ramo dominante da área. Havia sido prefeito de São Paulo durante praticamente todo o Estado Novo, quando promoveu um conjunto de reformas na cidade que marcaram seu perfil urbanístico por várias décadas. Nos anos 1950, embora sem muito sucesso, tentava voltar a cargos executivos por meio das eleições. Ao mesmo tempo, via o tipo de cidade que ajudara a produzir começar a ser sistematicamente criticada tanto nos meios especializados quanto no debate público mais geral (Meyer, 1991; Toledo, 1996; Carpintéro, 1998; Leme, 2001; Feldman, 2005; Ficher, 2005; Somekh; Campos, 2008).

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Luiz de Anhaia Mello era também ex-prefeito da capital e um respeitado urbanista – liderando um segundo ramo da área, oposto ao representado por Prestes Maia. Era professor e co-fundador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde havia se consolidado como a principal voz acadêmica do urbanismo em São Paulo. Nos anos 1950, suas críticas ao urbanismo dominante e suas soluções alternativas para os problemas urbanos ganharam significativo espaço, reforçando sua autoridade, primeiro, em setores técnicos do Estado, na própria universidade e, em seguida, também entre o público em geral (Meyer, 1991; Leme, 2001; Ficher, 2005; Feldman, 2005; Somekh; Campos, 2008; Bresciani, 2010, 2014).

Florestan Fernandes viveu um período de ascensão meteórica nos anos 1950. Passou da condição de aspirante no mundo intelectual para a de liderança do que se convencionou chamar de "Escola Paulista de Sociologia". Foi o principal responsável por fazer da sociologia a disciplina de maior destaque entre as ciências humanas no Brasil. Além disso, embora não se dedicasse principalmente aos estudos urbanos, escreveu na área, sobretudo no período em questão, ajudando sua disciplina a também se impor nos debates sobre as cidades (Fernandes, 1978; Cardoso, 1987; Pontes, 1998; Peixoto, 2000; Garcia, 2002; Miceli, 2012).

Paulo Duarte era um jornalista veterano e polemista de renome. Durante muitos anos, foi editor-chefe do Estado de S. Paulo – o jornal mais importante da época. Circulava com desenvoltura entre as elites cultural e política da cidade, sendo amigo pessoal de várias lideranças de ambos esses campos. Nos anos 1950, fundou e dirigiu a revista Anhembi – um periódico que se tornou central para a intelectualidade paulistana. Através de sua revista, Paulo Duarte atuava como um articulador cultural, abrindo e fechando o acesso a um dos principais veículos de consagração intelectual do momento (Duarte, 1974; Limongi, 1987; Miceli, 2001a; CPDOC, 2001; Jackson, 2004).

Caio Prado Jr. era um historiador marxista de grande envergadura e um político comunista respeitado. Contudo, via-se isolado tanto por seus pares da intelectualidade quanto por seus companheiros de militância. Entre os primeiros, por conta de sua atuação política. Entre os segundos, por sua teimosa independência intelectual. Na década de 1950, em parte como tentativa de romper esse duplo isolamento, Prado Jr. fundou e dirigiu a Revista Brasiliense – periódico que complementava e concorria com a publicação de Paulo Duarte. A Revista Brasiliense se tornou outro dos veículos fundamentais para o ambiente intelectual e cultural de São Paulo e garantiu a Prado Jr. uma posição de articulador cultural equivalente a de Paulo Duarte (Limongi, 1987; CPDOC, 2001; Jackson, 2004; Iumatti, 2007; Zorek, 2007).

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Aroldo de Azevedo, finalmente, era catedrático de Geografia do Brasil na USP e um dos maiores divulgadores da geografia de seu tempo – especialmente por conta de sua produção de livros didáticos. Sua principal área de trabalho era a geografia urbana. Na década de 1950, foi responsável por coordenar uma enorme pesquisa coletiva que tomou São Paulo como objeto privilegiado – cujo resultado foi a coleção de quatro volumes A cidade de São Paulo: Estudos de geografia urbana. Uma das consequências de sua atuação foi promover a geografia ao primeiro plano dos debates sobre cidades, renovando os instrumentais com que usualmente se observavam as questões urbanas e fortalecendo perspectivas analíticas fundadas no campo intelectual (Azevedo, 1958a; 1968; Gomes, 2010; Lencione, 2012).

Além dos protagonistas e coadjuvantes, alguns personagens secundários também foram considerados durante a pesquisa e fazem aparições eventuais ao longo da tese, ainda que importantes. Entre eles, estão, por exemplo: Richard Morse – historiador estadunidense que escreveu uma "biografia" de São Paulo; e os geógrafos que colaboraram com Aroldo de Azevedo em sua pesquisa. Merece destaque especial Robert Moses – o "mestre construtor" de Nova York –, que na década de 1950 assinou um projeto urbanístico para São Paulo.

