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Retratos da crítica de cinema no jornalismo impresso brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JORNALISMO

RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA NO

JORNALISMO IMPRESSO BRASILEIRO

RITA CONSTANTINO

RIO DE JANEIRO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JORNALISMO

RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA NO

JORNALISMO IMPRESSO BRASILEIRO

Monografia submetida à Banca de Graduação como requisito para obtenção do diploma de

Comunicação Social/ Jornalismo.

RITA DE CÁSSIA CONSTANTINO DE OLIVEIRA

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior

RIO DE JANEIRO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

TERMO DE APROVAÇÃO

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia Retratos da Crítica de Cinema no Jornalismo Impresso Brasileiro, elaborada por Rita de Cássia Constantino de Oliveira.

Monografia examinada:

Rio de Janeiro, no dia .../.../...

Comissão Examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior Doutor em Literatura Comparada - UFRJ

Escola de Comunicação - UFRJ

Profa. Ivana Bentes de Oliveira

Doutora em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ Escola de Comunicação - UFRJ

Prof. Igor Pinto Sacramento

Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ Escola de Comunicação – UFRJ

RIO DE JANEIRO 2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

OLIVEIRA, Rita de Cássia Constantino de.

Retratos da Crítica de Cinema no Jornalismo Impresso Brasileiro. Rio de Janeiro, 2017.

Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação – ECO.

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OLIVEIRA, Rita de Cássia Constantino de. Retratos da Crítica de Cinema no Jornalismo Impresso Brasileiro. Orientador: Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior.

Rio de Janeiro: UFRJ/ECO. Monografia em Jornalismo.

RESUMO

Este trabalho busca investigar o espaço que a crítica jornalística de cinema ocupa na grande imprensa diária brasileira, em particular após as transformações no ecossistema midiático que modificaram o jornalismo, e, portanto a crítica, com a chegada do século XXI. Para isso, a pesquisa irá percorrer as origens do ato de criticar, sua relação com o cinema, passando pela prática no Brasil e suas particularidades socioculturais e políticas. Com retratos da crítica nacional no passado, espera-se entender melhor a imagem da crítica do presente. Compreender seu destino já que os periódicos estão cada vez mais enxutos, explorar suas formas de manifestação nas novas configurações de rede digital e descobrir as consequências dessas duas variáveis no consumo do leitor de crítica cinematográfica são algumas das questões que este projeto experimental irá se atentar.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...6

2. O NASCIMENTO DA CRÍTICA...10

2.1. Noções preliminares...10

2.2. A crítica no cinema... 15

3. RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA...20

3.1. Caminhos do jornalismo cultural no Brasil...20

3.2. Eis o Cinema: fazendo crítica de filmes em solo nacional...21

3.2.1. Primeiros anos...21

3.2.2. Transformação na imprensa: suplementos culturais e novos caminhos para a crítica de cinema brasileira...23

3.2.3. Do Crítico de Cinema Colonizado ao crítico militante...26

3.2.4. Didatismo, indústria cinematográfica e produção crítica...32

3.2.5. Renascendo das cinzas: crítica e o Cinema de Retomada...36

4. CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI: RETRATO CONTEMPORÂNEO...39

4.1. Jornais em transformação e mudanças do ecossistema midiático...39

4.2. Passado e presente...41

4.3. Consumo de crítica de cinema...46

4.4. Crítica de cinema e suas possibilidades no presente...50

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...55

6. REFERÊNCIAS...58

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6 1. INTRODUÇÃO

No dia 13 de julho de 2017, chegou ao circuito nacional o longa-metragem português

Cartas da Guerra, adaptação do diretor Ivo M. Ferreira das memórias do escritor António

Lobo Antunes durante o conflito de independência na Angola. Como de praxe, na semana de estreia, a distribuidora organizou cabines, sessões fechadas para críticos, para a apreciação da imprensa.

Na sala do Cine Joia, cinema onde aconteceu a exibição no Rio de Janeiro, a imagem era curiosa: aguardavam o início do filme críticos amadores, críticos profissionais de sites especializados e Ely Azeredo. Um dos maiores nomes da crítica jornalística de cinema no país dividia o espaço com jovens inexperientes, muitos que se aventuram nesse meio graças a

blogs e portais de cultura independentes e que talvez desconheçam a figura do veterano com

mais de 60 anos de carreira.

Esse cenário, porém, por mais peculiar que seja não é incomum nas cabines no Brasil hoje. Heterogêneas, as sessões exclusivas à imprensa reúnem desde críticos que atuam nos maiores veículos do país a cinéfilos que escrevem crítica como hobby. Entre esses dois polos, há quem trabalhe para portais populares sobre cinema até personalidades que ganharam fama na web por tratarem do tema.

Diante desse quadro algumas questões surgem. Como a cena da crítica cinematográfica brasileira chegou a essa configuração? Como ela foi há 50 anos? Qual é a sua história? É possível perceber que o quadro descrito é curioso, mas não é apenas uma anedota. Pelo contrário, foi a partir dele que se confirmou a intenção deste trabalho: tentar capturar, como em uma fotografia, momentos da crítica de cinema no jornalismo brasileiro, visualizar com ela foi praticada no passado e entender sua vida no presente.

