• Nenhum resultado encontrado

A grande pedagogia em Nietzsche: o camelo, o leão e a criança

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A grande pedagogia em Nietzsche: o camelo, o leão e a criança"

Copied!
276
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RODRIGO MAFALDA

A GRANDE PEDAGOGIA EM NIETZSCHE: O CAMELO, O LEÃO E A CRIANÇA

FLORIANÓPOLIS 2019

(2)
(3)

RODRIGO MAFALDA

A GRANDE PEDAGOGIA EM NIETZSCHE: O CAMELO, O LEÃO E A CRIANÇA

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção do título de Doutor em Filosofia da Educação.

Orientadora: Profa. Lúcia Schneider Hardt, Dra.

FLORIANÓPOLIS 2019

(4)

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

(5)
(6)
(7)

Dedico esta, bеm como todas аs minhas demais conquistas, аоs meus pais, Miriam T. Stein е Antonio C. de Oliveira Mafalda, e à minha família de professores, aos futuros professores e filósofos (as) da educação.

(8)
(9)

AGRADECIMENTOS

É impossível não deixar muita gente de fora ao agradecer por um trabalho de tese, por uma formação acadêmica na filosofia e na educação, sem ser injusto com alguém. Ao mesmo tempo sem deixar de imaginar que eu estava sozinho e que era preciso a solidão. No entanto, não é difícil nomear o sentimento de agradecimento diante de tantas vivências importantes, ordinárias e extraordinárias em torno da filosofia e da educação nessa universidade, sem em primeiro lugar ser grato pela minha Vida, por tudo que passei por aqui com professores e colegas. Sem agradecer pela Vida em nome da minha família atual e em torno dos meus pais por ter tido uma infância feliz.

Mas é preciso medidas e condições efetivas, para que um discurso nietzschiano na educação possa vir-a-ser.

Então ressalto a importância do Departamento de Educação da UFSC e do apoio institucional preciso aos grupos de pesquisa em torno da Filosofia e da Educação no Brasil. Dessa forma, nada seria mais justo que agradecer os esforços das linhas de pesquisa e suas coordenações em especial a minha orientadora Profª. Lúcia Schneider Hardt do grupo de pesquisa BIO-GRAFIA/Nietzsche; Rosana Silva de Moura da linha de pesquisa Hermenêuticas da Cultura, Mundo e Educação e Profª Marlene de Souza Dozol da linha de pesquisa Estética e Educação, que mesmo diante de muitas contrariedades e dilemas do caminho mantiveram o carinho, a confiança e o esforço da minha atuação.

Devo registrar de maneira oportuna a gratidão pelos inúmeros eventos, encontros de estudos e projetos em torno das pesquisas Nietzsche que tanto influenciaram este trabalho e outros tantos que não estão presentes neste. Organizados em prol da Filosofia da Educação e organizados na direção dos nossos projetos de pesquisa.

Agradeço, por fim, à Capes pelo fomento à pesquisa, ao apoio financeiro sem o qual seria difícil sonhar com uma vida acadêmica. Devo ressaltar que importantes professores e estudiosos de Nietzsche estiveram conosco e que muitos outros fomos visitar em diversos eventos sobre o filósofo, isto tudo graças aos esforços precisos da visão orientadora da linha, que cada vez mais corresponderia aos inúmeros anseios dos estudantes/pesquisadores, diga-se de passagem, muito heterogêneos.

(10)

A quem luta contra os obstáculos à sua volta, e que transgride as distâncias: se aproxima, suspende à lógica, os conceitos, a linguagem e devolve o homem ao ilimitado, aquele de que ele teve que abrir mão para se constituir como indivíduo.

Inspirado no livro O Homem que sabe, de Viviane Mosé

(11)

RESUMO

A importância de Nietzsche para o pensamento moderno não pode, decerto, ser reduzida a uma única ideia ou ponto interpretativo. Nesse sentido, considera-se como representativo cada um dos três principais períodos da sua filosofia, contra e a favor da tradição. Como tese, aborda-se o filósofo Nietzsche e o tema da formação/transformação (metamorfoses) sob três perspectivas principais encontradas na filosofia da educação: no discurso, na teoria da educação e na pedagogia. A grande pedagogia em Nietzsche: o camelo, o leão e a criança: este é o título e as metáforas principais pelas quais procuram-se orientações para pensar cada uma dessas metamorfoses no espírito da educação. O que se procura fazer é atualizar para o nosso contexto a força e o sentido do discurso, da teoria da educação e da pedagogia em Nietzsche, tendo em vista o espírito do camelo, do leão e da criança. Em primeiro lugar, com foco na juventude do filósofo e nas conferências Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, à luz do Elogio e Defesa da escola: como exercícios de construção de um discurso nietzschiano para a educação atual, considerando a importância da escola e o espírito do camelo. Ampliando depois na fase intermediária o discurso do espírito livre na metamorfose do leão como teoria da educação de Nietzsche: tendo em vista a fórmula de “como tornar-se o que se é”; à luz do espírito de cada metamorfose. Ao final e na análise do estatuto da própria pedagogia como um conceito independente e plural, recorre-se à função e ao uso estratégico das metáforas em Nietzsche como um ensaio da grande pedagogia no espírito da criança: do pensar como criação à luz da linguagem e da hierarquia dos instintos, considerando a tópica formativa da própria metáfora como uma margem de manobra (Spielraum).

Palavras-chave: Cultura. Nietzsche/Zaratustra. Discurso. Teoria da educação. Pedagogia.

(12)

ABSTRACT

Nietzsche’s importance to the modern thought cannot, of course, be reduced to a single idea or point of interpretation. This said, each of the three main periods of his philosophy, against and in favor of the tradition, is considered as representative. As a thesis, the philosopher Nietzsche and the theme of formation/transformation (metamorphoses) are approached from three main perspectives found in the philosophy of education: in discourse, in theory of education and in pedagogy. The great pedagogy in Nietzsche: the camel, the lion and the child: this is the title and the main metaphors by which guidance we seek orientations to think each of these metamorphoses in the spirit of education. What we are trying to do is update, to our strength and our sense of discourse, the theory of education and pedagogy in Nietzsche, in view of the spirit of the camel, the lion and the child. Firstly, focusing on the philosopher's youth and on the conferences “On the future of our educational establishments”, and also focusing on the “Praise and Defense of the school”: as exercises of construction of a Nietzschean discourse for our current education, considering the importance of school and the spirit of the camel. Then, expanding the discourse of the free spirit in the metamorphosis of the lion as Nietzsche's theory of education, in the intermediate phase: in view of the formula of "how to become what one is" and in the light of the spirit of each metamorphosis. At the end and in the analysis of the statute of pedagogy itself as an independent and plural concept, the function and strategic use of metaphors in Nietzsche is used as an essay on the great pedagogy in the child's spirit: of thinking as creation in the light of language and of the instincts’ hierarchy, considering the formative topic of the metaphor itself as a room for maneuver (Spielraum).

Keywords: Culture. Nietzsche/Zarathustra. Discourse. Theory of education. Pedagogy.

(13)

NOTA SOBRE TRADUÇÕES, ABREVIATURAS E SIGLAS Dentre as obras consultadas, nesta pesquisa optamos em utilizar preferencialmente as edições das obras de Nietzsche traduzidas para o português por Paulo César de Souza (NT, GC, ZA, ABM, GM, CW); Noéli Correia de Melo Sobrinho (EE e SE/Co.Ext III), Lourival de Queiroz Henkel (EH), Jorge Luiz Viesenteiner (CI); Fernando de Moraes Barros (VM) e Rubens Rodrigues Torres Filho (Nietzsche – Obras incompletas. São Paulo: Nova Cultural, 1987, v. 2, volume Nietzsche, da Coleção Os Pensadores). Seguem algumas abreviaturas:

NT – O nascimento da tragédia.

VM – Sobre verdade e mentira no sentido extramoral. FT – A filosofia na época trágica dos gregos.

EE – Über die Zukunftunserer Bildungsanstalten (Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino).

HL/Co. Ext II, – Considerações Extemporâneas II: Da utilidade e desvantagem da história para a vida.