A separação em protagonistas e coadjuvantes diz respeito aos papéis que esses personagens desempenham no arco narrativo que se pretendeu construir para a tese. Os protagonistas, nesse sentido, encarnaram os tipos-ideais de futuro elaborados para São Paulo. Prestes Maia – com a ajuda de Robert Moses – representava o futuro otimista, que apostava no crescimento e no progresso como sentido fundamental do desenvolvimento paulistano. Essa perspectiva foi hegemônica durante a primeira metade do século XX e, mesmo depois de perder sua dominância, continuou uma referência importante, especialmente para o campo político. Anhaia Mello, por sua vez, foi responsável por divulgar as principais críticas à expansão da metrópole, por elaborar uma versão distópica do futuro de São Paulo e, além disso, por oferecer um destino alternativo para a cidade – marcado pela diminuição radical de seu tamanho. Suas críticas, como será visto na tese, foram muito mais influentes do que sua visão alternativa de futuro. O pessimismo que acompanhava sua distopia passou a ter um papel fundamental nas representações da cidade na segunda metade do século XX, mas sua proposta de inversão do crescimento paulistano não vingou na prática. Enquanto Florestan Fernandes, finalmente, representou a transformação dos valores hegemônicos na produção dos destinos de São Paulo, com a crescente imposição do pessimismo. O próprio sociólogo deixou de ver o futuro da metrópole com otimismo para passar a representá-lo negativamente,

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ainda que sem abandonar todas as esperanças. No enredo da tese, a função narrativa desses três protagonistas é conduzir a história do futuro de São Paulo da epopeia à tragédia.

Os futuros imaginados por Prestes Maia e Anhaia Mello para São Paulo não mudaram, embora tenham tido significados diferentes conforme os momentos em que emergiam. Prestes Maia foi sempre otimista em relação ao crescimento e Anhaia Mello pessimista, ainda que tivesse esperança de transformar radicalmente a cidade. Em contraste, Florestan Fernandes mudou sua opinião com o passar do tempo. A expectativa de Fernandes em relação a capital paulista, de início, acompanhava o otimismo de Prestes Maia, mas foi se tornando trágica conforme as ideias de Anhaia Mello ganhavam espaço. Essa transformação em seu ponto de vista foi paralela à sua consolidação como referência inescapável da sociologia brasileira, às redefinições na divisão do trabalho de dominação simbólica no Brasil – e especialmente em São Paulo – e, enfim, à própria transformação do horizonte de expectativas da metrópole.

Caio Prado Jr., Paulo Duarte e Aroldo de Azevedo são personagens que, por um lado, ajudaram a minar a hegemonia de urbanistas como Prestes Maia e Anhaia Mello na elaboração das representações de São Paulo e, por outro, colaboraram de diferentes maneiras na consolidação das ciências humanas e da interpretação pessimista do futuro como novas autoridades na produção dos destinos da cidade – por exemplo, fortalecendo perspectivas como a de Florestan Fernandes. Todos eles, ainda, imaginaram suas próprias versões do futuro da metrópole – embora suas previsões não constituam "tipos puros", pois são derivações das perspectivas representadas pelos protagonistas, com mais ou menos originalidades.

Em termos esquemáticos, os dois pilares que inicialmente organizavam as discussões sobre São Paulo, nos anos 1950, eram Prestes Maia e Anhaia Mello – dois dos protagonistas. O primeiro, como já se chamou a atenção, imaginava um futuro glorioso para a metrópole e praticava um urbanismo que procurava garantir a contínua e indefinida expansão da cidade, através de intervenções "cirúrgicas" que suavizassem seu processo de crescimento (Meyer, 1991; Toledo, 1996; Carpintéro, 1998; Leme, 2001; Feldman, 2005; Ficher, 2005; Somekh; Campos, 2008). Anhaia Mello, por sua vez, defendia a tese da necessidade de desaceleração ou mesmo de inversão do crescimento de São Paulo. Ao mesmo tempo em que previa um futuro apocalíptico para a metrópole caso sua expansão não fosse interrompida (Meyer, 1991; Leme, 2001; Ficher, 2005; Feldman, 2005; Somekh; Campos, 2008; Bresciani, 2010, 2014).

