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Os trabalhadores e o Tribunal Superior do Trabalho no contexto da redemocratização e do pós-guerra (1946-1953)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ALESSANDRA BELO ASSIS SILVA

OS TRABALHADORES E O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO NO CONTEXTO DA REDEMOCRATIZAÇÃO E DO PÓS-GUERRA

(1946-1953)

CAMPINAS 2020

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ALESSANDRA BELO ASSIS SILVA

OS TRABALHADORES E O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO NO CONTEXTO DA REDEMOCRATIZAÇÃO E DO PÓS-GUERRA

(1946-1953)

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em História, na Área de História Social.

Orientador: Dr. Fernando Teixeira da Silva

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ALESSANDRA BELO ASSIS SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR. FERNANDO TEIXEIRA DA SILVA

CAMPINAS 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 26 de junho de 2020, considerou a candidata Alessandra Belo Assis Silva aprovada.

Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva Profa. Dra. Larissa Rosa Corrêa

Profa. Dra. Angela Maria de Castro Gomes Prof. Dr. Murilo Leal Pereira Neto

Prof. Dr. Thomas Dyson Rogers

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em [nome do Programa] do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço à inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas, à qual chamamos de Deus. Essa força é representada por uma espiritualidade amiga comprometida com o avanço da humanidade, que nos inspira e nos dá coragem. Por extensão, agradeço aos amigos que fiz no Centro de Estudos Espíritas Nosso Lar de Campinas e a tudo que aprendi e continuo aprendendo nessa casa.

Aos meus familiares, Vivian, minha irmã querida, minha mãezinha Virgínia e meu pai Marcos. Às minhas avós, que certamente cuidaram de mim de outras paragens...

Agradeço à Tamires. Merece um textão, mas aquilo que vem especialmente do coração é difícil de se colocar no papel. Obrigada por exatamente tudo: por cada pedaço, por ter me aguentado e pelas imensas alegrias proporcionadas pelo nosso convívio nesse período.

Ao meu orientador Fernando Teixeira da Silva. Desde antes da minha entrada na Unicamp, a começar pela minha defesa de mestrado e pela indicação das fontes que deram origem a esse trabalho, Fernando contribuiu em larga escala para minha trajetória acadêmica e me orientou de forma muito generosa e compreensiva. Suas “canetadas” são memoráveis. Com senso de humor, ele sempre retirou o peso dos momentos mais difíceis do processo de escrita e me abriu portas para uma série de experiências e aprendizados. Além disso, na sua qualidade inquestionável de historiador, especialista no tema que estudo, Fernando é a minha principal referência da primeira à última página dessa pesquisa. Como sempre digo, ganhei duas vezes. Agradeço à Andréa Galvão, professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp. A excelente disciplina que Andréa ofereceu sobre o sindicalismo brasileiro, em 2016, foi muito importante para que eu me encorajasse a escrever a tese. A partir das reflexões interdisciplinares desenvolvidas nesse curso, consegui escrever o primeiro capítulo. Dali em diante tudo pareceu fluir com mais segurança.

Às minhas queridas amigas do doutorado na Unicamp. Quantas vivências engraçadas de adaptação a esse mundo nós vivenciamos juntas. Um abraço para Telma, Dani, Lari. Day, você é uma amiga incrível e inteligente. Meu muito obrigada a você. Agradeço, também, à querida amiga Laura Fraccaro pelas trocas incríveis e por tanta ajuda nesse processo todo.

Minha enorme gratidão a todos os funcionários da Coordenadoria de Gestão Documental e Memória (CGEDM) e da Biblioteca do TST em Brasília. Em especial, agradeço muitíssimo à Juliana Brito que me enviou todas as notas taquigráficas e mais uma série de documentos, sempre muito solícita me dando todo o suporte na pesquisa intensa que fiz, pessoalmente, no arquivo do TST.

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Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2015/22566-1, que financiou toda minha pesquisa e me permitiu, ainda, uma experiência de estágio de pesquisa internacional.

Agradeço imensamente ao professor Thomas D. Rogers, meu orientador no estágio na Universidade de Emory e, também, ao professor Jeffrey LesTser, ambos do Departamento de História dessa instituição. Fui muito bem recebida em Atlanta e tive uma experiência única. Aos amigos que fiz em Emory e jamais esquecerei: Ju Molina, obrigada por tudo, amiga. Inesquecível nossas trocas e tudo que vivemos nesse período. À Xanda Lemos e toda sua família, parece que nos conhecíamos há tanto tempo. À Hannah, quantas risadas nesse encontro de culturas. Kaelyn, nossa amizade cruzou fronteiras. Além da Kae, um abraço especial para Georgia, Amelia, Dominic, Alexander, Robert e Christina. Eles foram a melhor turma de doutorado EVER.

Agradeço à Larissa Rosa Corrêa, uma pesquisadora ímpar, de grande generosidade e uma referência importantíssima para minha formação. Ela também foi responsável por “descobrir” junto ao Fernando as notas taquigráficas que deram origem a este trabalho.

Ao meu querido amigo Michael, melhor sociólogo e o tio amado dos meus gatinhos. Agradeço à Mica Scheer, amiga que fiz ao longo da pesquisa e que me ajudou muito em uma verdadeira vivência do que significa sororidade.

Aos amigos historiadores queridos, Felipe Ribeiro, Lucas Porto, Jonas Brito, da LASA em Barcelona às trocas de momentos alegres, artigos, saberes e publicações.

Aos amigos de casa e dos tempos da UFJF. Alguns são eternizados na minha vida pessoal (Fernando, Julião, Dani, Júnia, Marcus, Luiz Fernando, Gabi, Erika, Fê Gehrardi, Larisse e Kau). E claro, aos professores do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Todos, sem exceção, foram mestres e mestras fundamentais na minha trajetória. Mando especialmente um grande abraço para a professora Valéria Marques Lobo, minha orientadora da graduação e mestrado, que foi a responsável por abrir as portas do caminho por onde transito e com quem aprendi uma série de coisas que não caberiam nesses agradecimentos.

Enfim, comecei a escrever a tese no contexto do ilegítimo impeachment de Dilma Rousseff e terminei em meio a uma pandemia, com o Brasil sendo “gerenciado” por um grupo de gente compromissada com o autoritarismo e com a tragédia. Mas sigamos fortes, como foram os trabalhadores do período estudado nessa pesquisa. A eles dedico esse trabalho.

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“[...] Como “proteção” contra a serpente de seus martírios, os trabalhadores têm de reunir suas cabeças e como classe conquistar uma lei estatal, uma barreira social intransponível, que os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência, por meio de contrato voluntário com o capital, à noite e à escravidão”.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é investigar a relação entre trabalhadores e Justiça do Trabalho, tomando como guia condutor da análise o processo de tomada de decisão do Tribunal Superior do Trabalho. Isto será possível por meio da análise dos recursos impetrados nessa corte pelas classes trabalhadora e patronal no período do imediato pós-guerra e de redemocratização do país finda a ditadura do Estado Novo. As fontes principais consistem em registros dos debates e das decisões dos juízes, as chamadas notas taquigráficas do TST, que constituem um conjunto documental rico e praticamente intocado pelos pesquisadores. A pesquisa dedica-se à análise das decisões ao longo da temporalidade proposta, verificando como os juízes (ministros) do TST, favoráveis a uma ou outra parte, proferiram suas decisões frente a pressões do movimento operário e dos empregadores.

A periodização que baliza esta tese compreende um momento-chave de ensaios, experimentos e esforços para dar concretude e conferir legitimidade à Justiça do Trabalho, sobretudo porque sua própria razão de existir estava longe de se consolidar. Certamente, a redemocratização pela qual passava o país impunha uma série de desafios novos para uma instituição que ainda afinava seus instrumentos, aperfeiçoava seus conceitos, explorava um cipoal de leis e situações que ainda lhe eram em grande medida desconhecidas e disputava espaço com outras instituições.