SE/Co.Ext III, – Considerações Extemporâneas III: Schopenhauer Educador.

WB/Ext IV, – Considerações Extemporâneas IV: Richard Wagner em Bayreuth.

HH I, MS – Humano, Demasiado Humano (v. 1): Miscelânea de Opiniões e Sentenças (Tradução Paulo César de Souza).

HH II, AS – Humano, Demasiado Humano (v. 2): O Andarilho e sua Sombra (Tradução Paulo César de Souza).

A – Aurora.

GC – A Gaia Ciência.

ZA – Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém.

ABM – Além do bem e do mal. GM – Genealogia da moral.

CW – O caso Wagner e Nietzsche contra Wagner. CI – Crepúsculo dos ídolos.

(14)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 15 1 INTRODUÇÃO ... 27 2 DO DISCURSO DO CAMELO “COMO A LINGUAGEM SE TORNA O QUE É”39

2.1 O ESPÍRITO DO CAMELO EM NIETZSCHE À LUZ DOS DISCURSOS DA DEFESA E DO ELOGIO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO (DA ESCOLA) ... 39 2.2 O ESPÍRITO DO CAMELO NAS CONFERÊNCIAS SOBRE O FUTURO DOS

ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DE NIETZSCHE ... 65 2.3 “COMO A LINGUAGEM SE TORNA O QUE É” À LUZ DA TEORIA DO

DISCURSO DO JOVEM NIETZSCHE ... 102

3 A TEORIA DA EDUCAÇÃO EM NIETZSCHE À LUZ DO ESPÍRITO DO LEÃO OU “COMO TORNAR-SE O QUE SE É” ... 126

3.1 O “ESPÍRITO DO LEÃO” EM NIETZSCHE À LUZ DAS POTÊNCIAS E EXTRAVAGÂNCIAS DO “ESPÍRITO LIVRE” DE NIETZSCHE ... 126 3.2 OS ENSAIOS INTEMPESTIVOS E PEDAGÓGICOS DO ESPÍRITO LIVRE: E O

“COMO TORNAR-SEOQUESEÉ”... 147

3.3 “COMOTORNAR-SEOQUESEÉ” COMO TEORIA DA EDUCAÇÃO À LUZ DO PERÍODO INTERMEDIÁRIO DA FILOSOFIA DE NIETZSCHE ... 174

4 DA PEDAGOGIA DA CRIANÇA OU “A GRANDE PEDAGOGIA” EM NIETZSCHE ... 194

4.1 DO ESPÍRITO DA CRIANÇA NO ZARATUSTRA À LUZ DA LINGUAGEM CRIADORA E DA PLURALIDADE DE PERSPECTIVAS E SENTIDOS DO MUNDO ... 194 4.2 A METÁFORA NA TEORIA E NO DISCURSO: A PONTE ENTRE O JOVEM

NIETZSCHE E ZARATUSTRA ... 212 4.3 A GRANDE PEDAGOGIA EM NIETZSCHE À LUZ DA METÁFORA E DO

PENSAR COMO CRIAÇÃO... 228

5 CONCLUSÃO ... 254 REFERÊNCIAS ... 269

(15)

APRESENTAÇÃO

Gostaria de iniciar esta apresentação com a metáfora da margem, da margem que se encontra dentro do rio e das pessoas, isto é, da construção da margem e da “marginalidade filosófica” na qual se projeta o medo e o risco e na qual produzimos uma figura central em nosso imaginário: a do sábio enquanto inútil e vagabundo. Ainda, do filósofo/educador como alguém à margem. Exatamente, daquele que desestabiliza a ordem em geral e por isso é criminalizado e desumanizado (falo do espírito estudantil em geral e do caso específico dos bolsistas do CNPq e CAPES, isto é, atualmente desumanizados por parte significativa da “sociedade de consumo” com o termo pejorativo de “bolsistas”). Não por acaso e ainda hoje a filosofia, mesmo a mais tradicional, clássica ou “inovadora”, sem dúvida é marginal. Porém, é certo que filosofia não é coisa de vagabundos e da excentricidade em geral. Como sabemos, e na medida certa, a história da filosofia também não é um empecilho à formação, com ela justamente filosofamos de modo radical, como se diz: a partir da raiz dos problemas filosóficos. Mas isso significa então viver na marginalidade? Não quero crer que seja sempre assim, tendo em vista sua inserção em temas tão significativos para a sociedade como: educação, ética e democracia.

De qualquer modo, entre outras formações, o “filosofar” é algo custoso e precisa ser protegido do inferno e da pressão dos artigos acadêmicos: dos burocratas de plantão, das burocracias institucionais e das avaliações da educação em geral que estão inseridas e subordinadas na forma do padrão industrial de determinado contexto (político-partidário), de um regime “prático” e “atualizado”, de um tempo específico e de um país específico. Ironicamente, sinto-me bem-vindo à eterna marginalidade e fragilidade extemporânea dos filósofos1.

Porém, isso não quer dizer que não luto na “grande política” pela pesquisa filosófica no Brasil, por uma produção filosófica qualificada a longo prazo neste país, independentemente do governo

1

Vale mencionar aqui o artigo Mais um para o Lattes! Para quem escrevemos,

afinal? Conforme Fausto dos Santos Amaral Filho (2018): “Quem lê nossos

textos? Ou ainda: Para quem escrevemos, afinal? Essas perguntas sugerem a suspeita de que tais textos não encontrarão leitores, ou, o que é pior, não os escrevemos de fato para que sejam lidos. Antes, pelo contrário, como muito pouco ou “[...] nada agregam, são naturalmente descartados e esquecidos, inclusive pelos seus próprios autores” (GODOI, XAVIER, 2012, p. 459), tão logo sejam computados no Lattes, é claro” (AMARAL FILHO, 2018, p. 4).

(16)

para pensar a formação, a educação e a cultura atual. Em outras palavras, luta-se por políticas de Estado e não de governo, por maior autonomia na educação e por tempo livre (Ócio = Skolé). Lugar onde se dá a educação; repouso, paz; tempo para si mesmo, tanto para a formação de professores como de estudantes.

E por incrível que pareça, ainda hoje, formação, educação e cultura também estão à margem dos “grandes discursos” dos filósofos. Curiosamente e inclusive à margem dos discursos do ensino da filosofia atual. E o que se quer saber sobre filosofia e educação? Bom, primeiro vale parafrasear o título recente de Jorge Larrosa (2018), Esperando não se sabe o quê.

Para início de conversa, a filosofia da educação é uma área marginal, e um assunto um tanto quanto controverso, marginalizado pela filosofia em geral. Mas foi exatamente deste dilema filosófico que encontrei o rumo para uma tese que tem como ensaio o reconhecimento de uma grande pedagogia em Nietzsche. Não por acaso e na “lógica do pior” o filósofo eleito para o debate é um filósofo marginal por excelência, e faz parte de um tempo e de um século marginalizado: Friedrich Nietzsche (1844-1900) filósofo e escritor do século XIX e início do XX.

No entanto, e paradoxalmente, não me apresento como “marginal”, pois quero afirmar que sou mesmo um “privilegiado”, justamente por tratar desses assuntos no meio acadêmico ainda hoje. Talvez, como assuntos extemporâneos e em um sentido extemporâneo (no tempo e fora do tempo). Filosoficamente falando quiçá para pensar “novas auroras”.

A grande pedagogia em Nietzsche: o camelo, o leão e a criança. Este é o título e as metáforas principais pelo qual apresento a seguir: discursos, uma teoria da educação e pedagogia em Nietzsche, isto é, um ensaio de uma grande pedagogia: justamente e a partir das suas metáforas. Com este título/tese organizo e relaciono as três partes principais do texto, que explico melhor nesta apresentação.