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Paulo Duarte e Caio Prado Jr. – dois dos coadjuvantes – exerciam o papel de agitadores e articuladores culturais, cuja prerrogativa fundamental era administrar os principais veículos de promoção e divulgação intelectual do momento. Paulo Duarte não tinha uma posição entrincheirada sobre o futuro da cidade e, embora simpatizasse com Anhaia Mello e hostilizasse Prestes Maia, tendia a ver o crescimento da metrópole como inevitável (Duarte, 1974). Caio Prado Jr. via a expansão de São Paulo como uma certeza e, ainda que fosse otimista em relação ao crescimento indefinido da cidade, adotava instrumentais analíticos que fortaleciam as perspectivas cultivadas no campo intelectual, aproximando-se, por exemplo, do tipo de trabalho realizado pelos geógrafos acadêmicos (Prado Jr., 2012 [1953]).

Aroldo de Azevedo e Florestan Fernandes – um coadjuvante e um protagonista – representavam as novas vozes que, com o amparo institucional universitário e fiados em instrumentais disciplinares "exóticos" em relação ao urbanismo consolidado, começavam a discutir a cidade de São Paulo e acabaram por enxertar de modo definitivo as ciências humanas no tronco das representações da metrópole. Aroldo de Azevedo simpatizava com Prestes Maia e compartilhava de sua visão de futuro, contudo, ao utilizar o instrumental da geografia para pensar as cidades, ajudou a abrir espaço para novas perspectivas, que se distanciavam tanto de Prestes Maia quanto de Anhaia Mello. Florestan Fernandes, assim como Azevedo, utilizava um instrumental distinto do usual para discutir São Paulo, o que fazia emergir novos pontos de vista. Mas, diferente de seu colega geógrafo, o sociólogo radicalizou seu distanciamento em relação aos urbanistas tradicionais e consolidou uma terceira posição sobre o futuro da cidade – progressivamente mais pessimista e trágica.

Em suma: dois representantes das principais teses do urbanismo correntes na época, que disputavam sobre quais projetos deveriam ser implementados na metrópole; dois editores de revistas culturais, que publicavam sobre São Paulo em vários de seus aspectos e davam espaço para outras opiniões a respeito; e dois acadêmicos das ciências humanas, que começavam a fazer valer suas perspectivas nos debates sobre a cidade.

Inspirações teórico-metodológicas

Como já se chamou a atenção, o principal objetivo desta tese é contar como o futuro de São Paulo deixou de ser glorioso para se tornar uma tragédia em potencial. Para tanto, foram

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adotadas três grandes estratégias. A principal foi a análise detida das imagens mais poderosas dos destinos da metrópole. Contudo, para se chegar a essas imagens, foi necessário considerar as condições sociais de suas respectivas emergências. Por isso, uma segunda estratégia foi acompanhar as trajetórias de um conjunto selecionado de personagens históricos, cuja atuação foi decisiva na elaboração de futuros para a cidade. A terceira, por sua vez, foi refletir sobre as relações entre as representações da cidade e a própria cidade, entendidas como duas dimensões inseparáveis do mesmo objeto. Além disso, é importante frisar que, embora apresentadas separadamente, essas três estratégias são interdependentes. Ao longo da tese, há momentos em que uma ou outra é enfatizada, contudo, a abordagem de fundo para discutir os problemas levantados leva em conta todas ao mesmo tempo.

Um princípio metodológico central para a pesquisa foi considerar as representações do futuro de São Paulo, em primeiro lugar, como ações sociais – ou seja, como ações orientadas significativamente por seus agentes (Weber, 1964; Cohn, 1982) – que ajudavam a reproduzir ou modificar as verdades sobre a cidade. Essas ações, por princípio, estavam condicionadas pelas posições e disposições dos personagens históricos que as elaboravam e, consequentemente, também pelas características dos lugares sociais (Certeau, 2007) onde estavam inseridos. Nesse sentido, além de reproduzir ou modificar as perspectivas gerais sobre futuro, as representações em questão também reforçavam ou transformavam as posições desses personagens. Portanto as imagens do futuro tinham efeitos decisivos sobre a cidade e, ao mesmo tempo, sobre a vida dos personagens estudados.

Para pensar especificamente os efeitos dessas representações sobre a cidade, uma inspiração importante foram as reflexões sobre o tempo histórico do historiador alemão Reinhart Koselleck, sobretudo sua discussão sobre as categorias espaço de experiência e horizonte de expectativa. Conforme Koselleck, essas categorias são estruturantes da relação das sociedades com o tempo. Nesse sentido, são pensadas como dados antropológicos prévios, que indicam uma condição humana universal – ou, mais simplesmente, que as pessoas têm experiências e também expectativas. Em outras palavras, são estruturas formais, atemporais, mas cuja apreensão depende da análise de suas manifestações históricas, que preenchem com "conteúdos" específicos essas "formas", por definição, vazias (Koselleck, 2006).

