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Vidas que fazem história no ensino de matemática : as trajetórias de formação profissional e as tecnologias

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

MERCEDES MATTE DA SILVA

VIDAS QUE FAZEM HISTÓRIA NO ENSINO DE MATEMÁTICA: AS

TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL E AS

TECNOLOGIAS

Porto Alegre 2017

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MERCEDES MATTE DA SILVA

TÍTULO

VIDAS QUE FAZEM HISTÓRIA NO ENSINO DE MATEMÁTICA: AS TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL E AS TECNOLOGIAS

Orientador: Prof. Dr. Lori Viali

PORTO ALEGRE 2017

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Dedicatória

Para os professores e as professoras de Matemática, participantes desta pesquisa, que dividiram comigo suas histórias de vida, suas experiências e

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Ao meu pai, Marcelo Bidart da Silva (in memorian), do qual tenho muitas saudades; sempre tão afetuoso, ensinou-me o valor do estudo, o prazer da leitura e o quanto vale uma boa conversa. Ele ficaria feliz em ver meu crescimento profissional e teria prazer em ler este trabalho.

À minha mãe, Maria Martha Matte da Silva, sempre tão amorosa, ensinou-me que o tempo é um amigo que nos ensina a crescer. Ela está com 94 anos, não gosta de Matemática, mas se emocionou com parte da leitura deste trabalho.

Aos meus irmãos, Marco Aurélio e Flávio, e à minha irmã, Beatriz, por me apoiarem afetuosamente e por entenderem a necessidade do meu afastamento.

Ao Lori, meu orientador, professor e amigo, parceiro nesta e em tantas outras produções, muito obrigada pelos ensinamentos, pelas trocas e pelo apoio em momentos de incertezas. Na minha trajetória profissional, ele fez parte de diversos momentos significativos.

Aos professores e professoras participantes desta pesquisa que foram atenciosos e incansáveis, partilhando suas vidas comigo e contribuindo para desmistificar a ideia de que todo professor de Matemática é igual.

Às professoras doutoras Maria Helena Menna Barreto Abrahão, Valderez Marina do Rosário Lima e Karin Ritter Jelinek, pelas contribuições valorosas para a qualificação deste trabalho.

À secretária do programa de pós-graduação Luciana Apolo, por todo apoio em todos os momentos.

Às amizades que construí nesta trajetória pessoal e profissional, que me deram apoio e valorizaram esse momento com carinho e compreensão.

À minha amiga Maria Aparecida Gomes de Almeida pelo apoio incondicional e auxilio na área da História.

À Suzana Rehmenklau, pela leitura atenciosa e criteriosa, que trouxe contribuições na estrutura do texto com a revisão técnica da Língua Portuguesa.

Ao Caio de Almeida Venâncio e ao Filipe Pires Castilhos, pelo precioso e delicado trabalho nas transcrições das entrevistas.

À Renata da Silva Bruscato, sempre atenciosa na disponibilidade da revisão técnica da Língua Inglesa.

Ao Cláudio, por ter me ajudado em todos os momentos e em todos os sentidos, sem ele talvez não existisse este trabalho e muito mais.

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Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora: e um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse que nunca é o que se vê quando se abre a janela. Fernando Pessoa

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AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem

BOLEMA Boletim de Educação Matemática

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CERN Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear

CNE Conselho Nacional de Educação

CNPq Conselho Nacional de Pesquisa

CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

CPOR Centro de Preparação de Oficiais da Reserva

DCN Diretrizes do Currículo Nacional

EGEM Encontro Gaúcho de Educação Matemática

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FAPA Faculdade Porto-Alegrense

FDRH Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos

FHC Fernando Henrique Cardoso

FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

FUNDEF Fundação de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

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GHOEM Grupo de História Oral em Educação Matemática

GPS Global Positioning System

GRUPRODOCI Grupo de Pesquisa Profissionalização Docente e Identidade

IA Inteligência Artificial

IDE Índice de Desenvolvimento da Educação

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IES Instituição de Ensino Superior

IMPA Instituto de Matemática Pura e Aplicada

JK Juscelino Kubitschek

LDB Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

LOGO Linguagem de Programação

MEC Ministério de Educação e Cultura

MIS Museu da Imagem e do Som

MMM Movimento da Matemática Moderna

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PIB Produto Interno Bruto

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PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

PROCIRS Programa de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROUNI Programa Universidade Para Todos

Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SiSU Sistema de Seleção Unificada

TIC Tecnologia da Informação e Comunicação

UFAC Universidade Federal do Acre

UFAL Universidade Federal de Alagoas

UFAP Universidade Federal do Amapá

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFC Universidade Federal do Ceará

UFES Universidade Federal do Espírito Santo

UFG Universidade Federal de Goiás

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UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

UFMT Universidade Federal do Mato Grosso

UFPA Universidade Federal do Pará

UFPB Universidade Federal da Paraíba

UFPI Universidade Federal do Piauí

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFRPE Universidade Federal de Pernambuco

UFRR Universidade Federal de Roraima

UFS Universidade Federal de Sergipe

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UFT Universidade Federal do Tocantins

ULBRA Universidade Luterana do Brasil

UnB Universidade de Brasília

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UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNIFESP Universidade Federal de São Paulo

UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

UNIR Universidade Federal de Rondônia

USB Universal Serial Bus

USP Universidade de São Paulo

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Matemática do Estado do Rio Grande do Sul, que no conjunto permitiram compreender o seu pensamento e a sua prática pedagógica. Nas narrativas os professores organizaram e refizeram seus caminhos pessoais e profissionais sob o estímulo de seus projetos de identidade e de suas relações com as tecnologias. Para se ter o entendimento a respeito da formação de um professor de Matemática, o ponto de partida foi esclarecer não somente a maneira como se formaram os primeiros professores de Matemática do Brasil no momento da criação das universidades, mas também apontar o surgimento do modelo de professor dessa disciplina. Com o avançar do tempo, modificações ocorrem com o aparecimento de tecnologias e sua inserção nas aulas de Matemática. Seguindo uma perspectiva de pesquisa qualitativa, a proposta metodológica História Oral de Vida, utilizamos a entrevista com 12 professores de Matemática, os quais têm experiência nos cursos de licenciatura de Matemática como formadores de professores. As narrativas proporcionaram a visibilidade do ensino de Matemática no período percorrido por três gerações de professores e a compreensão dos avanços das tecnologias para aprender, ensinar e pensar a Matemática.

Palavras-chave: História Oral de Vida. Tecnologias. Trajetórias Profissionais. Ensino de Matemática.

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This research’s objective is to present and analyze the narratives of Math professors in the State of Rio Grande do Sul, which in its whole allow us to understand their thought and pedagogical practice. In their narratives, the professors organized and redid their personal and professional paths under the stimulus of their projects of identity and their relation with technologies. To have the understanding regarding the formation of a Math professor, the starting point was to clarify not only the way the first Math professors of Brazil got their academic formation in the moment they created the universities; but also, point out the origin of this model of professor in this subject. With time, modifications occur with the creation of technologies and its insertion in Math classes. Following a perspective of qualitative research, the methodological proposition “História Oral de Vida” (Oral History of Life), we used interviews with 12 Math professors who have experience teaching undergraduate courses in Math. The narratives allowed visibility in the Math academic field in the period of three generations of professors and the comprehension of technological advancement to learn, teach and think Math.

