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O SÉCULO XX. História das mulheres no ocidente.

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Academic year: 2021

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Vol. 5: O século XX

Titulo original: Sioria delle Donne © Giiis. Lalerza & Figli Spa, Roma-Bari, 1991 Direitos reservados para a língua portuguesa pior

Edições Afronlamento, Lda. / Rua de Costa Cabral. 859 / 4200 PORTO N.? de edição: 565

ISBN: 972-36-0393-4

Depósito legal: 96210/95

Impressão e encadernação: Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira

As ilustrações e as suas legendas, com excepção das do capítulo «Mulheres e imagens», que fazem parte da edição original, são da responsabilidade de AllEa, Taurus. Alfaguara S.A./Madrid

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Volume 5

Sob a direcçao de

Françoise Thébaud

Nancy F. Cott

Anne-Marie Sohn

Victoria de Grazia

Gisela Bock

Danièle Bussy Genevois

Hélène Eck

Françoise Navaiih

Françoise Collin

Marcelle Marini

Luisa Passerini

Anne Higonnet

Nadine Lefaucheur

Rose-Marie Lagrave

Mariette Sineau

Yasmine Ergas

Yolande Cohen

Jacqueline Costa-Lascoux

Tradução de

Alda Maria Durães, Alice Teles, Alberto Couto, Egito Gonçalves, João Gaspar Neves, José S. Ribeiro, Maria João Lourenço e Maria Manuela Marques da Silva

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Mulheres, consumo

e cultura de massas

Luisa Passerini

Este capítulo examina, em primeiro lugar, as teses que estabelecem uma equação entre cultura de massas e feminização da sociedade e evidencia a duplicidade da primeira, em particular no que respeita às mulheres./A figura feminina surge de facto na cultura de massas contemporânea como sujeito potencial e como objecto, utilizando tanto sugestões provenientes dos estímulos libertadores políticos e sociais quanto tradições e permanências de velhos estereótipos sobre as mulheres no seio da cultura ocidental.

Em segundo lugar, são analisadas as mudanças ocorridas, sobre-tudo no período entre as duas guerras, em alguns países da Europa e da América — Estados Unidos, França e Itália — significativos pela diversidade da sua história e dos seus tipos de desenvolvimento. Neles se articulam propostas de novos modelos femininos que incluem a nova dona de casa e a mulher emancipada (não contradi-tórios entre si), como sujeitos de novos consumos de massa também no plano cultural. Integram o quadro novas formas de publicidade, quer de caracter comercial quer induzidas pelos poderes públicos. Os meios de comunicação de massas, entre os quais a rádio e o cinema, reforçam tais processos.

Por último, é estudado o cruzamento entre o caracter apocalíptico e o carácter integrativo da cultura de massas escolhendo um sector determinado, a imprensa feminina do segundo pós-guerra, nos três países já citados. A grande difusão dessa imprensa, nas suas varian-tes ligadas ao grupo social e às idades daquelas a quem são desti-nadas as publicações, dá-nos o exemplo privilegiado das contradi-ções próprias dos processos.de emancipação cultural das mulheres, mesmo esses marcados pela duplicidade de auto-afirmação e subor-dinação. Também tem interesse o exemplo escolhido por razões de natureza metodológica, uma vez que, sobre esse tema, se debruçaram autoridades de diversas áreas, em busca das dialécticas entre

indiví-Sedutora imagem de Rita Hayworth interpretando Gilda. Milhões de pessoas de ambos os lados do oceano vibram e emocionam-se com as histórias que passam no cinema. As personagens das películas apresentam modelos femininos capazes de juntar imagens tradicionalmente irreconciliáveis. Saberemos quantas mulheres terão podido repensar o seu destino mobilizadas pela cultura de massas?

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lulheres, criação e representação

duo e colectivo, entre libertação e opressão, entre feminismo e cultura de massas.

A cultura de massas

entre masculino e feminino

:orpos de mulheres is revistas e as suas páginas ias. Aqui vemos uma eliz e juvenil emergindo do ivalente, pois perpetua um ilativo à natureza mas tem uma nova relação de com o corpo. Janeiro de trty.

Repetidas vezes, e de vários modos, os intérpretes da cultura de massas sublinharam as conexões em sua opinião existentes entre essa cultura e o feminino, tal como este foi definido na história do mundo ocidental. Desde Edgar Morin, em 1962, até um congresso que em 1984 pretendeu retomar um tom crítico reagindo à indulgên-cia dos vinte anos anteriores a respeito da cultura de massas1,

propôs--se de vários pontos de vista uma equação que levanta muitas per-plexidades, mas que não pode ser ignorada dados os aspectos de ver-dade que permite desvendar.

/Á feminização das sociedades que atingiram um certo nível de conforto baseava-se segundo Morin, em primeiro lugar, numa espécie de inversão de valores: a emancipação da mulher incluía o acesso às carreiras masculinas no trabalho e na política, ao mesmo tempo que elas tomavam com crescente freqüência a iniciativa igualmente no domínio privado (símbolo disso era a cena do filme To Have and

Have Nol em que Laureen Bacall iniciava uma história de amor

pedindo lume a Humphrey Bogart); ao mesmo tempo, o homem tor-nava-se mais sentimental, mais temo, mais fraco. A cultura de massas desempenhava uma função-chave nesta mutação, quer como lugar de afirmação dos valores definidos como puramente femininos, entre os quais a individualidade, o bem-estar, o amor, a felicidade, quer como amplificador de imagens de mulheres sedutoras, desde a

cover-girl* a essa Gilda encarnada por Rita Hayworth que

repre-sentava a reunificação de dois termos tradicionalmente inconciliá-veis: a vamp** e a virgem.;

Na realidade a cultura de massas revela, no preciso momento em que dela se apropria, a ambivalência da imagem feminina na cultura ocidental, acrescida, mais do que reduzida, pelas exigências de eman-cipação: a hegemonia da figura feminina na publicidade, nas capas das revistas e nos cartazes, remete com efeito para a coincidência entre a mulher como potencial sujeito e a mulher como possível objecto. Corie-se porém o risco de confundir dois elementos dife-rentes: a real duplicidade na qual o curso da história lançou as mu-lheres, sobretudo com o desenvolvimento do último século e meio

* Jovem atraente cuja fotografia aparece nas capas das revistas (N.R.). ** Mulher sedutora que atrai os homens por interesse (N.R.).

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no plano da emancipação social e política; ò uso de valores histori-camente marcados (força e agressividade peremptoriamente ligadas aos homens, suavidade e ternura desde sempre atribuídas às mulheres) por parte, da cultura de massas, que os fixa em papéis rígidos e os «democratiza», reproduzindo-os em larga escala. A isso se adiciona o facto de a predominância na vida quotidiana da forma de erotismo proposto pela cultura de massas deixar inevitavelmente o papel de protagonista — embora também com muita ambigüidade — à figura feminina, que o Ocidente identificou com a própria sexualidade.