Nesta tese, fez-se um uso dessas categorias ligeiramente desviante das propostas originais de Koselleck. Em vez de pensá-las exclusivamente em seu grau de abstração maior,

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como condicionantes das possibilidades de qualquer história, optou-se aqui por examiná-las em um contexto determinado, na medida em que se apresentam como elementos manejáveis pelos agentes sociais. Se é certo que necessariamente todos os seres humanos lidam de alguma forma com o passado e com o futuro, também é certo que tais dimensões do tempo são construídas em situações históricas específicas e, portanto, são diferentes em cada uma de suas manifestações. Interessou mais para esta pesquisa observar as particularidades da construção de um horizonte de expectativas (propositalmente pluralizado), para tentar compreender seus efeitos sobre as ações sociais e sua transformação através das ações, do que a dimensão geral dessas categorias – cuja importância é fundamental e inegável para a estruturação da vida humana, como já descrito com precisão pelo próprio Koselleck.

O horizonte de expectativas, portanto, é entendido aqui como um grande conjunto de referências compartilhadas, formado pelas diversas falas sobre o futuro e, ao mesmo tempo, impondo-se na articulação dessas falas – uma espécie de denominador comum que informava e era informado por todas as perspectivas. Partiu-se do princípio de que os discursos produzidos em campos dominantes do espaço social – especialmente o político e o intelectual – tinham grande autoridade nas definições de verdades a respeito do futuro de São Paulo. Nesse sentido, os discursos hegemônicos sobre o futuro de São Paulo – isto é, aqueles que se inscreviam no horizonte de expectativas como referências incontornáveis – ou eram produzidos originalmente fosse no campo político, fosse no intelectual ou eram reforçados e reproduzidos nesses espaços. Sendo assim, o horizonte de expectativas era especialmente sensível a essa produção, afinal, as determinações mais importantes sobre o futuro da cidade passavam de alguma forma pelas elaborações desses campos.

Em certo sentido, as representações do futuro de São Paulo podem ser aproximadas do discurso orientalista, tal como analisado por Edward Said (2007). Assim como as narrativas de intelectuais europeus e estadunidenses produziam o Oriente, as imagens de futuro analisadas nesta tese também produziam a metrópole e seus destinos. Ambos esses conjuntos discursivos passaram (e continuam passando) por um processo no qual: "grupos de textos, tipos de textos, até gêneros textuais, adquirem massa, densidade e poder referencial entre si mesmos e a partir daí na cultura em geral" (Said, 2007: 50). Ao chegar nesse ponto, essas narrativas assumem a condição de representância dos objetos aos quais se referem (Ricoeur, 2010). Isto é, não só estão no lugar desses objetos, representando-os na ausência dos originais, como incorporam as verdades mais legítimas sobre eles – inclusive negando outras verdades,

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mesmo quando oferecidas pelos próprios originais. Tornam-se, na prática, o objeto mesmo que representam, substituindo-o quase completamente. No caso do discurso orientalista, a possibilidade de resistência contra as representâncias produzidas pelas nações colonizadoras é bastante imediata, afinal, as populações submetidas sempre estiveram lá exercendo seu protagonismo histórico e impondo suas próprias narrativas contra o discurso colonialista (Bhabha, 1998).

Contudo, no caso do futuro, não há um original ao qual se referir – existem somente as representações. Portanto, elas assumem com especial eficácia o lugar daquilo que representam, sendo entendidas, dessa forma, como se fossem o futuro de fato. Consequentemente, se há um futuro definido (ou presentificado, como prefere Pierre Bourdieu), a partir dele as pessoas podem e efetivamente organizam o sentido de sua existência social (Bourdieu, 2007). Se, por exemplo, é tido como certo que vai haver uma eleição para cargos políticos importantes, então os interessados no processo vão preparar suas ações e estratégias em função de suas militâncias específicas e esperando que o pleito aconteça. Se, em contraste, esse mesmo processo eleitoral estivesse ameaçado de acontecer por qualquer motivo, outros tipos de recursos seriam mobilizados, fazendo com que os interessados agissem de outras maneiras, conforme o futuro que acreditassem ser o mais provável. No primeiro caso, há um futuro definido, que engaja as energias sociais de tal modo que a probabilidade de ele efetivamente acontecer aumentam progressivamente (Koselleck, 2006; Bourdieu, 2007). No segundo caso, entretanto, há indefinição, o que gera dispersão daquelas energias, aumentando também as dúvidas sobre como organizar as próprias estratégias (Elias, 1990; 1993).