Parte desse desejo vem também do fato de que o conhecimento acerca de como se escrever sobre filmes em nosso país ser um tanto obscuro. Há dúvidas se alguns dos jovens frequentadores da cabine tinham a consciência de quem era – e o que representa - o senhor sentado próximo a eles. André Bazin, François Truffaut, Pauline Kael e Roger Ebert são, por exemplo, nomes familiares para quem tem algum tipo de afinidade com o meio, talvez mais do que os de quem se dedicou em escrever crítica no Brasil nos últimos 50 anos.

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7 Talvez pouco se saiba, mas hoje, como nunca, muito se produz. O cinema, por sua natureza de veículo de comunicação de massa, estimula o espectador a expressar sua opinião sobre os filmes com menos constrangimentos do que outras formas de arte e entretenimento; não basta senti-lo, é preciso também expor sua opinião sobre ele. Com as novas formas de comunicação, então, esse hábito ganha muito mais força: qualquer pessoa acha que pode ser crítico e as ferramentas digitais dão respaldo a isso.

Esse material, por mais amador que seja, pode ganhar alguma legitimidade ao chegar às redes. Atualmente, a internet corresponde ao segundo maior caminho que o público utiliza para se informar depois da televisão, é o que informa a última “Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016” organizada pela Secretaria de Comunicação Social do governo1

. Não só canais especializados de informação, como conteúdo produzido por indivíduos sem nenhuma profissionalização na área podem ser colocados no mesmo patamar pelos receptores.

A mídia tradicional, em contrapartida, tem perdido força. Segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PCM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o segmento “Livros, Jornais, Revistas e Papelaria” apresentou, no ano passado, recuo de 16,1% no volume de vendas sobre janeiro-dezembro de 20152. O impresso há um tempo não é a primeira opção do público na busca de informação e vem tentado sobreviver diante desse novo panorama.

Desequilíbrio que é visível até no episódio que abre este trabalho: enquanto os redatores para conteúdo online tiveram liberdade para aprofundar seu texto34, Ely Azeredo, cobrindo para o jornal O Globo, não ganhou mais do que duas frases na seção do O Bonequinho Viu5. Nesse contexto, qual é o espaço dado à crítica de cinema nas páginas dos jornais brasileiros? É menor do que há meio século? Quais as suas diferenças em relação ao tipo de material produzido na internet? Essas são algumas questões que esse projeto experimental se atentará.

1 TV é o meio preferido de 63% dos brasileiros para se informar, e depois internet com 26%, diz pesquisa. G1

Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/tv-e-o-meio-preferido-por-63-dos-brasileiros-para-se-informar-e-internet-por-26-diz-pesquisa.ghtml> Último acesso em: 28.11.17

2Venda de livros tem recuo histórico no comércio varejista. O Globo Disponível:

<https://oglobo.globo.com/cultura/livros/venda-de-livros-tem-recuo-historico-no-comercio-varejista-20924419> Último acesso em: 28.11.17

3

CARMELO, Bruno. Cartas da Guerra: Fragmento de um discurso amoroso. Adoro Cinema. Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244218/criticas-adorocinema/> Último acesso em: 28.11.17

4 CARVALHO, Demétrius. ‘Cartas da Guerra’ é um drama português envolvente. Blah Cultural. Disponível em:

<https://www.blahcultural.com/critica-cartas-da-guerra/> Último acesso em: 28.11.17

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8 Para poder esclarecê-los, o caminho a ser percorrido será divido em três etapas. O primeiro capítulo, O Nascimento da Crítica, mergulhará nas origens do ato crítico. Tentaremos compreender de onde surge a necessidade de exprimir julgamentos, sua relação com a história da arte e com a formação da sociedade burguesa no XVII.

Preparado esse terreno, partiremos para a crítica de cinema, em que investigaremos sua gênese e como seus passos cruzam com os do jornalismo. As teorias de André Richard (1988) e Terry Eagleaton (1991) sobre crítica norteiam esse ponto de partida. Sobre o ato de expressar avaliações sobre cinema, David Bordwell (1991) auxilia na compreensão.

Passadas essas noções preliminares, o capítulo seguinte, Retratos da Crítica de Cinema

Brasileira, como o título sugere, entrará no Brasil. Nesta fase da pesquisa, tentaremos

observar o surgimento da prática em nosso país e os conflitos e tendências que marcam sua trajetória até antes da virada dos séculos XX para o XXI. Jogaremos luz no espaço ocupado pelos textos críticos nos cadernos e suplementos de cultura de periódicos importantes para o jornalismo brasileiro.

Neste capítulo, serão analisadas linhas que moveram a nossa crítica segundo a

Trajetória Crítica de Jean-Claude Bernardet (2011). Nele, o autor aponta uma das direções

seguidas pelo texto crítico no Brasil, como o escrito pelo o que ele chama de “crítico de cinema colonizado”, ou as críticas de viés militante que surgem com a vinda do Cinema Novo e as mudanças no cenário político brasileiro.

No percurso passaremos também pelo período conhecido como Cinema de Retomada e tentaremos compreender como o reaquecimento da produção cinematográfica nacional afetou a forma de fazer crítica. Pesquisas em fonte primária nos jornais da época nos auxiliarão a materializar essas tendências.

Feito este panorama, resta pensar o presente. No capítulo final, Crítica de Cinema

Brasileira no Século XXI: Retrato Contemporâneo, pretende-se investigar a prática nos

jornais de hoje. Nesta etapa não só tentara capturar a imagem atual, mas como também, para melhor entendê-la, será confrontada a crítica feita no passado e com as novas alternativas de texto crítico.

