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Sentenças Interrogativas WH em Nheengatu

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

Mateus Coimbra de Oliveira

Sentenças Interrogativas WH em Nheengatu

FLORIANÓPOLIS 2019

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Mateus Coimbra de Oliveira

Sentenças Interrogativas WH em Nheengatu

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Doutor em Linguística Orientador: Prof. Dr. Carlos Mioto

Florianópolis 2019

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Mateus Coimbra de Oliveira

Interrogativas WH em Nheengatu

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profª. Aline da Cruz, Dra.

Universidade Federal de Goiás Profª. Ani Carla Marchesan, Dra. Universidade Federal da Fronteira Sul

Profª. Núbia Saraiva Ferreira Rech, Dra. Universidade Federal da Fronteira Sul

Profª. Simone Lúcia Guesser, Dra. Universidade Federal de Roraima Profª. Sandra Quarezemin, Dra.

Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de "Doutor em Linguística" pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina.

Prof. Dr. Atilio Butturi Junior Coordenador do Programa

Prof. Dr. Carlos Mioto Orientador Florianópolis, 11 de julho de 2014 .

Carlos

Mioto:581

06090825

Assinado de forma digital por Carlos Mioto:58106090825 Dados: 2019.08.23 12:52:13 -03'00' Assinado de forma digital por Atilio Butturi Junior:03089639971 Dados: 2019.08.25 17:58:52 -03'00'

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Dedico este trabalho, in memoriam, aos Raimundos que marcaram minha existência:

Raimundo de Oliveira, meu pai, de quem recebi, como

herança, os estudos e as muitas lições de dignidade;

Raimundo Macambira, meu tio, que sempre torceu para eu ser

feliz;

Raimundo Márcio, meu irmão, de quem aprendi a serenidade; Raimundo Araújo, o sogro que não tive a oportunidade de

conhecer.

Dedico-o, ainda, à minha mãe, Yeda Coimbra, à minha companheira de todas as horas, Iris Pereira, e aos meus filhos Gabriel Oliveira e Vitória Letícia. O incentivo deles me estimulou a continuar.

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AGRADECIMENTOS

Pode ser verdade que uma tese seja um trabalho solitário para quem a escreve, mas, pelo menos no meu caso, não foram poucas as pessoas que tornaram viável essa solidão necessária diante das páginas em branco. O fato é que tenho muitos agradecimentos a fazer.

Meus agradecimentos institucionais se dirigem, inicialmente, aos colegas do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa e, por extensão, ao Instituto de Ciências Humanas e à Universidade Federal do Amazonas. Também agradeço aos professores e colegas do Curso de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. Sem esse apoio, o Doutorado Interinstitucional não teria sido possível e não teria oportunizado a mim uma nova chance de qualificação acadêmica. E, nesse sentido, agradeço, particularmente, aos professores Heronides, Rosângela e Edair, por terem considerado, na ocasião da entrevista do processo seletivo, que eu era merecedor de levar adiante o projeto de escrever e de defender uma tese.

Agradeço, muito especialmente, ao Carlos Mioto pela confiança ao aceitar me orientar, a despeito de não me conhecer pessoalmente. Agradeço, ainda mais, por ter mantido essa confiança nos momentos - e não foram poucos - em que fraquejei. Reconheço que fui uma pessoa difícil, mas a preocupação, o comprometimento e o cuidado de um orientador seguro, cujo exemplo pretendo seguir, tornaram menos problemático o trabalho feito.

Agradeço aos professores que aceitaram participar tanto da qualificação quanto da defesa. É sempre uma ocasião especial para troca de ideias e para ajudar a errar menos, melhorando, sempre, as versões apresentadas por ocasião das defesas.

Agradeço a todos os meus familiares por terem torcido por mim. No caso de minha mulher e de meus filhos, sou grato pelo amor ofertado e por terem suportado as ausências repetidas por causa do trabalho. Agradeço também à Cristiane Borges e ao Renato Borges, que se incorporaram à família, e que ajudaram a cuidar dela nos momentos difíceis.

Agradeço aos amigos que, além do incentivo, ofereceram ajudas inestimáveis das mais diversas naturezas. Assim, sou eternamente grato à Zeina Thomé, que, além da amizade, me confiou sua casa, tornando viável minha estada em Florianópolis. Agradeço à Grace Bandeira por acreditar em mim, por torcer por mim incondicionalmente. Agradeço ao Leo, por ter acreditado na minha capacidade de ser um bom professor, em um momento particularmente difícil da minha vida. Por extensão, agradeço a todos os colegas do DINTER e da Pós em Linguística com quem tive a oportunidade de conviver e que me ajudaram a manter a confiança.

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Agradeço à Mailce pela acolhida acadêmica. Agradeço, também, pela acolhida pessoal, junto com o Pedro, oferecendo abrigo para que eu pudesse continuar em Florianópolis ao longo de 2011.

Agradeço ao Enos, de quem fui aluno e, depois, colega de trabalho, pela amizade, pelo incentivo constante e por ter sempre acreditado em mim.

Agradeço ao Giancarlo pelo exemplo de humildade, de intelectual, por ter me ensinado que o conhecimento só tem validade quando é fonte de partilha, não um objeto de vaidade.

Agradeço ao Sérgio Freire por ter estado presente em momentos da minha formação acadêmica, agora, no DINTER, mas também antes, quando estive na UNICAMP. E, na UNICAMP, agradeço particularmente à Lucy Seki, que contribuiu muito para minha formação acadêmica; e estendo esse agradecimento aos demais professores que tive por lá.

Agradeço ao Frantomé Pacheco pela convivência de longa data. Admiro sua capacidade de agregar as pessoas e de partilhar conhecimento. Seu incentivo e amizade foram cruciais para que eu pudesse me sentir mais confiante nos momentos difíceis.

Agradeço aos falantes de Nheengatu que colaboraram comigo na coleta dos dados, permitindo que eu pudesse compreender melhor a língua que falam. Por causa deles, tenho a oportunidade de divulgar elementos de uma cultura rica, permitindo, assim, combater os preconceitos ainda arraigados na sociedade brasileira contra os povos indígenas.

Certamente há muitas omissões nessa lista. Peço, por isso, desculpas aos que deixei de mencionar, mas quero que saibam que todos, a seu modo, contribuíram para que eu pudesse chegar a este momento.

PS: A demora em depositar a versão definitiva desta tese me fez experimentar a dor da perda prematura de um grande amigo, Frantomé Pacheco, a quem, certamente, agradaria ver este trabalho impresso. Vai aqui, além dos agradecimentos pela partilha da amizade e do conhecimento linguístico, minha homenagem em sua memória.

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Mundo, mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo

mais vasto é meu coração.

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RESUMO

Este trabalho é um estudo das sentenças interrogativas WH do Nheengatu, língua também conhecida, na literatura existente, como Língua Geral Amazônica. Hoje, é falada, principalmente, no Brasil, no noroeste do estado do Amazonas, sobretudo no município de São Gabriel da Cachoeira, onde é uma língua cooficial, ao lado do Português e de outras duas línguas indígenas – o Baníwa e o Tukano. Os dados linguísticos foram coletados junto a falantes da língua com origem étnica distinta (Werekena, Baré e Baníwa) em sessões de elicitação. As interrogativas WH representam um tema clássico no âmbito da teoria gerativa e, a despeito dos muitos estudos já produzidos, continuam permitindo rediscussões teóricas, o que, em si, é suficiente para se justificar um estudo dessa temática. Considerando-se os resultados encontrados no Nheengatu contemporâneo, concluiu-se que há duas formas básicas para as interrogativas WH em Nheengatu: awa, que semanticamente representa o traço [+ humano] e maã, que representa [- humano]. Na análise que aqui se propõe, maã combina-se com posposições para indicar lugar (onde, de onde, para onde, por onde, etc.), tempo,

quantidade e modo. Tanto awa quanto maã – e suas respectivas combinações – costumam

coocorrer com taa, que, neste trabalho, será tratada como partícula/clítico de “interrogação” (abreviadamente Q). Discute-se, ainda, a possibilidade de análise de taa como um complementizador (COMP), segundo a proposta de Faria (2004), ou como núcleo de FocP, conforme Gomes (2007), ambos referindo-se à partícula interrogativa te, do Kayabi, uma língua da família Tupi-Guarani, a exemplo do Nheengatu.