São portanto bem evidentes os limites do tipo de feminização analisado por Morin, tanto no plano teórico como no plano histórico. Além disso, no que respeita a este último, assistiu-se nos últimos anos, de 1962 até hoje, a um aumento da presença da imagem mas-culina na publicidade e no cinema2. As reformulações da relação

pri-vilegiada entre a cultura de massas e o feminino propostas vinte anos depois das teses de Morin apresentam maior subtileza e dis-tinções mais precisas, entre as quais a distinção fundamental entre o feminino histórico e as mulheres de carne e osso. Pôs-se em relevo o caracter sexista da operação com que, na viragem do século, o

dis-Um novo ataque do Billboard (frente de libertação dos placards). Colocaram um soutien gigante no tradicional «machão» da Camel como protesto pela utilização que a publicidade faz dos seus corpos. São Francisco.

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los Unidos, os modelos pela cultura de massas uniformizar certos Ias mulheres: ela ocupa-se is ao mesmo tempo presta ienção ao seu arranjo V maquilhagem é patrimônio is mulheres e não apenas íes.

curso político, psicológico e estético caracterizava como feminina a cultura de massas e as próprias massas (basta recordar a equação proposta por Le Bcn em 1895 a propósito das multidões histéricas e «femininas») enquanto a alta cultura permanecia um domínio pri-vilegiado masculino3. Portanto, ji desvalorização constante do

femi-nino convergia com o desprezo tradicional pelas formas «baixas» relativamente às formas «altas» da cultura exactamente num período em que se afirmavam por parte das mulheres novas formas de com-portamento e de imagem.

/Com a acentuação dos dois fenômenos — por um lado a crescente entrada das mulheres na vida pública, por outro a expansão da cul-tura de massas — vemos aparecer outras formas de pretensa femini-zação,, Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a cultura de massas dos Estados Unidos pareceu obcecada com a perda de auto-ridade masculina: a banda desenhada representava um marido com metade do tamanho e da força da mulher, armada com o rolo da massa, enquanto a televisão mostrava um papá domesticado, ridículo quando procurava ser viril e empreendedor4. Esta tendência era o

prolongamento do culto de «Mom»*, denunciado por Philip Wylie no seu romance de 1942 Generation ofVipers e analisado por Erik Erikson em Childhood and Society, de 1950. Do nosso ponto de vista não nos interessa tanto o fenômeno em si mesmo — uma vez que no plano factual se poderiam encontrar tendências contrárias — mas como tentativa de lançar sobre as mulheres a responsabilidade das grandes mutações que subtraíam poder à estrutura familiar e patriarcal, Sem atribuir à cultura de massas a capacidade de fomentar conspirações diabólicas, há no entanto que reconhecer a sua tendência para a inversão e a camuflagem dos problemas reais; um exemplo que vai nessa mesma direcção é proposto pelas autoras acima citadas, ao sustentarem que a pressão exercida sobre as empregadas do ter-ciário nos anos 60 para parecerem sexy pode ser explicada como uma necessidade de mascarar sob uma fachada de feminilidade a entrada crescente das mulheres no mercado do trabalho.

Ao lado da tese sobre a equação cultura de massas/feminino desenvolveu-se uma crítica ao sexismo dos meios de comunicação de massas, acusados de privilegiar de vários modos o masculino e os homens5. Sãô inúmeras as análises que apontam nesse sentido e

encontraremos algumas no decurso deste estudo, Também » acusa-ção de sexismo tem momentos de verdade, se adequadamente com-binada com a tese da equação citada, por sua vez reformulada na base de uma crítica dos valores herdados. Se é verdade que a cultura de massas quer reforçar a idéia de uma divisão nítida entre masculino/ /trabalho/social, por um lado, e feminino/tempo livre/natural, por

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outro, como o demonstra uma boa parte da publicidade6, é também

verdade que não nos podemos deter nesse terreno. Numerosos tra-balhos de historiadoras e de antropólogas mostraram que em muitas sociedades de diversas épocas o papel das mulheres não esteve simplesmente confinado à esfera privada ou à esfera da vida situada numa natureza a-histórica7, mas foi exercido precisamente na

char-neira entre o público e o privado, onde as mulheres preencheram uma função de mediação, por exemplo entre a própria família e as instituições da sociedade civil.

lEm conclusão, são mais convincentes as interpretações que con-seguem pôr em evidência a relação contraditória entre as mulheres e o feminino, por um lado, e a cultura de massas, por outro. O que conduz a reconhecer os aspectos de real conexão entre o desen-volvimento da cultura de massas e as formas de emancipação das mulheres ou a permanência de velhas formas de feminilidade. No primeiro tipo de conexão inclui-se a capacidade dos meios de comu-nicação para retomar e relançar discursos de inspiração feminista, • por exemplo na publicidade de «soutiens que libertam» no final dos anos 60, ou das férias como «liberdade de escolher» nos anos 808. No

segundo tipo cabem todas as identificações da imagem feminina com o natural, com o biológico e com a reencamação daquilo que no nosso mundo é representado como «exótico», como «outro» facil-mente integrável no plano do turismo e do look*.'

Mas os produtos da cultura de massas devem ser sempre avalia-dos em função da interacção que com eles estabelece o público. As análises mais úteis são aquelas que conseguem colocar tais produ-tos num contexto activo, como a expansão e a comercialização dos tempos livres de que as mulheres foram pioneiras nos Estados Unidos desde o final do século passado até aos anos 209, ou uma

história do cinema que consente a espectadores e espectadoras oscilarem entre identificações femininas e masculinas em relação a personagens propostas10. Os resultados de tais aproximações são

igualmente interessantes no plano metodológico, m o se trata já de acusar a cultura de massas de conivência com um único sexo, mas sim de caracterizar o modo como ela reformula a subordinação das mulheres, graças também aos seus novos comportamentos e modos de pensar. Ao mesmo tempo, admite-se uma função positiva dos meios de comunicação, porque capazes de propor um conjunto de atitudes que os espectadores podem assumir em relação às mulheres. O gênero sexual não é em tal caso determinado mecanicamente, mas definido com base em atitudes culturais das pessoas reais, de tal modo que, no caso de um filme, as mulheres podem escolher um papel masculino e vice-versa. O importante é que desta maneira se

As revistas femininas — Maric Claire tem uma tiragem de 800000 exemplares — introduzem novos deveres para as mulheres: o cuidado com a pele e com o corpo, o penteado, a maquilhagem e o vestuário, tudo misturado com práticas de iiigiene e novos hábitos. Capa de Marie Claire, 5/3/1937.

• Aparência (N.R.).