Para reforçar a observação, três ferramentas serão utilizadas: análise da crítica nos maiores veículos impressos diários do país (O Globo, Folha S. de São Paulo e Estado de S. Paulo),

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9 dados reunidos através de questionário, aplicado nas redes sociais a fim de entender como o público consome esse conteúdo, e uma comparação entre a recepção crítica no jornal e na internet do filme Aquarius, de Kléber Mendonça Filho.

Determinado o itinerário deste trabalho, é importante pontuar que não se espera encontrar respostas definitivas sobre o cenário da crítica cinematográfica no Brasil. Assim como é possível, por exemplo, deparar-se com mais de uma história sobre a crítica literária em nosso país, não há dúvidas de que a escrita sobre cinema por aqui também é multifacetada e que talvez não seja possível registrar todos os seus lados, mas pelo menos alguns deles.

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10 2. O NASCIMENTO DA CRÍTICA

Se o cinema existe há pouco mais de um século, a crítica vive há bem mais. Fecundada no útero da arte, sua história não é de unanimidade. Em meio a confrontos e tendências, sua função, seus métodos e suas necessidades de existência sempre foram constantemente questionados. Esse capítulo buscará visualizar o nascimento dessa prática e entender os caminhos que a levaram até a sétima arte.

2.1 – Noções preliminares

Condenado duramente por imoralidade após a primeira publicação de O Retrato de

Dorian Gray na revista Lippincott's Monthly Magazine, como resposta, Oscar Wilde

adicionou um prefácio sugestivo na primeira edição de seu livro, em 1891:

O artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte. O crítico é quem pode traduzir de outro modo ou para um novo meio sua impressão sobre coisas belas. A mais elevada modalidade de crítica, e também a mais baixa, é uma forma de autobiografia.6

Traduzir sua impressão sobre coisas belas. Uma forma de autobiografia. No documentário “Crítico” dirigido pelo cineasta – e crítico de cinema – Kléber Mendonça Filho essas ideias são amplamente trabalhadas. Em um dos depoimentos, Michel Ciment, crítico da revista francesa Positif, reflete que umas dificuldades de seu ofício: “é expressar coisas complexas em uma linguagem clara”7

.

Derivada do verbo grego krino, kritike está ligada a capacidade de fazer julgamentos, a ideia de escolha, de “‘separar o joio do trigo’, o belo do feio, o bom do mau”8

. Mudam-se as épocas, e, com elas, os critérios, mas o fenômeno permanece:

Em presença de formas de arte que não mais comportam um sentido universalmente reconhecível (abstração, arte cinética) nem uma técnica avaliável (arte pop), pode-se perguntar onde se apoiaria legitimamente uma apreciação crítica. Talvez a resposta seja que, apesar das dificuldades, a crítica de arte, por mais inadequada que seja, responde a uma necessidade de compreender o fenômeno artístico e a um desejo de compartilhar um

6 WILDE, 2012, p. 15.

7 CRÍTICO. Direção: Kébler Mendonça Filho, Produção: Kébler Mendonça Filho. Recife. (DE): CinemaScópio,

2008.

8

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11

julgamento que se emite sobre obras. Pode-se demonstrar sua impossibilidade, mas deve-se constatar sua existência.9

Os primeiros registros da prática vêm da Antiguidade. Num período em que a qualidade da arte é avaliada por sua capacidade de imitação do homem e da natureza, o critério inicial que fundamenta as primeiras ocorrências de crítica de arte, segundo André Richard (1988), é o de semelhança: quanto mais precisão em reproduzir a realidade, melhor é a obra.

A evolução das técnicas convergiu para aperfeiçoar o caráter de imitação e com o surgimento de recursos como o trompe-l’oeil, que busca iludir os olhos do espectador com a sua sofisticação reprodutiva, pautam o julgamento de bom ou ruim na qualidade da cópia. Uma anedota de Sêneca, evocada por Richard (1988), exemplifica a questão:

Contam que Zêuxis, creio eu, pintou uma criança que segurava um cacho de uvas e que as uvas apresentavam tão grande semelhança com as reais, que atraíam os pássaros. Um espectador declarou que os pássaros estavam fazendo uma crítica ao quadro, pois não teriam ousado aproximar-se dele se a criança fosse realmente semelhante a uma criança.10

Somado a esse parâmetro de semelhança que fundamenta a crítica descritiva, a ausência de reprodução gráfica das obras – até o século XIX não existia fotografia, logo a única forma de conhecê-las era ter acesso real às peças – fez com que surgisse o fenômeno da transposição literária, gênero tão antigo quanto à crítica, que fez com que a descrição do objeto de análise fosse obrigatória no ensaio crítico11.

No século III a.C, com o escritor grego Filóstrato de Lemnos, a descrição de quadros torna-se um gênero literário. Afirmando uma necessidade de verossimilhança e um meio de legitimar as regras da arte, nos Salões, exposições que ganharam popularidade no Europa do século XVII e que serviram como vitrine para novas tendências, a descrição crítica encontrou terreno para uma produção prolífica.