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ABSTRACT

This dissertation provides an account of WH clauses in Nheengatu, focusing on WH questions. In the available literature, Nheengatu is also known as Língua Geral Amazônica (General Amazonian Language). Nowadays, it is mostly spoken in the northwestern part of the Brazilian State of Amazonas, particularly in the municipality of São Gabriel da Cachoeira, where it has co official status alongside Portuguese and two other indigenous languages - Baniwa and Tukano. The linguistic data were obtained from speakers from different ethnic backgrounds (Werekena, Baré, and Baniwa) in elicitation sessions. WH questions constitute a classical theme within generative theory and, despite a number of studies, remain open to theoretical reappraisals, which, by itself, is enough to justify a study on this topic. Considering the results found in contemporary Nheengatu, it was concluded that there are two basic morphemes with which WH questions in Nheengatu can be formed: awa, which semantically represents the feature [+ human], and maã, which represents [-human]. In the analysis proposed here, maã is combined with postpositions to indicate place (where, from where, to where, by where, etc.), time, quantity, and manner. Both awa and maã - in their several combinations - often co-occur with taa, which, in the present work, will be treated as a “question” particle/clitic (abbreviated as Q). The analysis of taa as a complementizer (COMP), according to Faria’s (2004) proposal, or as head of FocP, according to Gomes (2007), both referring to the question particle te in Kayabi (like Nheengatu, a Tupi-Guarani language), is discussed.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representação arbórea da sentença "O que tu estudas?", conforme a Teoria Padrão

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Figura 2: Representação arbórea da sentença "O que tu estudas?", conforme a Teoria de Princípios e Parâmetros

56

Figura 3: Representação arbórea da sentença "O que tu estudas?", conforme o Programa Minimalista

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Situação das línguas em perigo de extinção 33

Quadro 2: Situação das línguas brasileiras quanto ao perigo de extinção 33

Quadro 3: Cronologia da História Social do Nheengatu 35

Quadro 4: Ranqueamento de candidato WH ótimo em inglês 59

Quadro 5: Ranqueamento de candidato WH ótimo em búlgaro 59

Quadro 6: Ranqueamento de candidato WH ótimo em chinês 60

Quadro 7: Ranqueamento de candidato WH ótimo em português 60

Quadro 8a: A Família Tupi-Guarani 62

Quadro 8b: A Família Tupi-Guarani 63

Quadro 9: Sistemas Interrogativos em Línguas do tronco Tupi 64

Quadro 10: Interrogativas WH do Nheengatu Contemporâneo 86

Quadro 11: Interrogativas WH em Nheengatu 115

Quadro 12: Tipologia Linguística de COMP e de Q 152

Quadro 13: Sistema Interrogativo Original do Tupi 157

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1PL Primeira Pessoa do Plural

1plA Primeira Pessoa Plural da Série Dinâmica 1plE Primeira Pessoa Plural da Série Estativa 1SG Primeira Pessoa do Singular

1sgA Primeira Pessoa Singular da Série Dinâmica 1sgE Primeira Pessoa Singular da Série Estativa 2PL Segunda Pessoa Plural

2plA Segunda Pessoa Plural da Série Dinâmica 2plE Segunda Pessoa Plural da Série Estativa 2SG Segunda Pessoa Plural

2sgA Segunda Pessoa Singular da Série Dinâmica 2sgE Segunda Pessoa Singular da Série Estativa 3PL Terceira Pessoa do Plural

3plA Terceira Pessoa Plural da Série Dinâmica 3plE Terceira Pessoa Plural da Série Estativa 3SG Terceira Pessoa do Singular

3sgA Terceira Pessoa singular da série dinâmica 3sgE Terceira Pessoa Singular da Série Estativa ABL / ABLAT Ablativo

ACC Acusativo ALL / ALAT Alativo

AUM Aumentativo

CAUS Causativo

CAUSA Posposição de causa

COM Comitativo

COMINSTR Comitativo e Instrumental

DAT Dativo

DEM Demonstrativo

DEMDIST Demonstrativo (Distante) DEMPROX Demonstrativo (Próximo) DIM Diminutivo

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DIRCOM Direcional Comitativo

DNP Derivador de Nomes de Procedência EXISTCONCR existencial concreto

EVID Evidencial

FOC Foco

FUT Futuro Projetado INT Interrogativo INTJ Interjeição INTS Intensificador LOC Locativo NAR Narrativo NEG Negação

NG Nome Genérico para Referência a Entidades Não Humanas NGC Nome Genérico para Referência a Entidades Caducas NGH Nome Genérico para Referência a Entidades Humanas

NMZ Nominalização

NMZAG Nominalização Agentiva NP / SN Sintagma Nominal O Objeto OBL Oblíquo PERL Perlativo PFT Perfectivo PL Plural POSP Posposição PROTEST Protestivo

Q Interrogativo (Questão de Conteúdo / WH) QPOLAR Questão polar / Sim-Não

R/R Reflexivo / Recíproco REL Relativizador

REP Reportativo

SUBFIN Subordinador de Finalidade

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TEMP Posposição Temporal WH Palavra WH [+/- Humano]

Bn Dado Proveniente de Falante da Etnia Baniwa Br Dado Proveniente de Falante da Etnia Baré Wr Dado Proveniente de Falante da Etnia Warekena = Fronteira de Clítico

- Fronteira de Morfema

/ / Representação Fonológica [ ] Transcrição Fonética

“ ” Fala de Personagens em Narrativas

A:, B: Interlocutores em Diálogos

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 27 2 ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DO NHEENGATU ... 31

2.1 RESUMO DO CAPÍTULO ... 39

3 ASPECTOS TEÓRICOS E BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ... 41

3.1 QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS ... 41 3.2 AS SENTENÇAS WH ... 52

3.2.1 As interrogativas WH... 52 3.2.2 As interrogativas WH em línguas Tupi/Tupi-Guarani ... 62

3.3 BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ... 68

3.3. 1 Trabalho de campo ... 68 3.3.2 Coleta, transcrição e análise de dados ... 70 3.3.3 Grafia e apresentação dos dados ... 72

3.4 RESUMO DO CAPÍTULO ... 72

4 AS PALAVRAS WH DO NHEENGATU: ASPECTOS MORFOFONOLÓGICOS .... 75

4.1 OS ESTUDOS PRÉVIOS ... 75 4.2 INTERROGATIVAS ... 77 4.2.1 Interrogativas sim/não ... 77 4.2.2 Interrogativas WH ... 86 4.2.2.1 Awa ... 87 4.2.2.2 Maã ~ mã= ~ ma= ... 88 4.2.2.3 Mame ... 90 4.2.2.4 Maã kiti ~ makiti ... 94 4.2.2.5 Maã sui ~ masui ... 97 4.2.2.6 Marupi ... 98 4.2.2.7 Marã ... 98 4.2.2.8 Mairame ... 102

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4.2.2.9 Maye ... 106 4.2.2.10 Muiri ... 112 4.3 RESUMO DO CAPÍTULO ... 117

5 A SINTAXE DAS PALAVRAS WH ... 119

5.1 A PARTÍCULA TAA ~ -TA ... 119 5.2 AS INTERROGATIVAS WH ... 131

5.2.1 Sentenças matrizes ... 131

5.2.1.1 Constituintes argumentais ... 131

5.2.1.1.1 Awa ... 131 5.2.1.1.2 Maã ... 139

5.2.1.2 Constituintes interrogativos espaciais ... 140

5.2.1.2.1 Mame ... 140 5.2.1.2.2 Maã kiti ~ makiti... 142 5.2.1.2.3 Maã sui ~ masui ... 142 5.2.1.2.4 Marupi ... 143

5.2.1.3 Outros constituintes interrogativos ... 143

5.2.1.3.1 Marã ... 143 5.2.1.3.2 Mairame ... 144 5.2.1.3.3 Maye ... 147 5.2.1.3.4 Muiri ... 147 5.2.2 Sentenças encaixadas ... 148

5.3 DISCUSSÃO DOS DADOS ... 153

5.3.1 As interrogativas WH ... 153

5.4 RESUMO DO CAPÍTULO ... 159

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 161 REFERÊNCIAS ... 163 APÊNDICE A – Questionário-base aplicado durante o trabalho de campo ... 170

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo geral estudar as sentenças WH do Nheengatu. De modo mais específico, discutirá questões relacionadas às sentenças interrogativas, tanto matrizes quanto encaixadas.