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lulheres, criação e representação

restitui aos adores sociais uma certa forma de autodeterminação mesmo que limitada por condicionamentos e pressões, e que nenhum juízo a priori fere indiscriminadamente a cultura de massasi

Por conseqüência, pode perguntar-se em que medida respostas e reacções do espectador dependem do seu gênero sexual, e não de um conjunto de fadores em que o sexo se conjuga com elementos como classe, raça e geração. Mais uma vez avaliação deve ser circuns-tanciada^ em certos períodos e lugares prevalecerá a consciência do sexo a que se pertence, por sua vez influenciada por heranças inconscientes de outra natureza. Além do mais, devem ser tidas em conta as inversões próprias da cultura de massas a que fizemos alusão. Já se sustentou, por exemplo, que o desafio do movimento das mulheres à visão masculina da sexualidade feminina — desafio que se propagou nas metrópoles dos últimos trinta anos — tomou possível a produção e o consumo de novos tipos de romances de grande difusão, definidos como «pornografia para mulheres»11. Ou

então, a observação de que a imagem «emancipada» da publicidade mais exclusivamente dedicada às mulheres na nossa sociedade, a dos pensos higiênicos, esconde uma retoma do folclore e dos seus tabus que insiste, de um modo subtil, no sentimento de culpa, ao contrário do que tenta fazer crer12.

A cultura de massas, comparada por Adorno com a rainha da história da Branca de Neve, obtém sempre a mesma garantia do espelho mágico do narcisismo, que estimula e simultaneamente usa como contexto. A investigação histórica desengana-a, desvendando de tempos a tempos as conivências com as idéias dominantes do masculino e do feminino, mas também a influência que sobre elas exercem as novas idéias a esse propósito. Em última análise, a for-tuna da cultura de massas depende das escolhas de mulheres e homens que estão redefinindo a combinação entre feminino e masculino corporizada por cada indivíduo.'

Modelos culturais

para os consumos de massa

Embora tenham as suas raízes no século anterior, os processos de produção e distribuição de massa, num sistema industrial que cria produtos de série destinados a um mercado tendencialmente muito amplo, envolvem as mulheres sobretudo a partir do final do século XIX. No período entre as duas guerras o fenômeno acentua-se e ace-lera-se, pelo menos no que diz respeito ao mundo europeu e norte--americano, com diferenças importantes de nível e de desfasamento no tempo não só entre os diversos países mas também entre regiões e classes sociais no interior do mesmo país.

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O que significa a transformação das mulheres em massas? Muitas coisas, de que evocaremos apenas algumas. Só em parte o processo assume a forma da arregimentação de fábrica ou de escritório, como acontece com os homens. Na medida em que isso aconteceu, deve no entanto ter em conta a massificação proposta na esfera privada e doméstica. Os modelos avançados no início do nosso século em países como os Estados Unidos da América insistem especialmente na modificação e uniformização de aspectos cruciais da mulher tradicional e dizem respeito ao cuidado da casa e da. própria pessoa.

, À nova dona de casa, capaz de racionalizar o trabalho domés-tico em tempo e em rendimento, apresenta-se como complementar ao homem na produção extra-doméstica, onde ocorrem os mesmos processos de uniformização e de parcelização'3. O funcionamento

da casa deve ser assimilado e integrado na oiganização da socie-dade. A partir dos anos 20 assiste-se a uma verdadeira proposta de «taylorizar»* o trabalho doméstico, com a oferta de electrodomés-"ticos e de novos equipamentos. Ó que é verdade não apenas para

os Estados Unidos, mas também, por exemplo, para a França, pelo menos a nível de protótipos, como demonstra o Salon des Arts Ménagers, criado em 1923 e em pleno desenvolvimento a partir de 1926'4. Sabemos que propostas deste gênero devem sempre ser

apreciadas à luz da realidade, mas um aspecto importante é que elas alteram muitas vezes os modelos e as ideologias, mesmo quando se não podem pôr imediatamente em prática.

it-Doravante, a dona de casa deve ser tanto consumidora como

administradora da casa. Fica portanto com a responsabilidade de controlar o consumo, que se torna uma actividade a organizar e pla-nificar rigorosamente, incluindo compras a prestações e projectos de longa duração, À esta luz é compreensível o domínio material e imaginário que nos Estados Unidos têm os grandes armazéns, sobretudo no seu período de ouro (1890-1940). Eles desenham um novo tipo de espaço público para as mulheres americanas, um lugar de recreação e de sociabilidade e não apenas de consumo, onde as mulheres podem desempenhar certos papéis de autoridade como clientes ou chefes de sector. Em tal âmbito, a cultura empresarial, a cultura burguesa urbana (de clientes e directores), a cultura das classes trabalhadoras (as vendedoras) e Finalmente a cultura das mulheres, transformada mas não destruída pelo processo em curso, çonfluem para formar uma nova cultura de massas".'Esta última pode ser designada deste modo, embora não abranja ainda a totalidade das mulheres mas sobretudo as das classes médias e altas, pela sua

* Referência ao taylorismo, sistema de ofgamzação do trabalho, desenvolvido por F. W. Taylor, que racionalizou os processos de trabalho, looarendD i máxima mecani-nção e diminuindo os tempos mortos (NJL).

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lulheres, criação e representação nnina que usa a

ida recorta-se,

lum fundo de montanhas, a também do espaço do As revistas italianas iculam elementos lente tradicionais e i. 1941, Milão, Moda.

tendência intrínseca a expandir-se para todas as classes graças à pressão do mercado.

À nova mulher americana é também exigida uma aparência física particularmente cuidada, segundo uma redefinição do ideal de femi-nilidade em que a indústria cosmética tem influência determinante16,

tal como a indústria dos vários produtos higiênicos (o primeiro penso Kotex aparece esm 1921 no mercado americano). Também aqui o carácter de massa é anunciado por uma versão do princípio da igual-dade de oportuniigual-dades e da democratização: todas as mulheres podem aceder à beleza se nisso se empenharem suficientemente. A unifor-mização da aparência feminina (e da própria idéia do feminino, uma vez que a transformação proposta é ao mesmo tempo exterior e inte-rior: saber maquilhar-se inclui «encontrar-se a si mesma») estende--se mesmo às mulheres negras, cujo sucesso pessoal depende de cabelos desfrisados e pele aclarada. No entanto, deve recordar-se que existe uma diferenciação entre as diversas classes e idades, dado que as mesmas firmas produtoras visam cuidadosamente as diversas fatias de mercado.,

Tais processos apoiam-se largamente nos meios de comunicação de massa, como os periódicos, a publicidade, o cinema; e é sobretudo este último que reforça a «cultura da beleza». Nos anos 20 e 30 saem dos estúdios de Hollywood imagens femininas de grande carisma, encarnadas por actrizes que foram definidas como precursoras das reivindicações de independência das mulheres17. Também aqui

é interessante notar que algumas das personagens femininas mais completas emergem como produto de uma convergência — típica da produção de massa — de fenômenos muito diversos: a tecnologia de Hollywood, as características promocionais do studio-system*, uma visão do mundo sexista, mas capaz de integrar o desejo de afir-mação de muitas mulheres.