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1.1 MINHA HISTÓRIA ... 18

1.2 APROPRIANDO-SE DA PESQUISA ... 24

2 OS FUNDAMENTOS – PILARES E IDEIAS ... 27

2.1 CRIAÇÃO DAS UNIVERSIDADES – O ENSINO DE MATEMÁTICA ... 29

2.2 HISTÓRIA E USO DAS TECNOLOGIAS NO ENSINO ... 37

2.2.1 Tecnologia e Temporalidade ... 37

2.2.2 Tecnologias na Educação ... 43

2.2.3 A Escola e os Nativos Digitais ... 47

2.3 CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA ... 50

2.3.1 Formação Tecnológica do Professor de Matemática ... 50

2.3.2 O Currículo nas Licenciaturas de Matemática ... 53

2.3.3 Disciplinas de/com Tecnologia ... 57

2.3.4 Disciplinas Específicas de Tecnologia ... 60

2.3.5 Tecnologia na Formação do Licenciado em Matemática ... 62

2.4 NARRATIVA E SUBJETIVIDADE ... 67

2.4.1 O Tempo da História ... 68

2.4.2 A Memória e o Eu ... 69

2.5 ESTADO DE CONHECIMENTO ... 71

2.5.1 História Oral no Mundo ... 71

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2.6.1 Contexto Social e Político do País para Três Gerações ... 78

2.6.2 Contexto Educacional para Três Gerações ... 83

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS – HISTÓRIA ORAL ... 87

3.1 HISTÓRIA ORAL DE VIDA ... 88

3.2 PROFESSORES PARTICIPANTES ... 92

3.3 O DIÁLOGO, A TEXTUALIZAÇÃO E A ANÁLISE ... 94

4 ENTREVISTAS – NARRATIVAS E SEUS PERSONAGENS ... 100

4.1.1 Imigrante Digital – 1ª geração – acima de 66 anos ... 101

4.1.1.1 Professor P1C1 ... 101

4.1.1.2 Professor P2C1 ... 111

4.1.1.3 Professor P3C1 ... 116

4.1.1.4 Professora P4C1 ... 122

4.1.2 Colonizador Digital 2ª geração entre 38 e 65 anos ... 137

4.1.2.1 Professor P1C2 ... 137

4.1.2.2 Professora P2C2 ... 146

4.1.2.3 Professora P3C2 ... 164

4.1.2.4 Professora P4C2 ... 180

4.1.3 Nativo Digital – 3ª geração – até 37 anos ... 198

4.1.3.1 Professor P1C3 ... 198

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4.1.3.4 Professor P4C3 ... 257

5 ANÁLISE - COMPREENSÕES A PARTIR DE NARRATIVAS... 269

5.1 O PERSONAGEM E SUA HISTÓRIA ... 272

5.2 ALGUMAS COMPREENSÕES ... 307

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 316

REFERÊNCIAS ... 321

7 APÊNDICES... 326

7.1 APÊNDICE 01 – ROTEIRO DA ENTREVISTA ... 326

7.2 APÊNDICE 02 – CARTA DE APRESENTAÇÃO ... 327

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1 CIRCUNSTÂNCIASDAVIDA

Por tanto amor. Por tanta emoção. A vida me fez assim. Doce ou atroz. Manso ou feroz. Eu, caçador de mim. (Milton Nascimento)1

1.1 MINHA HISTÓRIA

Meu nome é Mercedes Matte da Silva, sou a nona filha de uma família de onze irmãos. Meu pai era médico, minha mãe é advogada. As profissões dos meus irmãos são engenheiros, arquiteto, médica, dentista, economista e professoras. Sou uma das professoras, no caso, de Matemática.

No colégio gostava mais das disciplinas ligadas às ciências exatas, pois era comum fazermos experiências e termos aulas em laboratórios, enquanto que na área das humanas era comum ter que decorar fatos e datas, e, nesse aspecto, sempre tive dificuldades. Via mais sentido nas exatas, pois me sentia mais à vontade no meio daquela linguagem. Aos 17 anos ao terminar o 2º grau fiz vestibular para Medicina na UFRGS, igual ao meu pai, e para Ciências na PUCRS. Passei na PUCRS, comecei a fazer o curso e seguia fazendo cursinho para tentar Medicina novamente. A pasta que usava era do curso de Biologia, pois era a área mais próxima da Medicina. Encantei-me com o curso e dele sai professora de Matemática. Não prestei vestibular novamente.

Minha prática docente por muitos anos (27) foi no ensino básico e somente nos últimos 6 anos no ensino superior, sendo alguns concomitantes. Na minha experiência, sempre tive algumas preocupações com o ensino e a aprendizagem da Matemática, os quais são semelhantes no ensino básico e no ensino superior, tais como: a forma como se dá o ensino da Matemática, em especial, o despreparo do aluno que inicia ou finaliza cada etapa, entediado com as regras sem sentido, as generalizações sem critérios e, principalmente, com a falta de significado dos conceitos. Observava que priorizavam a memória repetitiva em detrimento do entendimento significativo.

Fiz vestibular para Ciências, em 1979/2. O curso era dividido em licenciatura curta e plena: a primeira formava professores de Ciências e Matemática para atuarem de 5a a 8a séries (atual 5o ao 9o ano); e a segunda formava professores para atuarem no segundo grau (atual ensino médio). Concluí a licenciatura curta em 1981/2 e a plena em 1983/2. O que me levou

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para Matemática foi a paixão por esta área. Aquilo que na escola parecia tão sem sentido se tornava claro e belo. Em 06 de janeiro de 1984, ocorreu minha formatura. Fui presenteada com uma calculadora científica, artigo raro na época. Desde então, trabalho como professora de Matemática.

O curso de Licenciatura em Ciências – Habilitação em Matemática – tinha 66 disciplinas equivalentes a uma carga horária de 3450 horas ou 230 créditos; totalizava 4 anos e meio, sendo 2 anos e meio na licenciatura curta (36 disciplinas) e 2 anos na licenciatura plena (30 disciplinas). Dividindo estas disciplinas em três modalidades e seus respectivos créditos, obtêm-se 180 créditos (78,3%) para disciplinas específicas da área, 50 créditos (21,7%) para disciplinas específicas de docência e nenhum crédito para disciplinas específicas de tecnologias.

Portanto, na minha formação como professora de Matemática estudei, principalmente, muita Matemática. Na época, considerava-se quase um crime os alunos do curso de Matemática falarem em Educação, mesmo sendo um curso que preparava professores. O foco principal era o conteúdo. No currículo da licenciatura plena em Matemática, constavam 6 disciplinas na área pedagógica: Prática de Ensino na Área de Ciências e Matemática, Seminários Integradores, Psicologia da Educação (2º grau), Didática (metodologia de ensino do 2º grau), Estrutura e Funcionamento do ensino do 2º grau e Prática de Ensino em Matemática. As 24 disciplinas restantes eram destinadas a conteúdos específicos da Matemática, assim como cálculos, álgebras, análises, etc.

Tive dois tipos de prática pedagógica durante a formação acadêmica. A primeira era fazer observações numa escola estadual; nessa ocasião, anotava tudo o que a professora fazia; a segunda era dar aulas num curso preparatório para vestibular que funcionava na universidade, em que qualquer aluno podia se inscrever. Jamais esqueci minha primeira aula – razões trigonométricas. Tinha tanto medo de não saber de cor e errar as fórmulas que usei como dinâmica um cartaz no qual estavam todas elas escritas. Seria um power-point nos dias de hoje. Outro medo era o aluno perguntar algo que eu não soubesse responder.

Pensando em tecnologias como máquinas, na época as tecnologias utilizadas eram retroprojetor e calculadora. Pode-se dizer que, na licenciatura plena, duas disciplinas remetiam à ideia da existência de computadores: Computação I e Cálculo Numérico, cada uma com 4 créditos. Em Computação I, aprendia-se a lógica do funcionamento do computador a partir da linguagem de programação Fortran. O professor dava alguns problemas e os alunos faziam os programas que eram rodados num computador que ocupava

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uma sala inteira. Os programadores é que lidavam com os programas, os alunos apenas entregavam e depois buscavam, e era preciso verificar se estava tudo certo ou se tinha algum erro. O sistema na época utilizava cartões perfurados. Se houvesse erro, era necessário refazer aquele cartão no qual estava o erro, começando todo o processo novamente. Neste caso, o aluno deveria dominar lógica matemática. No Cálculo Numérico, eram estudados algoritmos diretos, recursivos e iterativos para resolver problemas, aproximar valores exatos com um número simples de operações elementares. O professor da disciplina tinha uma calculadora que imprimia pequenos programas, e era ela que os alunos usavam.

No último ano da faculdade comecei a participar de cursos, encontros, seminários que tivessem qualquer relação com Matemática, principalmente, com ensino de Matemática. Um dos primeiros cursos de que me lembro ter participado, em 1983, foi ministrado por um professor que veio de São Paulo, o curso intitulava-se Geometria no 1o grau: conteúdos, construções e improvisação de materiais instrucionais de baixo custo. Foram 40 horas de muita aprendizagem e que, de certa forma, tem grande influência na professora em que me tornei. Ele mostrou formas totalmente diferentes do que imaginava que se pudesse fazer com Matemática, apresentou materiais variados e uma quantidade de livros que não eram técnicos; eles apresentavam histórias e ideias para se desenvolver conceitos de forma contextualizada e significativa. Este professor era o Luiz Márcio Pereira Imenes.

Naquela época, não se tinha a quantidade e a variedade de livros sobre os mais diversos assuntos relativos à Matemática como se tem hoje. Em 1983, comprei o primeiro livro paradidático, intitulado História da Matemática de Carl B. Boyer. Comecei a garimpar outros tantos em sebos.