Fomos motivados a estudar o Nheengatu por duas razões: primordialmente, uma de natureza linguístico-teórica; outra, de caráter político. Esta última tem relação com a situação cada vez mais desfavorável aos povos indígenas brasileiros, que vêm sofrendo com iniciativas do agronegócio, da mineração, etc. Isso acontece, muitas vezes, com a anuência do Estado brasileiro, que se alia a esses representantes do grande capital, contribuindo para dizimar as culturas desses povos e, por conseguinte, suas línguas.

Outro fator que motiva a tarefa urgente de se dedicar ao estudo dessa língua especificamente diz respeito à quantidade e à qualidade do tratamento científico dado a ela do ponto de vista das pesquisas linguísticas existentes. Moore, Galucio e Gabas Júnior (2008) atribuem uma pontuação para determinar a situação dos estudos feitos com línguas indígenas brasileiras em geral: aquelas com pouca ou nenhuma descrição científica significativa recebem O; aquelas com uma dissertação ou vários artigos recebem 1; aquelas com um bom esboço geral ou uma tese de doutorado em algum aspecto da língua têm nota 2; e aquelas com descrição razoavelmente completa têm 3. Com base, nisso eles chegaram à estimativa de que apenas 13% das línguas indígenas possuem uma descrição completa, 38% possuem uma descrição avançada, 29% possuem uma descrição ainda incipiente e 19% possuem pouca ou nenhuma descrição científica significativa (MOORE, GALUCIO e GABAS JÚNIOR, 2008, p. 5).

Ao aplicar seus critérios, Moore, Galucio e Gabas Júnior (2008) conferem a nota 1 aos estudos feitos sobre o Nheengatu. Ocorre que, quando esses autores publicaram o artigo em discussão, ainda não havia a tese de Cruz (2011). Assim, considerando-se os critérios acima propostos por eles, os estudos linguísticos sobre o Nheengatu teriam que ser reavaliados, mudando-se de patamar, passando, no mínimo, à nota 2. Ainda assim, é preciso admitir que estamos longe de um quadro ideal de estudos, mantendo-se válidas, portanto, as motivações para a elaboração de novos artigos, dissertações e teses.

Assim, à medida que trabalhos descritivos mais abrangentes vão sendo feitos, também vão sendo justificadas pesquisas de tópicos mais pontuais, como o que escolhemos:

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as sentenças interrogativas WH. Tais sentenças representam tópicos de grande relevância na trajetória histórica do gerativismo, inclusive com tentativas de uma explicação unificada para esse fenômeno associado ao das relativas. Some-se a isso o fato de que esses são temas linguísticos largamente estudados no Português, língua de contato constante com o Nheengatu em suas diversas versões historicamente constituídas.

Isso tem a vantagem de permitir a comparação das estruturas em questão, algo importante, porque essa trajetória de contato Nheengatu-Português a que nos referimos teria provocado mudanças em estruturas sintáticas da língua indígena. É o que defendem autores como Moore, Facundes e Pires (1993), ao a afirmar que a ordem básica SVO do Nheengatu – característica pouco comum a línguas da família Tupi-Guarani, cuja ordem1 preferencial é SOV  é, basicamente, influência do Português.

Nessa perspectiva, outro fato sintático que se explicaria pela relação de contato foi estudado por Reich (2003). Esse autor trata da mudança do sistema de marcação de caso, assumindo que o Tupinambá era uma língua cujo sistema, do tipo ativo-inativo, passou, no processo histórico que culminou no Nheengatu, a ser do tipo nominativo-acusativo. Tal mudança, conforme Reich (2003), assim se explica:

A mudança da marcação ativa/inativa de caso para uma acusativa, junto ao correlato tipológico da predicação atributiva, modifica elementos nucleares da sintaxe da LGA. As estruturas analisadas correspondem às portuguesas, como também é o caso na mudança ocorrida no sistema pronominal.

As condições sócio-históricas do contato entre o português e o nheengatu favorecem a atribuição das mudanças tanto ao processo de imposição quanto ao processo de reoperacionalização2. [...] (REICH, 2003, p. 180; destaques de nossa autoria). Admitindo-se que essas explicações estejam corretas, pode-se indagar de que forma essa influência se estende a outras estruturas do sistema, como a das interrogativas WH.

Assim, em relação a essa hipótese de influência da estrutura do Português na estrutura do Nheengatu, há uma série de questões que precisam, senão de uma resposta definitiva, pelo menos de uma tentativa de novas reflexões. Voltando à questão da ordem, por exemplo, há de se indagar a respeito de que evidências confirmariam essa relação direta entre a ordem do Nheengatu e a do Português.

1 Epps e Salanova (2012, p. 18) salientam a importância desse tópico para o estudo das línguas amazônicas: “A questão da ordem de constituintes, considerado um dos aspectos fundamentais na descrição de uma língua, apresenta, em algumas línguas do sul da Amazônia e do Chaco, certas particularidades que só vieram à luz em tempos recentes.”

2 Reich (2003) explica que tomou por "empréstimo" da crioulística os termos imposição, reestruturação e reoperacionalização: imposição e reestruturação são processos de natureza sintática ao passo que a

reoperacionalização é processo de caráter pragmático. reestruturação são processos de natureza sintática ao passo que a reoperacionalização é processo de caráter pragmático.

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Antes de se tentar confirmar (ou negar) tais evidências, uma questão preliminar se apresenta: de que modalidade de Português se trata? Português Brasileiro (PB) ou Português Europeu (PE)? Esse não parece ser um tópico trivial, sobretudo porque os estudos contemporâneos têm comprovado, à exaustão, as diferenças entre o PB e o PE, inclusive no que diz respeito à ordem de constituintes em orações interrogativas.

Se houve, então, influência do Português sobre o Nheengatu, o primeiro ponto a ser esclarecido é quanto à variedade envolvida nesse processo.

Ainda que seja imperativo responder a essa indagação, tal tarefa não é trivial. Uma das razões para isso é apontada por Negrão e Viotti (2012, p. 322): "Até hoje, uma descrição detalhada da população europeia que permaneceu por algum tempo no território da nova colônia, quer para explorá-lo, quer para colonizá-lo, ainda está para ser feita pelos estudiosos do contato de línguas no Brasil."

Há, como se sabe, na literatura a respeito das condições de formação do PB, tentativas de explicar suas diferenças em relação ao PE. Recorde-se, por exemplo, do artigo de Tarallo (1993), que discute a alegada origem crioula do PB, fato que, para muitos, explicaria as peculiaridades deste em relação ao PE. Indagações a respeito desse tema, no entanto, ainda esperam respostas mais apropriadas3.

Não se pretende, neste trabalho, discutir especificamente a origem ou a natureza das diferenças entre PB e PE; trata-se, tão somente, de tentar mostrar que se já é difícil definir com precisão esses fatos para línguas que dispõem de estudos em número cada vez mais crescente, tanto mais será em relação a se determinar que Português teria influenciado o Nheengatu.