O vedetismo foi mesmo a principal correia de transmissão dos modelos norte-americanos na Europa do período entre as duas guerras. Os filmes ofereciam lições práticas de moda, de maquilha-gem e de comportamento, num período em que tudo aquilo que era inovador e moderno se identificava com os Estados Unidos18. A

promoção de um novo tipo de mulher ligada ao mundo do consumo teve, segundo alguns, uma influência emancipatória, pelo menos até à Segunda Guerra Mundial,"pelo facto de apoiar comportamentos e relações sociais por parte das mulheres mais livres do que no pas-sado". De um modo mais genérico, Edgar Morin (1957) sustentou que a influência das stars pôde encorajar tanto um recuo narcísico como uma afirmação de si20.

* Sistema de produção cinematográfica dominado pelas directrizes dos grandes estúdios (N.R.).

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lulheres, criação e representação

No velho continente, os processos de modificação do trabalho doméstico e da imagem feminina estavam em curso de um modo autônomo em conseqüência das grandes mudanças econômicas e de consumo induzidas pela Primeira Guerra Mundial. Se tomarmos

como referência» França, país medianamente desenvolvido na época,

encontramos tendências tais como a exigência do trabalho fora de

casa, mesmo para as mulheres da burguesia31. A necessidade de

sim-plificar as tarefas domésticas conjuga-se com a introdução da elec-tricidade e a adopção generalizada do gás, promovendo uma

evolu-ção que se destaca do universo tradicional entre 1927 e 1932, apesar

da crise econômica. Na década seguinte emerge — sobretudo em

Paris — um novo modo de vida que inclui uma atenção inusitada à

higiene da casa, a alteração dos hábitos alimentares (das refeições

de longa e complicada preparação às refeições de queijo e crudités*),

a diminuição do número de criadas. Em 1939, o progresso técnico

da casa limita-se aos pequenos aparelhos. Mas a imagem da casa

mudou, bem como a da mulher* que à noite deve aparecer sorridente e atraente, bem vestida e maquilhada. Em suma, mudaram aspectos culturais fundamentais, mesmo que apenas no âmbito de uma visão ideológica do papel feminino. Não foi por acaso que a indústria de cosméticos se impôs também em França no decurso dos anos trinta. A imprensa feminina reflecte e ao mesmo tempo estimula estas mudanças. Em 1937, a nova revista Marie-Claire, com uma tiragem de 800000 exemplares, põe os tratamentos de beleza ao alcance das francesas dos meios populares22. O seu preço módico faz dela a «Vogue dos pobres», «democratizando», também neste caso, aquilo

que antes apenas era acessível às mulheres de um estrato social mais abastado. O ideal de energia, alegria, higiene, assim como uma gra-ciosa coqueteria e uma forma de independência, não segue apenas o exemplo americano oferecido por Bette Davies e Katharine Hepburn, mas representa uma interpretação das novas necessidades que utiliza a tradição francesa do fascínio e da liberdade da mulher. É interes-sante recordar que, apesar da predominância do modelo americano, a cultura de massas usa a referência constante a um modelo «outro», inacessível; no período entre as duas guerras ele é certamente, para a publicidade mericana, o modelo da mulher francesa, a ponto de muitos dos produtos americanos serem apresentados como uma recuperação de práticas oriundas de Paris.

No final da década de 1930 afirmam-se, em França, formas típi-cas de meios de comunicação de massa dedicados às mulheres: a partir de 1938 aumenta e generaliza-sé o correio do coração; do mesmo ano data Confidences, que adopta uma nova fórmula. Reco-nhecendo a solidão das mulheres, o jornal abre as suas páginas a

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confidências que se mantêm anônimas, mas permitem uma circulação de relatos autobiográficos que deixam transparecer o sofrimento das mulheres no decurso das grandes mudanças já evocadas. Em 1939

Çonfidences consegue ultrapassar largamente o milhão de

exem-plares23. Todos os processos descritos experimentarão uma fase de

interrupção durante a guerra, mas serão retomados e desenvolvidos na sf gimda /inc anos 40 e na década seguinte.

É interessante considerar o que, no mesmo período entre as duas guerras, se passa num país como a Itália, que se diferencia dos dois até agora abordados não só por um diferente nível de desenvolvimento econômico—dada a sua peculiar mistura de grave atraso e de indus-trialização avançada —, mas também por um regime autoritário e por uma débil tradição democrática. Em Itália, as propostas de ino-vação do papel feminino dispunham-se ao longo de um eixo contra-ditório, e todavia funcional, em relação à ordem constituída, embora não sem conflitos. As propostas do regime fascista balançavam entre a uniformização das mulheres nas suas organizações de massa (até mesmo no sentido literal, graças ao uniforme que vestiam) e a construção da dona de casa, «esposa e mãe exemplar»24, capaz de

suportar todo o peso que uma política de expansão demográfica c imperialista comportava. A mulher devia modernizar-se, mas também produzir muitos filhos e providenciar a alimentação e o vestnrio para toda a família com os recursos de uma economia autáicica: fibras de giesta e de urtigas em lugar do algodão, lanital* em vczdc lã, lenhite em vez de carvão. A essas contradições juntavam-se as que eram próprias de um país de tradição fortemente católica, onde a Igreja de Roma via com maus olhos a integração dos jovens e das mulheres nas organizações fascistas — apesar do apoio da hierar-quia eclesiástica ao regime — e criticava asperamente aspectos como o desporto praticado pelas mulheres, comparando-o aos diver-timentos, à libertinagem e à «frivolidade» que atraíam a mulher para fora do lar23.

A funcionalidade destas indicações contraditórias — pelo menos das duas primeiras, as que podemos definir como saídas do processo de modernização capitalista e as sugeridas mais directamente pelo regime autoritário — fica demonstrada na prática da sua realização. É evidente que a mulher italiana não podia ser consumidora e admi nistradora de recursos comparáveis aos das americanas e das france-sas (considerando as diferenças sociais e regionais internas dos vários países). Aquilo que se afirmava era sobretudo uma forma de modernização repressiva, cujos custos eram largamente suportados pelas mulheres, quer das classes trabalhadoras (pela compressão dos salários e pela severa disciplim industrial), quer das classes n i f o

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(pelas crescentes prestações exigidas à nova dona de casa). Do con-junto de mutações parciais, que incluíram, na segunda metade dos anos 30, maior assistência social e mais tempo livre mesmo para as classes trabalhadoras mas que aconteciam no quadro institucional da ditadura, resultava uma mudança profunda nas relações entre o público e o privado.