Ademais, a análise da atuação dos tribunais requer a percepção clara da movimentação e das reivindicações dos trabalhadores e dos sindicatos dentro da dimensão dos conflitos com os patrões. Os trabalhadores agiam em um verdadeiro “empurrar de portas” da Justiça do Trabalho, deixando cada vez mais nítida a entrada do movimento operário nos espaços institucionais. Tal luta, dentro da esfera judicial, influenciou significativamente as decisões dos magistrados. Foram investigados, também, os conflitos de competência entre as diferentes instâncias judiciais: as Juntas, os TRTs e o TST; a interpretação das normas legais pelos juízes, baseadas em suas leituras das obras jurídicas e da própria CLT; a jurisprudência, as possibilidades e limitações entre a eficácia prática e simbólica dos tribunais.

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ABSTRACT

This dissertation focuses on the relationship between workers and the Brazilian Labor Judiciary considering as an underlying theme the decisions the Superior Labor Court (SLC) had taken. This approach is made through the study of appeals filed by workers and employers after the end of World War II to the redemocratization years that took place after the New State Dictatoship’s end. The main sources are debate records and judges' decisions, known as “shorthand notes” (notas taquigráficas). Despite having useful information on labor conflicts, researchers rarely use these sources. This thesis scrutinizes these notes during that period and looks at how SLC judges (ministers) made their decision in favor of or against the parties, considering the pressures of the labor movement and of the employer’s class they might have been under.

The period from 1946 to 1953 was chosen because it is a key moment in which many efforts and experimentations took place and granted legitimacy to the Brazilian Labor Judiciary that was still far from being a consolidated institution. The redemocratization process in which the country was imposed new challenges to that institution that still was exploring a complex legal system, disputing fundamental concepts, and facing unknown situations while it was disputing space and influence with other legal institutions.

The study of the dynamic of the Superior Labor Court must include an examination of the workers’ mobilization, claims, and unions, considering the eventual conflicts with employers. The workers actively accessed the institutions and pressured them to achieve rights. That struggle for legal rights in the field of law had its contribution to the judges’ decisions. Besides the mentioned sources and subjects, this dissertation examines the conflicts over jurisdiction between the boards (Juntas de Conciliação e Julgamento), Regional Labor Court, and Superior Labor Court. It also looks at the magistrates’ understanding of legal norms, using their interpretation of labor law books and CLT (Consolidation of Labor Laws), jurisprudence, and the possibilities and limitations between the “the practical and symbolic effectiveness of the courts”. Lastly, it explores the role laws and justice had during the unique conjuncture of Eurico Gaspar Dutra’s government (1946-1951) to the beginning of Vargas’ democratic government in 1950’s.

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Lista de Tabelas e Gráficos

Gráfico 1- Sentenças dos recursos de ambas as partes 309

Gráfico 2 - Votos vencidos pró-trabalhador 333

Gráfico 3- Votos vencidos pró-empregador 341

Imagem 1- Securitários preenchem a sala do TST em outubro de 1946 20

Imagem 2- Memorial do TST com os bustos de Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Lindolfo Collor e Eurico Gaspar Dutra. 29

Imagem 3 - Fotografia da pintura/retrato do papa Leão XIII realizado pelo artista Eliseu Visconti (em 1941) localizada no salão nobre da presidência do TST, o Salão Papa Leão XIII 132

Imagem 4: Manchete do Tribuna Popular sobre as decisões da JT acerca do repouso remunerado em 1946 215

Imagem 5: Audiência entre representantes sindicais e o ministro do Trabalho, Morvan Dias Figueiredo, para tratar do tema do repouso semanal em dezembro de 1946 215

Imagem 6: Manchete do Tribuna Popular sobre o repouso semanal em 1947 216

Imagem 7: Manchete do Tribuna Popular em fevereiro de 1947 sobre a regulamentação do repouso semanal 216

Imagem 8: Reprodução de gráfico sobre as reclamações solucionadas na JT entre 1941 e 1946 318

Imagem 9: Reprodução de gráfico do TST com reclamações solucionadas nas JCJs por resultado (1941-1946) 319

Quadro 1- Composição de juízes do CNT e TST na homologação e no recurso dos bancários 65

Quadro 2: Recursos sobre os cassinos no Tribunal Superior do Trabalho entre 1946-1947 152

Quadro 3- Recursos no TST de processos sobre os convocados ao serviço militar (1946-1947) 154

Quadro 4: Recursos sobre o adicional noturno no Tribunal Superior do Trabalho (1946-1947) 161

Quadro 5: Amostra de recursos sobre os “súditos do Eixo” no TST entre 1946 e 1947 274

Quadro 6- Metodologia das demandas trabalhistas 305

Quadro 7- Tipo de demandas nos recursos por amostragem 307

Quadro 8- Tipos de demandas considerando o total de recursos 307

Quadro 9- Quantidade total de recursos da amostra (1946-1947) 308

Quadro 10- Recursos dos TRTs (Dissídios coletivos e individuais) 315

Quadro 11 - Juntas de Conciliação detalhadas 315

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Quadro 13- Diferenças entre TRT1 e TRT2 319

Quadro 14- Ministros togados de 1946 até fins da década de 1950 326

Quadro 15- Ministros classistas de 1946 até fins da década de 1950 326

Tabela 1 - Reajuste dos securitários paulistas no TST 112

Tabela 2 - Reajuste dos securitários gaúchos no TRT e TST 112

Tabela 3 – Reajuste dos securitários cariocas no TRT e TST 114

Tabela 4- Reajuste dos securitários proposto por Dorval Lacerda 115

Tabela 5 - Recursos sobre o repouso remunerado no TST entre março e junho de 1953 205

Tabela 6: Inquéritos administrativos nas JCJs da 1ª e 2ª Região por todo o ano de 1946 271

Tabela 7: Informações para a base de dados da pesquisa 304

Tabela 8- Tipos de dissídios que motivaram recursos 304

Tabela 9 – Ramos econômicos 312

Tabela 10- Homens e mulheres nos recursos de dissídios individuais 314

Tabela 11- Divergências entre as instâncias 320

Tabela 12- Relação entre as decisões do TST e TRT 320

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Listas de Siglas

CLT- Consolidação das Leis do Trabalho CNT – Conselho Nacional do Trabalho CRT- Conselho Regional do Trabalho

CPDOC/FGV – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas

DEOPS (SP) - Departamento Estadual de Ordem Política e Social JCJ - Junta de Conciliação de Julgamento

JT – Justiça do Trabalho

PCB – Partido Comunista do Brasil PTB – Partido Trabalhista Brasileiro TRT: Tribunal Regional do Trabalho TST: Tribunal Superior do Trabalho STF: Supremo Tribunal Federal UDN: União Democrática Nacional

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Sumário

Introdução...15

Parte I- Greves e poder normativo em debate no Tribunal Superior do Trabalho...44

Capítulo 1 - A greve nacional dos bancários em 1946: negociação e luta por direitos na Justiça do Trabalho...46

1.1 Introdução...46

1.2 A greve nacional dos bancários: uma luta contra o Estado...49

1.3 O fim da greve: novos conflitos...56

1.4 Os trabalhadores do Banco do Brasil: para além dos limites da solidariedade...58

1.5 A luta dos bancários no Conselho Nacional do Trabalho na transição para o TST...61

1.6 Anistia dos grevistas e extensão do acordo nos dissídios individuais...71

1.7 Considerações finais...74

Capítulo 2 - “Justiça para os securitários”: poder normativo em debate no TST (1945-1947) ...77

2.1 Introdução...77

2.2 Os securitários e as campanhas dos trabalhadores no pós-guerra...81

2.3 Do “espírito conciliatório” para o confronto nos tribunais...83

2.4 Poder normativo: aumento salarial em debate no TST...93

2.5 A defesa do poder normativo: democracia, crítica ao liberalismo e justiça social...101

2.6 Os securitários de Porto Alegre e a decisão do TRT da 4ª Região...109

2.7 As tabelas de reajustes: decisões sobre o aumento salarial dos securitários no TST...111

2.8 A paralisação do trabalho para comparecer aos tribunais ...121

2.9 Estudo de caso sobre a repercussão das greves no início da década de 1950 no TST...124

2.10 Considerações finais...133

Parte II

- Dimensão coletiva dos dissídios individuais no TST: remuneração e estabilidade...137

Capítulo 3 - O governo Dutra sob a ótica das relações de trabalho: legislação do em debate no TST...139