Um problema que identificamos, durante a pesquisa, diz respeito à arquitetura estrutural do Nheengatu para a posição do sintagma funcional cujo núcleo é taa ~ =ta ‘Q’. Em outra língua da família Tupi-Guarani, o Kayabi, Gomes (2007) defende não haver evidências de que IntP possa se realizar independentemente de FocP. A mesma análise, segundo ele, se estenderia a outras duas línguas do tronco Tupi: o Cinta-Larga e o Mekens. Não parece ser esse o caso do Nheengatu, já que, diferentemente das três línguas anteriormente citadas, que empregam a mesma partícula te tanto em interrogativas WH quanto em casos de foco, o Nheengatu dispõe de partículas diferentes para essas diferentes funções: respectivamente taa

3 Veja-se, entre outros, Pagotto (2007), que, partindo de Tarallo (1993), retoma a discussão, acrescentando importantes pontos ao debate.

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~ =ta e te. Nossa hipótese é de que isso seja um indício de que o WH interrogativo, em Nheengatu, possa abrigar uma posição IntP independente de FocP.

Este trabalho está divido em seis partes, contando-se esta introdução como a primeira. Na segunda, tratamos de aspectos sócio-históricos do Nheengatu, situando-o no contexto de outras línguas indígenas atualmente faladas em território brasileiro; além disso, apresentamos um esboço do processo histórico de contato do Nheengatu com o Português, cujo resultado foi a hegemonia da língua portuguesa. Na terceira, apresentamos considerações de natureza teórico-metodológica, buscando justificar, epistemologicamente, a importância do tema para o campo da linguística gerativa; também mencionamos, muito brevemente, procedimentos adotados na pesquisa de campo e fazemos rápidas considerações sobre algumas convenções gráficas. Na quarta, discutimos as palavras WH em Nheengatu, enfatizando os seus aspectos morfofonológicos. Na quinta, apresentamos e discutimos as sentenças WH interrogativas. Ao final, apresentamos nossas considerações a respeito dos resultados alcançados.

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2 ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DO NHEENGATU

O Nheengatu é uma das, aproximadamente, 1804 línguas indígenas brasileiras. Também conhecida como Língua Geral Amazônica, ela é falada, no Brasil, no estado do Amazonas, por uma população estimada, segundo Rodrigues (2006, p. 61), em 10 mil pessoas5. Conforme Gordon (2005), também é falada na Colômbia e Venezuela. Na classificação genética proposta por Rodrigues (1985), ela faz parte do grupo C III da família Tupi-Guarani (tronco Tupi)6.

A denominação Nheengatu7, segundo Rodrigues (1986, p. 103) passou a ser adotada a partir do terceiro quartel do século XIX. Ao longo de sua constituição histórica, algumas controvérsias, em relação a essa língua, ainda não foram devidamente equacionadas. Uma diz respeito ao fato de ela ter emergido – ou não  como um pidgin ou crioulo8. Outra está associada à repetição da ideia de que a língua em questão é uma

4 Esse número não é preciso e está, naturalmente, sempre sujeito a uma revisão (para mais ou para menos), variando conforme o critério adotado pelo autor ou entidade que trabalha com povos indígenas. Considere-se, por exemplo, o que afirmam Moore, Galucio e Gabas Júnior (2008, p. 1): “[...] Embora 180 venha sendo repetido com frequência como sendo o total de línguas indígenas brasileiras, pelo critério de inteligibilidade mútua, a soma dificilmente ultrapassa 150. [...]” Admitindo-se que estejam certos, ainda assim não se pode deixar de reconhecer a significativa diversidade linguística brasileira.

5 Neste ponto, é importante frisar o fato de que os dados relacionados às populações indígenas também carecem de precisão, havendo números divergentes dependendo da fonte consultada. Além disso, nem sempre à

população estimada de uma determinada etnia corresponde um idêntico número de falantes. Rodrigues, no caso em questão, não distingue a população total da população que, efetivamente, é falante de Nheengatu. Igual procedimento é adotado por Gordon (2005), mas com uma estimativa populacional menor: no caso, seriam cerca de 3 mil pessoas no Amazonas, outras 3 mil na Colômbia e 2 mil na Venezuela, totalizando 8 mil. Moore, Galucio e Gabas Júnior (2008, p. 7), por outro lado, fazem a distinção mencionada e estimam os falantes em torno de 6 mil no Alto Rio Negro (AM), mas não apontam um contingente populacional total. O Atlas da UNESCO assume o número de falantes estimado por Moore, Galucio e Gabas Júnior.

6 Fabre (2005, p. 3), contudo, observa que essa atual posição do autor não é acompanhada unanimemente: “Rodrigues (1958) ponía el Nheengatú (língua geral amazônica) en un mismo grupo tupí-guaraní con el guaraní paraguayo, kaiwá, chiriguano, etc. Últimamente, este investigador (1984-85) lo clasifica con el kokama y omagua (grupo C III). Para Dietrich (1990), el Nheengatú y el cocama no tienen rasgos comunes que justifiquen su clasificación dentro de un mismo subgrupo.” [Destaques no original].

7 Freire (2003, p. 56) atribui a divulgação desse termo a Couto de Magalhães.

8 A posição assumida por Guisan (2011, p. 3) é a de que “[...] a Língua Geral sobrevive hoje em dia numa forma crioulizada, no norte do país, com o [sic] nheengatu.” Essa posição é reafirmada por ele, sem uma discussão teórica aprofundada, em outra passagem: “[...] A política de imigração vai contribuir para a implantação das línguas europeias mais diversas, sem falar da sobrevivência das línguas indígenas, inclusive da língua crioula de base tupi já mencionada, o nheengatu.” (GUISAN, 2011, p. 9) [Os destaques em negrito são de nossa autoria.] Uma perspectiva diferente é a de Couto (1996, p. 81-111), que, ao discutir situações semelhantes às dos pidgins e crioulos, opera, entre outros, com o conceito de anticrioulo e afirma ser essa a condição do Nheengatu, embora faça a seguinte ressalva: “[...] A língua geral só não é um anticrioulo pleno porque a regramaticalização foi em pequena escala e pelo fato de o povo que a fala ser endógeno.” (COUTO, 1996, 87)

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criação/invenção/disciplinarização dos jesuítas9. Rodrigues e Cabral (2011) posicionam-se a respeito desses temas, argumentando contra a ideia de que a Língua Geral Amazônica seja uma língua crioula e de que ela tenha sido desenvolvida por missionários jesuítas do século XVII; defendem a tese de que essa língua é, na verdade, uma versão desenvolvida gradualmente, e sem quebra de transmissão, a partir do Tupinambá, mantendo relações genéticas, portanto, como já dito anteriormente, com o subgrupo III da família Tupi-Guarani, que inclui o Tupinambá, o Tupi Antigo e a Língua Geral Paulista.

Nesta tese, estamos assumindo, com Rodrigues (1986), Oliveira (2008), Cabral (2011), Rodrigues e Cabral (2011), Cruz (2011), entre outros, que o Nheengatu está geneticamente ligado ao Tupinambá. As fontes primárias dessa língua que confirmariam tal relação são a Arte de Grammatica da Lingoa mais Usada na Costa do Brasil (ANCHIETA, 1595)10 e a Arte de Grammatica da Lingua Brasilica (FIGUEIRA, 1621)11. Dessa língua, além do Nheengatu, derivou a Língua Geral Paulista, também chamada de Língua Geral do Sul ou de Tupi Austral, e que foi falada, possivelmente, até o início do século XIX (RODRIGUES, 1986, p. 102).

Os falantes de Nheengatu representam, hoje, considerando-se os dados mais otimistas, em torno de 0,26% da população amazonense12. Apesar de se configurar em um contingente diminuto, mesmo para um lugar de baixa densidade demográfica, convém ressaltar que a situação do Nheengatu, relativamente a outras línguas minoritárias, como se verá mais à frente, não é a das mais críticas.