Na filosofia de Nietzsche, o camelo, o leão e a criança aparecem como um tipo de registro metafórico das metamorfoses do espírito (da espiritualização e do refinamento humano), como fases do aperfeiçoamento humano (para além do homem). Do homem, para o além do homem ou, do espírito que em tese deixou de ser apenas cativo e gregário. São figuras enigmáticas do texto nietzschiano – como outras tantas figuras – metamorfoses que preservam algumas distinções e perspectivas importantes que podem servir como orientações da filosofia da educação em Nietzsche, também como importantes orientações à

(17)

filosofia da educação em geral: sobre seus discursos em geral, suas teorias e pedagogias. O camelo, o leão e a criança são figuras conhecidas da área em que aparecem, e exatamente no início do primeiro livro da obra Assim falou Zaratustra, escrita entre 1883 e 1885. Não por acaso este é o livro no qual também encontramos os conceitos principais do filósofo: como Além do Homem; Vontade de Potência e Eterno Retorno. E o próprio personagem Zaratustra como ícone de mestre/educador.

No caso Das três metamorfoses, o lugar onde muitos filósofos da educação analisam a concepção de Nietzsche sobre formação/ transformação, educação e cultura2.

No entanto, é importante ressaltar que nem sempre é possível relacionar facilmente o que Nietzsche escreve sobre educação na juventude com os demais períodos da sua filosofia, por exemplo, e relacionar a figura central de Zaratustra e o que Nietzsche pensou explicitamente sobre formação, educação e cultura no período da sua formação e docência (na juventude). Portanto, quero mencionar a importância do debate sobre educação, formação e cultura diferenciando, por vezes e quando necessário, cada um dos períodos. Valorizando cada contexto e cada uma das transformações conceituais, sem perder de vista a importância do caráter cronológico e as mudanças de percurso do filósofo, da sua relação com as fórmulas, por exemplo, de “como tornar-se o que se é”, tendo em vista cada uma das perspectivas: do espírito do camelo, do leão e da criança. Também e a partir do percurso do autor desde a juventude e a partir dessas e de outras metáforas, relacionando-as com o seu Zaratustra. Como apresento na introdução, os episódios e as cenas principais do livro sobre Zaratustra para pensar o tema da relação entre filosofia e educação.

2

Por exemplo, conforme a interpretação de Sílvia Pimenta Velloso Rocha (2006), no artigo intitulado Tornar-se quem se é: educação como formação,

educação como transformação, em que a vida é o percurso no qual alguém se

torna (vai se tornando, não cessa de se tornar); onde a transformação é traduzida em detrimento da formação no sentido tradicional e essencial. Na mutação constante, onde “o encontro fortuito com as circunstâncias de uma vida vão instituindo um “eu” – reinvenção que tem um caráter sempre aberto, provisório, contingente” (ROCHA, 2006, p. 270). No contraponto recorrente entre duas metáforas principais: o bloco de pedra sobre o qual o escultor trabalha como sólida formação, e o círculo como metáfora do devir, que não tem início ou fim. Quando, então, por exemplo, interpreta-se a formação em Aristóteles de um lado e a transformação em Nietzsche do outro.

(18)

Não por acaso, na figura do camelo, procuro a direção do discurso de Nietzsche sobre educação a partir dos estabelecimentos de ensino e da cultura da Alemanha da época, e penso a atualidade da escola nos discursos atuais, através do elogio e defesa da escola de Jorge Larrosa e Jan Masschelein3.

Então, neste primeiro capítulo do trabalho relaciona-se a carreira do jovem Nietzsche como aluno/filólogo/professor e os escritos desse período de juventude sobre formação, educação e cultura. Sem perder de vista o debate teórico sobre a linguagem como pano de fundo das questões filosóficas sobre discurso/educação (no contraponto epistemológico da origem da linguagem que aparece vinculada ao Nascimento da tragédia no espírito da música, e a epistemologia antirromântica do texto Sobre verdade e mentira no sentido extramoral).

Nessa primeira perspectiva ou etapa – do espírito do camelo – prevalece o compromisso com as pesquisas que se orientam sobre a importância do ensino e da formação, as quais consideram importante a formação do educador/filósofo a partir dos conhecimentos nietzschianos de juventude, tendo como foco o humanismo, o idealismo, o romantismo, o clássico e a sua filosofia da cultura no bojo das conferências sobre educação. Assim, questiona-se com o autor os estabelecimentos de ensino da época, também na contramão da atualidade, sem deixar de mencionar uma questão teórica principal: “como a linguagem se torna o que é”. Compreende-se assim o discurso e a noção nietzschiana da origem da linguagem como uma questão preliminar ao discurso de Nietzsche sobre formação, educação e cultura, tendo como contrapartida o âmbito antropomórfico e retórico da linguagem que aparece um pouco depois, em textos como Verdade e mentira no sentido extramoral, de 1873, e outros.

3

Conforme esses autores, o elogio e a defesa da escola tem como forma correlata a defesa da liberdade e igualdade. O reconhecimento de “que ninguém possui o mundo, e que a geração futura deve ter a possibilidade de tomar conta do mundo também” (LARROSA, 2017, p. 158). Para eles pode soar estranho fazer referências ao elogio e à defesa da escola, e, ao mesmo tempo, fazer referência à governamentalidade e à intervenção governamental para defender a escola, mas “deve-se considerar que ela é o limite de intervenções governamentais, mas nunca pode se tornar instrumento, exatamente porque a escola em si mesma é um lugar/tempo para renovação” (Idem). Como hipótese e de forma afirmativa, o elogio da escola será reinterpretado no “espírito do camelo” de Nietzsche (primeiro capítulo).

(19)

Além de prestigiar a importância dos discursos atuais sobre a defesa e o elogio da escola. As análises gerais do espírito do camelo se relacionam com quatro escritos principais de Nietzsche: Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino (1872), de Schopenhauer Educador (1874), e parte sobre as nuances do Nascimento da tragédia (1872) e Sobre verdade e mentira no sentido extramoral (1873). No primeiro contexto, procuro apresentar a análise do discurso sobre educação nas relações entre mestre/discípulo. No contexto as características principais do espírito do camelo e do mestre na constituição do discurso sobre filosofia, formação, educação e cultura. Nesse último caso, interpreta-se mesmo um elogio da época ao modelo de filósofo/educador para Nietzsche: Arthur Schopenhauer (1788-1860). E que se diga logo o que é crucial, pois estamos a este respeito diante de importantes controvérsias entre o camelo e o leão. Como vou demonstrar, este filósofo é considerado um híbrido da formulação nietzschiana do discurso de Zaratustra sobre o camelo e o leão. Contudo, é importante mencionar, também de antemão, que o estudante se aproxima mais do camelo que do leão, e que a condição deste último faz mais sentido na figura do mestre (do espírito livre).

Não por acaso, a nossa hipótese quer pensar as metamorfoses do espírito no Zaratustra, sem desconsiderar o que diz Nietzsche sobre si mesmo, pois ele considera a terceira e a quarta consideração extemporânea – esses escritos de juventude – como uma espécie de “metamorfose do seu espírito”, como um caso de “grande egoísmo”, conforme sua autobiografia:

Na terceira e na quarta Consideração extemporânea, como índices de um conceito superior de cultura, do restabelecimento do conceito de cultura, são opostos dois casos de egoísmo, de educação de si mesmos, dois tipos fora do seu tempo por excelência, cheios de soberano desprezo por tudo aquilo que ao redor deles se chamava “império”, “cultura”, “Cristianismo”, “Bismarck”, “sucesso”, digo: Schopenhauer e Wagner ou, então, com uma só palavra, Nietzsche. (EH, As extemporâneas, § 1).

E é neste restabelecimento do conceito de cultura que interpreto o espírito e a metáfora do leão (segunda parte da tese), isto é, como caminho teórico e educacional de Nietzsche a partir da fórmula “como tornar-se o que se é”. De certa maneira, do modo como Nietzsche

(20)

“tornou-se o que é” através de Wagner, de Schopenhauer e de tantas outras aproximações e distanciamentos culturais, propriamente filosóficos. Ora, no modo como essa fórmula propriamente se destacou na totalidade dos seus escritos, por isso, como teoria da educação, também como o segundo modo de interpretação da filosofia da educação: como teoria da educação em Nietzsche. Isto é, tendo em vista não mais o discurso de Nietzsche sobre educação e os estabelecimentos de ensino da época, ou a problemática da origem da língua e da cultura, nem mesmo o discurso como propedêutica da formação. Mas uma teoria da educação para pensar o filósofo/educador conforme Nietzsche e as dimensões e as relações teóricas da fórmula na tradição ocidental: a partir do filósofo.