3.1 A proibição de funcionamento dos cassinos e sua repercussão no TST...139

3.2 Os debates no TST sobre os cassinos...144

3.3 Os convocados para a guerra: direito à indenização...153

3.4 A desvalorização do trabalho noturno no governo Dutra...155

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Capítulo 4 - O repouso semanal remunerado em debate no Tribunal Superior do Trabalho

(1946 1953) ...165

4.1 Introdução...165

4.2 O repouso semanal em perspectiva internacional e no Brasil...168

4.3 A luta da classe trabalhadora pela obtenção do pagamento do repouso...172

4.4 A legitimidade de prejulgar no TST...185

4.5 O prejulgado...190

4.6. A reação dos trabalhadores ao prejulgado e os impactos no TST...194

4.7 Entre idas e vindas: a aprovação da Lei 605...199

4.8 Os impactos da Lei 605 no início da década de 1950...200

4.9 Considerações finais...213

4.10 Anexos finais do capítulo...215

Capítulo 5 - Trabalhadores vulneráveis no Tribunal Superior do Trabalho: salário, contrato e jornada de trabalho (1946-1953) ...217

5.1 As formas precárias de trabalho entre o passado e o presente...217

5.2 O salário-tarefa e o salário-hora nos anos 1940: duas faces da mesma moeda...223

5.3 O papel do salário mínimo para os trabalhadores vulneráveis...228

5.4 Conflitos de classe no Tribunal Superior do Trabalho...230

5.5 Dependência econômica e Subordinação Jurídica...238

5.6 Empregados eventuais e horistas na Revista do Trabalho...242

5.7 Início dos anos 50: os tarefeiros e as conquistas dos trabalhadores...248

5.8 Considerações finais...252

Capítulo 6 - A estabilidade do trabalhador no Tribunal Superior do Trabalho: guerra e pós-guerra...255

6.1 O direito à estabilidade na visão dos juristas e na historiografia...255

6.2 Balanço geral dos recursos sobre a estabilidade no TST...261

6.3 A perseguição aos súditos do Eixo e a estabilidade em debate no TST: guerra e pós-guerra...272

6.4 Considerações finais...300

Capítulo 7- Panorama geral dos recursos no Tribunal Superior do Trabalho no imediato pós-guerra...303

7.1 Introdução...303

7.2 Tipos de dissídios e principais demandas...304

7.3 Análise quantitativa das decisões do TST...308

7.4 Ramos econômicos ou categorias envolvidas (quando identificadas) ...311

7.5 As instâncias inferiores...314

7.6 Os dissídios plúrimos...320

7.7 Os dissídios coletivos...323

7.8 Os ministros do Tribunal Superior do Trabalho...325

7.9 Os votos vencidos...332

Considerações finais...343

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Introdução

1. Apresentação da pesquisa e hipótese principal

Este trabalho é um estudo da relação entre trabalhadores e Justiça do Trabalho (JT) no imediato pós-guerra, mais precisamente do Estado Novo ao início da década de 1950. A pesquisa foi organizada por meio da escolha de um lócus específico de análise: o Tribunal Superior do Trabalho (TST). A corte mais alta da Justiça do Trabalho é, portanto, o guia que conduz este estudo, de modo que foi, com base nos assuntos mais discutidos naquele espaço, como expressão do conflito de classes, que as páginas desta tese foram escritas. Utilizo como fonte primordial as chamadas notas taquigráficas do TST, que consistem em registros dos debates dos ministros em todo seu processo de tomada de decisão das numerosas apelações de trabalhadores e patrões oriundas dos tribunais de primeira e segunda instâncias da Justiça do Trabalho, respectivamente as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJs) e os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).

Sobre a Justiça do Trabalho, cumpre fazer uma pequena apresentação de sua história para melhor situar o leitor nos meandros de sua estrutura. Ela foi prevista na Constituição de 1934, no governo Vargas, e inaugurada em 1941, em pleno Estado Novo, após anos de debates acerca de sua criação e funcionamento. Em 1943, foram então reunidas e sistematizadas as leis trabalhistas, na conhecida Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Formava-se, naquele momento, toda a estrutura jurídica do trabalho criada por Vargas.

Durante muito tempo, atrelou-se a criação da legislação social no Brasil ao contexto da “revolução de 1930”, mas é preciso afirmar que já havia no país instituições, práticas e debates jurídicos e políticos que fincariam suas bases no nascente corporativismo.1 De qualquer forma, a ampliação e a atuação jurídica da legislação trabalhista se deram, efetivamente, após 1930. Em 1932, as Juntas de Conciliação e Julgamento foram criadas com a função de julgar todos os dissídios individuais cujos conflitos envolvessem os trabalhadores urbanos amparados pela legislação. Às Comissões Mistas de Conciliação, também instituídas em 1932, cabia a tarefa de mediar as disputas coletivas entre patrões e empregados. Essas instituições de julgamento estavam submetidas ao Conselho Nacional do Trabalho (CNT) e ao ministro do

1 GOMES, Ângela de Castro. SILVA, Fernando Teixeira da. “Os direitos sociais e humanos dos trabalhadores no

Brasil: a título de apresentação”. In: GOMES, Ângela de Castro. SILVA, Fernando Teixeira da. (org.). A Justiça do Trabalho e sua história. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

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Trabalho. A Justiça do Trabalho mais tarde absorveria as principais funções e atribuições dos vários organismos em uma só estrutura.

A instituição começou a funcionar como justiça administrativa, isto é, subordinada ao Poder Executivo. Segundo Ângela de Castro Gomes, essa característica inicial foi uma marca difícil de apagar, pois explicitava a "subordinação" da Justiça do Trabalho e fundamentava um "afastamento" do Judiciário.2 O período democrático que se segue após o fim do Estado Novo, pertinente à temporalidade proposta nesta pesquisa, inicia-se com uma mudança importante para a Justiça do Trabalho, com a Constituição de 1946: ela deixou de ser uma justiça administrativa, subordinada ao Executivo, para finalmente se transformar em uma justiça especial e autônoma no interior do Poder Judiciário. Outras alterações efetivadas por essa Constituição e dignas de nota referem-se à mudança dos Conselhos Regionais, que se tornaram Tribunais Regionais do Trabalho e do Conselho Nacional, que passou a ser o Tribunal Superior do Trabalho. Essa corte era formada, a partir desse período, por 11 ministros, sete dos quais eram ministros togados ou de carreira e quatro, ministros classistas ou representantes das classes, dois para empregadores e dois para empregados. No ano de 1946, o Tribunal passou a compor uma nova turma de juízes, que mesclaram algumas continuidades e rupturas em relação ao Conselho Nacional do Trabalho.

A partir de 1946, portanto, o desenho institucional da JT era formado, tal como se apresenta ainda hoje, por três instâncias: o Tribunal Superior do Trabalho (3ª instância), os Tribunais Regionais do Trabalho (2ª instância) e as Juntas de Conciliação e Julgamento, atualmente Varas do Trabalho (1ª instância). Em suma, a partir de 1946, a Justiça do Trabalho se consolidou como uma instituição autônoma e como intermediadora de conflitos.

O período no qual tudo isso ocorreu, demarcado pela presidência de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), não tem chamado a atenção da historiografia, que quase sempre privilegiou outros contextos, como o momento anterior marcado pelo Estado Novo e a conjuntura que se inicia com o segundo mandato de Vargas no início da década de 1950. Com efeito, o governo de Dutra é menos destacado nos estudos do que, por exemplo, seu longevo papel no comando do Ministério da Guerra (1936– 1945), conforme aparece nas análises sobre a ditadura varguista. Portanto, ressalvadas importantes exceções3, o período acabou ficando restrito às ações

2 GOMES, Ângela de Castro. Retrato falado: A Justiça do Trabalho na visão de seus magistrados. Revista Estudos

Históricos, v.1, n. 37, jan./jun. 2006.

3 Três trabalhos foram de suma importância para se entender esse contexto sob a luz da história social do trabalho.

São eles: ALEM, Silvio Frank. Os trabalhadores e a “redemocratização”: (Estudo sobre o Estado, partidos e a participação dos trabalhadores assalariados urbanos na conjuntura da Guerra e do pós-guerra imediato). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1981. CAMPANINI, Andrei. Entre usos e abusos do direito de greve: Assembleia

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governamentais mais visíveis e ao processo de redemocratização no âmbito da história política e econômica. Nesse sentido, o estudo em tela também tem o objetivo de lançar alguma luz sobre esse momento, sob as lentes da história social do trabalho.