As línguas indígenas brasileiras, qualquer que seja o critério adotado, figuram – em diferentes graus  entre aquelas consideradas em perigo de extinção. Pelos fundamentos apontados, por exemplo, por Crystal (2005), encontram-se nessa condição línguas com menos

9 É muito difundida, nesse sentido, a abordagem de Câmara Jr. (1979, p. 101-105). Trata-se, sem dúvida, de uma ideia ainda muito viva, mesmo em lugares como São Gabriel da Cachoeira, município localizado no noroeste do estado Amazonas, cuja população, de acordo com o Censo Demográfico de 2000, se autodeclarou

majoritariamente indígena (76,31%) (ALMEIDA, 2007, p. 11). Em uma de nossas estadas na cidade (janeiro e fevereiro de 2012), ministrando aulas para uma turma de Licenciatura em Letras/Língua Espanhola 

constituída, em sua maioria, por indígenas (algo em torno de 90%), falantes de diferentes línguas, inclusive Nheengatu , um dos alunos quis saber se essa língua era, de fato, uma língua “inventada”. Cremos que uma indagação dessas seja suficientemente eloquente para ilustrar a força de uma ideologia, que resiste ao tempo. 10 Navarro (2011, p. 6) considera errônea a designação da língua descrita por Anchieta como sendo o

Tupinambá. Ele prefere chamá-la, por razões que não explicitaremos aqui, de Tupi Antigo, falado até o final do século XVII e, depois, transformado em língua geral, nos seus dois ramos: o do Norte e o do Sul.

11 Essa é a data da primeira edição. Além dela, tivemos acesso também às edições de 1687, com o mesmo título da primeira, e à edição de 1795, cujo título é Arte da Grammatica da Lingua do Brasil.

12 A população do Amazonas, aliás, a despeito da extensão territorial, não é expressiva, representando apenas a segunda na região Norte, ficando atrás do Pará, que tem pouco mais que o dobro de habitantes. O estado, conforme o IBGE (www.ibge.gov.br), tem uma população estimada, para 2013, de 3.807.921 habitantes, enquanto a do Pará é de 7.969.654.

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de 100 mil falantes. Nesse caso, TODAS as línguas indígenas brasileiras estão ameaçadas, já que a etnia mais numerosa, a dos Ticuna, conta com uma população estimada em torno de 30 a 40 mil pessoas (RODRIGUES, 2006; MOORE, GALUCIO e GABAS JÚNIOR, 2008).

A United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), por sua vez, em publicação recente (2010), listou 2473 línguas, no mundo, em perigo de extinção (ou há pouco extintas), incluindo, nesse rol, todas as línguas indígenas brasileiras até então identificadas. Para compor essa estatística, tomou como critérios nove fatores, dos quais o mais saliente é o da transmissão linguística intergeracional, conforme quadro descritivo abaixo:

Quadro 1: Situação das línguas em perigo de extinção

Grau de Perigo Transmissão Linguística Intergeracional

A salvo

a língua é falada por todas as gerações; a transmissão intergeracional é ininterrupta

>> línguas não incluídas no Atlas

Vulnerável a maioria das crianças fala a língua, mas ela pode estar restrita a certos domínios (e.g., a casa)

Definitivamente em perigo

as crianças já não aprendem a língua como língua materna em casa

Severamente em perigo

a língua é falada pelos avós e gerações mais velhas; embora a geração dos pais possa compreendê-la, eles não a falam com as crianças ou entre si

Criticamente em perigo os falantes mais jovens são avós e mais velhos, e eles falam a língua parcialmente e infrequentemente

Extinta

não há mais falantes

>> incluídas no Atlas se, presumivelmente, estão extintas desde 1950

Fonte: UNESCO (2010; tradução de nossa autoria).

Com base nessa caracterização, a UNESCO, no Atlas of the World’s Languages in

Danger13, apresenta uma lista de 190 línguas indígenas brasileiras, cujas condições resumimos no quadro que organizamos abaixo:

Quadro 2: Situação das línguas brasileiras quanto ao perigo de extinção A salvo Definitivamente em

perigo

Severamente em perigo

Criticamente

em perigo Extintas Total

Brasil 97 17 19 45 12 190

Fonte: UNESCO (2010).

13 http://www.unesco.org/culture/languages-atlas/

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O Nheengatu, no caso, é listado entre as 19 línguas severamente em perigo. Considerando-se a descrição acima apresentada para esse grupo, a sua inclusão nele é questionável. Não é verdade que essa língua seja falada – em todos os espaços e em todas as circunstâncias de fala – apenas pelos avós e gerações mais velhas. Constatamos, em nossas viagens de trabalho de educação e nos trabalhos de campo, que se trata de uma língua ainda vigorosa em termos de transmissão intergeracional: os falantes mais velhos a empregam no contato com as gerações mais jovens; a língua não tem apenas um uso privado, ela é usada em contextos públicos de interação (nas escolas, nos jogos, nas celebrações comunitárias, etc.) Considerando-se apenas o caráter de transmissão, o Nheengatu deveria, a princípio, figurar entre as línguas a salvo, embora seja preciso admitir a existência situações que inspirem cuidados.

Assim, como se procurou demonstrar até aqui, o Nheengatu, mesmo apresentando uma situação relativamente mais estável do que a de cerca de 1/3 das línguas indígenas brasileiras, sobretudo do ponto de vista da transmissão intergeracional, ainda não escapa totalmente da condição de língua em perigo de extinção. Nesse sentido, ganham relevo iniciativas cujo objetivo tem sido o de sua valorização. Uma delas é a Lei 145, de 11 de dezembro de 2002, que trata da cooficialização do Nheengatu  junto com o Tukano e o do Baniwa , no município de São Gabriel da Cachoeira. Essa cooficialização foi regulamentada pela Lei 210, de 31 de outubro de 2006. Foi o primeiro caso de cooficialização de línguas no Brasil (ALMEIDA, 2007).

Outra iniciativa, a partir de 2009, foi a criação da Licenciatura Indígena Políticas

Educacionais e Desenvolvimento Sustentável, que, entre outras particularidades, adotou uma

política linguística de privilegiar as línguas cooficiais acima citadas14. Assim, a partir de um processo seletivo que exigiu a comprovação de proficiência em uma das línguas cooficiais, foram criadas três turmas, uma das quais tem o Nheengatu como língua de trabalho, isto é, todas as atividades – sejam orais ou escritas – devem ser elaboradas pelos alunos nessa língua. Nota-se, portanto, que  embora diante de uma atmosfera pessimista, quase sombria, praticamente decretando que o final das línguas indígenas está próximo  há evidentes sinais

14 A primeira turma da referida Licenciatura Indígena concluiu suas atividades acadêmicas, com a defesa dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), em julho de 2013. A constatação de que a política linguística adotada foi acertada veio, entre outros, do TCC defendido por Rosemira Henrique Elpidio, intitulado “O despertar de uma língua a partir da Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável”. Nesse TCC, escrito no gênero memória, Rosemira narra de que forma a Licenciatura fez com que ela despertasse de um estado de latência de quase 20 anos sem falar o Nheengatu por causa da forte pressão exercida pelo português na trajetória de vida escolar vivenciada por ela.

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de resistência, capazes de reversão do estado atual, permitindo uma maior longevidade e vigor de línguas minoritárias, de modo particular, no caso em questão, do Nheengatu.

Para uma visão panorâmica da história social da Língua Geral na Amazônia, há uma proposta de cronologia da autoria de Freire (1983, p. 40). Ainda que tenha considerado essa periodização provisória, em seu texto de 1983, Freire (2003, 96) vai continuar a mantê-la, explicando não ter encontrado novos documentos nem novos argumentos para reformulá-la. Apresento, abaixo, um quadro comparando as duas publicações:

Quadro 3: Cronologia da História Social do Nheengatu

Freire (1983) Freire (2003)

(a) Fase dos intérpretes (séc. XVI) (a) A prática dos intérpretes (século XVI e início do XVII)

(b) Etapa de implantação do Nheengatu (1616-1686)

(b) A escolha do Tupinambá e sua expansão (1616-1686)

(c) Expansão do Nheengatu (1686-1757) - com apoio oficial (1686-1727)

- sem apoio oficial (1727-1757)

(c) A normatização da Língua Geral e sua reprodução (1686-1757)

(d) Tentativas de portugalização (1757-1850) (d) As propostas de portugalização (1757-1850) (e) Processo de hegemonia da língua portuguesa

(começa a partir de 1850 até os nossos dias).