Assistia-se a uma invasão da esfera privada pelo poder público, que para as mulheres implicava, não só o afrouxamento dos vínculos familiares, ou pelo menos um conflito em relação a eles (a nova ita-liana das manifestações políticas e desportivas nem sempre benefi-ciava da aprovação de pais e irmãos, e até mesmo da mãe, se esta fosse uma católica devota), mas implicava também colocar a própria capacidade reprodutora à disposição do Estado, que evidenciava como nunca o tinha feito antes a função pública das mães, ainda que de um modo perverso e contra as resistências das mulheres26. Se o

privado era manipulado, o público perdia as suas características de esfera de troca de opiniões livres para se tomar cada vez mais um domínio gerido por administrações e corporações; ao mesmo tempo, a fronteira entre o público e o privado deslocava-se sob a pressão de uma publicidade política e comercial que tendia a condicionar as escolhas dos indivíduos. Esses fenômenos assemelhavam-se, embora com as suas especificidades, aos processos de modernização em curso nos sistemas democráticos, e antecipavam as grandes mudanças na relação público/privado que viriam a dar-se depois da Segunda Guerra Mundial, inclusive na Itália.

O que acontecia ao indivíduo-mulher no decurso de tais processos de massificação pode ser intuído a partir de um romance que repre-senta um caso particular no panorama italiano da época: Nascita e

morte delia massaia, de Paola Masino. Escrito em 1938-39 e

recu-sado, já em provas, pela censura fascista, que o considerou «derrotista e cínico», o livro conta uma história de mulher que começa pelo conflito com a mãe na época da infância e da adolescência. A filha, «poeirenta e sonolenta», está obcecada pela sua busca de saber: «Tudo tem uma razão e eu devo descobri-la»; é entravada e vili-pendiada pela mãe, a tal ponto que a pequena Massaia se fecha durante anos dentro de um baú. Por fim cede, e aceita «experimentar» — para dar prazer à mãe — «uma vida normal» em vez de prosseguir «na sua verdade». A mãe, feliz, descreve-lhe a sorte que a espera: «Far-te-ei um belo vestido, levar-te-ei a um cabeleireiro, serás lavada, maquilhada». Massaia* casa-se e toma-se o que dela se espera, ocupando-se obsessivamente da casa, bem como dos seus compro-missos sociais e políticos, até obter o «diploma de cidadã benemé-rita» e ser «proclamada Exemplo Nacional». A narração usa tons

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\STI SPl MANTE m m ^

Em Itália, as revistas femininas são um grande negócio: em algumas delas a publicidade supera 50% do conteúdo total. As imagens publicitárias convidam a sonhar, promovem a identificação e novos valores e normas.

grotescos e por vezes surrealistas, que acentuam a ironia da reali-dade social. O mal-estar de Massaia e as suas revoltas, sem esquecer a hipérbole com que afronta tudo isso, aparecem continuamente lado a lado. Citarei um único exemplo, onde Massaia manifesta a sua nova obsessão pela higiene, precisamente ela que outrora, «inculta», negligenciava a limpeza. De um começo que faz lembrar a publicidade sobre a nova dona de casa,

deslizando suavemente sobre o pavimento brilhante como um espelho [...] com as belas saias brancas abertas em tomo dela como velas,

passa-se para a descrição das tentativas que faz para verificar, com as pontas dos dedos, se ainda restam traços de poeira no pavimento. Finalmente, para um exame mais apurado, Massaia

não teve pejo em lançar-se de joelhos e lamber escrupulosamente o pavi-mento duas ou três vezes. A língua deslizava para a frente e para trás no mármore brilhante e um odor picante, como o do mosto, subia das juntas das lajes; um fermento gelado, uma vaporização de morte mineral, um formigueiro de germes estelares, o anúncio de embalsamados universos. A ponta da língua, feita em gelo, tinha-se soldado ao pavimento, mas a mulher permaneceu assim, com o rosto no chão, a cheirar e a respirar o sopro da pedra27.

Entre as alterações na relação entre o público e o privado inserem--se os fenômenos da cultura de massas propriamente dita. Nos anos trinta alarga-se enormemente, também em Itália, o público radiofô-nico, que passa dos 27000 assinantes de 1926 para os 800000 de

1937. Ao mesmo tempo multiplicam-se as publicações destinadas às massas e não apenas as dos periódicos das organizações fascistas, cuja tiragem atingia centenas de milhares de exemplares. No período 1930-1938 nascem cinco das mais importantes revistas femininas que irão permanecer depois da guerra (Rakam, Annabella, Eva, Gioia,

Graziá), algumas das quais ainda hoje existem. Nessas revistas

encontra-se a presença conjunta dos elementos reaccionários e dos elementos progressistas da política fascista a respeito das mulheres; em comparação com os anos vinte, há uma intensificação e uma expansão dos espaços publicitários, incluindo a propaganda dos produtos autárcicos. Os periódicos de massa destinados ao público feminino não conseguem apagar a divisão em classes; os que se destinam aos estratos sociais mais baixos utilizam uma linguagem simples e acessível, já que não devemos esquecer que no período entre as duas guerras a grande maioria das mulheres italianas é «semi-analfabeta»28; em 1921, o analfabetismo feminino atinge 30,4%

contra 24,4% do masculino29. Todas as revistas contêm rubricas sobre

o amor, os trabalhos domésticos, a família, a religião, a cozinha, os horóscopos, os sonhos. Algumas, como Cinema Ubtstraáone, incluem indiscrições sobre a Cinecittà (estúdios cinematográficos italianos);

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ao lado das estrelas aparecem (por exemplo em Eva) as personagens da Casa Real e o Duce com a sua Família. A narrativa apresenta figuras como a mãe heróica que não chora se o seu filho morre na guerra, antes lhe aponta com firmeza a defesa da pátria, mas também costureiras, empregadas, mulheres desportivas empenhadas nas corridas fascistas, com papéis de protagonistas por vezes heróicas, como no caso dos romances sobre o novo colonialismo italiano; de qualquer maneira papéis mais activos, embora de um modo ambíguo, se comparados com o sacrifício silencioso tradicional.