Em outros termos, trata de analisar o momento mais importante de formação da Justiça do Trabalho, quando a instituição dava seus primeiros passos em tempos de abertura para a democracia, passando, assim, por um verdadeiro batismo de fogo, vez que estavam em jogo e sendo testados seus instrumentos de poder, o escopo de sua jurisdição e sua eficácia. A periodização que baliza esta tese compreende um momento-chave de ensaios, experimentos e esforços para dar concretude e conferir legitimidade à Justiça do Trabalho, sobretudo porque sua própria razão de existir estava longe de se consolidar. Certamente, a redemocratização pela qual passava o país impunha uma série de desafios novos para uma instituição que ainda afinava seus instrumentos, lapidava seus conceitos, tateava em meio a um cipoal de leis e situações que ainda lhe eram em grande medida desconhecidas e disputava espaço com outras instituições. Em meio a tudo isso, precisava se firmar sobre o arranjo político movediço que tentava conciliar corporativismo e democracia, sem que ambos fossem necessariamente incompatíveis.4

O recorte espacial da tese consistiu, primordialmente, na cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhadores e patrões da capital do Brasil, onde o TST se localizava e, também, o TRT da 1ª Região, foram responsáveis pela maioria esmagadora das apelações analisadas aqui. Esse aspecto pode ser explicado por variados fatores. Um deles consiste no crescimento vertiginoso do número de Juntas do Distrito Federal (Rio de Janeiro), as quais superavam, de maneira considerável, as JCJ de outros estados no período. Além disso, a própria localização do TST permitiu que os trabalhadores fossem utilizando sua capacidade de pressionar a mais alta corte do trabalho, pragmaticamente, por uma proximidade geográfica articulada a uma verdadeira rede de estratégias construídas por eles, marcadas por idas e vindas entre os sindicatos e as edificações públicas do Executivo, do Legislativo e dos tribunais do trabalho. Outra hipótese sobre a qual tenho refletido, embora careça de maior demonstração empírica, é a possível

Constituinte de 1946 e paralisação do trabalho. Dissertação (Mestrado em História Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015. COSTA, Hélio da. Em busca da memória: comissão de fábrica, partido e sindicato no pós-guerra. São Paulo: Scritta, 1995. No campo da história política e da história econômica, há alguns autores que se dedicaram ao período: BENEVIDES, Maria Victoria. A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945–1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. DELGADO, Lucília Neves. O PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo: LTr, 2011. BASTOS, Pedro Paulo Zaluth. O presidente desiludido: a campanha liberal e o pêndulo de política econômica no governo Dutra (1942-1948). História Econômica e História de Empresas, v. 7, p. 99-135, 2012. BASTOS, Pedro Paulo Zaluth. Liberal esclarecido ou aliado fiel? Sobre a natureza da política econômica externa brasileira no governo Dutra (1946‐1951). Revista Economia da ANPEC, v. 11, p. 212, 2012.

4 SILVA, Fernando Teixeira da; CORRÊA, Larissa Rosa. The Politics of Justice: Rethinking Brazil's Corporatist

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unidade de classe formada pelos empregadores, com uma reação mais orquestrada entre eles e uma política deliberada de recorrer e protelar os processos trabalhistas. Entretanto, em que pese essa realidade geográfica, pôde-se descortinar uma classe trabalhadora com grande poder de aglutinação e coesão, capaz de desenvolver a nível nacional, sob a significativa aliança com o PCB e com parlamentares petebistas, um diálogo franco em torno de demandas e exigências em comum.

Isto posto, como explicar que o Tribunal Superior do Trabalho tenha sido escolhido como o guia condutor e, ao mesmo tempo, objeto da análise? Esta corte, por ser a mais alta do judiciário trabalhista, tinha a atribuição de criar jurisprudência, no âmbito do direito individual, e a prerrogativa de lançar mão do poder normativo, na esfera do direito coletivo. Assim, foi construindo, paulatinamente, certa autoridade no balizamento de decisões da Justiça do Trabalho como um todo. De fato, aquele tribunal parece ter se colocado como o “autor” da palavra final acerca de temas muito importantes para trabalhadores e patrões, o que levou tanto à incorporação de algumas dessas demandas em leis ordinárias via Legislativo quanto à criação de “cláusulas” ou “normas” capazes de absorver esses interesses de classe pelo próprio Tribunal.

Entretanto, por uma questão óbvia, as razões que levaram o TST a delinear os “limites do possível” era justamente a observação do que estava sendo decidido nos tribunais inferiores. Os tribunais inferiores da Justiça do Trabalho tinham o papel de colocar sobre a mesa os temas mais debatidos e o posicionamento inicial da JT. Afinal, tanto Juntas de Conciliação quanto Tribunais Regionais também eram criadores de jurisprudência. No entanto, não detinham a palavra final, sobretudo acerca de temas recorrentes, algo que cabia, com certa legitimidade, ao Tribunal Superior por meio do exercício da jurisprudência ou dos controversos prejulgados, que eram uma modalidade originária do que ficou conhecido na atualidade como súmula vinculante. Suscintamente, este instrumento jurídico confere poder ao TST para estabelecer decisões que devem ser compulsoriamente seguidas pelos tribunais inferiores (ver capítulo 4). No entanto, na prática, esse poder conferido ao TST não implicava em automática soberania legal. Em outras palavras, a mais alta corte do trabalho não constituía uma entidade cuja palavra final e definitiva fosse sempre aceita sem contestação. Muitas vezes, suas decisões finais, em prejulgados ou em simples jurisprudência emanadas por meio de debates nada unânimes, não eram sempre acatadas pelas cortes inferiores nos dissídios. Estabelecia-se, assim, uma relação complexa entre as três instâncias da Justiça do Trabalho, carregada de ambiguidades, intimidações e pressões advindas de empregados e empregadores. Nesse sentido, a legitimação e a atuação do TST serão objeto de escrutínio nesta pesquisa. À vista disso, todo

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esse encadeamento nos permite um olhar bastante singular sobre o conflito de classes no âmbito das discussões travadas entres os ministros daquele tribunal.

Apesar de centrar-se no TST, esta tese não é uma história institucional, na medida em que confere protagonismo à classe trabalhadora no período estudado a partir de sua luta por direitos nos tribunais. A análise traz à tona o papel exercido pelo Tribunal Superior do Trabalho no conflito de classes, ao apontar como a Justiça do Trabalho não era uma estrutura rígida e monolítica. Isso porque o TST estava longe de ser uma arena insondável e impenetrável. Ao contrário, o tribunal revelou-se uma esfera bastante permeável no tocante à influência e à entrada efetiva das classes sociais em seu terreno supostamente intocado ou aberto apenas aos iniciados na linguagem jurídica. Com efeito, somente através de um amplo mergulho empírico, marcado pela combinação de diversas fontes, é possível compreender a complexidade dessa instituição como lócus de expressão dos conflitos de classe em suas diversas dimensões.