Neste caso, aproximando-o muito mais do conjunto de aforismos que indicam a fórmula do espírito livre e do seu conceito de filósofo da suspeita sem deixar de mencionar o contexto onde o “como tornar-se o que se é” que serve de contraponto à tradução latina do famoso “conhece-te a ti mesmo”, interpretando-se o modo como essa fórmula aparece no Ecce Homo, isto é, no período tardio de sua filosofia e a partir da sua tarefa de “transvaloração dos valores”. Também, comparando-se assim as diferenças do período inicial, intermediário e tardio da sua filosofia com as metamorfoses do espírito, isto é, como características do tema da transvaloração do espírito nietzschiano.

Assim, o espírito do leão (da metáfora do leão) vai ser compreendido a partir das diferenças com que essa fórmula aparece no decorrer de algumas obras e na comparação interior dos três principais períodos da sua filosofia, de modo a alcançar a percepção e o reconhecimento do espírito da criança como propriamente “criador”. Por um lado, podemos dizer – adiantando as particularidades de cada metamorfose: a criança como pensar criativo não despreza a metáfora e o sacrifício do camelo do período ou etapa inicial, por outro lado, é preciso reconhecer os modos com que a fórmula se desenvolve, isto é, para compreender que em tese o leão deixa de ser camelo para “tornar-se o que “tornar-se é”, justamente e para “tornar-ser criança. Como apre“tornar-sento o terceiro capítulo, na criança e no sentido em que a linguagem corresponda ao conceito de Grande saúde e Vontade de potência como fórmulas da hierarquia dos instintos e do vir-a-ser criança.

A fórmula básica é: o espírito se torna camelo e a resistência do camelo habita a reverência ao ensino, ao que é pesado e com alegria. O espírito se torna leão, como espírito libertador, como espírito livre ele quer criar. O espírito se torna criança, é o espírito criador por consequência: então ele toma o que é seu e se torna o que é através da

(21)

linguagem e da construção da linguagem (dos valores). Nas palavras do filósofo e no caso da criança, “o perdido para o mundo conquista seu mundo” (ZA, Das três metamorfoses, p. 29). Retomo em resumo e mantenho o comentário, análise e interpretação do texto sob três perspectivas principais:

a) dos discursos de Nietzsche no Zaratustra o Das três metamorfoses como chave de interpretação geral e das conferências de Nietzsche na juventude sobre formação, educação e cultura: a partir da figura do camelo a representação da Bildung (formação, educação e cultura). Relacionando ao primeiro período a metamorfose do camelo, a importância dos estabelecimentos de ensino, da formação, da educação e da cultura à luz da defesa e do elogio da escola. À medida que Nietzsche não corresponde ao laissez-faire escolar, do “deixe fazer” da época moderna como proposta de ensino (e não substitui o ensino pelo termo aprendizagem). Isso corresponde ao personagem do velho filósofo nos escritos Sobre o futuro dos estabelecimentos de ensino, e que provoca nos jovens a direção da cultura e da autoridade do gênio (da matéria de ensino). Ressaltamos a importância da língua, dos clássicos, do filósofo e da tradição cultural, sem perder de vista o discurso filosófico na formação intelectual da juventude, tendo em vista a contraposição do modelo artístico/poético/filosófico grego e a precária modernização do ensino (tanto diante da ampliação como da especialização do ensino). Nesse sentido consideramos a importância da cultura e dos estabelecimentos de ensino como peça-chave da espiritualização do camelo – como primeira metamorfose – o discurso de Nietzsche sobre educação. Isto é, o espírito do camelo é o parâmetro da formação/transformação humana e uma espécie de “fardo” e “arapuca necessária”, que faz parte dos subsídios para o discurso nietzschiano sobre educação, os quais também servem de propedêutica do discurso como formação e da formação como discurso;

b) já na chave do filósofo do espírito livre, traduzimos então a força extraordinária do leão como metáfora principal da fórmula nietzschiana e das condições de “como tornar-se o que se é”. Como vimos acima, quando Nietzsche refere-se ao uso que ele fez de Schopenhauer e Wagner, destaca-se o

(22)

modo como Nietzsche agarrava dois tipos célebres e absolutamente não definidos, como se agarra uma ocasião pelos cabelos, para exprimir algo, para ter em mãos umas tantas fórmulas, signos e meios linguísticos mais. Como vimos, “do mesmo modo Platão se serviu de Sócrates como uma semiótica para Platão” (NIETZSCHE, 1985, p. 83). Assim, Nietzsche se serve de outros tantos artistas e filósofos para forjar a sua própria filosofia e seu Zaratustra, deixando de ser camelo para se tornar leão. Deste ponto em diante, importa a discussão sobre a Bildung, singularidade e transformação, destacando o vínculo fundamental entre o indivíduo e a cultura (do homem cotidiano);

c) depois, o Züchtung (o cultivo) e a criação aparecem no espírito da criança e como referência do ensaio da grande pedagogia, no qual implico a função estratégica da metáfora na filosofia de Nietzsche a partir do poder da linguagem em relação aos instintos, sem menosprezar a cultura e o saber figurativo de Assim falou Zaratustra como um todo, justamente e do ponto de vista pelo qual Nietzsche insiste sobre o caráter antropomórfico do conhecimento e no modelo metafórico e ficcional de toda linguagem, por vezes, onde aparece a figura da criança e o pensar como criação (ainda da linguagem como potência). Na função estratégica da metáfora nos escritos de Nietzsche, principalmente e conforme o texto de Maria C. F. Ferraz (2002), Da valorização estratégica da metáfora em Nietzsche. No entanto, sugerimos a função pedagógica da metáfora e do pensar como criação a partir de dois escritos principais e através da “afirmação da linguagem”: Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, de 1873, que fala sobre a metáfora com o uso de metáforas, e Assim falou Zaratustra, de 1883-1885, em que o filósofo não mais escreve sobre a relação entre metáfora e o conceito, mas se utiliza de inúmeras metáforas para expressar filosoficamente o seu pensamento. Destaca-se da metáfora da criança sob a influência da terminologia e à luz da filosofia da orientação de Werner Stegmaier (2013), o protótipo do comunicar intercultural e interindividual, à medida que se estabelece na forma de uma “margem de manobra” (Spielraume). Assim, caracterizamos a metáfora como “fluxo”, e classificamos a “rigidez” e a “fixidez”

(23)

como propriamente conceitual. Ainda que nesse panorama classificamos, enfim, a metáfora vinculada ao termo Fluktuanz (substância em fluxo).

Assim, com a hipótese das três metamorfoses, devemos reconhecer tanto o elogio a Schopenhauer como educador, que Nietzsche descreve na época da juventude, quanto destacar os desfechos decisivos e a árdua tarefa de “como tornar-se o que se é”, destacando os distanciamentos entre Nietzsche e Schopenhauer. Relacionamos, desta forma, a difícil tarefa do mestre/educador e a relação trágica da Züchtung (do cultivo) na imprescindível tarefa do discípulo em “tornar-se o que “tornar-se é”. Portanto, compreendemos a importância do grau de potência do espírito do camelo diante da linguagem (da matéria) do mestre. E no espírito do leão e da criança, o grau de maior independência de qualquer influência e finalidade (teleologia). No entanto, um estágio implica o outro.

Dessa forma, qualquer grau de “inspiração” que apareça em Nietzsche está diante do conhecimento, do estudo, da pesquisa, da rotina, das viagens, da escrita e da leitura de grandes mestres. Nesse sentido, vamos nos deter no modo como essa máxima aparece no decorrer dos seus escritos, na proximidade e na distância certa dos anos de formação, e da juventude do prodigioso filósofo (de Nietzsche como filólogo e filósofo), relacionando os escritos de Nietzsche como uma versão do camelo, leão e criança. No registro de uma grande pedagogia, isto é, influenciados por este roteiro decisivo e pela contribuição estratégica das metáforas de Nietzsche, considerando o problema pedagógico de Zaratustra enquanto mestre do Além-homem e da compreensão e do uso instrumental do adjetivo grosse (grande), isto é, de Zaratustra como grande mestre e como influência da grande pedagogia4.