Em uma de seus relatos sobre os Salões, Théophile Gautier, de acordo com Richard (1988) um dos melhores representante da transposição de seu tempo, une seu conhecimento prévio das técnicas de pintura à crítica descritiva. Sobre um dos trabalhos do francês Jean-Baptiste Camille Corot:

9 RICHARD, 1988, p. 1.

10 SÊNECA apud RICHARD, 1988, p. 7. 11

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Um caos de tons pesados, abafados, borrados, inapreciáveis... Recuando alguns passos... Essa mancha escura se transforma num barqueiro que se curva. Esses borrões pardos são agora árvores cujas ramagens provocam estremecimento o sopro intermitente da noite; há aí pouco espaço, ar, há profundidade nesse quadro que lhes parecia ainda há pouco manchado por tons sujos12.

Contudo, essa modalidade crítica, calcada no critério de semelhança era feita por um grupo específico: apreciadores e artistas. Simultaneamente, outra corrente tentava emplacar uma crítica de criadores, não só se opondo a um olhar que apenas observa similitudes, mas buscando definir “regras de arte como outros definem regras de linguagem”13

.

Complementar, surge o que Richard (1988) chama de crítica canônica, que valoriza a beleza em um caráter racional, matemático. Nesse fundamento, a reprodução fiel não pode se limitar a tentar emular todas as características do modelo, uma vez que até os elementos da realidade possuem imperfeições. Para uma obra ser bela ela tem que consultar estruturas ideais, modificando o que for necessário para alcançar a perfeição:

Xenofonte faz Sócrates dialogar com o rival de Zêuxis, Parrásio: “Se queres representar uma beleza perfeita, como é difícil achar alguém sem alguma imperfeição, reúne vários modelos e pega de cada um o que tem de belo para fazer disso um todo perfeito14.

Ao longe de milênios, criticar obras de arte seguiu uma dessas cartilhas. Se seus primeiros passos foram desenhados na Antiguidade, a semelhança como critério persistiu pela Idade Média e pela Época Clássica e ganhou força no realismo do século XIX. Revoluções nas concepções estéticas reformularam, porém, os paradigmas críticos.

Primeiro que, para os cânones, percebeu-se que era impossível encerrar a beleza em regras universais. Já em 1790, com sua “Crítica da Faculdade do Juízo”, Emmanuel Kant, conseguiu dar um basta na estética acadêmica e na crítica canônica reposicionando as noções de beleza. “É belo aquilo que agrada universalmente sem conceito”15

, decreta o filósofo alemão.

O belo agrada sem conceito, isto é, sem a ajuda de um raciocínio, sem que haja a necessidade (nem possibilidade de) provar beleza. O bem pode ser provado, explicado, pois uma boa ação liga-se a uma doutrina moral. O belo

12 GAULTIER, apud RICHARD, 1988, p.16 13 RICHARD, 1988, p. 23

14 RICHARD, 1988, p. 26 15

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não tem provas, não tem referências, uma vez que é inimitável. Nenhuma crítica poderá sugerir a beleza de um quadro; é preciso ver a própria obra.16

Intensificando esse processo, a chegada da fotografia, que acaba com a necessidade da descrição, e o irrompimento da Arte Abstrata, abalando o critério de semelhança, fizeram com que o trabalho dos críticos passasse por uma reformulação. Voltando o olhar para influências e personalidade do autor para “caracterizar os novos universos visuais foi preciso inventar comparações, definir campos [...]” 17

.

Livrando-se das amarras do critério de semelhança, a revolução na arte faz com que ela se torne mais autônoma e o artista mais livre para expressar sua visão.

O critério de semelhança, que ainda orienta o julgamento do público comum, desapareceu da crítica contemporânea. Não se pede mais aos leitores uma exatidão literal, mas uma criação original e expressiva, não uma cópia do real, mas uma obra pessoal18.

Enquanto ferramenta social, a crítica foi um dos personagens principais da construção da esfera pública tal como concebida por Jürger Habermas19. Nascida no século XVIII na luta contra o Estado Absolutista, no seio da opinião pública que se formava nas páginas dos periódicos e nas mesas dos cafés, a crítica moderna europeia abre espaço “ao debate, tenta convencer, convida à contradição”20

, consolidando os ideais da intelectualidade burguesa.

Na literatura, a classe média inglesa encontrou um mecanismo emancipatório, ferramenta para reivindicar seu “amor-próprio” e lutar contra um governo autoritário, fenômeno que foi pioneiro na Inglaterra. Dessa forma, o debate e a crítica literária moderna prepararam o terreno da burguesia para discussão política na esfera pública.

O surgimento dos primeiros periódicos também foi peça importante para a ascensão dessa estrutura social em que a crítica está inserida. Jornais como Tatler e o The Spectator, idealizados pelos ensaístas Joseph Addison e Richard Steele, ocuparam papel central. Segundo Terry Eagleton (1991), os dois não só foram testemunhas de uma nova formação discursiva em seu país de origem, como também fomentaram a criação de um novo bloco

16 RICHARD, 1988, p. 35 17 RICHARD, 1988, p. 17 18 RICHARD, 1988, p. 18 19 EAGLETON : 1991 20

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14 dirigente na sociedade inglesa. “Em síntese o que vai ajudar a unificar o bloco dominante inglês é a cultura, e o crítico é o principal portador dessa tarefa histórica.”21

Refinando um olhar que antes até que se atentava às belas artes, mas que não buscava aperfeiçoar o gosto estético e recorria demasiadamente “a sumários e excertos do que a crítica original”22

, os novos periódicos substituem a prática de resumir obras eruditas com o objetivo de informar leitores atarefados - artifício, que em comparação, é paralelo à transposição literária e à crítica descritiva observada por André Richard (1988) -, pelo ensaio crítico elaborado e amadurecido.