(e) A hegemonia da língua portuguesa (a partir de 1850)

Fonte: Freire (1983, 2003).

Como se vê, as datas de referência, basicamente, não sofreram mudanças. Note-se, contudo, que Freire (2003) não manteve a subdivisão para o período de 1686 a 1757. Além disso, mais significativamente, há algumas alterações, na denominação das fases, que merecem destaque: em (b) ocorre a substituição do termo implantação por escolha, além da agregação do termo expansão; em (c) o termo expansão é substituído por normatização e

reprodução. Acrescente-se a isso a substituição, em (b), de Nheengatu por Tupinambá,

corrigindo-se, assim, um anacronismo. E a preferência, nas outras fases, pelo termo Língua

Geral é explicada pelo autor por ser “sancionada pela academia” (FREIRE, 2003, p. 84).

Ele observa, porém, que tais fases não são acabadas ou ‘fechadas’, mas são tendências, que, por vezes, coexistiram em determinado período. Sem entrar, por ora, em maiores detalhes, indico alguns fatos, algumas características de cada uma dessas fases, reproduzindo a análise de Freire (1983; 2003).

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A fase (a)  a dos intérpretes (séc. XVI)  caracteriza-se por não apresentar um projeto de ocupação europeia da Amazônia, embora tenham sido realizadas  por espanhóis, ingleses, franceses, holandeses e portugueses  dezenas de expedições15 à região, a maioria delas contando com o auxílio de “línguas”, isto é, de índios recrutados como intérpretes.

A fase (b), que Freire (1983) denomina de etapa de implantação do Nheengatu (1616-1686), representa o início da conquista portuguesa da Amazônia, tendo como marco histórico, em 1616, a fundação do Forte do Presépio, que deu origem à atual cidade de Belém, no estado do Pará16. Nesse período, a política adotada, em função da grande diversidade linguística existente na região17, é a do estímulo ao uso de uma língua franca, que não podia ser o Português, porque a experiência de sua implementação no litoral havia redundado em fracasso. Optou-se, então, pela Língua Geral, cuja prática já vinha sendo estimulada, sobretudo, por missionários jesuítas. A maior proficiência linguística desse braço religioso da Coroa, aliás, teve consequências políticas, culminando na edição do Regimento das Missões (1686), por meio do qual se efetivou o controle espiritual e temporal da parte desses missionários: Para o colono mandar e o índio obedecer, para o missionário ensinar, disciplinar e cristianizar, colonos e missionários tinham duas alternativas: ou tentar aprender a infinidade de línguas ou estabelecer uma língua de comunicação regional. (FREIRE, 1983, p. 44)

O Regimento é o marco inaugural da fase (c)  a da expansão da Língua Geral , que contou, até o ano de 1727, com forte apoio oficial da Coroa portuguesa, estendendo-se até o ano de 1757, mas já sem esse apoio. Ao longo desse período, além do já citado documento, também foi publicada uma Carta Régia, datada de 30 de novembro de 1689, oficializando o Nheengatu como língua da Amazônia: "O Nheengatu, como idioma oficial das missões da Amazônia, passou a ser ensinado com uma certa sistematização aos índios de diferentes famílias linguísticas estocados nas aldeias de repartição." (FREIRE, 1983, p. 50).

Assim, a Língua Geral, com o seu crescente papel de língua de comunicação interna, impôs-se ao Português, vigente, então, como língua, basicamente, na modalidade escrita, no âmbito da administração e da justiça. E como a Coroa havia se tornado dependente da intermediação dos missionários  sobretudo os jesuítas  para a comunicação por meio da Língua Geral, acentuaram-se os conflitos de interesses, sobretudo pela mão de obra indígena.

15 A título de exemplo, citam-se as expedições de Orellana (1541-42) e Ursua-Aguirre (1560-61). 16 Freire (1983) informa que eram 150 os falantes de Português fundadores do Forte.

17 Freire cita dados de Loukotka, que estimou, para o período, 1492 línguas para a América do Sul, das quais 718 estavam na Amazônia brasileira, sendo que 130 eram do tronco Tupi, ao qual se filia – como já dito  o

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Em função disso, foram tomadas medidas de caráter repressivo contra ela. Assim, em 19 de setembro de 1727, foi publicada a carta do rei de Portugal ao capitão e general do Estado do Maranhão e Grão-Pará, proibindo-a. A partir daí, é retirado o apoio oficial. Tal medida, contudo, não teve o efeito desejado, e não conteve a expansão da língua, tanto que, em 1750, conforme Freire (1983; 2003), quem quase havia sido banida de Belém e de São Luís era a Língua Portuguesa. Assim, do incentivo de conveniência, a Língua Geral, antes usada como contraponto às línguas “travadas”, passou ela mesma a ser tratada, nas palavras do governador Xavier de Mendonça Furtado (irmão do Marquês de Pombal), como uma “diabólica invenção”:

Depois de um século e meio, a língua que havia servido como língua franca e de unidade regional para uma maior rentabilidade da conquista, passou a ser vista como ‘diabólica’ e incapaz de ‘traduzir’ os interesses coloniais. É que os tempos eram agora outros e a Coroa Portuguesa tinha um novo projeto para a região. (FREIRE, 1983, p. 57)

A fase (d)  a das tentativas de portugalização (1757-1850)  tem como marco a publicação do Diretório de Índios. Destaque-se que o Diretório tinha sido precedido de medidas tendo em vista essa desejada portugalização: a expulsão dos jesuítas, a abolição da escravidão indígena e o estímulo à migração massiva de colonos portugueses. Para incentivar a economia havia sido criada, dois anos antes, a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão.

O Diretório foi extinto em 1798. Desse ano até o de 1822, houve violentas guerras de extermínio. Na Amazônia, merece destaque a Cabanagem, um movimento popular que foi duramente reprimido, culminando na morte de cerca de 40 mil cabanos, falantes de Nheengatu. Foi, sem dúvida, um grande golpe na hegemonia da língua.

Após a Independência do Brasil (1822), o Amazonas constituía assim a única unidade política que não havia sido portugalizada e que permanecia maioritariamente indígena. Esta situação iria durar ainda por mais meio século e seria o Estado brasileiro o encarregado de modificá-la. (FREIRE, 1983, p. 64)

A partir de 1850 vai ter início a fase (e), que vai caracterizar o processo de hegemonização da língua portuguesa. Essa data marca, também, a criação da Capitania do Rio Negro, mais tarde Província do Amazonas, concretizando-se, assim, sua separação do atual estado do Pará. Voltando à hegemonização, vale destacar que ela foi se solidificando aos poucos. Em 1860, em um relatório de viagem, Gonçalves Dias concluiu que

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[...] o sistema educativo não funcionava porque a língua empregada na escola  o português  não era a língua falada pelas comunidades locais. O português era a língua oficial, sendo obrigatório o seu uso na escola, mas a maioria da população desconhecia esta língua e falava apenas o Nheengatu. [...] (FREIRE, 1983, p. 66-67)

A efetiva hegemonização da Língua Portuguesa, de acordo com Freire (1983, p. 68), vai acontecer por força da integração da Amazônia ao mercado internacional do trabalho, consubstanciada na migração nordestina. Dados compilados por Freire junto a Furtado (1959, p. 19) apontam  para o período de 1872 a 1900  a chegada de 260 mil nordestinos à Amazônia, número que chegou a 500 mil, no ano de 1910. Há, portanto, a partir dessa maciça presença exógena, a consolidação da perda de importância que o Nheengatu havia tido até então.

O resumo dessa história social do Nheengatu é o de seu contato permanente com o Português. Sua história exemplifica a repetição de um processo de apagamento, em termos físicos e culturais, das populações indígenas brasileiras. O resultado disso – a hegemonia da língua portuguesa – foi tratado de forma positiva por alguns historiadores.