4

Segue o uso feito por Nietzsche do adjetivo grosse em expressões como “grande saúde”, “grande política”, “grande razão” e “grande homem”. O uso desse adjetivo faz com que a filosofia de Nietzsche se apresente como um inflexível exercício de pensar para além da moralidade, essa tarefa não parte de uma posição que se coloca fora da vida, mas fora da moral. Conforme Jelson Oliveira (2017), nada menos nietzschiano que interpretar esse para além, portanto, com algum resquício metafísico: sua intenção é sempre ir além da moralidade, mas mantendo-se no limite daquilo que ele entende por vida. O modo pelo qual se pode descobrir “pistas” que remetem às noções de autossupressão, diferença, conflito e hierarquia. Essas noções se ligam à ideia

(24)

No entanto, antes de finalizar ainda esta apresentação, gostaria de apresentar melhor algumas mudanças da tese depois da qualificação, isto é, e resumir as decisões do percurso e a fórmula básica para o texto a seguir.

Primeiramente, não devemos confundir o camelo, o leão e a criança com o discurso, a teoria da educação e a pedagogia em Nietzsche, como três linhas conexas e distintas uma da outra, pois temos discursos, uma discussão teórica e pedagógica para cada metamorfose do espírito. Não sabemos o que são essas imagens em relação aos escritos e a vida do filósofo, mesmo assim isso aparece como aporte interpretativo/especulativo. O que pretendemos suscitar é um discurso, uma teoria da educação e uma pedagogia em Nietzsche, seguindo agora como chaves de interpretação as metáforas da metamorfose do espírito: do camelo, do leão e da criança5.

Antes da qualificação pensamos em restringir o discurso de Nietzsche sobre educação a partir das conferências de juventude do filósofo, diferenciando-se do lugar da teoria da educação, também propondo uma pedagogia nietzschiana independentemente do discurso e da teoria da educação em Nietzsche, tendo em vista a exclusividade de cada abordagem. Inclusive, sem questionar as inúmeras pedagogias em Nietzsche, pois não imaginávamos ainda relacionar diretamente qualquer analogia do “espírito da metáfora” com a “criança”. Por isso, a “pedagogia zaratustriana” transformou-se na grande pedagogia em Nietzsche. No entanto, mantemos como fundamental para a filosofia da educação, um discurso do filósofo sobre a cultura e a educação na juventude, a dimensão teórica da educação na fórmula de “como tornar-se o que tornar-se é”, como exclusividade do tornar-seu pensamento, isto é, que tornar-serve para o debate educacional e a importância do debate teórico da metáfora

de uma grande ética, cuja referência passa a ser o pathos e não mais simplesmente o ethos.

5

Vale salientar inclusive que a ciência pedagógica em geral e alguns filósofos da educação e da política trabalham com algumas hipóteses do desenvolvimento humano e com etapas da formação humana, também com exemplos e em comparação com os outros animais. De todo modo, a infância é o estágio inicial/animal/irracional e a primeira etapa da formação humana. Curiosamente, – com importantes diferenças – na analogia nietzscheana a criança é a última etapa: o espírito da criança é a última metamorfose. Não por acaso acho que Nietzsche pensou as metamorfoses como formação/transformação do espírito na analogia da criança do filósofo pré-socrático Heráclito, muito provavelmente e na contracorrente do tema da “infância” da ciência pedagógica.

(25)

(da linguagem) para pensar uma pedagogia em Nietzsche: agora como grande pedagogia.

O que percebemos com a qualificação? É que era impossível desenvolver um discurso sobre educação sem levar em consideração a teoria do discurso de Nietzsche na juventude, sem considerar os aspectos pedagógicos do discurso sobre educação e as questões da linguagem na própria formação do pensamento do filósofo. Por isso resolvemos reunir essas três perspectivas para avaliar e distinguir agora cada uma das três metamorfoses do espírito. Isto é, um discurso, uma teoria da educação e uma pedagogia: do camelo, do leão e da criança. Essa é a diferença.

Mesmo assim, com o camelo nos aproximamos mais das questões do discurso (da linguagem), com o leão de como tornar-se o que se é, isto é, como teoria da educação (do espírito livre de Nietzsche), sem deixar de propor o uso pedagógico da metáfora a partir do espírito da criança, valorizando então positivamente a invenção e o pensar como criação como processos de potência/dominação através da teoria da pulsão ou da hierarquia dos instintos: a partir das pesquisas sobre o “cultivo”, “linguagem” e da “excentricidade nietzschiana” (para interpelar o alter ego de Nietzsche, por exemplo, interpretando-o para além da modéstia e do idealismo).

Nesse sentido precisamos reconhecer cada vez mais que há um discurso, uma teoria da educação e uma grande pedagogia em Nietzsche, mas que para cada metáfora temos discursos, teorias e pedagogias afins (que na totalidade não vamos recuperar), pois a tese abrange em partes o que temos das pesquisas sobre educação e Nietzsche nessas três dimensões: agora como partes exclusivas da filosofia da educação em Nietzsche. Porém, onde os aspectos pedagógicos não se situam exatamente e dentro dos parâmetros filosóficos, psicológicos e sociológicos, isto é, do que o autor pensou ou escreveu explicitamente sobre educação.

Nessa abrangência toda e deste risco, tanto as abordagens educacionais e antieducacionais de Nietzsche podem ser revisitadas como discursos, como problemas teóricos e como pedagogias, independentemente da afirmação ou negação imediata sobre formação, educação, cultura e a escola: mesmo que em detrimento de “Nietzsche como educador”. Justamente por incentivar algumas das suas teses, para pensar a escola, mesmo quando se interpreta Nietzsche contra a educação, a formação, a cultura e a escola tradicional, reinterpretando-se o sentido absoluto de “formação” como pura “transformação” e “metamorfose”, quando, por exemplo, corresponderia “à capacidade de

(26)

ser, a cada momento, aquele que nos tornamos”, como vimos acima com Silvia Pimenta Velloso Rocha (2006), em seu artigo intitulado Tornar-se quem Tornar-se é: educação como formação, educação como transformação. Por isso, pedagogicamente falando, o que nos interessa, é o estilo e a forma, mais que conteúdo, performances e estratégias de exposição da escrita do filósofo, e perguntaríamos com Masschelein e Simon, e conforme Rabinow e Rose, se é “possível desenvolver um tipo de pensamento crítico que não julgaria [...] mas criaria, produziria, intensificaria as possibilidades dentro da existência”6

.

Afinal, vale lembrar que a criação e a intensificação da vida são características importantes para este filósofo, talvez mais que qualquer outro, no caso do estilo: são visíveis as variações de gênero e a potência da escritura nietzschiana.

Não obstante, em qualquer contexto da filosofia da educação existe uma tendência a favor e contra a escola, a favor e contra a educação; em todos os casos, a favor e contra determinada formação e cultura. Isto é, contra determinada semiformação, contra determinada pseudocultura, por vezes tradicional, por vezes moderna; contra determinado discurso de orientação humana; contra determinada teoria: antiga, medieval, moderna e pós-moderna. E, assim, independentemente da tomada e da posição, encontraríamos os subsídios e os problemas para pensar a formação, a educação e a cultura, apresentando os seus “prós” e os seus “contras”, discursiva e teoricamente, conforme o filósofo e através dele, também pedagogicamente falando e através do filósofo. Pedagogicamente? Ora, como vimos acima, que se procure desenvolver um tipo de pensamento que não apenas julgue, mas que crie, produza, intensifique as possibilidades dentro da existência, neste caso como uma grande pedagogia, onde o ordinário apresente-se como possibilidade de mudança.

Uma questão interessante é que as pedagogias nem sempre aparecem explicitamente condicionadas ao que disse o filósofo x e y sobre os conceitos de formação, educação e cultura. Nesse sentido, o efeito Nietzsche na educação, defendemos, vai para além do que Nietzsche expressa explicitamente sobre formação, educação e cultura (das conferências de juventude das suas aulas do museu que interpretamos a partir do espírito do camelo de Nietzsche).