Nesse caminho, a principal contribuição desta pesquisa consiste em demonstrar de que forma a pressão exercida sobre eles pelos sindicatos e trabalhadores foram responsáveis por definir as próprias condições de existência da Justiça do Trabalho, e mais especificamente, do Tribunal Superior do Trabalho. Os trabalhadores influenciaram as pautas que seriam mais debatidas nessa corte, persuadiram os magistrados quanto à criação desta ou daquela jurisprudência e, como corolário, agiram de modo a definir boa parte do processo de tomada de decisão do mais alto tribunal do trabalho. A luta empenhada por eles fez com que a máquina da Justiça do Trabalho engrenasse nos seus primeiros anos de funcionamento, criando as bases de sua aplicabilidade, sobretudo no que diz respeito ao uso de uma prerrogativa específica daquela instituição, que consiste no exercício de seu poder normativo. Esse instrumento jurídico traduziu-se na liberdade relativa que essa justiça especial e autônoma teve para criar normas e condições de trabalho em decorrência de dissídios coletivos, em geral acionados uma vez por ano por empregados e/ou empregadores.5

Obviamente, essa assertiva não significa dizer que os trabalhadores, em bloco, foram “vitoriosos” ou, que por outro lado, tenham sido “derrotados” nos tribunais, uma vez que a Justiça do Trabalho não operava como um jogo de soma zero, em que a vitória de um dos lados implica a derrota absoluta da outra parte. Afinal, uma coisa é a ingerência de uma classe no processo de tomada de decisão de uma instituição jurídica, outra bem diferente é o efeito prático dessas decisões. Entretanto, ambas as situações dependem da atuação e da trajetória dos juízes

5 SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores no Tribunal: conflitos e Justiça do Trabalho em São Paulo no

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que compõem as cortes do trabalho, da óbvia contagem dos votos e do conjunto de debates relacionados à conjuntura, com envolvimento ativo de outras esferas da política e da sociedade. Aliás, é preciso aduzir que este trabalho se ocupa mais dos debates do que das sentenças emanadas das cortes trabalhistas, embora seja inegável a importância de se mensurar e explicitar os resultados das disputas de classe nos tribunais (ver o último capítulo).

De toda forma, parece bastante claro que as aspirações e demandas dos trabalhadores, respondidas também pelos patrões, foram capazes de dar sentido às instituições do trabalho então recém-criadas e, de modo peculiar, ao “novo” Tribunal Superior do Trabalho.

1. Os trabalhadores e a Justiça

No dia 18 de outubro de 1946, uma imagem emblemática estampou a capa do jornal carioca Diário de Notícias. A fotografia, como veremos abaixo, retratou trabalhadores de numerosas seguradoras do Rio do Janeiro lotando o Tribunal Superior do Trabalho para assistir (e pressionar) o julgamento de seu recurso sobre reajuste salarial.

Imagem 1- Securitários preenchem a sala do Tribunal Superior do Trabalho em outubro de 1946

Fonte: Diário de Notícias, 18 de outubro de 1946.

Em audiência anterior, na primeira fase do dissídio coletivo, o mesmo jornal havia publicado outra imagem com os chamados securitários preenchendo toda a sala de outra corte recursal da Justiça do Trabalho: o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (ver Capítulo 2).

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Essas fontes visuais dão o tom da relação então criada entre classe trabalhadora e Justiça do Trabalho no período da redemocratização, que se seguiu ao Estado Novo e à Segunda Guerra Mundial. Tais fotografias são representativas e revelam, combinadas obviamente com outras fontes primárias, como os trabalhadores construíam noções próprias de uma “consciência jurídica” que vinha sendo desenhada quando as instituições jurídico-trabalhistas criadas por Vargas davam seus primeiros passos.6

Entretanto, tal assertiva não é mais uma novidade. Com efeito, nas últimas três décadas, é considerável o número de estudiosos que concentram seus esforços em pesquisas sobre as instituições jurídicas e seus atores e, em geral, propõem análises sobre as formas de acesso à justiça, a relação entre instituições judiciárias e democracia, entre elas e a ditadura, bem como a efetividade do direito na prevenção de conflitos.7 Suas pesquisas demonstram “que as leis e a Justiça eram um campo de força em que diferentes atores se movimentavam e, de maneiras diversas, apropriavam-se dos recursos institucionais disponíveis, mas eram continuamente recriados pelos sujeitos sociais envolvidos”.8 De fato, os desafios colocados pelo contexto social e político nacional do final dos anos 1970 em diante contribuíram para a revalorização do Direito e do tema dos direitos, que se refletiu na intensificação do interesse das ciências humanas pelo mundo legal e jurídico. 9

Tendo como pano de fundo os amplos questionamentos ou as reinterpretações em torno do conceito de populismo10, bem como do protagonismo da classe trabalhadora entre as décadas de 1940 e 1960, a maneira com o que os estudiosos passaram a ver a legislação social também sofreu grande reformulação.Nesse sentido, minha proposta de pesquisa faz parte de uma corrente consolidada de estudos que demonstra como era difícil, a partir dos anos 1930 (quando se desenhava a criação do sistema legislativo trabalhista), assegurar que as leis e as instituições pertinentes a elas fossem compostas exclusivamente “por uma mente maquiavélica

6 Sobre a construção de uma consciência jurídica elaborada pela própria classe trabalhadora utilizei as reflexões

teóricas de Sally Engle Merry. De acordo com a autora, o senso de direito construído por esses grupos não é baseado estritamente em doutrinas legais particulares, mas em um sentido amplo de direitos construídos por eles mesmos. MERRY, Sally Engle. Getting Justice and Getting Even: Legal Consciousness Among Working-Class Americans. Chicago: University of Chicago Press, 1990.

7 MOREL, Regina Lucia; PESSANHA, Eliana G. da Fonte. A justiça do trabalho. Revista Tempo Social, v. 19, n.

2, 2006.

8 SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores no Tribunal. Op.cit., p.35.

9 No decorrer dos textos que se seguem o leitor poderá ter acesso à citação de muitas pesquisas, que têm como

tema principal a luta por direitos dos trabalhadores na Justiça do Trabalho.

10 Este debate está sistematizado no livro FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica.

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disposta a manipular e estabelecer um projeto de Estado a partir da legislação social”.11 Além disso, cabe diferenciar que uma coisa é a análise dos interesses envolvidos na criação da Justiça do Trabalho; outra é a expressão dessa Justiça na prática.

A maioria dos estudos realizados até então, cujos resultados trouxeram transformações ousadas e indeléveis no campo da história social do trabalho, privilegiou a experiência dos trabalhadores nos tribunais do trabalho com análises detalhadas da luta de classes em períodos e locais específicos. Entretanto, uma lacuna ainda está em aberto e consiste precisamente em analisar o conflito de classes no mais alto tribunal da Justiça do Trabalho, tomando como ponto de partida os debates, as decisões, a jurisprudência, assim como a própria legislação social como campo aberto de disputas no ambiente supostamente insondável de um tribunal tão elevado. Talvez esta seja a maior contribuição deste trabalho: investigar como os ministros do TST julgaram as apelações de empregados e empregadores constrangidos pelo conflito de classes na redemocratização do Brasil, que se seguiu ao fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial, até o início dos anos 1950.

Não se trata obviamente de uma narrativa histórica feita “de cima para baixo”, mas de um estudo que procura entender de que forma o conflito de classes influenciou o terreno do Direito do Trabalho. Afinal, trabalha-se com uma perspectiva de que “a lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens”, mas “tem sido um meio onde outros conflitos sociais têm se travado”.12 É preciso compreender, portanto, como algumas normas e leis relativas ao campo do trabalho vieram à tona; de que maneira foram justificadas, e quais são elas, uma vez que se constituíram como instrumentos capazes de legitimar ações políticas, sociais e jurídicas no interior de uma comunidade política.13 A pressão da classe trabalhadora sobre as decisões do Tribunal Superior do Trabalho ocorreu por meio da utilização do “direito de reclamar” e, também, por intermédio da prerrogativa dos trabalhadores de poderem apelar à justiça por reajustes salariais.14 Isso ocorria, em primeiro lugar, pela presença concreta e cotidiana dos trabalhadores naquele ambiente a priori impenetrável, por onde circulavam com razoável deferimento e, ao mesmo tempo, desenvoltura. Em segundo lugar, tal dinâmica aconteceu através da apropriação que eles faziam do significado simbólico da Justiça do Trabalho: o de

11 SOUZA, Samuel Fernando de. “Coagidos ou subordinados”: trabalhadores, sindicatos, Estado e as leis do

trabalho nos anos 30. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

12 THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.358.

13 FORST, Rainer. Contextos da Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo. São Paulo:

Boitempo, 2010, p. 10.

14 Dois trabalhos despontam, nesse sentido, tanto pelo seu pioneirismo, quanto na acuidade das observações a esse

respeito: SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores no Tribunal. Op.cit. CORRÊA, Larissa R. A Tessitura dos Direitos: patrões e empregados na Justiça do Trabalho. São Paulo, LTr, 2011.