É o que acontece, por exemplo, com Rodrigues (1983), em um artigo intitulado “A vitória da língua portuguesa no Brasil colonial”, em que menciona a situação do Tupi no Pará, Maranhão e Amazonas e, depois, a reação do Português com a legislação pombalina. Embora tente apresentar uma visão crítica a respeito dessa questão, a escolha do termo “vitória”, no título, reforça a posição do colonizador.

Outro que vai tratar da língua portuguesa na região amazônica é Reis (1961), um historiador que, mais tarde, foi nomeado governador do Amazonas. Ele escreveu um texto – “A língua portuguesa e a sua imposição na Amazônia”. Apesar do título, o autor pode muito bem ser enquadrado entre aqueles que, segundo Mattos e Silva (1998, p. 27), ao se referir a Serafim da Silva Neto, tem uma obra

marcada por orientação ideológica que tem como pressuposto a necessária ‘vitória’ da língua da ‘cultura superior’, a portuguesa, sobre as línguas autóctones e africanas com que o português entrou em contato no complexo processo sócio-histórico do Brasil.

São de Reis expressões do tipo “mais absoluto sucesso”, “toda uma admirável página de trabalho”, “destino histórico de criar uma nova humanidade”, “empresa de mudança cultural”, etc.

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Esse modo de lidar com a hegemonia da língua portuguesa ajuda a compreender o quadro atual do Nheengatu e, por extensão, das demais línguas indígenas brasileiras.

2.1 RESUMO DO CAPÍTULO

Neste capítulo, situamos o Nheengatu no contexto das línguas indígenas brasileiras, em geral, e seu lugar entre as línguas da chamada família Tupi-Guarani, assumindo sua filiação genética ao Tupinambá; observamos, além disso, sua condição de língua em perigo de extinção, discutindo os critérios adotados por Crystal (2005) e pela UNESCO (2010). Em seguida, com base em Freire (1983 e 2003), apresentamos um rápido panorama da história social do Nheengatu, seu papel hegemônico na região amazônica até ser suplantado pelo português, sobretudo em função da presença maciça de nordestinos, atraídos pelo boom da borracha.

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3 ASPECTOS TEÓRICOS E BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Para quem é pesquisador de orientação gerativista, o conhecimento dos princípios epistemológicos dessa área de pesquisa tornam desnecessárias discussões dessa natureza, em uma tese, a não ser, naturalmente, que esse seja o objeto do estudo. Acreditamos, contudo, que sempre há a possibilidade de que leitores não familiarizados com a área venham a ter contato com este trabalho, o que justificaria a seção seguinte.

3.1 QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS

Não é de hoje que as questões sobre linguagem suscitam debates acalorados. Como bem demonstra Lyons (1979, p. 4-9), desde o século V os gregos já estavam empenhados em discutir, filosoficamente, se o que regia a língua era a "natureza" ou a "convenção", debate que se entendeu mais tarde opondo analogistas a anomalistas e continuou sendo mantido, noutras bases, até os dias de hoje. Não se trata de fazer, aqui, evidentemente, nenhuma exegese dessa discussão, mas apenas mostrar que ela vem de longa data.

Atualmente, os estudos linguísticos vêm sendo dominados basicamente por duas correntes: de um lado os gerativistas e de outro os funcionalistas. Numa caracterização breve dessas duas tendências, Craig18 (2000, p. 41) afirma que a Linguística Gerativa está associada ao nome de Chomsky e é aquela que predomina nas instituições com programas novos de pós-graduação na América Latina, tendo como meta a busca por um modelo abstrato de linguagem, caracterizando-se, metodologicamente, como sendo formal e baseada na intuição gramatical do falante; a Linguística Funcional, por outro lado, está ligada, segundo ela, a nomes como o de Givón, tem como enfoque o estudo empírico das línguas do mundo em sua função de sistema comunicativo, caracterizando-se, metodologicamente, por trabalhar com dados 'mais naturais': textos gravados (narrativos ou de conversação), tendo em vista a função comunicativa humana e seus reflexos na estrutura linguística.

18 Ressalve-se o fato de que o texto de Craig (2000) não tem por objetivo precípuo tratar das diferenças entre gerativistas e funcionalistas, ainda assim convém fazer-lhe um reparo: não se pode associar unicamente os gerativistas ao formalismo. Tal equação é imprecisa, já que não há um funcionalismo, mas vários

"funcionalismos" e, dentre eles, há pelo menos um que é assumidamente formal (VAN VALIN, 1993; VAN VALIN e LAPOLLA, 1997): aquele que tem procurado desenvolver a assim chamada Gramática de Papel e Referência.

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Newmeyer (1998), também tratando dessas duas correntes, faz uso retórico de um diálogo imaginário entre Sandy Forman, gerativista, e Chris Funk, funcionalista. Depois de narrar todo esse diálogo, apontando as provocações de parte a parte, ele afirma:

Argumentarei que, surpreendentemente, Sandy e Chris estão ambos certos. Isto é, formalistas estão absolutamente corretos em seu compromisso de caracterizar a forma independentemente de sentido e função. Mas ao mesmo tempo, funcionalistas estão certos de o sentido e a função poderem ajudar a moldar a forma. Como veremos, não há contradição aqui, seja lá no que Sandy e Chris possam acreditar. (NEWMEYER, 1998, p. 6)19

Se, conforme Newmeyer, formalistas/gerativistas e funcionalistas estão certos, pode-se concluir, então, que, a obtenção de resultados satisfatórios em torno do estudo línguas independe da ferramenta teórica escolhida, desde que se restrinja ao foco definido, não se exigindo de uma abordagem teórica uma resposta que ela não pretende dar.

Nesta tese opta-se pela teoria gerativa. Tal opção, contudo, pode ser problemática quando a teoria eleita é tomada não como uma ferramenta de análise, mas como um ato de fé contra o qual nada poderá ser dito. É para escapar dessa armadilha que se pretende, nesta seção, discutir princípios epistemológicos que têm sustentado a teoria Gerativa, na formulação dada por Chomsky e outros.

Essa maneira de encarar o conhecimento, aliás, é defendida pelo próprio Chomsky. Em entrevista concedida a Dillinger e Palácio (1997), quando confrontado com a afirmativa de que alguns linguistas e psicolinguistas aplicaram a gramática gerativa sem levar em consideração suas pressuposições teóricas e suas consequências (em função de uma má compreensão da base epistemológica) e indagado a respeito do que julgava necessário num currículo acadêmico como conhecimento prévio para estudantes de linguística, para que a teoria linguística pudesse ser avaliada em bases mais sólidas, ele respondeu:

Uma qualificação importante, não sei se é acadêmica ou pessoal, é o ceticismo. Acima de tudo, você não deve levar muito a sério qualquer coisa que ouvir de qualquer pessoa que seja uma autoridade. Este é o requisito número um. Não sei de onde vem isso, mas é uma qualidade muito boa da mente. Nas ciências você é de certa maneira treinado assim. Então, se você está fazendo um curso de pós-graduação em física no MIT, não se espera que você tome notas, espera-se que desafie o professor e descubra o que está errado. Espera-se que você tenha ideias

19 Tradução de Vitória Letícia de Souza Oliveira e Samara Alice da Silva. O texto original é o que segue: "I will argue that, to surprising extent, Sandy and Chris are both right. That is, formalists are absolutely correct in their commitment to characterizing form independently of meaning and function. But at the same time, functionalists are right the meaning and function can help to shape form. As we will see, there is no contradiction here, whatever Sandy and Chris might believe."