Não trabalhei durante o curso, tive o privilégio de só estudar. Entretanto, assim que me formei, queria trabalhar, queria dar aulas. Então formada, fui em busca de escolas que precisassem de professora de Matemática. Estava entusiasmada e queria muito mostrar a Matemática de forma diferente da qual havia aprendido na escola. Desejava que ela tivesse tanto sentido para meus alunos como tinha pra mim. Foi uma via sacra nas escolas particulares de Porto Alegre; fiz um mapeamento por bairros e entregava currículo em cada uma. O que mais escutava era: “Precisa ter dois anos de experiência”. Pensava: se ninguém me der uma chance, jamais terei dois anos de experiência. No primeiro ano de formada, não consegui nenhuma escola. Então, como tinha curso de datilografia, trabalhava como secretária num hospital, datilografando as requisições dos exames passados pelos médicos. Adquiri duas habilidades neste trabalho: uma é ler caligrafias difíceis, a outra que utilizo até hoje é digitar

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no computador com todos os dedos sem precisar olhar para o teclado. Como diz Johnson (2015, p. 9), “mudanças são difíceis de prever não se sabe aonde elas podem nos levar”.

Além deste trabalho, neste primeiro ano, tinha um volume grande de alunos para os quais dava aulas particulares, desde a 5a série até a universidade. No ano seguinte, 1985, comecei a trabalhar na escola na qual havia me formado. A partir deste ano, trabalhei em diversas escolas; minha vida profissional começou, então, a deslanchar. Faz 31 anos que atuo como professora de Matemática.

Por volta de 1986, fiz estágio como bolsista no PROCIRS (Programa de Treinamento para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul), órgão ligado à Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH). No PROCIRS, fazíamos atividades de matemática usando a Técnica de Redescoberta, que consiste em buscar a originalidade sobre algum tema e montar uma atividade prática com objetivos, hipóteses, procedimentos, materiais utilizados, facilitando assim a aprendizagem de um dado conceito ou conteúdo. Tenho duas destas atividades publicadas no Boletim Técnico do PROCIRS, com os títulos: 1- Frações e 2- Aprendendo Operações. Estas atividades foram aplicadas por mim nas escolas em que trabalhava na época e também por alguns professores que vinham ao PROCIRS fazer cursos. Ali iniciei contato com a pesquisa, participei como ministrante de cursos no interior do estado e de oficina em simpósio, dei, também assessoria para escolas de Porto Alegre. Participei ainda na elaboração do livro Ciências para séries inicias. A experiência no PROCIRS foi gratificante e proveitosa, pois tive a oportunidade de aprender sobre projetos, avaliação, construção de materiais envolvendo Matemática e Ciências em todas as etapas da vida escolar. Além disso, convivi com colegas com vasta experiência e que, com certeza, contribuíram positivamente na minha formação.

Minha experiência é bem diversificada. Lecionei da 5a série até o 3o ano do segundo grau em escolas regulares, turmas de supletivo, turmas de deficientes auditivos (utilizava libras para me comunicar com os alunos), aulas numa clínica para recuperação de drogados (era uma maneira de retomarem suas vidas, e avaliou-se que estudar era algo importante nesta retomada), aulas numa fábrica de termômetros (programa de qualidade total – ISO 9001), em escola estadual (concursada), turmas de dependência (alunos que reprovavam apenas em Matemática, iam para a série seguinte, porém com esta pendência). Trabalhei também com a disciplina de Estatística nos cursos técnicos de Administração, Informática, Contabilidade e Publicidade no colégio Santa Família.

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No princípio as aulas eram bastante conteudistas, dava-se a definição do conceito a ser trabalhado, alguns exemplos e vários exercícios parecidos com os exemplos. Em geral, os alunos apresentavam dificuldades; Matemática era uma matéria que reprovava muito, porém isto era aceitável como normal. Sempre que possível usava história da matemática para que os alunos percebessem em que contexto tal conceito era construído e por quê. Também utilizava materiais concretos, como jogos e sólidos geométricos. As aulas eram, em geral, expositivas; usavam-se calculadoras em raríssimas exceções, mimeógrafo e livro didático. Era uma mescla de atividades tradicionais da época com pinceladas das ideias que vivenciava em cursos, eventos e estágios, usadas com total segurança dentro de uma zona de conforto. Trabalhei em diversas escolas particulares, e na medida em que os anos iam passando, sentia-me mais segura e me aventurava em fazer um trabalho um pouco diferente do tradicional e consciente de que o professor não sabe tudo, pelo contrário deve estar sempre aprendendo.

Mudanças na área pedagógica eram discutidas nas escolas na tentativa de se ter o aluno mais interessado e participativo, fazendo com que professores também repensassem suas práticas. Escolas começavam a se preocupar em ter laboratórios de Matemática, nos quais eram construídos materiais instrucionais ou se adquiriam materiais prontos, como tangran, blocos lógicos, frac-soma, cubo dourado, torre de Hanói, cordões para medições, entre outros. Algumas escolas tinham o departamento de matemática bastante coeso, o que fazia com que o trabalho estivesse sempre sendo repensado, reestruturado, buscando uma Matemática mais contextualizada.

No curso de Matemática foram duas disciplinas que tinham relação com o computador; entretanto, no último semestre, na universidade, estava sendo construído um prédio que seria destinado ao setor de informática, pois os computadores estavam avançando. Talvez, percebendo esta visão, logo depois de formada, em março de 1984 fiz um curso de Basic I, que consistia numa linguagem de programação, criada com fins didáticos. Em 1995, adquiri o meu primeiro computador; inicialmente, só me valia dos jogos, pois não sabia como usar e, mais tarde, tomando coragem, comecei a explorar aquela máquina e a aprender sua utilidade. Em 1999, fiz um curso de aperfeiçoamento em Estatística no Excel; a partir de então, utilizei a planilha como recurso para se aprender estatística, disciplina que lecionava em um curso técnico.

Os computadores começam, gradativamente, a aparecer nas escolas, mas a princípio somente nas secretarias; em seguida, são criados laboratórios de informática e os professores são desafiados a utilizarem este ambiente. Procurei aprender, estudar e buscar formas de

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utilizá-lo com os alunos nas aulas de Matemática. Tive todo tipo de experiência, boas e ruins, como ocorre em qualquer vivência em sala de aula.

Depois de 20 anos de experiência, em 2003 ingressei no mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação de Ciências e Matemática, da PUCRS, o qual foi extremamente prazeroso, visto que aprendi muito nas disciplinas e nas trocas com colegas e professores. Numa das disciplinas a turma sob a coordenação da professora publicou o livro Um currículo de Matemática em movimento. À medida que aprendia e estudava mais, os horizontes se ampliavam e novas ideias surgiam para modificar as práticas em sala de aula. Sentia-me mais perto daquela professora que esperava ser quando me formei. A dissertação foi sobre alunos do ensino médio que têm dificuldades em questões do ensino fundamental.

Durante todo este tempo, segui não só participando de congressos, encontros, eventos, apresentando trabalhos, publicando artigos, mas também conhecendo novos softwares e acompanhando discussões sobre o uso de tecnologias nas aulas de Matemática.

Após o mestrado, continuei por um tempo a trabalhar numa escola de ensino regular e iniciei trabalho no ensino superior. Atualmente, trabalho só na universidade, na qual ministro as disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral I e II e Álgebra Linear e Geometria Analítica para os cursos de Engenharia. Modernamente não se fala em aulas sem pensar de certa forma nas tecnologias. Na universidade, utiliza-se o ambiente virtual de aprendizagem (Blackboard) que funciona como sala de aula virtual, no qual são disponibilizados materiais didáticos, vídeos, sites, fórum de discussão, que se tornou, portanto, um ambiente de compartilhamento entre alunos e professores. É possível, também, dessa maneira acessar a biblioteca online e os demais setores da universidade. Todas as salas de aula são equipadas com Datashow, o que auxilia bastante a aulas, pois constantemente emprego software como Geogebra para fazer construções com os alunos ou para explicar alguns conceitos; por sua vez, os alunos utilizam o software em seus computadores pessoais ou celulares. Utilizo variados sites da rede que ilustram conceitos de Cálculo Diferencial e Integral, em especial, aqueles dinâmicos. Inclusive nas avaliações os alunos usam o Geogebra. Atualmente, as tecnologias propiciam o acesso ao mundo dentro da sala de aula.