Por mais que a crítica literária tenha conquistado um espaço importante nesse momento, ela não é de todo técnica, mas sim um discurso que, a partir de um objeto de discussão, abarca elementos gerais da sociedade.

A essa altura a crítica não é ainda “literária”, mas sim “cultural”: o exame dos textos literários é um momento relativamente marginal de um empreendimento mais amplo, que explora as atitudes para com os criadores e as normas de cortesia, o status das mulheres, as afeições familiares, a pureza da língua inglesa, a natureza do amor conjugal, a psicologia dos sentimentos e as normas relativas ao toalete.23

Chega o século XIX e segundo Eagleton (1991), pessimista em relação à função da crítica, a esfera pública se fragmenta por ver seus princípios se voltarem contra si mesma: “[...] os sujeitos discursantes esclarecidos da classe que domina, forçados a estender a franquia (e, com ela, as fronteiras da esfera pública) à multidão, veem-se de repente como uma minoria desprotegida dentro de seu próprio domínio”24

.

Entretanto, se a estrutura prevista por Habermas ruiu pelo choque de uma luta de classes, de uma ruptura interna com a ideologia burguesa e um crescimento desequilibrado de um publico leitor, o século XIX acaba com a descrição das obras e “dá lugar às considerações sobre o temperamento o romantismo, as correspondências, a simplificação e a lembrança, o chique e o banal, [...] o heroísmo da vida moderna.”25

No século XX, as relações entre a crítica e outras áreas do conhecimento ficaram mais estreitas, criando novos rumos de acesso às obras. Na psicanálise, o estudo das peças e sua 21 EAGLETON, 1991, p. 6 22 EAGLETON, 1991, p. 6 23 EAGLETON, 1991, p. 12 24 EAGLETON, 1991, p. 46 25 RICHARD, 1988, p. 65

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15 iconografia foi um caminho para compreender melhor as motivações dos artistas e no método estrutural através da comparação dos trabalhos de uma profissional é possível entender “a fantasia comum que é sua chave.”26

Já o marxismo e a sociologia da arte, enxergavam-na como um canal que exprime a ideologia de uma época e de uma classe. Para eles é preciso que arte deixe de “ser uma atividade de especialistas, como determinada a divisão capitalista, para tornar-se um meio de expressão ao alcance de todos.”27

Dessa forma, o crítico tem que mostrar “a contribuição positiva das artes”28

.

2.2 - A crítica no cinema

Ao contrário do que se imagina “A chegada do trem na estação”, um dos primeiros filmetes realizados por August e Louis Lumiére, não foi exibido no evento que apresentou ao mundo os resultados da tecnologia do cinematógrafo, no final de 1895. Assistido publicamente no dia 25 de janeiro de 1986, o filme teria levado os espectadores, que pensaram que seriam atropelados pela locomotiva, ao caos29.

Em julho do mesmo ano, uma projeção da obra na Rússia, levou Maxim Gorky a escrever para o periódico Nizhegorodski listok o texto que é considerado uma das primeiras críticas de cinema da história:

Um trem aparece na tela. Ele acelera em direção a você – cuidado! Parece que irá mergulhar na escuridão que você habita, tornando-te um saco dilacerado de carne e ossos esmigalhados, e transformando em poeira e pedaços quebrados essa sala e esse prédio cheio de mulheres, vinho, música e vício. Mas isso, também, é apenas um trem de sombras. Sem barulho, a locomotiva desaparece para além da beira da tela. O trem para, figuras cinzentas silenciosamente emergem dos vagões e sem som cumprimentam seus amigos, riem, andam, correm, apressam-se e ... vão embora.30

26

KOFMAN apud RICHARD, 1988, p. 101

27 RICHARD, 1988, p. 103 28 RICHARD, 1988, p. 105 29 LOIPERDINGER: 2004

30 “A train appears on the screen. It speeds right at you— watch out! It seems as though it will plunge into the

darkness in which you sit, turning you into a ripped sack full of lacerated flesh and splintered bones, and crushing into dust and into broken fragments this hall and this building, so full of women, wine, music and vice. But this, too, is but a train of shadows. Noiselessly, the locomotive disappears beyond the edge of the screen. The train comes to a stop, and gray figures silently emerge from the cars, soundlessly greet their friends, laugh, walk, run, bustle, and...are gone.” (GORKY apud LOIPERDINGER, 2004, p.99). Tradução nossa.

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16 O The New York Times, no mesmo período, fez uma breve resenha da primeira exibição feita no Koster e Bial’s Music Hall em Nova Iorque. Foram projetadas imagens de garotas dançando, ondas quebrando em pedras na praia e comediantes em arenas de boxe.

[...] o texto relatou “o zumbido e o rugido ouvido no projetor e o incomum brilho caindo sobre a tela.” Depois da breve descrição das imagens, ele concluiu que elas “estavam todas maravilhosamente reais e singularmente emocionantes.”31

Nesses exemplos já é possível perceber que o jornalismo é de onde parte a crítica cinematográfica. Nascida da resenha, seus primeiros passos desenvolveram-se na discussão jornalística diária, observações sobre produção da indústria cinematográfica nascente. Jornalistas profissionais e escritores são os primeiros a se aventurarem na prática, como Louis Delluc, Riccioto Canudo, Siegfried Kracauer, Otis Ferguson, James Agee, Parker Tyler, e Graham Greene32.