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novas e diga aos mais velhos porque eles estão errados. É assim que as ciências avançadas funcionam, mas isso não ocorre nas outras disciplinas, e é um dos motivos pelos quais elas não progridem muito. A primeira qualidade é o ceticismo. Você quer que lhe mostrem as coisas, não que lhe digam como elas são. Não é suficiente ouvir alguém dizer alguma coisa, você quer as razões para poder avaliá-las. Então, você deve encarar o que eu vou dizer agora com muito ceticismo. (DILLINGER e PALÁCIO, 1997)20

Antes dessa resposta, Chomsky já havia mencionado o encontro dos Linguistas Gerativos do Velho Mundo (GLOW: Generative Linguists of the Old World)21, observando que fora composto de pessoas muito jovens, que, a exemplo dele, tiveram que trabalhar fora da instituição acadêmica das humanidades e ciências sociais:

[...] Essas áreas são muito resistentes a novas ideias, diferentemente das outras ciências que acolhem as novas ideias, porque sabem que é assim que crescemos e nos desenvolvemos. As ciências em geral também recebem bem os desafios: nessas ciências espera-se que os alunos se levantem e digam ao professor porque ele está errado. As humanidades e as ciências sociais ainda têm caráter pré-científico em certo sentido: elas são autoritárias. Os alunos simplesmente aceitam o que lhes dizem e não desafiam o mestre; desse modo, essas áreas não permitem que novas ideias se desenvolvam. Este é um ambiente perigoso e os linguistas sempre se desenvolveram fora dele. [...] (DILLINGER e PALÁCIO, 1997)

Como se vê, a atitude científica assumida é a do ceticismo, a do desafio. Isso, naturalmente, contraria as críticas – nada científicas, aliás – daqueles que veem os adeptos da teoria gerativa como meros “acólitos” de Chomsky. Certamente há pessoas que não se incomodam em ficar nessa posição; contentam-se em assumir uma atitude de veneração. Se agem assim, contudo, certamente não o fazem por qualquer exigência inerente à teoria. Aliás, é bom que se diga, comportamentos reverentes e acríticos existem em todos os ramos do conhecimento.

Não se pretende, nesta seção, fazer uma arqueologia do pensamento chomskyano. A ideia básica é a de mostrar a manutenção de um núcleo básico de indagações que, ao longo do tempo, recebeu o acréscimo de novas perguntas que tornaram possível, de forma explicita, a construção de uma ponte para a partilha de conhecimentos com outros saberes como os das neurociências, por exemplo.

Chomsky (1986, p. 3)22 afirma que o estudo da gramática gerativa representou uma significativa mudança de foco na abordagem dos problemas da linguagem. Tratou-se, no caso,

20 A versão eletrônica por nós consultada não é paginada. Os destaques são de nossa autoria.

21 A data precisa desse evento não foi mencionada. Informa-se, apenas, que ocorreu em um mês de abril. 22 Tradução nossa. O texto original é o que segue:

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de concentrar-se no conhecimento da linguagem, isto é, sua natureza, origem e uso. Para isso, segundo ele, três questões básicas deveriam ser propostas:

(i) O que constitui o conhecimento da linguagem? (ii) Como o conhecimento da linguagem é adquirido?

(iii) Como o conhecimento da linguagem é colocado em uso? Chomsky (1988, 3) 23, voltando a tratar do mesmo ponto, observa que uma pessoa que fala uma língua desenvolveu um certo sistema de conhecimento, representado de um certo modo na mente e, em última análise, no cérebro em alguma configuração física. Uma pesquisa nessa direção exigiria o enfrentamento de uma série de questões, entre as quais:

(i) O que é o sistema de conhecimento? O que está na mente/cérebro do falante de inglês ou espanhol ou japonês?

(ii) Como esse sistema de conhecimento surge na mente/cérebro?

(iii) Como esse sistema de conhecimento é posto em uso na fala (ou em sistemas secundários tais como a escrita)?

(iv) Quais são os mecanismos físicos que servem como a base material para esse sistema de conhecimento e para o uso desse conhecimento?

Essas mesmas questões apresentadas por Chomsky são, mais adiante, no mesmo texto, assim reformuladas por ele:

1. O que nós sabemos quando nos tornamos capazes de falar e compreender uma língua?

2. Como esse conhecimento é adquirido? 3. Como nós usamos esse conhecimento?

4. Quais são os mecanismos físicos envolvidos na representação, aquisição e uso desse conhecimento?

(CHOMSKY, 1988, p. 133; os destaques são de nossa autoria)24

Embora haja uma diferença de formulação em Chomsky (1988), ela não consiste, de fato, em uma alteração de conteúdo. Na verdade, a diferença a ser notada é em relação a

(i) What constitutes knowledge of language?

(ii) How is knowledge of language acquired? (iii) How is knowledge of language put to use? 23 Tradução nossa. O texto original é o que segue:

1. What is the system of knowledge? What is in the mind/brain of the speaker of English or Spanish or Japanese? 2. How does this system of knowledge arise in the mind/brain?

3. How is this knowledge put to use in speech (or secondary systems such as writing?

4. What are the physical mechanisms that serve as the material basis for this systems of knowledge and for the use of this knowledge?

24 Tradução nossa. O texto original é que segue:

1. What do we know when we are able to speak and understand a language? 2. How is this knowledge acquired?

3. How do we use this knowledge?

(45)

Chomsky (1986). O dado novo é o acréscimo de (iv/4), ou seja, passa a fazer parte do programa de pesquisa sobre a linguagem – pelo menos de uma forma mais explícita – a preocupação de entender de que modo operações mentais relacionadas à linguagem são fisicamente expressadas no cérebro25. A adição dessa nova pergunta representa o momento em que a gramática gerativa insere as neurociências, em particular a neurolinguística, no âmbito de um programa de pesquisa cujo sucesso depende do precioso auxílio de outras áreas do saber.

Nessa ocasião, Chomsky (1988, p. 6) reconhece ser a questão (iv/4) relativamente nova – em comparação às outras três  e, por isso mesmo, estava ainda num horizonte distante. Mais adiante, ele esboça de que forma se poderia chegar a respostas possíveis:

[...] Até onde o linguista possa prover respostas às questões 1, 2 e 3, o cientista do cérebro pode começar a explorar os mecanismos físicos que exibam as propriedades reveladas na teoria abstrata do linguista. Na ausência de respostas a essas questões, os cientistas do cérebro não sabem o que eles vão procurar; sua pesquisa é, a esse respeito, cega. (CHOMSKY, 1988, p. 6.)26

Adotar esse procedimento de usar as abstrações da linguística como forma de pautar as buscas a serem feitas pelos cientistas do cérebro é, conforme argumenta Chomsky (1988, p. 7-8), uma prática que se revelou positiva, por exemplo, no século XIX, quando os químicos propuseram construtos teóricos que, depois, foram demonstrados válidos a partir das pesquisas desenvolvidas pelos físicos.

Há, portanto, uma proposta de ação. Chomsky (1988, p. 8) aponta as dificuldades: “Eu não tenho nada a dizer sobre a questão 4 porque pouco se sabe [sobre ela]”. É o que ele repete mais à frente, explicitando o problema de modo mais detalhado:

25 Pires de Oliveira (2010, p. 10)  ao discutir a hipótese defendida por Borges Neto (2004, p. 97) de que o núcleo estruturante da Gramática Gerativa, a despeito das mudanças na periferia da teoria ao longo dos anos, sempre se ateve (a) aos comportamentos linguísticos efetivos (enunciados) que, pelo menos em parte, seriam determinados por estados da mente/cérebro e (b) à natureza dos estados da mente/cérebro, parcialmente

responsáveis pelo comportamento linguístico, que poderia ser captada por sistemas computacionais  acrescenta ao “núcleo duro” da Gramática Gerativa o seguinte:

Há uma faculdade da linguagem, específica aos seres humanos. Adicionamos uma hipótese que tem de fato caracterizado a abordagem de Chomsky: a existência de um “órgão” da linguagem.

Ainda segundo a autora, as primeiras referências explícitas a esse “órgão” só aparecem publicadas em livro em 1968 com Language and Mind.

26 Tradução nossa. O texto original é o que segue: "[...] Insofar as the linguist can provide answers to questions 1, 2, and 3, the brain scientist can begin explore the physical mechanisms that exhibit the properties revealed in the linguist's abstract theory. In the absence of answers to the these questions, brain scientists do not know what they are searching for; their inquiry is in this respect blind."

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