Para os interesses desta tese, o mais significativo são os momentos de produção do futuro – e não se ele aconteceu de fato como foi previsto. Ou seja, a preocupação fundamental aqui é com os efeitos em um determinado presente histórico que as previsões sobre a cidade de São Paulo provocavam. Dito de forma simples: se a meteorologia previsse que vai chover, interessaria observar como isso afeta as estratégias cotidianas das pessoas – se adicionam guarda-chuvas aos seus pertences do dia, se escolhem usar transporte particular em vez de público, se reorganizam suas agendas em função de prováveis atrasos provocados pelo trânsito extra, etc. É menos importante saber se a chuva veio de fato ou não.

Se Koselleck foi a inspiração para pensar os efeitos das previsões de futuro sobre a cidade de maneira geral, quando a reflexão se voltou para os personagens históricos

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examinados aqui, a principal referência foi a teoria sociológica de Pierre Bourdieu. Um primeiro recurso importante, nesse sentido, foi sua noção de trajetória (Bourdieu, 1996). Cada um dos personagens analisados teve sua vida política e intelectual investigada de acordo com as características das diferentes posições sociais que ocuparam ao longo do tempo. Sendo assim, também suas representações do futuro foram remetidas às condições sociais particulares de cada momento – fazendo com que as previsões para São Paulo, mesmo quando não fossem originais, tivessem sempre significados novos e específicos para os destinos da cidade.

Outro aspecto das teoria bourdieusiana utilizado para discutir as trajetórias dos personagens foi o conceito de campo – especialmente campo político e campo intelectual (Bourdieu, 2001). O espaço social na sociedade paulistana de meados do século XX tinha sua dimensão dominante formada sobretudo pelos campos político e econômico. Os membros de ambos esses campos – várias vezes intercambiáveis – conformavam a elite dirigente. O campo intelectual, por sua vez, caminhava com segurança no sentido da autonomização – isto é, para a constituição de suficiente distanciamento sociológico em relação aos campos político e econômico, a ponto de ser regido por uma economia simbólica própria, distinta daquelas vigentes nos campos dominantes. Foi ao longo da década de 1950 que os intelectuais estabeleceram esse distanciamento, passando a constituir uma nova elite, que disputava com as elites tradicionais o controle sobre as representações da realidade. Os personagens discutidos na tese pertenciam tanto ao campo político quanto ao intelectual e, consequentemente, suas ações se remetiam às condições de ambos – embora, mais a um ou outro, conforme o personagem e o contexto.

Finalmente, uma terceira inspiração fundamental foram as ideias de Hayden White sobre produção de sentido. Em suas análises de textos historiográficos, o historiador estadunidense chama a atenção para o fato de que:

[…] considerada como um sistema de signos, a narrativa histórica aponta simultaneamente para duas direções: para os acontecimentos descritos na narrativa e para o tipo de estória ou mythos que o historiador escolheu para servir como ícone da estrutura dos acontecimentos. A narrativa em si não é o ícone; o que ela faz é descrever os acontecimentos contidos no registro histórico de modo a informar o leitor o que deve ser tomado como ícone dos acontecimentos a fim de torná-los "familiares" a ele. Assim, a narrativa histórica serve de mediadora entre, de um lado, os acontecimentos nela relatados e, de outro, a estrutura de enredo pré-genérica, convencionalmente usada em nossa cultura para dotar de sentido os acontecimentos e situações não-familiares (White, 2001: 105).

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No caso da produção do futuro de São Paulo, os sentidos atribuídos para a história da metrópole também se organizam conforme estruturas de enredo pré-genéricas – especialmente a epopéia e a tragédia. As narrativas que os personagens analisados elaboraram para representar a metrópole tinham um télos definido – um sentido, portanto –, cuja compreensão depende justamente do tipo de enredo escolhido por cada um para construir esse télos.

Materiais

Nesta pesquisa, os documentos selecionados para discutir as representações do futuro de São Paulo e problemas correlatos são fundamentalmente de três naturezas. O primeiro conjunto é formado pelos discursos sobre o futuro da cidade produzidos pelos personagens destacados. Esse material é composto por projetos urbanísticos, discursos políticos, palestras, livros e artigos acadêmicos, apresentações de congresso, depoimentos, entrevistas, debates legislativos, reportagens jornalísticas, entre outros. Essa produção, entretanto, tem um caráter disperso e desorganizado – com alguns momentos importantes de sistematização. Nos anos 1950, mesmo sendo amplamente discutido, o futuro de São Paulo era um tema das margens, que se revelava de maneira fragmentada – suas manifestações estão espalhadas em textos que, em geral, tratam de outras questões. O trabalho fundamental desta pesquisa foi encontrar esses fragmentos, organizá-los de maneira coerente à produção de seus autores e apresentá-los conforme as disputas narrativas a que estavam relacionados. Nesse sentido, com inspiração na sociologia weberiana (Weber, 1964), o que se procurou fazer foi montar tipos-ideais das principais representações do futuro de São Paulo – cada uma delas encarnada em determinados personagens. O processo de construção desses tipos-ideais, contudo, exigiu que, algumas vezes, o foco estivesse mais no conteúdo do que nas propriedades sociais dos discursos analisados. Novamente, é pela distribuição desigual e diluída das menções ao futuro de São Paulo que se explica a adoção desta estratégia.