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uma instituição representante dos direitos sociais dos trabalhadores, um lócus legitimador de direitos, mesmo que a própria entidade, mediante a atuação de seus magistrados, possa ter se comportado de maneira diversa em variados momentos. Assim, era preciso que os trabalhadores lançassem mão do labor cotidiano de cobrar da Justiça do Trabalho que ela fosse tudo isso na prática. Afinal, como bem demonstrou E.P Thompson ao se referir à plebe inglesa, “alguns deles tiveram a impertinência e o defeituoso senso de perspectiva histórica de esperar justiça”.15

Este trabalho se ocupa mais da relação estabelecida entre trabalhadores e Tribunal Superior do Trabalho do que propriamente da exposição e interpretação do conflito de classes direto entre trabalhadores e patrões. Sobre esta escolha, outro argumento importante para justificá-la reside no papel desempenhado pelo poder Executivo. O governo Dutra, período sobre o qual essa pesquisa se detém em sua maior parte, foi marcado, em boa medida, pela representação de alguns dos interesses dos empresários.

Guerra e pós-guerra: conflito de classes como condição para a existência da Justiça do Trabalho

Em um período mais ou menos recente, cresce o número de estudos sobre os impactos da guerra nas relações de trabalho em diversas partes do mundo.16 De maneira geral, eles mostram que o conflito mundial “forjou uma cultura de solidariedade baseada em uma ética de sacrifícios compartilhados, que se somou à compreensão do bem-estar da população como fator de defesa nacional”.17 De acordo com Felipe Ribeiro e Alexandre Fortes, a guerra produziu

‘novas capacidades democráticas, que se tornaram organizadas num impressionante rearranjo legal, institucional e político no pós-guerra’. O esforço de guerra ‘legitimou a voz de todos aqueles grupos que desejam consenso”, tais como a classe trabalhadora organizada. [...] A síntese dessas contradições se expressa na expressão ‘descontar o

15 THOMPSON, E. P., Senhores e caçadores. Op.cit., p.360.

16 Internacionalmente, uma grande contribuição nesse sentido está em: ELEY, Geoff. Forjando a democracia: a

história da esquerda na Europa, 1850-2000. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. No Brasil, alguns autores já se debruçaram sobre essas questões desde pelo menos a década de 1990. Ver: PACHECO, Jairo Queiroz. Guerra na fábrica: cotidiano operário fabril durante a Segunda Guerra- o caso de Juiz de Fora. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. SILVA, Fernando Teixeira da. A carga e a culpa. Os operários das docas de Santos: direitos e cultura de solidariedade, 1937-1968. São Paulo: Hucitec, 1995. COSTA, Hélio da. Em busca da memória. Op.cit. Atualmente, o historiador Alexandre Fortes tem se destacado na retomada desse tema. Ver: FORTES, Alexandre. Os impactos da Segunda Guerra Mundial e a regulação das relações de trabalho no Brasil. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, jan. 2014. FORTES, Alexandre. World War II and Brazilian workers: populism at the intersections between national and global histories. International Review of Social History, v. 62, p. 165-190, dec. 2017. FORTES, Alexandre. Do reformismo tecnocrático ao nacionalismo de massas: a Segunda Guerra Mundial e a emergência do trabalhismo brasileiro. FERRERAS, Norberto (org.). A questão nacional e as tradições nacional-estatistas no Brasil, América Latina e África. Rio de Janeiro: Editora FGV, FAPERJ, 2015.

17 FORTES, Alexandre; RIBEIRO, Felipe. Trabalhadores e Segunda Guerra Mundial: debates introdutórios para

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cheque patriótico18’, que traduzia ‘a expectativa popular de reformas sociais e

políticas substantivas em retorno pelos sacrifícios demandados’.19

Em outras palavras, o ambiente criado pelo Estado Novo e pela Segunda Guerra Mundial criou um nacionalismo sem precedentes, cuja reelaboração feita pela classe trabalhadora durante esse período explodiu de maneira enérgica na redemocratização. Nesse sentido, possivelmente duas contribuições da historiografia se encontram para comprovar essa argumentação.

A primeira consiste nas análises de Ângela de Castro Gomes, sobretudo em sua obra clássica, A invenção do trabalhismo.20 A autora abriu caminho para um novo entendimento acerca do papel representado pelo poder público no período. A historiadora mostra que, a partir da segunda metade do Estado Novo, o espaço das instituições, apesar de todas as suas limitações, marcadas pela sua peculiar hegemonia de classe e pelo explícito autoritarismo, permitiu a atuação de uma diversidade de correntes políticas que não somente atuaram no movimento operário, mas que, sobretudo, tinham como projeto canalizar as demandas sociais da classe trabalhadora. Esses personagens cujo estrato também incluía os juristas e burocratas interessados na questão social, contribuíram para o assentamento das bases de um conjunto grande de iniciativas legislativas que visavam regulamentar de forma efetiva as relações de trabalho e assegurar os direitos dos trabalhadores brasileiros, não obstante a presença de alguns interesses políticos calcados no controle estatal da classe trabalhadora. Tal fenômeno, inclusive, já vinha ocorrendo em períodos anteriores, mas ganhou efetividade e sentido muito mais amplo nesse contexto.21 A partir de então, esse reconhecimento dos trabalhadores como sujeitos no discurso oficial foi aproveitado pela classe trabalhadora, que explorou esse potencial e construiu suas próprias noções de cidadania.

A segunda contribuição consiste nas pesquisas supracitadas, cujas reflexões estudam os impactos da Segunda Guerra Mundial nas relações de trabalho, não somente em perspectiva internacional, mas efetivamente no Brasil. O ambiente criado pela Segunda Guerra, em que se cobrava dos trabalhadores o “esforço de guerra” em nome de um nacionalismo sem precedentes, suprimindo-se, inclusive, direitos importantes da Consolidação das Leis do Trabalho, foi sucedido pela consciência que esses grupos construíram, nos anos de conflito mundial, do seu papel relevante nos quadros da nação.

18 Expressão que foi cunhada por Geoff Eley em: ELEY, Geoff. Forjando a democracia. Op.cit., p.301-347. 19 FORTES, Alexandre; RIBEIRO, Felipe. Trabalhadores e Segunda Guerra Mundial. Op.cit., p.4.

20 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

21 Como demonstrado em: GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e Trabalho: Política e Legislação Social no

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A partir de 1945, portanto, a cobrança já não era mais do governo ditatorial de Vargas aos trabalhadores para que efetivassem o “pacto político” construído, mas advinha da própria luta operária que passou a exigir do governo e das instituições do poder público a sua fatia no empreendimento pleiteado pelas autoridades estatais durante a guerra. Esses indivíduos tinham noções bastante sofisticadas sobre o que significavam leis, justiça e direito, algo que sempre foi atribuído como propriedade dos intelectuais e políticos da área do Direito e do Estado. Para que efetivassem toda essa construção, os trabalhadores lançaram mão da complexa tarefa “de definir a ação coletiva como condição para o exercício, generalização e ampliação de direitos, explorando a lógica da lei como fonte de legitimação perante a opinião pública” e ante “a própria estrutura institucional estatal”. Ao mesmo tempo, no entanto, era necessário burlar e enfrentar a repressão, a cooptação e as estratégias” com o intuito “de anular o potencial de conflito decorrente da luta de classes”.22

Um argumento primordial, dentro dessa abordagem, é a percepção já amplamente difundida e depois sistematizada por John French na formulação de que “o ideal normativo”, isto é, a própria legitimidade do aparelho do judiciário trabalhista “só poderia tornar-se real no contexto de uma ação vinda de baixo por parte de uma nova e crescente classe social de trabalhadores urbanos”.23 Em outras palavras, os trabalhadores tornaram possível a própria existência da Justiça do Trabalho e, mais especificamente, no caso da pesquisa que ora apresento, do Tribunal Superior do Trabalho. Dessa forma, a representação que eles fizeram dos direitos está calcada numa situação em que a mediação deles e dos sindicatos era quase sempre indispensável para que os direitos e a própria “justiça se tornassem realidade”, de acordo com as reflexões anteriormente elaboradas por Lygia Siguad.24

Como Ângela de Castro Gomes já havia ressaltado, a legislação social só foi possível pela participação ativa dos “de baixo”. Com efeito, a visão de um sistema de direitos sociais que teria sido simplesmente “doado” pelo Estado aos trabalhadores (sob o manto do mito da outorga, já largamente criticado pela historiografia) esconde o fato de que a implementação dessas políticas pelo poder público “mantém estreitas relações com reivindicações da classe operária e que, na verdade, seria muito difícil que uma questão não levantada a nível de realidade social fosse antecipada a nível político”.25

22 FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito. A classe trabalhadora porto-alegrense e a Era Vargas. Caxias

do Sul / Rio de Janeiro: EDUCS / Garamond, 2004, p.442.