6

Cf. Rabinow; Rose, 2004, v. 18. Citado por MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. In: LARROSA, J. (org.). Elogio da escola. Tradução Fernando Coelho. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 164. (Coleção Educação: Experiência e Sentido).

(27)

1 INTRODUÇÃO

Na apresentação fica claro que uma coisa é pensar e propor um discurso de Nietzsche sobre cultura e educação, isto é, no espírito da própria formação do jovem Nietzsche, a partir da publicação da sua primeira obra e das suas “extemporâneas”, que encontramos situadas entre 1858 (época de sua formação secundária no Gymnasium) e 1876 (ano em que dá por destruída definitivamente sua relação com Richard Wagner (1813-1883)).

Então, outra coisa ainda é a orientação da teoria de Nietzsche para pensar a formação, educação e a cultura. Para isso, como sabemos, elegemos como principal hipótese a análise da fórmula “como tornar-se o que se é”, seguindo para além da juventude do filósofo e tomando a direção de Nietzsche como “filósofo do espírito livre”, “filósofo da suspeita”, também e a partir de tantos outros conceitos seus entre a ciência e a arte: “vivência”, “experimentação”, “autoformação” e “cultivo”, pois essa fórmula estende-se ao longo dos seus escritos e sobre variadas concepções, nuances e rupturas com os quais desenvolvemos os debates para além da primeira parte.

Isso significa também dizer que, teoricamente, Nietzsche se situaria ao largo dos temas e dos discursos aos estabelecimentos de ensino da Alemanha da época, que são intitulados explicitamente como conferências, discursos de Nietzsche sobre educação, interligados – em certo sentido – a um contexto específico da época (mesmo que para pensar a atualidade).

É certo que a tese é o que poderíamos reunir como subsídios para pensar as condições específicas para um discurso sobre educação, para uma teoria da educação de Nietzsche sobre educação, bem como os subsídios pelos quais podemos produzir e pensar um ensaio de uma grande pedagogia (alegoria nietzschiana) para pensar a formação, a educação e a cultura. Ao propor uma análise das próprias metáforas do filósofo e do pensar como criação: do discurso; da teoria; da alegoria e do mito como propedêutica.

Portanto, as configurações de cada parte são instauradas por esses subsídios, são estes artefatos textuais que incentivam e justificam cada uma das possibilidades do ensaio. Ora, obviamente que vamos reconsiderar a importância da metáfora reinterpretando como pano de fundo a “frustração pedagógica de Zaratustra”, isto é, a partir de alguns episódios do livro. Assim, ressaltamos a importância pedagógica da metáfora, por exemplo, a partir da seção Da virtude dadivosa, quando Zaratustra propriamente vai se despedir dos “discípulos”. No mesmo

(28)

instante e na contrapartida da importância do “silêncio” e da “solidão” (interpretada como frustração pedagógica)7.

Ao vaso muito artístico e didático/poético da obra e certamente como mestre do além-homem, Zaratustra é um personagem enigmático em todos os sentidos. Com ele desenvolve-se grande parte das intelecções filosóficas de Nietzsche, também as questões educacionais são implicadas nas mais nobres e viciosas convicções sobre o que é liberdade, sujeito, linguagem, real, ideal, bem, mau, razão, ficção. E Zaratustra fala como mestre. Mas bem ou mal, estamos falando de um dos textos mais controversos de Nietzsche.

Mas mesmo assim e muito depois ele insiste com a reinterpretação de alguns dos episódios do texto –, no meu caso – justamente onde começamos a interpretar a elaboração de um ensaio da grande pedagogia em Nietzsche. No Prólogo, por exemplo, de Assim falou Zaratustra, quando Zaratustra corresponde ao âmago dos seus adversários, Nietzsche vai dizer:

Vede como o Zaratustra desce da montanha para dizer a todos as palavras de infinita bondade! Como ele toca delicadamente no âmago dos seus adversários os sacerdotes e, com eles, sofre suas

7

Nietzsche / Zaratustra “ao dar-se conta da sua singularidade, tem ciência de que a sua solidão se radicaliza ainda mais” (MARTON, 2000, p. 92). E neste “canto noturno” de Assim falou Zaratustra que Marton (2000) acentua e interpreta a radicalidade profilática da solidão no qual também vai notar e interpretar a “frustração pedagógica” de Zaratustra, como podemos ver neste trecho a seguir: “Ó desventura de todos os que dão! Ó eclipse de meu sol! Ó desejo de desejar! Ó fome ardente na saciedade! Eles recebem de mim: mas ainda toco a sua alma? Há um abismo entre receber e dar; e o abismo menor é o último a ser transposto. Uma fome nasce da minha beleza: gostaria de magoar aqueles que ilumino, gostaria de assaltar os que presenteio – assim tenho fome de maldade. Retirar a mão, quando para ela já se estende outra mão; igual à cascata, que vacila ainda na queda – assim tenho fome de maldade. Tal vingança imagina a minha plenitude, tal perfídia brota da minha solidão. Minha felicidade em dar morreu ao dar, minha virtude cansou-se de si mesma em seu excesso! Quem sempre dá corre o perigo de perder o pudor; a quem sempre partilha formam-se, de partilhar, calos na mão e no coração. Meu olho já não se enche de lágrima ante o pudor dos que pedem; minha mão tornou-se dura demais para o tremor das mãos cheias. Para onde foram as lágrimas do meu olho e a penugem do meu coração? Ó solidão de todos os que dão! Ó silêncio de todos os que iluminam!” (ZA, O canto noturno, p. 101-102).

(29)

contrariedades! Aqui a cada instante o homem é superado; o conceito de além-homem torna-se então a mais alta realidade; tudo aquilo que até agora tem sido grande no homem está à infinita distância debaixo dele... (EH, Assim falou Zaratustra, § 6).

Então Zaratustra toca no âmago do humano e provoca a superação do humano no além-homem, por meio de importantes contradições e no âmago dos seus adversários: os sacerdotes. E não é justamente o sentido da terra que está a infinita distância dos homens (debaixo deles)? Ou que está distante da educação dos homens? Que está sabe-se onde a infinita distância debaixo deles? Porém, quem são os adversários da terra? Por que os sacerdotes? No decorrer de todo o escrito, Zaratustra também sofre com suas contrariedades.

Essas são questões que propomos como cenário inicial, que caracterizam a força e a descida de Zaratustra da montanha, que obviamente demandam ainda um percurso preciso para algumas respostas satisfatórias, mas que servem agora como pano de fundo de muitas reflexões da grande pedagogia em Nietzsche, de Nietzsche como educador a partir de Zaratustra.

A uma tensão fundamental entre Zaratustra e os “desprezadores do corpo” entre o sacerdote e a metáfora da criança, entre o eterno e o devir. Porém, é certo que Zaratustra sofre com outras inúmeras contrariedades do mesmo modo como acontece com o sacerdote na solidão da floresta (no Prefácio). Para Zaratustra, todavia, o que o espírito conhece jamais tem fim em si mesmo e o corpo é uma grande razão: “uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor” (ZA, Dos desprezadores do corpo, p. 35). E o que Zaratustra deseja falar aos sacerdotes condiz com o espírito da criança: “corpo sou eu inteiramente, e nada mais, e alma uma palavra para um algo no corpo” (Idem, p. 34-35). É claro que Nietzsche suspeita do ascetismo, do niilismo da afirmação/negação da vida e da filosofia ocidental em geral, mas Zaratustra como seu principal personagem também se encontra diante da sua própria afirmação/negação. Ora, por um lado Zaratustra responde negativamente e de modo tão inaudito e age negativamente, diante de tudo aquilo que até agora se afirmou, por outro, e para Nietzsche Zaratustra é um mestre e um enigma, pois “o lado psicológico no problema de Zaratustra é todavia ser o contrário de um espírito negativo” (EH, Assim falou Zaratustra, § 6).

(30)

Então, Zaratustra é o desperto (o mestre e o filósofo do futuro), o sabedor que quer ensinar filosofia onde o corpo é a grande razão.