Ingressei no doutorado em 2012, no mesmo programa e na linha de pesquisa Tecnologia na Educação em Ciências e Matemática. Diferente do mestrado, o doutorado é um trabalho bastante solitário. Ambiguidades aparecem a todo o momento. A ideia inicial, a qual foi apresentada no pré-projeto de tese, era trabalhar com a compreensão do conceito de derivadas com os recursos da planilha Excel utilizando registros de representações semióticas.

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Não muito segura do tema escolhido e do diferencial que poderia ter em relação ao que já existe em termos de pesquisa na área do Cálculo e nas discussões feitas nas disciplinas cursadas, o sentimento era de que deveria seguir outro caminho, escolher um tema diferenciado, porém permanecer sempre atenta à linha de pesquisa.

A ideia inicial era o uso de tecnologias para aprender e ensinar Matemática no ensino superior, com a ideia de trabalhar especificamente o conceito de derivada. Sendo um tema com certa quantidade de trabalhados dedicados a ele, mudou-se o foco para a formação do professor de Matemática. Era preciso fazer um estudo desde sua formação, quantas disciplinas no currículo do curso utilizam tecnologias, quais são suas concepções pedagógicas, por que os professores de Matemática são resistentes a mudanças, qual sua relação com o uso das tecnologias, de que tecnologias estamos falando, como surgiram os cursos de Matemática, quais suas raízes. Em geral, os professores seguem modelos por meio dos quais foram formados, talvez a chave residisse neste aspecto. Assim, ao se tratar da formação de professores, teríamos uma visão da Matemática e do uso das tecnologias em todos os níveis de ensino.

Durante este processo, foi cogitada a ida para Portugal para fazer parte do doutorado na Universidade de Lisboa. Entrei em contato com o diretor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, João Pedro da Ponte, o qual me indicou como orientadora no exterior a professora Hélia Oliveira, troquei vários e-mail com ela e começamos a acertar os detalhes da minha ida, porém, por motivos pessoais fui impossibilitada de me afastar do Brasil, ficando a ida àquele país para mais adiante. Quando chegou este momento, elaborei o plano de trabalho para estudos de doutorado no exterior, o qual foi discutido com o orientador e a co-orientadora; estava tudo praticamente certa a minha ida para Lisboa, mas, pela conjuntura política no Brasil, as bolsas foram canceladas e, por conseguinte, o doutorado-sanduíche para mim. Superada a negativa, a pesquisa prosseguiu.

1.2 APROPRIANDO-SE DA PESQUISA

O problema de pesquisa ainda não estava estruturado, mas estava tomando forma. Em uma das diversas conversas com o orientador, decidimos entrevistar professores formadores de professores de Matemática: Qual seria a relação deles com as tecnologias, como eles ensinam, que didáticas e metodologias utilizam, como eles se formaram, quais suas trajetórias. Com estes professores, teríamos em um professor duas abordagens, por um lado como professor e, por outro, como formador de professores. Neste ponto, o orientador pediu

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que eu lesse a obra Educadores Sul-Rio-Grandenses: muita vida nas histórias de vida, o qual tem por organizadora a professora Maria Helena Menna Barreto Abrahão.

Este livro foi determinante, naquele momento estava definida a metodologia: História Oral de Vida. Entretanto, na busca desta metodologia percebia que era utilizada, geralmente, na área das ciências sociais, e para mim era importante ligar esta metodologia com o ensino de Matemática. Fui buscar no Google História Oral de Vida e Matemática, entre vários artigos me chamou a atenção um escrito em 2008 publicado no Bolema (Boletim de Educação Matemática) intitulado: História de Vida de Professores de Matemática de autoria de Emerson Rolkouski. Este artigo me levou a conhecer o Grupo de História Oral e Educação Matemática (GHOEM) e por meio dele trabalhos de livre docência, relatórios de iniciação cientifica, dissertações e teses que utilizam esta metodologia desde 1995. Além disso, tomei conhecimento de diversos livros, alguns dos quais enviados pelo professor Antonio Vicente Marafioti Garnica, após contato via e-mail.

Por meio dos trabalhos desenvolvidos pelo GHOEM, tive acesso às mais diversas formas de usar e desenvolver a metodologia. Foi possível compreender a Matemática em outros contextos, nos quais se percebia ser esta ciência, considerada da área dura, pertencente à área das Ciências Sociais, era a matemática no dia a dia daqueles que se dedicam a ensinar, discutir e aprender a respeito dela e da sua relevância na sociedade. Entretanto, não existe unanimidade, já que cada professor, ao mostrar sua História Oral de Vida, é único, cada história contém um caminho, uma trajetória, uma forma de ser, agir e pensar.

A pesquisa propõe analisar a contribuição das Histórias Oral de Vida, fazendo com que o sujeito tome conhecimento dos objetos externos a partir de referenciais próprios, graças à sua subjetividade. Além disso, busca verificar a evolução do ensino da Matemática nos cursos de licenciatura, em especial, as disciplinas que se valem de tecnologias, tendo como foco a formação de professores e a compreensão das razões pelas quais eles utilizam ou não as tecnologias.

Defende-se a tese de que os professores de Matemática que utilizam tecnologias de informação e comunicação em suas aulas, o fazem por vontade própria e não em função de sua formação.

Adota-se como pressuposto que a resistência enfrentada pelos professores quanto ao uso de tecnologias está em sintonia com sua História oral de Vida, com suas experiências e suas crenças sobre o ensino de Matemática.

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O objetivo geral é compreender o pensamento e a prática pedagógica dos professores de Matemática e de suas relações com as tecnologias.

A pesquisa objetiva especificamente:

• organizar e refazer caminhos pessoais e sociais de professores de Matemática sob o impulso de projetos de identidade;

• proporcionar visibilidade às Histórias Oral de Vida de professores de Matemática que fizeram e fazem a história da Educação Matemática, pelo entendimento das relações educativas e tecnológicas e pela construção da identidade;

• analisar como a História Oral de Vida contribui na compreensão dos avanços no ensino de Matemática e no uso de tecnologias;

• apresentar os contextos sociais, políticos e educacionais dos período vivido pelas três gerações de professores participantes e sua relação com a subjetividade.

Pela História Oral de Vida de professores de Matemática, pretende-se analisar esta disciplina em diferentes épocas, com diferentes personagens e, verificar, ainda, de quais ferramentas se utilizavam ou se utilizam para auxiliar, facilitar ou melhorar a compreensão dos conceitos nela desenvolvidos. Do mesmo modo, por este viés, acompanhar a evolução das tecnologias, em especial, na formação dos docentes e nas suas aplicações nas disciplinas por eles lecionadas.

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2 OSFUNDAMENTOS–PILARESEIDEIAS

Esta convicção de que tudo quanto dizemos e fazermos ao longo do tempo, mesmo parecendo desprovido de significado e importância, é, e não pode impedir-se de o ser, expressão biográfica, levou-me a sugerir um dia, com mais seriedade do que à primeira vista possa parecer, que todos os seres humanos deveriam deixar relatadas por escrito as suas vidas. (José Saramago)2

Em pleno século XXI, embora haja amplo desenvolvimento das tecnologias, crescimento de usuários de celulares e computadores de última geração cada vez mais acessíveis a todos, o ensino de Matemática parece não evoluir, percebe-se que a aprendizagem de Matemática segue com problemas. Os alunos continuam saindo do ensino básico com pouco conhecimento, acarretando um ensino médio com dificuldades. Devido a esta problemática, no ensino superior, estes obstáculos se multiplicam em uma área essencial para o crescimento e desenvolvimento do país. Os estudantes que optam principalmente pela área das exatas se deparam com dificuldades em conceitos já desenvolvidos no ensino básico. Onuchic e Huanca (2013, p. 307) reforçam esta ideia mostrando que um dos motivos é que: “por muito tempo, muitos estudantes não têm conectado a matemática que eles estudam na escola com a do mundo de fora dela. Assim, a percepção deles é que a Matemática não lhes faz sentido”. O ensino continua descontextualizado e sem significado. A ampla disseminação das tecnologias se dá na utilização de redes sociais e troca de mensagens de forma instantânea; os usuários, geração nascida na era digital, não têm dificuldades em lidar com a máquina, porém esta habilidade pouco está sendo utilizada para a construção do conhecimento. As avaliações de estudantes apontam dados abaixo do mínimo no Brasil, em geral e principalmente na área das exatas. O que acontece com o ensino e a aprendizagem da Matemática? Por que as tecnologias demoram a chegar na sala de aula como instrumento de aprendizagem? As inquietações motivam a pesquisa no sentido de compreender a evolução histórica da formação de professores de Matemática e o uso de tecnologias no ensino. Este caminho pretende ser percorrido pelas histórias de vida de professores formadores de professores, uma vez que a vida individual e a vida social estão em constante reorganização à luz da experimentação de vivências afetivas e emocionais e dos projetos de identidade.