Em termos práticos, isso significou, por exemplo, que a transcrição de uma palestra, apresentada para um grupo de estudantes e professores de arquitetura – mas que discutia extensivamente os destinos da cidade –, tenha sido mais importante para a construção de um dos tipos-ideais do que, em contraste, um livro de sucesso escrito pelo mesmo palestrante – mas no qual o futuro da cidade era um tema pouco privilegiado (Anhaia Mello, 1929; 1954). Ou, ainda, implica que uma rápida imagem da São Paulo futura, presente em um artigo sobre

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a geografia paulistana – como uma metrópole única no mundo, com camadas sobrepostas de ruas e túneis que formavam uma "cidade de dois pavimentos" (Prado Jr., 2012 [1953]: 146) –, possa ser mais relevante para a tese do que o argumento central desse mesmo artigo. Assim sendo, em relação a esse conjunto de fontes, não se realizou uma análise detalhada das plataformas em que esses discursos foram veiculados, nem dos debates mais diretos nos quais, porventura, os textos analisados tivessem sido peças importantes – embora, elementos dessa problemática sejam considerados em momentos pertinentes. Em vez disso, o que se buscou foi reunir as referências ao futuro da cidade, levando em conta sobretudo os autores dessas representações, sem destacar necessariamente onde essas ideias foram publicadas.

Não obstante, ainda que seja legítimo analisar discursos exclusivamente por seu conteúdo manifesto – como várias tradições intelectuais atestam –, da perspectiva teórica adotada nesta pesquisa, foi fundamental ancorá-los em suas condições sociais de produção. Portanto, somente a elaboração dos tipos-ideais de futuro deixava uma lacuna importante a ser preenchida. O segundo conjunto de documentos utilizado nesta tese foi coletado com o intento de desvendar justamente as condições em que cada um dos personagens analisados produziu suas reflexões sobre São Paulo. Assim, os materiais em questão não dizem respeito diretamente ao futuro da metrópole, mas sim às vidas dos personagens – são biografias, memórias, depoimentos, entrevistas e a ampla literatura que trata da história dos intelectuais paulistanos e brasileiros durante o século XX. Com essa documentação, procurou-se construir as trajetórias dos personagens investigados, para que fosse possível modular os significados das representações por eles produzidas de acordo com as posições que ocupavam no espaço social em cada momento pertinente.

O terceiro e último conjunto de fontes é a grande imprensa. Foram selecionadas edições dos grandes jornais paulistanos que discutiram o futuro da cidade. Todavia, desde as primeiras consultas a esses jornais, ficou evidente que um levantamento exaustivo das menções aos destinos de São Paulo seria uma tarefa impossível. Praticamente todas as edições verificadas indicavam, em algum momento, expectativas sobre a metrópole do amanhã. Por isso, adotou-se como estratégia destacar apenas as representações do futuro da cidade mais explícitas, mais rotineiras e, preferencialmente, as produzidas nas ocasiões em que São Paulo era tematizada de maneira especial – por exemplo, nos seus aniversários. A análise dos textos jornalísticos tem o propósito duplo de, em primeiro lugar, contrabalançar a leitura das

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representações elaboradas pelos personagens centrais da tese e, também, de refinar através de verificações empíricas a noção de discurso hegemônico ou dominante.

Estrutura da tese

Além desta introdução, a tese possui cinco capítulos. O primeiro é dedicado à análise das trajetórias dos personagens investigados, com destaque para as características de sua atuação na década de 1950. Cada um dos protagonistas foi discutido separadamente, enquanto os coadjuvantes foram tratados em conjunto. Levou-se em conta principalmente os aspectos políticos e intelectuais das respectivas trajetórias, procurando também enfatizar as relações das representações de futuro com as condições sociais de suas emergências.

O segundo capítulo analisa o futuro épico, marcado pelo crescimento indefinido, por um sentimento extremamente positivo em relação a esse crescimento e pela expectativa de um destino glorioso para a cidade. A discussão é realizada a partir de dois planos urbanísticos preparados para São Paulo sob encomenda do Estado: o Estudo de um plano de avenidas para a cidade de São Paulo, escrito por Prestes Maia e publicado em 1930, e o Programa de melhoramentos públicos para a cidade de São Paulo, assinado por Robert Moses e entregue para a prefeitura da metrópole em 1950. Ambos apresentavam concepções de cidade muito parecidas e previam um futuro equivalente para São Paulo. No entanto, como se explora no capítulo, os efeitos desses projetos sobre a cidade foram distintos em 1930 e em 1950, mesmo sendo suas previsões essencialmente iguais. O principal objetivo do capítulo é refletir sobre essas diferenças.