Por isso temos outras questões importantes a fazer. Como é possível não reconhecer na dor uma objeção à vida? Como superar as condições do humano e do instinto de rebanho tendo em vista o além do homem? O que ensina Nietzsche/Zaratustra? E se dizer adeus a seu próprio corpo é emudecer o que seria o sentido da terra? Mas Zaratustra fala do sentido da terra, e falar (discursar) não é o mesmo que tagarelar.

Mas em que sentido Zaratustra aparece como o ilustre representante e o ensaio meticuloso de uma grande pedagogia em Nietzsche?

Para Zaratustra há mais razão em seu corpo que em sua melhor sabedoria. Por isso não é fácil qualquer tipo de correspondência e semelhança com ele, quando o que ele exige são vivências semelhantes às suas. E é justamente isso que ele pode ensinar? Sobre suas vivências e experiências? Ou a experiência não serve para nada?

Mas é com “Dionísio” o modo como Nietzsche compreende o seu Zaratustra: “O meu conceito de “dionisíaco” tornou-se aqui ato supremo” (EH, Assim falou Zaratustra, § 6). Por isso, precisamos relacionar Zaratustra a partir do espírito trágico/dionisíaco e do herói da “tragédia grega” como “grande razão” já no começo do trabalho. E reconhecer este espírito a partir da linguagem (no discurso sobre educação e no espírito clássico grego).

Mas como mestre Zaratustra vai nos dizer “Oferecer ou sacrificar o quê? Eu esbanjo o que me é presenteado, eu, esbanjador com mil mãos: como poderia chamar isso – oferenda?” (ZA, A oferenda do mel, p. 226). Então o que quer Zaratustra? Por mais enigmático que possa parecer, Zaratustra quer presentear à humanidade.

O problema, como diz Marton (2014), é que são diversas as leituras de Zaratustra “de ordem variada os trabalhos a que se presta” e “arrisca-se a sentir-se de imediato atraído por uma sucessão de parábolas que evidenciam o talento estilístico do autor, a deixar-se envolver numa teia de imagens oníricas que revelam episódios da sua biografia” (MARTON, 2014, p. 108). Mas justamente dessa ordem variada e dos trabalhos que presta, inclusive estilisticamente falando, que é preciso arriscar. Ao mesmo tempo e conforme Marton, “O que esperar, hoje, de um estudo que trate do estilo de Nietzsche? A meu ver, o que ainda está por fazer é explorar o vínculo indissociável entre o conteúdo filosófico e as formas estilísticas presentes em seus livros” (MARTON, 2010, p. 12-13).

(31)

E Zaratustra foi compreendido? No sentido da grande razão, nem poderia, pois as vivências são do filósofo Nietzsche, mesmo assim devemos nos aproximar da sua biografia e interpretar o que é plausível pensar. Que são impossíveis as mesmas vivências isso a gente já sabe. Mas qual é o sentido da terra e o que é o humano? Tornar-se o que se é? Esses enigmas não são somente seus, e, no caso de Zaratustra, o que seria o último homem e o além do homem? São questões que inspiram o ensaio e a tese de uma grande pedagogia em Nietzsche.

É importante salientar como introdução, que valorizo o que com muita dificuldade Nietzsche publicou na época. Segundo Curt Paul Janz (2016), o Zaratustra gerou novos emaranhamentos com o “mundo”, no início, de natureza bastante desagradável: em meio aos hinos e às novenas da Páscoa e a época em que o mais importante na Alemanha eram as publicações que incitavam o antissemitismo. A impressão do livro havia sido atrasada porque a gráfica estava sobrecarregada. Conforme Curt Paul Janz, a gráfica:

[...] precisava produzir 500 mil hinários até à Páscoa –, e agora a edição já pronta para ser distribuída permaneceu na editora. Porque o editor

Schmeitzner acreditava poder salvar sua editora

por meio da publicação de escritos antissemitas. (JANZ, 2016, p. 158).

Não por acaso o título do livro carrega a legenda “um livro para todos e para ninguém”. Mas este é o livro, enfim, que Zaratustra instou a si mesmo, e que representa sua experiência singular, onde Nietzsche como educador um dia instou a si mesmo: “Pois tal sou eu, no fundo e desde o início, a puxar, atrair, erguer, elevar, um puxador, preceptor e tratador, que um dia, não em vão, instou a si mesmo: “Torna-te o que és”” (ZA, A oferenda do mel, p. 226).

E como tese Nietzsche instou a si mesmo tornando-se camelo, leão e criança. E se Zaratustra como preceptor é aquele que eleva e atrai (como mestre), também é aquele que “instou a si mesmo” a “tornar-se o que se é”. Então não vou deixar de considerar as três metamorfoses do espírito do primeiro livro de Assim falou Zaratustra conforme o discurso de Zaratustra: “Três metamorfoses do espírito menciono para vós: de como o espírito se torna camelo, o camelo se torna leão e o leão, por fim, criança” (ZA, Das três metamorfoses, p. 27).

Por isso Zaratustra não vai deixar de contestar sobre a grande tolice que cometeu quando foi pela primeira vez até os homens –

(32)

inclusive ao não concordar com o sacerdote da floresta – mas Zaratustra não deixa de amar os homens – Zaratustra discorda do medo do sacerdote que canta para Deus no Prólogo. No entanto, ele não deixa de mencionar: “[...] postei-me na praça do mercado. E, quando eu falava a todos, não falava com ninguém” (ZA, Do homem superior, p. 271). O que ocorre no decorrer do livro é que cada vez mais Zaratustra parece se aproximar do tipo sacerdote (como frustração pedagógica).

Por isso, algumas questões são ainda pertinentes: Que tipo de mestre é Zaratustra? O que fala Zaratustra de tão importante para todos e para ninguém? O que Nietzsche quis nos ensinar com Zaratustra? Que não foi ouvido pelo mercado? E que é preciso saber, independentemente do mercado dos homens?

Pelo menos no Ecce Homo (na sua autobiografia) a questão da inspiração tem um lugar preciso. Para nos convencer da importância do livro e de suas hipóteses, o autor de Zaratustra salienta o amor e a amizade: “O texto – noto-o expressamente porque circula um erro neste ponto – não é meu: é a inspiração maravilhosa de uma jovem russa da qual então eu era amigo, da senhorinha Lou von Salomé” (EH, Assim falou Zaratustra, § 1). E Nietzsche questiona então o leitor: “Haverá alguém, no fim do século XIX que tenha um conceito daquilo que os poetas das grandes épocas chamavam inspiração?” (EH, Assim falou Zaratustra, §3).

Então, que se aprenda com os poetas, com Zaratustra e nas entrelinhas o que Nietzsche aprendeu também com o amor a Salomé. E o que ele diz a este respeito: “Há nela algo de grandioso. A dor não é para ela uma objeção à vida” (EH, Assim falou Zaratustra, §1). Então é Zaratustra o Si-mesmo que procura com os olhos do sentido e escuta com os ouvidos do espírito: “‘Sente dor aqui!’. E sofre e reflete em como não mais sofrer – e justamente para isso deve pensar. [...] ‘Sente prazer aqui!’. Então, ‘esse se alegra e reflete em como se alegrar mais – e justamente para isso deve pensar’” (ZA, Dos desprezadores do corpo, p. 35). Zaratustra, por exemplo, vai refletir sobre a castidade: “Se ao menos fôsseis perfeitos como animais! Mas do animal é própria a inocência” (ZA, Da castidade, p. 54). Mas o homem sente dor, sente prazer, e justamente para isso deve pensar.

Não por acaso, da mulher Nietzsche pensa o prólogo de Além do bem e do mal (1992) e questiona a verdade dos filósofos dogmáticos, conforme o autor e a partir do tipo feminino dizendo: “não seria bem fundada a suspeita de que todos os filósofos em que foram dogmáticos, entenderam pouco de mulheres?” (ABM, Prólogo). Nietzsche se inspirou em Lou von Salomé, por ela buscou também um estilo

(33)

apropriado para sua escrita: o aforismo, o ensaio, a poesia em vez dos sistemas filosóficos e os alicerces das sublimes construções filosóficas. Para ele, as construções de sistemas não passam da superstição popular, conforme o filósofo: “talvez um jogo de palavras, alguma sedução por parte da gramática, ou temerária generalização de fato muito estreitos, muito pessoais, demasiado humanos” (Idem, p. 7).