Também em Itália, tal como se observou já em França, a Segunda Guerra Mundial interrompe processos que serão retomados visto-samente nos anos cinqüenta. Tal retoma é sobretudo evidente no que respeita à imbricação entre modelos culturais e consumo. Apenas nos anos cinqüenta se realizará plenamente em Itália o modelo do consumo de massa, com o acesso de um número crescente de utentes a bens como os televisores, os electrodomésticos, o automóvel. As mulheres terão uma função de leadership* no campo dos novos con-sumos, que incluirão amplamente o campo da cosmética mas também o da higiene, o do vestuário e o da casa. Tomou-se famosa a análise do sociólogo Alberoni sobre o significado para as jovens da Itália meridional da preferência pelas novas camisas de noite em mate-riais sintéticos e transparentes em detrimento das do enxoval tra-dicional:

Que sentido têm para uma rapariga as novas camisas de noite que ela viu num filme? Adoptá-las, ou mesmo só pensar nelas é coisa que implica a revolta. O enxoval na sociedade estacionária é fixo e imutável [...] é a expressão, com a sua cor branca e a austeridade das suas peças de roupa íntima, dos deveres austeros, e dos valores comunitários ligados ao casa-mento. Comprar uma tal camisa, preferi-la à outra, é uma revolta; é, de súbito, retirar ao enxoval todo o seu valor patrimonial e por conseqüên-cia alterar a forma-institucional do dote [...] nos consumos femininos exprime-se a conquista de uma igualdade de valor relativamente ao homem. Mais do que o homem, a mulher tem a necessidade de se sentir uma cidadã de novo direito na nova sociedade30.

Pode ser discutível atribuir ao consumo uma tal força de inser-ção numa comunidade moderna e mundial, em ruptura com as comunidades locais e tradicionais; poder-se-á hoje, à distância de quase trinta anos, moderar a euforia das análises observando os limites da emancipação do gênero. No entanto, essas análises resis-tem nas suas grandes linhas e no seu significado de fundo, recor-dando-nos a importância de considerar o contexto histórico e geográfico das mudanças culturais para as poder avaliar de um modo apropriado.

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Apocalipse e integração

No debate entre especialistas da cultura de massas aparece desde há algum tempo a oposição que Umberto Eco definiu em 1964 «entre apocalípticos e integrados», advertindo que a fórmula não sugeria uma aporia, mas combinava duas atitudes complementares. adaptáveis aos mesmos críticos, e antes ainda à cultura de massas. Também os intérpretes do apocalipse, que a consideram como uma catástrofe para os valores culturais, prometem sobre um tal fundo uma comunidade de super-homens. Mas isso está já implícito no objecto criticado: típica da cultura de massas, segundo Eco, foi sempre a tendência para fazer cintilar aos olhos dos utentes, a quem se pede uma «mediania» disciplinada, o sonho do super-homem que poderá um dia nascer de cada um de nós, dadas as condições exis-tentes e precisamente graças a elas31.

A indicação mais preciosa que emerge desta análise confirma o que várias vezes encontrámos no decurso do parágrafo precedente: a dualidade de produções culturais que de vez em quando alimentam grandes esperanças de inovação, dando afinal respostas em perfeita conformidade com o respeito pela ordem estabelecida. A duplici-dade depende das condições históricas em que se deu a ascensão das classes subalternas à participação na vida pública; elas tomam-se protagonistas, mas sem poderem decidir sobre os modos de se divertir, de pensar, de imaginar, propostos ao invés pelos meios de comunicação de massa. Tudo isto se acentua mais se tomarmos em consideração os pontos em que a história das mulheres se cruza com questões idênticas.

Para o evidenciar escolhi um domínio específico: o da imprensa feminina, por um lado porque é um dos sectores mais documentados, em especial nos países até agora abordados, e por outro porque isso faz parte de uma história longa e muito significativa para as mulheres. Convirá recordar, de facto, que a partir do século XVII a cultura europeia admitiu as mulheres na esfera pública no plano da literatura e do espectáculo (o romance, o teatro), mais do que no da política. A imprensa feminina tem portanto, de uma maneira mais continuada do que outros sectores, como o cinema, um relevo no plano histórico e teórico que não é reduzido pelas suas numerosas ambigüidades. Antes de nos aventurarmos num excurso pela imprensa feminina de massas, é útil situá-la, ainda que muito brevemente, num contexto mais amplo e frisar que o fenômeno diz respeito às civilizações da Europa e da América do Norte. A nível mundial, os dados sobre o analfabetismo das mulheres para o período considerado neste parágrafo são impressionantes: cerca de 40% em 1970, contra 28% dos homens, com pontas de 83% em África (e 63% para os homens), de 57% na Ásia (37%), de 85% nos estados árabes (60%). Para

O desenvolvimento da imprensa feminina adquire dimensõu surpreendentes. Nela, além da cozinha, costura, malha, maquilhagem e roupa, abrem-se secções sobre a educação dos filhos e de correio das leitoras, onde as mulheres exprimem as suas preocupações.

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todas estas mulheres — que são mais de um terço das mulheres do mundo inteiro — a imprensa tem na verdade pouca importância; menos de um quarto vê televisão; o público feminino mais vasto a nível mundial é o da rádio. Mas a história das mulheres tem até agora produzido menos no sector radiofônico que no da imprensa.

Estas considerações podem ser úteis para redimensionar os termos «massas» e «de massa». Chamámos a atenção para o facto de que eles têm um valor no plano das potencialidades; devemos acrescentar que não se referem apenas, no uso corrente, a aspectos quantitativos, mas também a aspectos qualitativos. Queremos com isso dizer que a cultura de massas não é produzida por intelectuais e que é destinada a uma massa social, ou seja, um aglomerado aparentemente não diferenciado em classes e áreas geográficas. Ao lado das culturas clássicas, radicadas num povo particular, a nova forma cultural parece nascida dos meios de comunicação de massa, sem raízes locais definidas".

Voltando à imprensa feminina, ela aparece no final do século XVn (o Lady's Mercury nasce na Inglaterra em 1693), mas os aspec-tos de massa manifestam-se no final de oitocenaspec-tos. Expressam-se claramente pela primeira vez em 1886, quando Laura Jean Libbey propõe a um jornal americano «histórias de amor jovens, puras, inte-ligentes [...] histórias para as massas»33. A expansão produz-se nos

anos entre as duas guerras, mas sobretudo no segundo pós-guerra, quando a imprensa feminina se toma um sector «gigantesco» que contará com dezenas de milhões de leitoras34. Esta mesma difusão

alarma rapidamente os «apocalípticos», cujos olhos detectam a típica presença simultânea de arcaico e de grande escala que já tinham notado nos anos trinta os críticos da massificação, de Ortega y Gasset a Horkheimer.