Uma pesquisa na História Oral se baseia na narrativa. Busca-se a compreensão do

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que leva um professor de Matemática a utilizar tecnologias nas suas aulas e o efeito que elas causam na sua formação e, mais ainda, como o indivíduo vai se tornando, ao longo da vida, por meio de suas experiências, um professor de Matemática.

O ensino de Matemática em todos os graus de aprendizagem apresenta problemas, conforme os índices apresentados pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) que apontam o Brasil nas últimas posições: de 65 países o Brasil está no 58° lugar. Segundo dados da Prova Brasil, 12% dos adolescentes terminam o ensino fundamental na rede pública sabendo o esperado em Matemática para esta idade. Entretanto, um brasileiro (Artur Ávila) recebeu a Medalha Fields, equivalente ao Prêmio Nobel em Matemática. Um dos melhores institutos de Matemática do mundo é brasileiro, o IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), ele se gerencia e tem verba própria. Artur representa 1 em 100 milhões de jovens. São extremos no ensino de Matemática em nosso país. O que causa este distanciamento? Por que ocorrem estes extremos? Como este ensino é feito? Quais as concepções e crenças dos professores de Matemática? Como eles estão se formando? Como é o cotidiano do professor de Matemática? Os professores têm uma formação continuada? Que instrumentos eles utilizam nas suas práticas? Que didática eles seguem? Quais teorias norteiam seu trabalho?

Para conhecer o que ocorre com o ensino de Matemática, uma forma é investigar aqueles que formam os que ensinam e a maneira como ensinam. O formador de professores é, ao mesmo tempo, produto e produtor, visto que ele gera modelos que serão reproduzidos das mais diversas formas. A trajetória de cada um é subjetiva e carrega a maneira de ser e de pensar, as crenças e as concepções dentro de determinado contexto, o qual sofre influências sociais, políticas e econômicas. Aos professores, em geral, é cobrado criar e recriar suas práticas pedagógicas, repensar e refletir a respeito delas no intuito de qualificar o ensino. Geralmente, é solicitado aos professores que empreguem tecnologias nas suas aulas e utilizem ambientes virtuais de aprendizagem.

Talvez com planos pedagógicos adequados, com professores melhor preparados e com políticas educacionais de valorização profissional, pode-se pensar em modificar os índices que apontam resultados não satisfatórios. Equipar escolas e universidades com tecnologias não determina o desenvolvimento tecnológico. A formação de professores capacitados para ensinar e aprender com e a partir das tecnologias qualifica seu trabalho e os futuros profissionais, deixando-os aptos para vivenciarem a revolução tecnológica pela qual estamos passando e que avança rapidamente, transformando a vida da sociedade.

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2.1 CRIAÇÃO DAS UNIVERSIDADES – O ENSINO DE MATEMÁTICA

A universidade é considerada uma criação da Europa Medieval (séc. V – séc. XV), sendo que a primeira universidade do mundo surgiu em 1088 em Bolonha ao norte da Itália, quando o ensino na cidade se tornou livre e independente das escolas religiosas. Em relação às universidades europeias, o interesse é contextualizar a relação com o Brasil, portanto vamos nos situar as universidades portuguesas. A universidade portuguesa mais antiga é a Universidade de Coimbra; fundada inicialmente em Lisboa em 1290, tornou-se a instituição de ensino que mais influenciou o Curso de Matemática. Uma escola religiosa portuguesa foi fundada em 1072 na catedral da cidade de Braga e outra, em 1127, na catedral de Coimbra. A pequena burguesia passou a reivindicar junto às autoridades um ensino mais forte do que o ministrado nestas escolas religiosas, surgindo, desta forma, os lugares de instrução que funcionavam fora das igrejas. Bastava haver um bom mestre ao qual se juntavam os discípulos, para que grupos de estudo assim se criassem.

Na época da fundação da Universidade de Lisboa, o sistema educacional português baseava-se nas ideias positivistas. O positivismo de August Comte (1798 – 1857) influenciou, enquanto doutrina sobre o conhecimento e sobre a natureza do pensamento científico, os mais variados círculos. O Brasil foi um solo fértil para as ideias positivistas, por ser um país de menor tradição cultural e carente de ideologias para seus anseios de desenvolvimento. As primeiras manifestações positivistas no Brasil datam de 1850 quando Manuel Joaquim Pereira de Sá apresentou tese de doutoramento em ciências físicas e naturais, na Escola Militar do Rio de Janeiro. Em 1876 foi fundada a primeira sociedade positivista do Brasil, tendo à frente Teixeira Mendes (1855 – 1927), Miguel Lemos (1854 – 1917) e Benjamin Constant (1836 – 1891).

Os portugueses chegam ao Brasil em 22 de abril de 1500, e 292 anos depois é fundada a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Mais tarde, foi separada em duas instituições, uma militar e outra civil, que constituem, atualmente, o Instituto Militar de Engenharia e a Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo a mais antiga instituição oficial de ensino superior em atividade ininterrupta desde 1792. O início dos estudos matemáticos de nível superior no Brasil ocorreu na Escola Militar e teve forte orientação positivista.

No Brasil, embora tenha havido inúmeras tentativas prévias, até mesmo no século XVI, com o colégio dos jesuítas, com a implantação de cursos superiores no período de D. João VI (1808), ao longo dos períodos imperiais e da República Velha, a universidade é fundada em 1920, através do ato que consubstanciou a Universidade

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do Rio de Janeiro. Tal ensino foi marcado pela formalização, o que é ressaltado pela ocorrência de inúmeras legislações que caracterizam até hoje o ensino superior brasileiro como de magnitude, o maior da América Latina, voltado às elites, com um alto grau de privatização, dependendo do governo central, diversificado em instituições públicas e privadas e em cursos de graduação, sequenciais, tecnológicos e de pós-graduação, com um forte sistema nacional de avaliação (MOROSINI, 2011, p. 296).

Conforme Morosini (2011), foi criado em 1858, no Rio de Janeiro, o primeiro curso superior de Matemática, intitulado Curso de Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Depois do Rio de Janeiro, foi o Rio Grande do Sul o Estado no qual o positivismo atingiu seu mais expressivo desenvolvimento. A Universidade de Porto Alegre fundada em 1934, hoje Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano 1942, instala a Faculdade de Filosofia à qual pertencia o curso de Matemática. No mesmo ano, é autorizado o funcionamento do curso de Matemática na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

No processo de consolidação da Proclamação da República, percebe-se a influência positivista no Brasil dando destaque ao coronel Benjamin Constant, que cursou Engenharia Militar na Escola Militar do Rio de Janeiro e foi professor de Matemática nas primeiras instituições brasileiras a ensinarem Matemática de nível superior. Como positivista, tornou-se seu grande divulgador e líder entre os militares, o que resultou em grandes transformações políticas e educacionais em nosso país. O lema da prática positivista tinha três pilares: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso da humanidade como fim. Nesse período, Benjamin Constant foi Ministro da Instrução e coordenou três profundas alterações no ensino brasileiro: o surgimento das escolas normais estaduais e das escolas públicas secundárias federais (antes existia apenas o Colégio D. Pedro II); a não obrigatoriedade do ensino religioso; e a substituição do ensino voltado para as Humanidades por um ensino voltado para a formação Científica, bem a gosto do positivismo. E, como os positivistas defendiam a Matemática como a ciência mais importante, os alunos estudavam excessivamente esta disciplina. Com o tempo o exagero foi normalizado; entretanto, na maioria das escolas, a carga horária de Matemática é mais extensa que as outras disciplinas ainda hoje.

O positivismo foi uma das filosofias que ordenava o pensamento brasileiro durante um período, sendo natural sua influência na educação brasileira. A queda se deve à morte de Benjamin Constant, ao radicalismo dos positivistas e ao intercâmbio científico com outras nações e novas filosofias. Entretanto, sua influência no ensino da Matemática permanece forte até os dias de hoje.