Nos anos de 1910 e 1920 surgem as primeiras publicações voltadas para os amantes de cinema, como a revista americana Photoplay criada em 1911. No cenário que se configura depois da Segunda Guerra Mundial nascem publicações fundamentais para o estabelecimento de novas escolas teóricas, entre elas revistas importantes que existem até hoje como a Cahiers

du Cinéma e a Sight and Sound33.

David Bordwell (1991) divide a crítica em três “instituições interpretativas”: o jornalismo, a escrita ensaística e a academia. Para ele, essas “macroinstituições moldaram”, cada uma a sua maneira, a forma do olhar crítico sobre o cinema. Na formação de seu objeto de estudo, a interpretação da linguagem cinematográfica, percebeu-se que apesar do jornalismo estar associado à prática, muitos jornais e revistas populares não estavam interessados em análises detalhadas.

Entretanto, certas publicações tiveram papel fundamental para o desenvolvimento do crítico de cinema, criando duas formas de leitura: o ensaio reflexivo e a “leitura atenta”34

. A primeira, especialidade de revistas francesas de cinema, busca, muitas vezes apoiando-se em outras áreas de conhecimento como a história, a filosofia e a sociologia, observar os

31 “piece reported ‘buzzing and roaring heard in the turret and an unusually bright light fell upon the screen.’

After brief descriptions of the images, he concluded they ‘were all wonderfully real and singularly exhilarating.’” (ROBERT, 2010, p. 21). Tradução nossa.

32 BORDWELL, 1991, p.21 33 BORDWELL, 1991, p.21 34

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17 significados implícitos no filme – André Bazin foi um dos expoentes nessa modalidade - e a segunda, ligada a semiótica, procura analisar a técnica cinematográfica enquanto linguagem dotada de unidades codificadas e uma gramática própria.35

O ato de interpretar e escrever sobre cinema alterou por si só a forma de se fazer filmes. Pensando sobre e experimentando a estética cinematográfica, os críticos da notória

Cahiers du Cinéma, como Jean-Luc Godard e Françoise Truffaut, inauguraram um

movimento importante para o cinema francês: a Nouvelle Vague. Ligada às conjunturas políticas do mundo no final dos anos 1960, a revista deu apoio ao cinema de outras nações e suas diretrizes ajudaram a fundar outras correntes como o Neorrealismo italiano, o Cinema Novo no Brasil e o Novo Cinema em Portugal36.

Porém, essa abordagem, que influenciou a emergência de escolas de interpretação na academia, não era a realidade de muitos jornais e revistas populares da época, que, em seu cotidiano, assumiam um perfil mais resistente a análises detalhadas dos filmes. Em retrospectiva, nas primeiras experiências de exibição cinematográfica para a grande audiência, na virada do século XIX para o XX, o trabalho dos jornalistas era apenas registrar o evento em seu caráter noticioso.

[...] a então chamada crítica era um mistura de reportagem que descrevia o evento em termos factuais e de resenha que aconselhava o leitor sobre o valor do filme. Segundo Bywater (1989, p. 5-6), a ênfase era colocada na palavra valor uma vez que os resenhistas/jornalistas deveriam informar se valeria ou não a pena gastar certa quantia de dinheiro pelo visionamento da película, critério, aliás, vigente até os dias de hoje pelos críticos.37

No começo, houve resistência em acreditar que o cinema era uma arte passível de reflexão. Isso fez com que o desenvolvimento da crítica cinematográfica não acompanhasse “o pensamento crítico relativo às artes plásticas, que já tinha uma trajetória de evolução descrita desde a antiguidade.”38

Independente disso, o fato é que para o crítico oferecer sua interpretação é preciso que ele destrinche, no caso o filme, com o mínimo de conhecimento possível da linguagem cinematográfica. Pela análise de Carla Meneghine (2002), estudiosos como Angelo Moscariello, Galvano Della Volpe, Francis Vanoye, Anne Goliot-Lété e Jacques Aumont 35 BORDWELL: 1991 36 GOMES: 2006 37 GOMES, 2006, p. 2 38 MENEGHINI, 2002, p. 12

(19)

18 variam em suas concepções sobre a tarefa do crítico de cinema, mas convergem quando o quesito é que ele seja munido de um olhar treinado.

Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda examiná-lo tecnicamente. Trata-se de uma outra atitude com relação ao objeto-filme, que aliás, pode trazer prazeres específicos: desmontar um filme é, de fato, estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo melhor.39

Ao longo do tempo, esse parâmetro foi amadurecendo. Se nos primeiros anos de cinema, por mais que transformadoras, eram poucas as publicações que exploravam um viés analítico, progressivamente esse prática foi se difundindo. Abandonando o título de “cinema de atrações”, os filmes começaram a ganhar legitimação como obra de arte e paralelo a esse processo, além dos europeus, nomes como Otis Ferguson, James Agee, Andrew Sarris e Pauline Kael marcaram a forma de falar sobre filmes nos Estados Unidos40.

Dos jornais e revistas, a crítica cinematográfica foi parar na academia, passou a ter especializações em cursos superiores - trabalho de análise que foi possível com o avanço da tecnologia de mídia e exibição como projeções em 16mm na década de 1950, as mesas de edição Steenbeck nos anos 1960 e os videocassetes em 197041 - e conquistou mais espaços nas publicações impresas42.