Quando Gabriella Parca publicou, em 1959, Le italiane si

con-fessano (As italianas confessam-se), uma antologia de 8000 cartas

recebidas nos três anos anteriores no correio dos leitores ou correio do coração de dois semanários ilustrados, L'Osservatore romano (o diário do Vaticano) expressou grandes preocupações pelo facto de tantas mulheres parecerem agora preferir o correio dos periódicos femininos ao confessor. O livro revelava dúvidas, medos, obsessões, insatisfações, e ao mesmo tempo dificuldade em mudar, das mulheres italianas, não como espelho fiel do costume social — se acaso ele existe — mas no interior de um específico reino do imaginário que era o mundo da fotonovela. A linguagem era da mesma natureza e era utilizada sobretudo para exprimir um dos caracteres nacionais na

sua forma feminina: a obsessão pelo sexo, acompanhada pela igno-rância do próprio corpo, mais ainda do que pelo encontro com um outro corpo. Todo o conjunto mostrava o cruzamento entre velho e

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novo em que as italianas viviam, penosa mas vigorosamente. A terceira edição do livro foi publicada em 1966, com um prefácio de Pier Paolo Pasolini, a quem não escapou que cada carta continha uma idéia «para um conto ou para um filme», isto é, para o mundo que emprestava a linguagem às novas confissões. Mas também ele se deixou levar por uma misoginia de tipo apocalíptico, confundindo a reescrita operada pelas redacções das revistas com o sinal de um nivelamento lingüístico produzido pela cultura de massas, e interpre-tando-o simplesmente como uma «incrustação superficial de moder-nidade», sob a qual «nos encontramos imediatamente em estratos de civilização inferior», onde campeia a «tendência feminina para o conservadorismo»35.

As atitudes a respeito da imprensa feminina, sobretudo a de grande difusão, reflectem o mal-estar dos investigadores e das investigadoras progressistas que sobre ela se debruçam analiticamente; mas nas últimas décadas houve uma súbita evolução. No início dos anos ses-senta abandona-se o desprezo pelas formas de cultura de massas e começa-se a considerá-las com interesse; contudo, mantêm-se os sinais de uma atitude muito crítica. Mesmo Evelyne Sullerot, embora muito atenta aos aspectos positivos da imprensa feminina, fala de «uniformidade na futilidade e na mediocridade»36, reconhecendo logo

em seguida a responsabilidade dos intelectuais, o seu snobismo e o seu medo da quantidade. Sullerot admite que o público feminino é o mais conservador que existe, mas lembra também que as mulheres lêem muito e, no que respeita aos meios populares, mais do que os homens. A moral estabelecida, que a imprensa de massas respeita com um leve distanciamento, parece ser a única que garante às mulheres uma certa segurança.

Dez anos depois, uma intérprete «apocalíptica», Anne-Marie Dar-digna37, reprovar-lhe-á a excessiva «integração» contrapondo uma

crítica áspera ao caracter mistificador da imprensa feminina. Nessa imprensa, a mulher ideal aparece como passiva, disponível, corrupta, interessada em manobrar os homens, considerados apenas como maridos. Segundo Dardigna, a mensagem é nitidamente distinta con-forme a classe a que é dirigida: às mulheres dos estratos sociais modestos os periódicos femininos propõem uma ideologia norma-tiva e sem apelo; às dos estratos abiastados ou médios propõe-se uma interacção permanente com as revoltas reais das mulheres, habil-mente recuperadas. As revistas femininas sugerem sempre que a libertação das mulheres está em marcha, e mesmo quase consumada. A influência opressiva da imprensa feminina é, nesta análise de valor, inestimável para o poder estabelecido, uma vez que contribui para manter um horizonte no qual a palavra é desviada do real: a formulação da «miséria» feminina e da revolta radical que ela pode gerar nunca aparece como verdadeiramente possível.

A supressão do divórcio é recusada em Itália, em 1974, por 59% dos votos. Na imagem, uma defensora do divórcio. Alguns autores assinalam a influência que a imprensa feminina teve na formação de opinião. Roma.

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Estes tons apocalípticos, que trazem um eco de 1968 e do femi-nismo do início dos anos setenta, não são de rejeitar completamente. A sua principal debilidade é a ausência de perspectiva histórica, mas os estudos sobre as mulheres conservarão alguns ecos da sua crítica. Em meados dos anos setenta, também em Itália se iniciou uma via que combina a abordagem histórica com a crítica da ordem patriarcal. São postos em evidência, como Sullerot tinha de resto começado a fazer, os interesses econômicos em causa: em Itália, a imprensa feminina é o ramo mais sólido e florescente da indústria cultural de massas, tanto que em muitas revistas a publicidade supera 50% do total (de 1953 a 1963 o número de páginas a ela consagrado aumen-tou para o dobro, em certos casos para o triplo). Nas publicações femininas, a publicidade custa quase uma vez e meia mais do que nas dirigidas a um público misto38. Na realidade, também o público

da imprensa feminina é misto, calculando-se que tenha cerca de vinte milhões de leitores, 30% dos quais são homens. Toda esta enorme fatia de mercado é controlada por um oligopólio: quatro grupos editoriais possuem mais de três quartos dos títulos39. Por outro

lado, acentua-se a consciência do papel da mulher na produção cultural e sublinha-se a importância do processo que leva as mulheres que operam em sectores como o da informação a tornarem-se mais numerosas e mais solidárias entre si40.

Particulaimente difícil é enfrentar a produção mais popular no interior desse universo que é, na Itália do segundo pós-guerra, a fotonovela, fenômeno de grande expansão, mas também exemplo de obstinada permanência ideológica. Na realidade, ela nasce de uma inovação, embora híbrida: combina de facto as técnicas do cinema e da fotografia com a banda desenhada, enxertando-as na tradição do folhetim. Conhecerá uma ampla difusão na imprensa feminina latina (incluindo a América do Sul), mas aparece em Itália em 1946, inicialmente com gravuras desenhadas (Grand Hotel) e depois, em 1947, com fotografias (Bolero film, Sogno). Segundo parece, no início da sua história a fotonovela teria encontrado ainda lugar no âmbito comunitário (como teria mais tarde acontecido com a televisão): nas aldeias mais recônditas, ao domingo, alguém lia em voz alta os diálogos, enquanto as pessoas que pouco ou nada sabiam ler (por exemplo as anciãs) seguiam a história através das imagens41. Em

seguida teria prevalecido a leitura solitária e a feminização, no entanto nunca total, do seu público. De 1946 até ao final dos anos setenta foram produzidas em Itália pelo menos dez mil fotonovelas, particularmente difundidas entre os jovens; os títulos incluíram versões reduzidas de grandes romances como / promessi sposi* e

Tess d' Urbervilles. Dadas as características do meio e da sua fruição,

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que acentuam a separação da realidade em favor da evasão, a presença da publicidade é muito escassa; os temas predilectos continuam a ser a infelicidade secreta das personagens famosas, as vicissiiudes dignas de compaixão ligadas à maternidade e à infância, os destinos radiosos da gente comum42.