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a instrução popular. A partir das articulações entre as questões pedagógicas e as transformações na sociedade brasileira, desenvolvem-se diferentes períodos na formação de professores nos últimos dois séculos. Em Portugal, a formação de professores se deu com a inauguração da Escola Normal de Lisboa, em Marvila, em abril de 1862.

A História da Ciência e da Matemática passou por diversas fases no que diz respeito à formação dos professores que, como em qualquer profissão, é formada por práticas e saberes que são passados de gerações em gerações. Por que ensinamos da forma que ensinamos? Por que valorizamos determinada prática e não outras? No princípio, no Brasil, a Matemática estava a serviço da guerra, as chamadas Aulas de Artilharia e Fortificações, que eram ministradas a todos os militares por José Fernandes Pinto Alpoim (1700 – 1765), militar português que exerceu este cargo de 1738 até 1765. Escreveu dois livros considerados os primeiros livros didáticos de Matemática no Brasil: Exame de artilheiros e Exame de bombeiros. Conforme Valente (2008) relata, Alpoim tinha como tarefa ensinar usando geometria: como era possível calcular o número de balas de canhão que um determinado lugar pode conter, ou, ainda, saber quantas balas de canhão tem em uma pilha de balas.

Desta forma, iniciou o ensino de rudimentos de geometria e aritmética no Brasil. Com a Independência do Brasil, não fazia mais sentido que os filhos da elite fossem estudar em Portugal, era preciso criar uma universidade. Para ingressar nela, os alunos eram preparados a partir de apostilas que continham os “pontos” que deveriam fixar. Eram apresentados com a definição e as observações necessárias que os alunos deveriam saber de cor, o que garantia o ingresso no nível superior. Esta era a tarefa do professor nos tempos dos preparatórios. Neste sistema, o professor de Matemática permaneceu e sedimentou sua prática por cem anos, afirma Valente (2008). Nasce por volta de 1930 a faculdade de filosofia que tinha como tarefa a formação de professores, e são implantados também os sistemas de ensino seriado, acabando com os cursos preparatórios. Surgem os livros didáticos nacionais de autores que acumulavam experiência de ensino, como Euclides Roxo (1890 – 1950), Jacomo Stávale (1882 – 1956) e Ary Quintella (1906 – 1968), os quais se tornaram clássicos. Com a estruturação do ensino, nasce uma nova disciplina escolar: a Matemática. Conforme Valente (2008) a Matemática surge como resultado da fusão da aritmética com a álgebra e a geometria. Houve a reforma de Francisco Campos do primeiro governo de Getúlio Vargas na qual Euclides Roxo participou, já que criticava o ensino da época que era memorístico e fragmentado. Roxo defendia a ideia do método heurístico, que ressalta o raciocínio lógico voltado para a descoberta no lugar da memorização de definições e o uso excessivo de regras

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algorítmicas. Portanto, a partir de 1930, aumenta o número de escolas (ginásios e liceus públicos); os filhos da classe média ingressam nas escolas; aumenta a produção de livros didáticos e começam as discussões sobre metodologias e conteúdos.

As escolas são organizadas dividindo as aulas semanais em partes separadas, assim a Matemática reuniu a álgebra, a aritmética e a geometria e não as fundiu, ficando como ocorria no passado, juntas, porém sem conexões. O professor acabava especialista numa determinada área. No início de 1940, é publicado o livro de Ary Quintella, Matemática – primeiro ano ginasial, o qual permaneceu como um ensino caracterizado pela memorização e mecanização.

Em 1955, em Salvador – BA, foi realizado o I Congresso Brasileiro do Ensino de Matemática, o qual deliberou que a Educação Matemática devia sofrer uma profunda mudança. O II Congresso foi realizado em 1957 em Porto Alegre – RS, no qual foram apresentadas as primeiras experiências em cursos de aperfeiçoamento de professores com elementos da Matemática Moderna, modelo pronto que era utilizado na França e nos Estados Unidos, com a ideia de que, se deu certo lá, bastava copiar aqui. No Rio de Janeiro – RJ, aconteceu em 1959 o III Congresso para realizar cursos preparatórios para professores secundários, pois haviam percebido que a situação não tinha melhorado, já que os professores nada sabiam de Matemática Moderna. Portanto, evento ficou centrado na discussão de técnicas e métodos de ensino, e não em listas de conteúdos.

Nos anos de 1960, o professor de Matemática que era formado na década anterior teve de esquecer a forma como se ensinava matemática até o momento, para fazer o curso de treinamento da nova maneira de se ensinar Matemática. A notícia estava estampada na primeira folha do jornal Folha de São Paulo do dia 12 de julho de 1963, como coloca Valente (2008, p. 20): “Professores secundários voltam novamente às carteiras para revolucionar o ensino da Matemática com 50 anos de atraso entre nós”. Surgem, então, novos livros didáticos que deverão ser utilizados em todas as escolas brasileiras, como é o caso do livro de Osvaldo Sangiorgi (1921 –) entre outros; inclusive um guia para o professor, pois neste momento era necessário reaprender matemática, uma nova matemática, a Matemática Moderna.

O Movimento da Matemática Moderna (MMM) foi desencadeado por um grupo de pesquisa GEEM (Grupo de Estudos do Ensino de Matemática), fundado em 1961 e liderado pelo professor Osvaldo Sangiorgi. Outros Grupos de Estudos se formaram pelo país com o objetivo de atualizar professores recém-formados e professores não graduados que ministravam aulas de Matemática. Este movimento surgiu com influência internacional,

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iniciando na França e nos Estados Unidos. O ensino da Matemática baseava-se na teoria dos conjuntos, noções de estruturas e grupos.

O termo “Moderna” trazia diversos significados como: evolução da disciplina, atualização do ensino, eficaz e de boa qualidade, isto para se opor ao ensino tradicional. Iniciou-se nas escolas a propagação da Matemática Moderna; havia livros didáticos com a promessa de um ensino atraente e descomplicado para substituir o rigor da Matemática tradicional, porém ela chega repleta de formalismo. Kline (1976, p. 15) ilustra, com o exemplo a seguir, algumas características do currículo na Matemática Moderna e o excesso de formalismo.

“Contemplemos uma aula de Matemática. A professora pergunta: - Por que 2 + 3 = 3 + 2?

- Porque ambos são iguais a 5 – respondem os alunos sem hesitar.

- Não, a resposta exata é porque a propriedade comutativa da soma assim o sustenta. – A segunda pergunta é: Por que 9 + 2 = 11?

Novamente os alunos se apressam a responder: - 9 e 1 são 10 e mais um é 11.

- Está errado! – exclama a professora. – A resposta exata é que pela definição de 2, 9 + 2 = 9 + (1 + 1). Mas porque a propriedade associativa da soma assim o prova, 9 + (1 + 1) = (9 + 1) + 1. Ora, 9 + 1 é 10 pela definição de 10 e 10 + 1 é 11 pela definição de 11.

Evidentemente a classe não se está saindo bem e, portanto, a professora tenta uma pergunta mais simples:

- É 7 um número?

Os alunos, surpreendidos com a simplicidade da pergunta, mal julgam necessário responder, mas o simples hábito de obediência faz com que respondam afirmativamente. A professora mostra-se horrorizada.

Se eu perguntasse quem vocês são, o que vocês diriam?

Os alunos mostram-se agora mais cautelosos para responder, mas um deles mais corajoso diz:

- Eu sou Robert Smith.

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- Você quer dizer que é o nome Robert Smith? É claro que não. Você é uma pessoa e seu nome é Robert Smith. Voltemos agora a minha primeira pergunta: - É 7 um número? É claro que não! É o nome de um número, 5 + 2, 6 + 1 e 8 – 1 são nomes para o mesmo número. O símbolo 7 é um numeral para o número.

A professora percebe que os alunos não compreendem a distinção e tenta, por conseguinte, outro meio:

- É o número 3 metade do número 8? – pergunta. Ela mesma responde a sua própria pergunta: Naturalmente que não é! Mas o numeral 3 é metade do numeral 8, a metade do lado direito.

Os alunos anseiam agora por perguntar o que é então um número. Sentem-se, entretanto, tão desencorajados com as respostas erradas que deram que não têm ânimo de formular a pergunta. Isto é felizmente bem agradável para a professora porque explicar o que é realmente um número estaria além de sua capacidade e certamente além da capacidade dos alunos de compreendê-lo. E assim, daí por diante, os alunos têm o cuidado de dizer que 7 é um numeral, não um número. Justamente o que um número é jamais saberão dizê-lo“.