Os filmes ficaram mais acessíveis. Se na virada do século passado poucos eram os que podiam comparecer nas primeiras exibições, a partir dos anos 2000, depois de escolhermos o que vamos assistir nas prateleiras de locadoras, o cinema ficou à distância de um clique em um arquivo tipo torrent em um site pirata ou no play de alguma provedora de filmes via

streaming.

Essa característica reflete um dos maiores desafios para o trabalho do crítico: todos nós achamos que podemos analisar filmes. Na introdução de sua coletânea de críticas mais popular, Os Filmes de Minha Vida, Truffaut pontua essa questão.

Em Hollywood ouve-se muito esta fórmula ‘Cada um tem duas profissões, a sua e a de crítico de cinema’. [...] Qualquer pessoa pode torna-se crítico de cinema; não será exigido nenhum postulante nem um décimo do conhecimento que se exige de um crítico literário, de música ou de arte. Um diretor de hoje deve aceitar o fato que seu trabalho será eventualmente

39 VANOYE, GOLIT-LETÉ apud MENEGHINE, 2002, p. 14 40 GOMES: 2006

41 BORDWELL: 1991 42

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19

julgado por alguém que talvez nunca tenha assistido a um filme de Murnau.43

Aqui chegamos aos dilemas atuais da crítica. Se a facilidade de assistir a filmes que o cinema conquistou com o tempo faz com que o público sinta-se confortável para dar sua opinião, na era digital expô-las é mais fácil ainda. É uma infinidade de sites, blogs e vídeos dedicados ao assunto que aumentam seu alcance ao atrelarem-se às redes sociais.

Paralelamente, a cultura, um dos pilares que ajudou a fundar o jornalismo moderno, tem perdido cada vez mais espaço nas publicações. Revistas fecham as portas porque não conseguem manter-se financeiramente, suplementos culturais são extintos para cortas gastos. Nesse ínterim fica a questão: ainda existe espaço para o crítico nos grandes veículos?

43

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20 3. RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA

Depois de entender o nascimento da crítica e como seus caminhos cruzaram com os do cinema, resta, então, pensar no Brasil. No capítulo que segue, será investigado como a crítica cinematográfica se manifesta em nosso país, suas tendências, conflitos e particularidades frente à realidade nacional.

3.1 – Caminhos do jornalismo cultural no Brasil

No final do século XIX, o comentário cultural conquista seu lugar ao sol nas páginas dos jornais brasileiros. O Brasil modernizava-se, o Rio de Janeiro passava por um intenso processo de urbanização e a imprensa estabelecia-se como “a principal instância de produção cultural da época e que fornecia a maioria das gratificações e posições intelectuais.”44

As transformações eram intensas. Comunicação, transporte, economia estavam em processo de metamorfose, o que fez com que as mudanças na sociedade brasileira, paralelas às mutações na cultura europeia, tomassem “emprestado o apelido francês”45

sinônimo de prosperidade e avanço social:

Se a Belle Époque tropical é considerada um período de estagnação literária, em termos estritamente estéticos, por outro lado ela desenvolveu as condições sociais para a profissionalização do trabalho intelectual. E também para a sua massificação. (...) Mudanças econômicas, sociais, tecnológicas e demográficas permitiram a proliferação de jornais na virada do século, criando centenas de empregos.46

Nesse cenário, nomes como Machado de Assis e José Veríssimo47 destacam-se por sua atuação incisiva nos periódicos, atestando a aproximação da produção jornalística da época com a literatura. Mesmo que as transformações tecnológicas tenham expandido a produção de jornais – títulos importantes como Correio Mercantil, o Diário do Rio de Janeiro, o Jornal do

Commércio e O Estado de S. Paulo nasciam na época48 -, seu conteúdo era produzido pelos escritores. Consequentemente, essa falta de parâmetros para o que seria o texto jornalístico fez com que andassem lado a lado “a linguagem do livro à linguagem do jornal”49

.

44 MICELI apud SOARES, 2012, p.10 45

SOARES, 2012, p. 10

46 COSTA apud SOARES, 2012, p.10 47 PIZA : 2003

48 SOARES : 2012 49

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21 Entretanto, com a virada do século, a modernização da sociedade modificou o jornalismo e sua forma de falar sobre cultura. A prática jornalística que até então era feita de “escassos noticiários, muito articulismo político e debate sobre livros de artes”50

, passou a dar mais importância “para a reportagem, para o relato de fatos, não raro sensacionalista, e começou a se profissionalizar. Repórteres de polícia e política passaram a ser os mais importantes dentro das redações.”51

No Brasil, mesmo que a modernização tenha sido tardia, o processo não foi diferente.