Da desvalorização «apocalíptica» de tais publicações passou-se ao reconhecimento de que elas respondiam a uma «necessidade profunda» e eram capazes de exercer «uma função na economia psíquica», como momento de jogo43; ou então a considerá-las não

apenas como momentos de evasão, mas também de afinação da sensibilidade44. Esta mudança insere-se numa nova perspectiva

his-tórico-política que controla por exemplo a posição a favor do divór-cio de algumas importantes revistas femininas (como Grand Hôtel,

Cosmopolitan, Amica, Annabellá), por ocasião do referendo que

pretendia a sua revogação, rejeitada em 1974 por 59% de votos. Alguns comentadores atribuíram essa escolha a considerações de mercado; reaparecia pois, de uma forma nova, a conexão proble-mática entre o mercado e o consumo, por um lado, e a emancipação, por outro.

As mais interessantes tentativas para conciliar a crítica apoca-líptica e a perspectiva historicizante da integração ocorrem na década de oitenta, em particular com as análises sobre a produção massificada de fantasias para as mulheres nos Estados Unidos. Não se traçou apenas uma linha de derivação histórica que liga a produção em massa de romances de amor (tipo Harlequin, iniciados em 1958 em Toronto e que atingiram, em 1977, uma difusão de cem milhões de exemplares) ao romance sentimental dos séculos XVIII-XIX, através da Pamela de Richardson e das obras das irmãs Brontê e de Jane Austen45. Investigaram-se também os mecanismos psicológicos que

esclarecem a predilecção de muitas mulheres por tal literatura. Tania Modleski pôs em relevo inversões — graças às quais, por exemplo, o desejo de ser tomada à força é apenas um conteúdo expresso sob o qual se esconde a angústia da violação e o desejo de poder e de vingança (conteúdo latente) — e propôs interpretações que apro-veitam a experiência feminista. A esta luz, o «acto de desaparecer» que as mulheres praticam quando lêem a literatura de evasão sugere que elas desejam, na realidade, ser vistas de um modo novo. Janice Radway insistiu na importância, por parte de quem interpreta, de não relegar as leitoras para a passividade e para a impotência. A investigadora reconhece a duplicidade de actos que incluem a momentânea recusa do papel social de abnegação, mas também a compensação que permite redefinir um espaço e não contestai esse papel. Sublinha no entanto que em última análise os textos são escolhidos, comprados, concebidos e usados por pessoas que iowestem

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estratégias intapretalivas. A comunidade de leitoras — e de autoras — que assim idealmente se constitui deve no entanto submeter-se à mediação da ocganização capitalista, que inclui a distância entre elas e entre os seus desejos de mudança e de aceitação.

Apesar das diferenças que revelam entre si, as perspectivas que orientam estas análises da imprensa feminina podem ser alargadas a outros sectores da cultura de massas. Modleski aplicou também o seu método às soap operas*, condhmido qae a fantasia de uma família extensa não está de modo algum em contradição com o discurso feminista, o qual pode assim retomar e reelaborar um desejo de comunidade qae desafia os valores tradicionais mesmo quando parece reafirmá-los. A um olhar sem preconceitos a cultura de massas pode ainda reservar algumas agradáveis surpresas, como aconteceu a Milly Buonamo, numa análise dos programas italianos de televisão, no início dos anos oitenta. A investigação demonstrou que as críticas endereçadas aos programas de carácler informativo-cultural eram as mesmas que eram detectadas em investigações idênticas sobre a televisão nos Estados Unidos: desvalorização e distorção da figura feminina em relação à masculina. Mas nos programas de fiction** descobriu-se, quase com estupefacção por parte da investigadora, que a relação homem/mulher não era de modo algum refigurada como de domínio, e que uma pluralidade de identidades femininas emergia. A fiction alimenta os processos de diferenciação dos per-cursos femininos, propondo modos variados e legítimos de ser mulher, abrindo espaço a uma transformação dos velhos papéis e estereótipos'".

Do conjimto deste excurso pode extrair-se uma brevíssima refle-xão. Nunca como hoje parece abrir-se a um número crescente de mulheres a possibilidade de serem sujeitos em sentido pleno, quer individualmente quer de um modo associativo. O processo parece longo e complexo, quer no que respeita à plena realização das esperanças de emancipação e descoberta de si nos países do Norte quer no que respeita à invenção e alargamento dos processos de libertação adequados à maioria das mulheres do planeta. Não é necessário, mas paradoxalmente aconteceu t ainda acontece, que os processos de auto-afirmação passem pela massificação e pela uniformização. Mas estas, por uma ironia freqüente na história, podem muito bem produzir o seu contrário.

[Traduzido do italiano por Egito Gonçalves.

Revisão científica de Guilhermina Mota] * Ópera de aabão. Nome por que fiavam conhecidas as telenovelas nos Estados

Unidos (NJL).

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Notas

As referências completas estão assinaladas na bibliografia. 1. Tânia Modleski, 1986.

2. Molly Haskell, 1987, e Airn Treneman, 1988. 3. Aodreas Huyssen, 1986.

4. Barbara Ehrcnrcich e Deirdre English, 1979. 5. Kjtfa Ltaviet, lulieaoe Dickey, Teresa Stratford, 1987. 6 JudiA Williamson, 1986.

7. Gianna Pomaía, 1984.

8. Lonaine Gartunan, Margaret Marshment, 1988. 9. Kathy Peiss, 1986.

10. Jadrie Stacey, 1988.

11. A vis Lewallen, 1988, a propósito das análises de Lace de Shirley Conran. 12. Ann Treneman, 1988.

13. Gabriella Tumaturi, 1979. 14. Françotse Wemer, 1984.

15. Susan Forter Benson, 1986, William R. Leach, 1984. 16. Kathy Peiss, 1988. 17. Molly Haskell, 1987. 18. Victoria DeGrazia, 1989. 19. ld., 1987. 20. Edgar Morin, 1957. 21. Françoisc Wemer, 1984. 22. Evelyne Sullerot, 1963. 23. Ibid. 24. Piero Mektini, 1975. 25. Elisabeoa Mondello, 1987. 26. IvUisa Passerini, 1984. 27. PaoU Masino, 1982, p. 183. 28. Laura Lilli, 1976. 29. Elisabenà Mondello, 1987. 30. Francesco Alberoni, 1964, pp. 38-43. 31. Umberto Eco. 1964. 3 1 Edgar Morin, 1962. 33. Evelyne Sullerot, 1963, p. 129. 34. Milly Buonanno, 1975. 35. Gabriella Parca, 1966. 36. Evelyne Sullerot, 1963. 37. Arme-Marie Dartügna, 1974. 38. Laura LilU, 1976. 39. Milly Buonanno, 1978. 40. ld., 1978.

41. Maria-Teresa Anelli e col., 1979. 42. Milly Buonanno, 1975. 43. Maria-Teresa Anelli c col., 1979. 44. Milly Buonanno, 1975. 45. Tania Modleski, 1982. 46. Milly Buonanno, 1983.

Referências

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