O terceiro capítulo discute as representações de futuro elaboradas por Anhaia Mello. Destaca-se a dimensão retórica das estratégias adotadas pelo urbanista: de um lado, a ênfase nos aspectos apocalípticos definidores de uma São Paulo que continuasse crescendo; de outro, a salvação representada por um futuro alternativo, no qual a metrópole se converteria em uma confederação de pequenas cidades-jardim. Examinam-se também alguns dos efeitos dessas propostas para a cidade, que deixava de ter seu crescimento visto apenas de maneira positiva e ensaiava soluções urbanísticas inspiradas nas ideias de Anhaia Mello.

O quarto capítulo acompanha a mudança de opinião de Florestan Fernandes sobre o futuro de São Paulo: do otimismo vinculado à representação hegemônica ao pessimismo elaborado conforme os valores do campo intelectual. Ao mesmo tempo em que o sociólogo

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alterava sua perspectiva, também sua posição social se transformava significativamente: de recém-doutor para líder da "Escola Paulista de Sociologia". Em paralelo, a análise também segue a atuação dos coadjuvantes: Paulo Duarte, Caio Prado Jr. e Aroldo de Azevedo, que colaboraram, cada um à sua maneira, para que o tipo de ponto de vista que sustentado por Fernandes se consolidasse não só em oposição às imagens da cidade elaboradas pelos políticos-urbanistas, como também enquanto base para a nova representação hegemônica do futuro de São Paulo.

O quinto e último capítulo, em primeiro lugar, retoma as principais discussões da tese e apresenta as conclusões a que se chegou. Em segundo, o capítulo se desdobra em uma nova análise, na qual são examinados os jornais paulistanos. A proposta é testar alguns dos princípios metodológicos adotados na tese, verificando sua pertinência empírica. Finalmente, o capítulo e a tese se encerram com uma reflexão sobre a importância e a necessidade contemporâneas de estudos históricos e historiográficos sobre representações do futuro.

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Capítulo 1. Trajetórias:

Das origens à década de 1950

Este primeiro capítulo possui três objetivos principais. O primeiro é apresentar as trajetórias dos personagens cujas representações do futuro de São Paulo são analisadas ao longo da tese – com destaque para os aspectos político e intelectual de suas atuações. Como apresentado na introdução, esses personagens foram divididos em dois grupos: protagonistas e coadjuvantes. O grupo dos protagonistas é composto por um trio: Francisco Prestes Maia – político profissional, professor universitário, engenheiro e urbanista; Luiz de Anhaia Mello – político profissional, professor universitário, arquiteto e urbanista; e Florestan Fernandes – sociólogo, professor universitário e, com o passar do tempo, representante por excelência da nova intelectualidade paulistana. No grupo dos coadjuvantes, também formado por três personagens, estão: Paulo Duarte – editor-chefe da revista Anhembi, agitador cultural, jornalista, advogado e militante de um certo liberalismo conservador; Caio Prado Jr. – editor-chefe da Revista Brasiliense, agitador cultural, geógrafo, historiador e militante comunista; e Aroldo de Azevedo – geógrafo, educador e professor universitário.1

1 Embora não sejam discutidos diretamente neste capítulo, ainda é preciso fazer menção a um terceiro grupo, no

qual estão reunidos um conjunto de personagens secundários que participam de maneira eventual na trama da tese: os geógrafos que colaboraram no projeto A cidade de São Paulo – coordenado por Aroldo de Azevedo; os integrantes do Departamento de Urbanismo de São Paulo – vários deles ex-alunos de Anhaia Mello; e alguns estrangeiros que, na época, colaboraram com a produção do futuro da cidade por meio de projetos de intervenção, levantamentos de dados urbanísticos ou pesquisas históricas – por exemplo: Robert Moses, Louis-Joseph Lebret e Richard Morse.