23 FRENCH, John. Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Editora

Perseu Abramo, 2001, p.57.

24 SIGUAD, Lygia. Direito e coerção moral no mundo dos engenhos. Revista Estudos Históricos, n.18, p.367,

1997.

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A abordagem que aqui se adota afirma, portanto, “a existência de concepções de cidadania que se articulam aos modos como os grupos sociais se percebem, e dessa forma, vivenciam a efetivação dos direitos e o acesso à justiça, tanto no sentido das instituições judiciárias quanto no sentido de uma justiça social de responsabilidade do Estado”.26 Dessa forma, essa premissa é particularmente relevante em conjunturas marcadas por processos de redemocratização, como o que ocorreu na segunda metade da década de 1940 no país.

Esse movimento revela uma importante dimensão da cidadania que os trabalhadores parecem ter criado, a partir desse período, que consiste em uma postura de autorrespeito. Esta se articula em duas situações: na primeira, aparece quando os indivíduos adquirem um sentimento de maioridade política, de reconhecimento do próprio valor, uma vez que os “outros” (as instituições políticas, judiciárias, etc.) passam a acolher e validar seus direitos. Na segunda situação, o autorrespeito é definido pelo reconhecimento interno ao grupo, em uma espécie de autoconfiança na própria capacidade de poder realizar ele mesmo a sua representação de direitos, isto é, quando os próprios “esforços” da classe trabalhadora são capazes de produzir “relações sociais nas quais existe a possibilidade de levarem uma vida própria favorável”.27

Em síntese, o fato de tais indivíduos ocuparem, muitas vezes, sem o menor constrangimento, o ambiente ritualístico e portentoso de um tribunal superior, traduziu-se no desenvolvimento de capacidades, aproveitadas por eles no período estudado, cuja obtenção os transformou em verdadeiros “participantes sociais” e políticos, não obstante as dificuldades históricas de se efetivar uma democracia no país. No mínimo, pode-se dizer que a classe trabalhadora, em âmbito nacional, enfrentou as autoridades políticas e os empresários, agindo meticulosamente para fazer valer a experiência democrática na vida real, no que foi parcialmente atendida em certas decisões dos magistrados da Justiça do Trabalho. Essa movimentação prosseguiu na década de 1950, com recuos e avanços, e atingiu seu ápice às vésperas do golpe civil-militar de 1964 quando a presença política e atuante dos trabalhadores nesses locais ameaçou de forma considerável os interesses da classe dominante.28

Todavia, devido às limitações trazidas pela vasta documentação produzida pela Justiça do Trabalho, e pela atuação cotidianamente intensa da classe trabalhadora e dos tribunais nesse período, essa pesquisa termina no início desse processo, quando a Justiça do Trabalho ainda dava seus primeiros passos.

26 GOMES, Ângela de Castro (org.). Direitos e cidadania: justiça, poder e mídia. Rio de Janeiro: Editora FGV,

2007, p. 8.

27 FORST, Rainer. Contextos da Justiça. Op.cit.

28 Algo que foi integralmente demonstrado por Fernando Teixeira da Silva em seu livro SILVA, Fernando Teixeira

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2. O TST em perspectiva histórica

Ao iniciar o caminho tortuoso de pesquisar o processo de tomada de decisão de um tribunal do trabalho, fui desmontando pouco a pouco uma série de pressupostos acerca do papel dos juízes, sobretudo ao tomar como base as abordagens da história social do trabalho.Os juízes, em geral, foram vistos como figuras heroicas e míticas, temidas e intimidantes, em uma visão utópica e idealizada, reproduzida sobretudo por filósofos e intérpretes do Direito, segundo a qual tais sujeitos, representantes de um ideal de justiça, comportar-se-iam de forma imparcial por meio de uma racionalidade técnica e jurídica supostamente inerente ao campo do Direito. Não é por acaso que o conceito de “justiça”, nesse caminho, foi simbolizado como a Justitia, de olhos vendados, com uma balança numa das mãos e uma espada na outra.29 Os olhos vendados representam a imparcialidade; a balança, o princípio de equanimidade, que atribui “a cada um o seu” e, por fim, a espada, o caráter definitivo de sua autoridade.30 Os críticos das ciências sociais questionaram tal comportamento na prática e reproduziram o que se tornou outro paradigma enraizado: o de que o Direito, a lei e os juízes seriam representantes absolutos da classe dominante. Este texto trabalha com outra perspectiva, em que as considerações acima precisam ser relativizadas. Afinal, cumpre questionar se a “justiça” pode encontrar uma medida uniforme para a complexidade de pretensões conflitantes, como é o caso da Justiça do Trabalho.31

Nessa perspectiva, é imperioso reconhecer que, pelo lado dos juízes, um tribunal do trabalho também é composto por pessoas com suas próprias subjetividades, trajetórias e ideologias a serviço de concepções diversas sobre o significado do que sejam justiça, leis e direitos. É, em parte, na prática de seu ofício que os magistrados constroem suas próprias identidades enquanto profissionais do Direito. E essa constituição será atravessada, indubitavelmente, pela importante ingerência de diversos fatores que não podem ser tomados em uníssono, mas que, ao contrário, reúnem uma complexidade de outras pessoas e outros eventos. Entre eles estão o papel importante da conjuntura; a expressão dos interesses de classe pelas próprias partes em disputa e, por fim, a presença de sujeitos diversos que mais ou menos irão compor alianças com essas mesmas classes, como é o caso da esfera política representada pelo Executivo e pelo Legislativo. Isso não significa que a Justiça do Trabalho serviu como uma instituição a serviço da representação de interesses, mas trata-se de assumir que questões

29 FORST, Rainer. Contextos da Justiça. Op.cit., p. 7 30 Idem.

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como as de identidade e agência se tornam muito mais importantes no próprio âmbito dos tribunais. Como bem demonstrou Lisa Rodgers, estudiosa da área do Direito inglês, “o Direito do Trabalho também se torna parte do padrão de vantagem e desvantagem experimentado pelos sujeitos, e esses padrões devem se tornar objeto de escrutínio”. 32

Dessa forma, considera-se que somente é possível obter uma visão mais dinâmica desse “espaço jurídico” ao fazermos uso das fontes documentais de maneira sistemática. As pesquisas que utilizaram rigorosa e largamente os processos trabalhistas como documentos fundamentais de análise, conjugando-os com outras séries arquivísticas, evidenciaram como a instituição teve de lidar com pressões internas e externas que colocaram em xeque qualquer consideração mais achatada e monolítica sobre sua atuação. De fato, após a leitura de um conjunto documental considerável, identificado sobretudo com as notas taquigráficas do mais alto tribunal do trabalho, é impossível afirmar que essa entidade da Justiça do Trabalho tenha agido como representante da classe dominante. De outro lado, também seria ingênuo considerar que o TST teria se constituído in totum como uma esfera legitimadora de direitos estritamente calcada na defesa da justiça social para os trabalhadores. Em suma, a atuação do TST, no período estudado, foi marcada por uma série de contradições, debates antagônicos e fissuras por meio dos quais é muito difícil estabelecer qualquer explicação monolítica para o estudo de suas ações. Essa complexidade pode ser mais bem entendida, no entanto, se considerarmos alguns procedimentos de análise.

As circunstâncias e a conjuntura

Em primeiro lugar, como qualquer trabalho histórico coerente, é preciso dispor as circunstâncias e as conjunturas em destaque. A transformação da Justiça do Trabalho em instituição administrativa atrelada ao Executivo para uma entidade autônoma vinculada ao Poder Judiciário, em 1946, parece ter tido ressonância significativa e definidora no papel desempenhado pelos ministros do TST, tribunal que naquela primeira situação era ainda o Conselho Nacional do Trabalho (CNT). Ademais, é preciso levar em consideração duas conjunturas complexas, cujas rupturas e continuidades se conectam pela celeridade do trâmite processual da Justiça do Trabalho: o Estado Novo, a Segunda Guerra Mundial e, em sequência, a redemocratização controversa representada pela ascensão do general Eurico Gaspar Dutra ao poder, contextos que se articularam como fatores fundamentais para a compreensão das fissuras e controvérsias no processo de tomada de decisão no Tribunal.