Neste exemplo, apresentado por Kline (1976) há 40 anos, pode-se compreender as marcas que a Matemática deixa em estudantes e sua aversão às áreas ligadas a ela. Atualmente, em geral, nem se ensinam essas propriedades nas escolas, porém outros exemplos se encaixariam ainda hoje neste contexto.

Este movimento marcou profundamente professores e alunos, deixando de ser aplicado décadas depois, pois não atingiu os resultados esperados e seu ensino entrou em declínio. De acordo com Pinto (2005, p. 5):

Ao tratar a matemática como algo neutro, destituída de história, desligada de seus processos de produção, sem nenhuma relação com o social e o político, o ensino de Matemática, nesse período, parece ter se descuidado da possibilidade crítica e criativa dos aprendizes. O moderno dessa matemática apresenta-se, para os alunos, mais como um conjunto de novos dispositivos e nomenclaturas descolados de sentidos e significados conceituais, uma disciplina abstrata e desligada da realidade.

Na década de 70, o movimento passou a ser fortemente criticado no Brasil, e ocorria o esvaziamento do movimento em outros países. Os educadores brasileiros foram influenciados também pelas críticas de Morris Kline, acima citado, apresentadas no livro: O fracasso da Matemática Moderna, no qual o autor defende que os alunos absorvem ideias complicadas, porém não aprendem a somar. Um desserviço da Matemática Moderna foi não se preocupar com a motivação e aplicação como afirma Kline (1976): “é como apresentar o

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caule, mas não a flor e assim deixar de apresentar o verdadeiro valor da matemática”.

Nos anos 80, em função de avaliações a respeito do Movimento da Matemática Moderna ocorre o que Godoy (2011, p. 106) denomina de “virada curricular dos anos 80”, em relação ao ensino de Matemática. Neste período, foi valorizada a relevância de aspectos sociais, antropológicos, linguísticos, além dos cognitivos, que são apresentados nos parâmetros curriculares nacionais, e reforçam a importância da Matemática na sociedade, surgindo, então, em resposta aos fracos resultados de décadas anteriores. Os anos 90 vão nesta direção ampliando e qualificando os parâmetros curriculares nacionais, no sentido de serem mais direcionados a cada área e etapa do conhecimento com a ideia de o ensino ser renovado.

Uma sala de aula, para o professor de Matemática do século XXI, não é muito diferente de uma de há 100 anos. Temos novas tecnologias, novos equipamentos, mas as salas continuam sendo organizadas no mesmo formato, com classes colocadas em filas iguais, os alunos, muitas vezes, encontram-se em lugares fixos como num espelho de classe. Que desafios temos pela frente para um ensino de qualidade, formando seres pensantes, criativos, críticos e autônomos?

O século XXI está apenas começando, como afirma Perrenoud (2002 (b), p. 11), e ainda está com a aparência do século passado. Mudanças, em geral, são lentas, porém possíveis. Não podemos prever como será o professor do futuro próximo, mas sabemos que a prática reflexiva, as trocas e as pesquisas na área são fundamentais para mudanças significativas. Mudar tem ligação com o novo; Kuhn (2000, p. 171) coloca esta ideia em termos de revolução: “Este é o último dos sentidos no qual desejamos dizer que, após uma revolução, os cientistas trabalham em um mundo diferente”. Em certos casos, é preciso fazer uma revolução no sentido da palavra, transformação radical de conceitos, de posturas para que se tenha uma mudança de fato.

No dicionário Aurélio (2000, p. 474), mudar significa: remover, deslocar, transferir para outro local, alterar, trocar, variar, transformar, converter, transferir, tornar-se diferente do que era. Todos os sinônimos dão ideia de movimento. Nos cursos de licenciatura em Matemática, este movimento se refere ao ambiente de aprendizagem, ao currículo, às novas tecnologias, às práticas docentes, às crenças do professor, seja o formador ou o em formação.

Pode-se imaginar o futuro nas mais diferentes formas, talvez haja mudanças, talvez não; Perrenoud (2002 (b), p. 12) afirma que: “nossa capacidade de antecipação é limitada por aquilo que conhecemos e que extrapolamos timidamente, e, com certeza, o futuro reserva-nos surpresas que desafiarão nossa imaginação”.

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O desenvolvimento de um país está diretamente ligado à capacidade de seu povo. Ter conhecimento dá oportunidades de construir e de crescer enquanto nação; por meio de pesquisas, estudos e aprendizagem, o que requer esforço e determinação. Todas as áreas relativas ao desenvolvimento de uma sociedade perpassam pelo professor; sendo a sua formação uma das principais preocupações de qualquer sociedade que queira uma vida digna e de qualidade. As crises geram transformações que levam a novos caminhos, os currículos têm a pretensão de mostrar o percurso dentro dos cursos de licenciatura, pois refletir sobre este caminhar mantém o movimento. Atualmente é impossível se falar em transformação e desenvolvimento sem se pensar em tecnologias.

Mudar não é algo fácil; Hargreaves (2002, p. 176) enfatiza que a mudança tem substância e forma, conteúdo e processo. Mudar a si mesmo faz parte do processo, porém é possível encontrar um campo fértil. Ao observar a quantidade de pesquisas apresentadas em dissertações e teses por todo o país, observa-se parte do professorado em constante formação; torna-se difícil determinar onde ela começa, mas sabemos que ela não tem fim. A formação de um professor envolve a universidade, o currículo do curso, o percurso feito pelos professores formadores e pelos próprios formandos e, sobretudo, pelos projetos políticos e pedagógicos.

As universidades federais surgiram no Brasil a partir de 1912; ocorreram diversas mudanças políticas e pedagógicas nesses 104 anos, e muitos foram os avanços tecnológicos. Embora tenham existido alterações nos currículos dos cursos de licenciatura em Matemática, em especial, o modelo do professor parece não ter sofrido grandes mudanças. As universidades privadas surgiram na década de 30. Algumas metodologias utilizadas ainda continuam muito ligadas ao uso exclusivo do verde e giz ou na modernidade quadro-branco e caneta e, em alguns casos ambientes virtuais de aprendizagem e, mesmo assim, em muitos casos permanecendo o professor no papel de transmissor do conhecimento. Os avanços tecnológicos são volumosos e acelerados, porém, se as universidades permanecerem com currículos que apresentam poucas disciplinas que utilizam tecnologias de forma isolada para se pensar Matemática, ficará difícil de os conhecimentos específicos acompanharem o desenvolvimento profissional, ficando aquém da capacidade de crescimento do material humano do país.

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2.2 HISTÓRIA E USO DAS TECNOLOGIAS NO ENSINO

As pessoas fazem perguntas sobre o que veem ao redor há milhares de anos. E buscam respostas, as quais sofrem mudanças. Isto ocorre com a ciência, isto ocorre com as tecnologias. Tecnologia não é fácil de ser definida já que não se refere a uma única máquina ou um processo. Pode ser vista como um conjunto de conhecimentos que se aplicam a um determinado ramo de atividade. Trata-se de conceito amplo e aplicado a muitas situações na existência humana. As tecnologias se desenvolvem a partir de ideias, de descobertas que vão passando de geração para geração e, desta forma, vão avançando. Envolve uma quantidade de pessoas que se dedicam à criação, ao estudo, à aplicabilidade de cada nova descoberta. O conceito de tecnologia, como parece nos dias de hoje, não está ligado somente às máquinas, pode-se dizer que vem desde a invenção da escrita. O ser humano é curioso, tem imaginação, é um ser pensante, e muitos indivíduos usaram sua inteligência para fazerem ciência. Hoje a inovação e a evolução das tecnologias são muito mais rápidas, porém as pessoas que no passado refletiram sobre o mundo a sua volta foram fundamentais para o que se tem nos dias de hoje; eram tão inteligentes quanto nós, queriam entender e controlar o mundo.

2.2.1 Tecnologia e Temporalidade

Há aproximadamente 5000 anos (3100 a. C), a escrita foi criada pelos Sumérios que, também, desenvolveram tablets de argila cozidos que podem ser considerados como os primeiros livros. Desde então, muitas mudanças ocorreram e, em cada acontecimento, as tecnologias estavam presentes, auxiliando o homem. Para compreender o presente, pode-se olhar para o passado e ler a história que nos trouxe para este momento, a qual é formada pelas memórias deixadas nos livros e contadas por diversos personagens. Não há tempo sem o conceito de memória; não há presente sem o conceito de tempo; não há realidade sem memória e sem noção de presente, passado e futuro. Não é possível escrever a história sem passar por aqueles que a fizeram ou a pensaram.