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O segundo objetivo deste capítulo é introduzir as diferentes previsões para a metrópole encarnadas por cada um dos personagens. Como será visto, na década de 1950 – período privilegiado na análise – havia três futuros típico ideais para São Paulo: 1. a cidade poderia se transformar em uma metrópole gigantesca e gloriosa, marcada pela pujança, pela velocidade e pela ordem; 2. São Paulo poderia mudar radicalmente sua configuração urbana e se tornar uma confederação de pequenas cidades-jardim, nas quais o planejamento garantiria a paz e a harmonia; ou 3. a metrópole poderia crescer desordenadamente, gerando caos e paralisia, até se converter em uma "necrópolis" – uma cidade morta e com baixíssima esperança de salvação. Prestes Maia era o representante por excelência do primeiro futuro. Anhaia Mello elaborou versões tanto do segundo quanto do terceiro destino para São Paulo – embora seus esforços fossem para a realização da confederação de cidades-jardim. Florestan Fernandes, por sua vez, flertou primeiro com imagens otimistas do futuro, mas em seguida adotou um tom pessimista, que lhe transformou em um produtor da terceira variedade de futuro. As duas primeiras imagens eram fortemente marcadas pelo vocabulário do urbanismo, enquanto a terceira – inicialmente também oriunda do urbanismo – começava a se diferenciar das demais por adotar novos instrumentais de análise para pensar a cidade.

As representações de São Paulo produzidas pelos coadjuvantes não constituíam tipos ideais "puros" – com era o caso das representações dos protagonistas. Esses personagens combinavam características daqueles três destinos fundamentais, produzindo imagens da cidade que, em maior ou menor grau, aproximavam-se das elaborações dos protagonistas. Paulo Duarte, ao mesmo tempo em que apostava no futuro glorioso da metrópole, era um opositor político de Prestes Maia e louvava explicitamente as propostas urbanísticas de Anhaia Mello. Além disso, Duarte abria espaço em sua revista – Anhembi – para que intelectuais do mundo acadêmico ganhassem legitimidade nos debates públicos em geral e, consequentemente, também nas discussões sobre as cidades – fortalecendo perspectivas como a de Florestan Fernandes. Caio Prado Jr. teve um papel semelhante ao de Duarte na promoção da autoridade dos intelectuais, que também se valiam de seu periódico – a Revista Brasiliense – para ampliarem sua influência. Em relação à cidade, Prado Jr. acreditava que São Paulo continuaria crescendo indefinidamente e via com bons olhos este processo. Suas reflexões valorizavam o urbanismo de maneira geral – sem beneficiar particularmente Prestes Maia, Anhaia Mello ou qualquer outro profissional do ramo – e traziam a geografia para o centro das análises sobre a metrópole. Aroldo de Azevedo, finalmente, imaginava uma São Paulo

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cujos adjetivos eram muito semelhantes aos utilizados por Prestes Maia – contudo, o geógrafo analisava a metrópole a partir das lentes da sua disciplina, distanciando-se, portanto, do urbanismo e ajudando a diversificar as autoridades que produziam São Paulo.

Os coadjuvantes, na verdade, tiveram um papel muito mais relevante no fortalecimento das ciências humanas como principal força na produção de representações de São Paulo – e, consequentemente, no enfraquecimento do urbanismo – do que na produção de futuros originais para a cidade. O terceiro objetivo do capítulo diz respeito exatamente às interações sociais da década de 1950 que permitiram essa transferência de autoridade do urbanismo para as humanidades – fruto, em grande medida, das transformações na divisão do trabalho de dominação que aconteceram neste período. Ao longo do capítulo, procura-se mostrar que transformações foram essas e como elas afetaram o futuro da cidade.

O capítulo está dividido em 4 partes. As três primeiras são dedicadas à análise das trajetórias dos protagonistas: Prestes Maia, Anhaia Mello e Florestan Fernandes. Enquanto a última seção é reservada para os coadjuvantes, que são tratados em conjunto.

Francisco Prestes Maia

O primeiro dos protagonistas desta tese é Francisco Prestes Maia. Na década de 1950, ele era a principal encarnação da representação do futuro de São Paulo que foi hegemônica até meados do século XX. De acordo com esta representação, o destino ideal seria que São Paulo se transformasse em uma metrópole gigantesca. Esse futuro era desejado com otimismo e estava efetivamente inscrito no horizonte de expectativas da cidade, ou seja: a maior parte das energias sociais – com destaque para o Estado – acreditava e investia nesse futuro como se ele fosse o mais provável e, talvez, o único possível. Seu télos era glorioso, marcado pela expansão de tendência infinita e pela superação constante das dificuldades impostas à cidade. Do ponto de vista discursivo, essa representação se organizava em uma estrutura narrativa pré-genérica de tipo épico (White, 2001). Seu herói coletivo era a gente paulistana, cujos expoentes eram as elites políticas e econômicas. Essa imagem do destino da metrópole estava dispersa e difundida pelos mais variados lugares sociais (Certeau, 2007) e, portanto, as ideias de Prestes Maia não produziram sozinhas esse futuro. Ainda assim, seu papel foi decisivo na legitimação e na produção desse futuro, tanto por conta de suas ideias urbanísticas quanto por sua atuação política quando prefeito de São Paulo.

Referências

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