32 RODGERS, Lisa. Labour Law, Vulnerability and the Regulation of Precarious Work. Northampton: Edward

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Para entendermos melhor o argumento apresentado, faz-se mister realizar uma breve análise sobre as relações entre memória e história. No que diz respeito à narrativa institucional do Tribunal Superior do Trabalho nos dias de hoje, a figura de Eurico Gaspar Dutra tem um significado bastante simbólico. Ao visitarmos o memorial do TST localizado na sede desse tribunal em Brasília, alguns bustos de personagens importantes são colocados logo na entrada da exposição. De fato, na porta de entrada do memorial, vê-se (da esquerda para a direita) a recriação das fisionomias de Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Lindolfo Collor e Eurico Gaspar Dutra.

Imagem 2- Memorial do TST com os bustos de Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Lindolfo Collor e Eurico Gaspar Dutra.

Fonte: Reprodução fotográfica pessoal. Memorial do Tribunal Superior do Trabalho.

Pode-se conjecturar que todos parecem encarnar um discurso bastante apegado ao valor das origens tanto do direito quanto da própria instituição Justiça do Trabalho e, como consequência, do Tribunal Superior do Trabalho. Rui Barbosa seria considerado o pai do direito e dos ideais de justiça no Brasil, enquanto Getúlio Vargas encarnaria o papel de artífice de todo o arcabouço jurídico-trabalhista no país. Vargas é acompanhado, nessa narrativa, pelo primeiro ministro do Trabalho da história do país, Lindolfo Collor, responsável por assinar a criação das Juntas de Conciliação e Julgamento e a promulgação de direitos pioneiros e importantes que viriam a ser consagrados depois na CLT, como é o caso da jornada de oito horas.33

33 Para saber melhor sobre a construção do Memorial ver: TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Grupo de

Trabalho do Memorial (Relatório). Brasília, 2000. Disponível em: http://www.tst.jus.br/memorial. Acesso em: 18 nov. 2019.

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O general Eurico Gaspar Dutra aparece em seguida. O personagem é particularmente interessante, não somente porque as páginas deste trabalho se dedicam, sobremaneira, a estudar o período em que ele esteve no poder, mas, sobretudo, porque veio a ser o representante da inauguração do Tribunal Superior do Trabalho. Com efeito, o então presidente do país assinou o conhecidodecreto-lei n. 9.797 em 1946, que efetivamente criou os tribunais do trabalho, garantindo uma carreira aos juízes, algo que se somou à anterior decisão constitucional que se tornaria um marco para a memória da instituição: a incorporação da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário.

Dessa forma, Eurico Gaspar Dutra representa, sob a ótica de uma narrativa memorialística institucional, um novo momento de fundação da JT que, após ser inaugurada em 1941 por Vargas, passou cinco anos vinculada ao Poder Executivo, adquirindo sua autonomia e seu caráter de justiça especial a partir de 1946. A figura do general parecia ser tão importante para aquele tribunal que, em maio de 1953, já no governo Getúlio Vargas, os ministros do TST homenagearam Dutra pelo seu aniversário. Nessa ocasião, o ministro Manuel de Caldeira Neto (presidente do TST entre 1951 e 1954) reforçou que Dutra foi “o criador da Justiça do Trabalho”, ou seja, assim discursando eclipsava Vargas e a própria Constituinte de 1946.34 Em seguida, o ministro Astolfo Serra (ex-diretor do Departamento Nacional do Trabalho) referiu-se a ele como “o eminente Marechal do Exército, ex-presidente da República, o criador desta Justiça, o que fortaleceu esta Justiça especializada, aquele que foi, realmente, no governo, um homem que deu, pela sua capacidade todo o apoio à Constituição e, mais ainda, todo o fortalecimento a esta Justiça”. Esse discurso é representativo das relações nada homogêneas estabelecidas entre a história e memória, uma vez que esta pesquisa demonstrará como o governo de Dutra significou, em termos muitos claros, uma gerência marcada por decretos e atuações que foram na contramão dos direitos dos trabalhadores, muitos deles consagrados na Carta Magna de 1946.

Toda essa narrativa é também reveladora do significado atribuído pelos ministros do TST, na época estudada, à figura de Vargas, levando em consideração o seu segundo mandato presidencial. Parecia haver, em detrimento de uma deferência a Getúlio, que era visto pelos ministros como um presidente permissivo no que se refere ao apoio às agitações operárias, um enaltecimento de Dutra como o fundador da Justiça do Trabalho, muito embora o sistema judiciário-trabalhista brasileiro tenha sido efetivamente erigido por Vargas. Essa diferença pode

34 Notas taquigráficas do Tribunal Superior do Trabalho de maio de 1953. As notas taquigráficas que serão citadas

ao longo do trabalho estão disponíveis no acervo da Coordenadoria de Gestão Documental e Memória do Tribunal Superior (CGDEM) do Trabalho em Brasília.

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ser encontrada nos debates dos ministros por meio do mergulho empírico nas notas taquigráficas. Foi assim, por exemplo, que, em 1953, o ex-presidente daquela corte, Geraldo Bezerra de Menezes, chamou o segundo governo de Getúlio Vargas de “demagógico” pelo fato de ter assinado um decreto-lei que anistiava todos os grevistas em 1951. Discurso parecido foi o do ministro Júlio Barata, quando asseverou que o Brasil passou de uma fase de calmaria (governo Dutra), sem greves e agitações, para um “momento pré-revolucionário” (segundo governo Vargas) marcado por um período de “demagogia e de confusão”, no qual a greve novamente “veio às ruas”, “desrespeitando as decisões judiciais”.35

Além do mais, dando prosseguimento à visita no memorial do TST nos dias atuais, deparamo-nos com uma sala de fotografias que leva o nome do primeiro presidente do tribunal em 1946: o já citado Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes. A imagem do jurista e magistrado abre a galeria de fotos da exposição. Ao assistirmos o vídeo institucional de apresentação do memorial36 e combinarmos com as descrições acima, é possível inferir que o ano de 1946, pelos motivos já expostos sobre a transformação da Justiça do Trabalho, é de forte relevância para a memória dos personagens envolvidos com a entidade.37 Tal relato é aqui descrito porque, possivelmente, ajuda-nos a entender a realidade histórica de atuação do TST naquele período. O mais alto tribunal da Justiça do Trabalho que, até setembro de 1946 estaria atrelado ao Poder Executivo, experimentava um verdadeiro dilema em seu processo de tomada de decisão.

Era preciso, em primeiro lugar, que o TST representasse o papel de uma corte superior do Trabalho, cujas decisões deveriam refletir a atuação de uma instituição jurídica voltada para a proteção do “trabalho” e, ao mesmo tempo, comprometida com a conciliação de classes. Além disso, os próprios magistrados criavam expectativas em relação às suas habilidades enquanto “juízes”. Acreditaram, em vários momentos, que deviam agir de acordo com a sempre aclamada imparcialidade, ao terem de cumprir com os critérios universalistas de “justiça”, ou melhor, de justiça social ao caminharmos para o terreno específico do judiciário trabalhista. Por outro lado, o TST, ao se deparar com sua recém- abolida pertença ao poder Executivo, parecia encarnar, em vários momentos, posições alinhadas com o governo ao qual ainda se prendia, em uma dinâmica que, sob a liderança do presidente Dutra, significou atender muitas vezes aos interesses dos empregadores. Em outras palavras, é como se a memória da criação do TST e da vinculação da Justiça do Trabalho ao Judiciário se traduzisse em uma espécie de deferimento,

35 Notas taquigráficas de maio 1953.

36 Disponível em: http://www.tst.jus.br/memorial. Acesso em: 18 nov.2019. 37 Argumento já levantado em: GOMES, Ângela de Castro. Retrato falado. Op.cit.

Referências

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