As incontáveis mudanças sofridas pela humanidade têm momentos de genialidade do homem, a qual é utilizada para a melhoria das condições humanas; em contrapartida, existiram e existem momentos em que o homem usa sua inteligência para destruir outros seres humanos. Em cada momento histórico, a ciência e a tecnologia acabam sendo produto do momento específico. E o que a história conta, ao longo do tempo, usando a memória e as transformações sofridas pela humanidade e também pela ciência, chama-se evolução.

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Tecnologia é tema diário nos meios de comunicação. O uso delas está presente em todos os setores da sociedade. Nas escolas, a busca para a utilização das tecnologias é grande, na tentativa de acompanhar o avanço que é praticamente diário. São tantas as possibilidades e os conhecimentos por trás das tecnologias que nem sempre é possível acompanhá-los. A máquina “anda” mais rápido que o homem e em consequência as escolas não estão conseguindo acompanhar esses avanços. O caminho percorrido pelas tecnologias na sala de aula é bastante longo e antigo; para se ter uma ideia, vem de muito antes do retroprojetor, passando pelo datashow até os ipads. Para se ter uma projeção do que virá, é conveniente saber como foi o começo e como ocorreu a evolução tecnológica na educação.

Uma boa maneira de iniciar é tentar definir o que se entende por tecnologia. A resposta não é direta nem simples. A maioria das pessoas tem uma ideia do que seja tecnologia, contudo defini-la é um pouco mais complicado, mesmo porque tecnologia não se refere a uma única máquina. Existem análises de um determinado processo, do efeito da tecnologia na economia e de como ela está transformando a sociedade. Contudo, não existe um consenso sobre o significado da palavra “tecnologia”, sobre como ela é criada, um entendimento aprofundado do que seja “inovação” ou uma teoria de evolução para a tecnologia. É necessário uma “logia” da tecnologia. Conforme Arthur (2009), talvez uma das razões para isso seja que a tecnologia fique à sombra de sua irmã mais famosa: a ciência. Acrescenta que outra razão pode ser a existência de muitas controvérsias sobre o assunto ou, ainda, que, pelo fato de que ela tenha sido criada, então ela já está entendida.

Arthur (2009) coloca que toda tecnologia é uma combinação de três princípios básicos. Primeiro, que uma tecnologia é uma combinação de componentes ou uma montagem de subsistemas. Segundo, cada componente da tecnologia é, por sua vez, em miniatura, uma tecnologia; e terceiro, toda tecnologia aproveita e explora algum efeito ou fenômeno e normalmente vários.

Assim, pode-se perceber que, se as tecnologias são combinações, então elas consistem de subsistemas ou componentes que são, por sua vez, também tecnologias. Dessa forma, novas tecnologias são criadas a partir de outras já existentes explorando um fenômeno novo ou já existente. Essa criação pode ser feita por uma nova montagem, pela troca de alguns componentes, pela otimização ou melhoria de um ou mais componentes. Portanto, novas tecnologias são heranças de tecnologias anteriores e pode-se pensar que elas são os equivalentes mecânicos ou intelectuais (processos ou softwares) de uma evolução orgânica só que, geralmente, em ritmo mais acelerado.

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Chama-se de evolução o que a história conta, ao longo do tempo, usando a memória e as transformações sofridas pela humanidade e também pela ciência. A evolução pode ser entendida como uma sucessão de acontecimentos, em que cada um está condicionado aos anteriores, em um processo de transformação no qual certos elementos simples ou indistintos se tornam aos poucos mais complexos ou mais pronunciados. A evolução tem ligação com mudanças e inovações. As inovações estão diretamente ligadas às atitudes dos seres humanos. Essas atitudes envolvem desde a confecção de ferramentas como a pedra lascada até a elaboração de aplicativos.

O homem teve a necessidade de se comunicar desde que começou a viver em sociedade, fosse para alertar para algum fato ou fenômeno, fosse para expressar sua cultura ou sentimento. Não sabia falar como fazemos hoje, fazia desenhos nas cavernas, registrando pensamentos e situações do cotidiano. Os avanços foram lentos considerando a velocidade com que as inovações ocorrem nos dias atuais, porém, mesmo naquela época, o homem já criava e utilizava tecnologias para resolver os seus problemas de forma mais eficaz. Os registros e as histórias contadas, de cada época, contribuíram para o conhecimento e o desenvolvimento da atualidade.

A história não só deve permitir compreender o “presente pelo passado” – atitude tradicional –, mas também compreender o “passado pelo presente” (LE GOFF, 2013, p. 27). Nas mais diversas épocas se fala em tecnologias, já que elas estão presentes em diversos lugares e em muitas das atividades que realizamos. Compreender as tecnologias do presente pela análise das produzidas no passado nos remete a trilhar um caminho no qual estão inseridos o tempo, a memória e a evolução. Eles são dependentes da situação política e social do momento, dos interesses, dos registros e dos avanços da ciência. A ciência é a melhor ferramenta a nosso alcance para “descobrir coisas sobre o mundo e tudo o que faz parte dele – e isso nos inclui” (BYNUM, 2013, p. 1).

A temporalidade articula o futuro, o passado e o presente. O futuro e o passado se distribuem a partir do presente, que é o centro. A respeito do presente como centro, Ricoeur (2007) salienta que a ligação do passado com o presente é a memória, enquanto que o futuro é a expectativa do que está por vir. Assim, Ricoeur (2007, p. 35) reforça que “o antes e o depois existem no tempo”, e, de certa forma, a análise do tempo e a análise da memória se sobrepõem. Falar de tempo significa falar em medidas como anos, dias, horas. O tempo mede o momento ou a ocasião apropriada para que uma coisa se realize, ou, ainda, a oportunidade ou circunstância disponível para a realização de algo. É o momento adequado ou reservado

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para uma ação ou seu término. Trata-se de parte em que se divide uma atividade ou um processo. Portanto, tudo o que aconteceu no passado foi necessário para que se chegasse ao que se tem nos dias de hoje, já que é impossível saber como seria o mundo se os fatos e as pessoas tivessem seguido outro caminho. Quanto ao futuro da ciência e da tecnologia, pode-se fazer previsões, mas não se ter certeza sobre o que, de fato, acontecerá. Não se pode transportar ingenuamente o presente para o passado e procurar por outras vias um trajeto linear; isso seria tão ilusório como o sentido contrário. Há rupturas e descontinuidades inultrapassáveis, quer num sentido, quer noutro, afirma Le Goff (2013). Pode-se conceber o tempo de duas formas: do passado em direção ao futuro e do futuro em direção ao passado. Seja qual for a concepção, os dois nos levam ao presente, sendo que o passado só existe na forma de memória, e as experiências de cada um representam o próprio presente. O discurso da vida cotidiana, de acordo com Ricoeur (2007, p. 40), é atribuído à memória e “o que justifica a preferência pela memória ‘certa’ é a convicção de não termos outro recurso a respeito da referência ao passado, senão a própria memória”.

Não há tempo sem o conceito de memória e não há presente sem o conceito de tempo. Não há realidade sem memória e sem noção de presente, passado e futuro. Ricoeur (2007) fala na memória presente nas narrativas do cotidiano, na qual o sujeito tem a pretensão de ser fiel ao passado na relação com o tempo, pois para o autor a memória é passado, e esse passado traz as impressões de quem narra. Izquierdo (2006) fala no processo pelo qual a memória passa e sua ligação com a aprendizagem. Para Minsky (1989), as memórias são processos; o autor mostra a relação do funcionamento da memória humana com a memória da máquina e o quanto o entendimento de uma pode auxiliar a outra. São três autores que tratam de três frentes distintas a respeito da memória e, de certa maneira, se entrelaçam.

Izquierdo (2006, p. 15) define memória como aquisição, conservação e evocação de informações. A aquisição se denomina de aprendizado, a evocação, de recordação ou lembrança. Os computadores também têm memórias e se enquadram na definição acima, porém precisam ser ligados numa tomada ou bateria e suas memórias são gravadas em circuitos integrados; já nos seres humanos, as memórias estão ligadas com fortes componentes emocionais e experiências pessoais. Memória é nosso senso histórico e de identidade – sou quem sou porque lembro quem sou. Ricoeur (2007, p. 107) fala desta singularidade da memória ao dizer: “minhas lembranças não são as suas. Não se pode transferir as lembranças de um para a memória de outro”. Izquierdo (2006) enfatiza que não há memória sem aprendizado e nem há aprendizado sem experiências.

Referências

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