Da analogia da mulher e da criança é que vamos analisar em Nietzsche a questão da verdade, mas “é certo que ela não se deixou conquistar – e hoje toda espécie de dogmatismo está de braços cruzados, triste e sem ânimo” (Idem, p. 7). É claro que o dogmatismo está triste e sem ânimo, mas Zaratustra é a fonte da inspiração e também da verdade do vir-a-ser: da doutrina do eterno retorno, no entanto, que só vamos salientar através do espírito da criança e através da função estratégica dessa metáfora (aí, sim, em detrimento da verdade dogmática).

Assim a grande pedagogia em Nietzsche se desenvolve sobre metáforas masculinas e femininas, com a força do que é animal e de tudo que é grande e pequeno no humano. Por exemplo, conforme o autor: “‘Este é meu caminho, – qual é o vosso?’. Assim respondi aos que me perguntaram pelo caminho: ‘Pois o caminho – não existe!’” (ZA, Do espírito de gravidade, p.186).

Certamente, e para “tornar-se o que se é” o que é a crença que não a crença em si mesmo? O amor a si mesmo? Mas o que vale toda crença? Quando se diz, por exemplo, que acreditamos em Zaratustra? Não por acaso, na seção Da virtude dadivosa na parte três o mestre Zaratustra recomenda:

Retribuímos mal a um professor, se continuamos apenas alunos. E por que não quereis arrancar louros da minha coroa? Vós me venerais; mas se um dia vossa veneração tombar? Cuidai para que não vos esmague uma estátua? [...] Sois os meus crentes: mas que importam todos os crentes. (ZA, Da virtude dadivosa, p. 75).

E não é assim que Zaratustra perturba os dogmáticos e a arbitrariedade unilateral e totalitária do ensino? E não é assim que Nietzsche inspira o grau máximo da sua grandeza? Nietzsche escreve sobre Zaratustra: “Perturbei esta sonolência ao ensinar que ninguém sabe ainda o que é bom e mau – a não ser aquele que cria!”, assim fala Zaratustra e assim interpreta-se o espírito da criança e a importância das

(34)

interpretações das metáforas: como margens de manobra do pensamento.

Nesse sentido uma grande pedagogia em Nietzsche entende o pensar como criação e a linguagem como potência e o espírito da criança é o modo como Nietzsche encarna “o porta voz e os médiuns de potências superiores”. Como ele mesmo diz em Ecce Homo: “Sente-se, não se procura; toma-se, não se indaga quem dá; como um relâmpago, reluz súbito um pensamento, necessariamente assim sem hesitação na forma; eu nunca tive a necessidade de fazer uma escolha” (EH, Assim falou Zaratustra, § 3). Eis o espírito da criança, bom e mau? A não ser para aquele que cria! O ressentimento para aquele então que deixou suas metamorfoses de lado, e que se despede da grande pedagogia. Como vimos, não são poucos os episódios da obra que implicam o debate sobre o ensino e a concepção de mestre em Zaratustra, de um tipo de mestre que se inspira com as metáforas e os inúmeros episódios do texto nietzschiano.

O prólogo é o eixo central, em que Zaratustra se retira da floresta onde vive o homem santo (o sacerdote), onde se narram as peripécias vividas pelo protagonista: o retorno junto aos homens para compartilhar a sabedoria que adquirira na montanha.

Como vimos na concepção nietzschiana, Zaratustra se dirige aos homens com uma dádiva. Zaratustra despede-se do homem da floresta e diz: “Que fiz eu, falando de amor? Trago aos homens uma dádiva” (ZA, Prólogo, p. 12). Neste episódio o homem santo zomba de Zaratustra e dos homens, e fala do perigo daqueles que dormem (dos homens). Ao assumir essa distância o sacerdote chama a atenção de Zaratustra, mas ironicamente Zaratustra segue em direção à cidade. Um dos enigmas é que tanto Zaratustra como o santo da floresta vão rir “como riem dois meninos” (Idem, p. 13). Logo depois, Zaratustra fala para seu coração: “como será possível? Este velho santo na floresta, ainda não soube que Deus está morto!” (Idem, p. 13). Então Zaratustra vai ensinar aos homens uma dádiva e a doação é uma resposta da grande razão e do sentido da terra.

O que ele diz inicialmente: “Vede, eu vos ensino o além-homem!” Um pouco mais adiante dizendo: “O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-homem – uma corda sobre um abismo” (Idem, p. 16). E o que fala Zaratustra para o santo da floresta? “Que poderia eu vos dar? Deixai-me partir, para que nada vos tire!” (Idem, p. 13). Talvez, não é por acaso que, para o santo, seria até melhor que Zaratustra fosse para junto dos animais (é Zaratustra uma criança?).

(35)

É muito provável – como vamos ver depois com mais detalhes – que o sacerdote represente o ascetismo e seja uma referência direta ao pessimismo e a ética da compaixão de Schopenhauer, diretamente ligada à metafísica da Vontade do filósofo, que acolhe como resultado do sofrimento que a vida é a negação da vontade. Neste caso, a fuga para floresta é uma reação pessimista, niilista e uma das características dos sacerdotes.

Este antagonismo com o mestre Schopenhauer aparece desde a juventude, por exemplo, no Nascimento da tragédia Nietzsche já propõe uma avaliação interessante e decisiva ao perguntar: O que pensava, afinal, Schopenhauer, sobre a tragédia?

De um modo, para Schopenhauer a tragédia surge para o conhecimento do mundo, de que a vida não pode proporcionar verdadeira satisfação e que por isso não é digna de merecimento e nem de apego. Nisto consiste o espírito trágico para Schopenhauer: ele conduz à resignação. Por isso Nietzsche vai dizer bem antes do seu Zaratustra: “Quão diversamente falava Dionísio comigo!” (NT, § 6). Não por acaso, no Zaratustra, a moral do sacerdote pode ser interpretada como uma vontade de negação da vida: de resignação, um instinto secreto de aniquilamento, um princípio de decadência, apequenamento, difamação, um começo do fim. Assim, Nietzsche já no Nascimento da tragédia questiona: A moral mesma – como? E, em consequência o perigo, dos perigos? No caso do livro da tragédia Nietzsche então vai contra a moral nestes termos:

[...] o meu instinto, como um instinto em prol da vida, inventou para si, fundamentalmente, uma contradoutrina e uma contra-valoração da vida, puramente artística, anticristã. Como denominá-la? Na qualidade de filólogo e homem das palavras eu a batizei, não sem alguma liberdade – com um nome de um deus grego: eu a chamei

dionisíaca. (NT, § 5).

Não precisamos aprofundar isso agora. Em todo caso, a morte de Deus é uma resposta aos problemas do dogmatismo, do idealismo e do dualismo cristão, cartesiano e moderno, da separação do corpo e da alma: em duas estâncias que caracterizam bem os problemas em torno do ensino das virtudes desde a antiguidade socrática/platônica como no Mênon, de Platão. Por outro lado, também a morte de Deus pode ser reinterpretada, justamente e a partir da cosmologia/metafísica de

Referências

Documentos relacionados

Assim, para a avaliação do ensino supe - rior, foco deste trabalho, o sistema em vigor é o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), instituído em 2004, sendo

Verificou-se que a principal expectativa da coordenação do programa da coleta seletiva é a obtenção de retorno financeiro para o condomí- nio. Assim, questões ambientais ou

Desta forma, é preciso que o professor da educação infantil faça uso de materiais e ferramentas lúdicas para assim desenvolver seu trabalho de forma plena e

assim, gerar um aumento na evasão escolar principalmente na Educação de Jovens de Adultos. A evasão escolar é o abandono do aluno, que apesar de estar matriculado na escola, não

No Brasil, a centralização das decisões acerca das questões ligadas à educação é histórica, assim como são históricas as ambições de autonomia nas