O cenário agora é outro. Para Piza (2003), a espinha dorsal do jornalismo cultural é a crítica, mas com o jornalismo se transformando a opinião também tem seu espaço alterado. Ela não some das publicações, mas passa a se estruturar em um formato mais “enxuto e ligado com o factual, além de se restringir a um espaço específico, onde o leitor poderia distinguir claramente que se tratava de um juízo pessoal.”52 Entretanto, mesmo redimensionada, ela não perde sua força e influência:

O crítico que surge na efervescência modernista dos inícios do século XX, na profusão de revistas e jornais, é mais incisivo e informativo, menos moralista e meditativo. No entanto, continua a exercer uma influência determinante, a servir de referência não apenas para leitores, mas também para artistas e intelectuais de outras áreas.53

3.2 – Eis o cinema: fazendo crítica de filmes em solo nacional

3.2.1 - Primeiros anos

O cinema foi notícia pela primeira vez no dia 9 de julho de 1896 nas páginas dos periódicos cariocas. No dia anterior, em uma sala alugada do Jornal do Commércio, então na Rua do Ouvidor, no Centro da cidade, foi apresentada pela primeira vez, à imprensa e a convidados, a tecnologia do omniógrafo, trazida por um exibidor itinerante belga54. A Gazeta

da Tarde descreveu a experiência:

50 PIZA, 2003, p. 18 51 PIZA, 2003, p. 19 52 SOARES, 2012, p. 13 53 PIZA, 2003, p. 20

54 PENNAFORT, R; WERNECK, F. 1ª sessão de cinema do Brasil completa hoje 115 anos. Disponível em:

<http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,1-sessao-de-cinema-do-brasil-completa-hoje-115-anos-imp-,742130> Último acesso em: 07.05.17 Último acesso em: 07.05.17

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22

Ontem assistimos ao ensaio do omniógrafo, aparelho elétrico de projeções luminosas e vistas animadas, que o público vai ter a ocasião de muito apreciar graças ao senhor Henri Paellli. A sala é bem iluminada à eletricidade e fica repentinamente escura e desenrolam-se então, sob vista dos espectadores, num quadro ao fundo, cenas de um efeito surpreendente.55

56

Entre as imagens animadas de bombeiros apagando fogo, animais brigando, uma tomada de um boulevard parisiense e acrobatas no trapézio, o Jornal do Commércio destacou:

[...] Talvez por defeito das fotografias que se sucedem rapidamente, ou por inexperiência de quem trabalha com o aparelho, algumas cenas movem-se indistintamente em vibrações confusas; outras, porém, ressaltavam nítidas, firmes, acusando-se um relevo extraordinário, dando magnífica impressão de vida real.5758

Em termos históricos, pensar sobre o ofício do crítico de cinema no Brasil não é uma tarefa fácil. Como sugere o crítico paulista Luiz Zanin Oricchio (2003) em seu trabalho de reflexão sobre o cinema de retomada da década de 1990, não existe um estudo que compile a trajetória do ofício em nosso país. De fato, talvez essa obra “ampla, orgânica e unificada”59 não exista, mas com a reflexão de alguns autores sobre fenômenos que perpassam o cinema nacional e sua relação com o trabalho crítico e a imprensa, é possível rastrear algumas tendências.

Consolidando-se enquanto arte no começo do século XX, o cinema viu suas possibilidades estéticas ampliadas e com elas a definição de conceitos, ferramenta para a reflexão sobre as produções cinematográficas. Na produção jornalística, ele começava aparecer em publicações voltadas para a cobertura cultural como a Palcos e Telas (1918), a

Paratodos... (1919), A Scena Muda (1921). Em consequência, nomes como Henrique

Pongetti, Mário Behring, Pedro Lima, e Adhemar Gonzaga – criador da produtora Cinédia - surgiam no cenário de comentário sobre cinema60.

Os três últimos, inclusive, tiveram papel fundamental para o funcionamento da revista

Cinearte (1926) – dirigida por Behring e Gonzaga61 -, uma das primeiras totalmente focada na

55 Omniographo. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, p. 3, 9 de jul. 1896 56

Ver em anexo A, página 63.

57

Omniographo. Jornal do Commércio. Rio de Janeiro, p. 2, 9 de jul. 1896

58

Ver em anexo B, página 64

59

ORICCHIO, 2003, p. 207

60 CALEIRO: 2011 61

(24)

23 produção de conteúdo sobre cinema, prometendo “pugnar pelo crescente processo da cinematografia no Brasil”62.

Contudo, o olhar analítico para a sétima arte ainda não tinha a sofisticação da crítica de outras manifestações artísticas como as artes plásticas e a literatura. A própria revista

Cinearte, em um comparativo de sua edição de estreia em 1926, com os primeiros volumes

dos anos de 1931 e 1936, cinco e dez anos, respectivamente, depois de seu lançamento, não dedicava um espaço grande a crítica, mesmo defendendo que sua atuação nessa área fosse de “alto escopo”63

.

Ainda assim, esse recorte mostra que a análise de filmes era praticada em apenas uma seção, A Tela em Revista, que servia como uma espécie de guia de consumo, oferecendo pequenas observações, acompanhadas de cotação em pontos, sobre os títulos disponíveis nos cinemas brasileiros. Entretanto, não só o segmento tinha pouco destaque perto do restante do material da publicação – focado em curiosidades sobre as produções, funcionamento dos grandes estúdios, perfil dos astros de Hollywood -, como também as críticas nesse período reduziam-se a breves comentários sobre o enredo, desempenho dos atores, variedade dos cenários, diálogos. Como por exemplo:

À Procura do Diabo (Texas Tommy – Syndicate – Prog. V. R. Castro) Bob Custer novamente como o heroe. Regularzinha. A direção é de J. P. McGowan, que, por sua vez, não quebrando a praxe, também trabalha no film. Bob está ficando querido. Mary Mayberry é mais uma vez sua ‘leading woman’, é uma pequena interessante. Scenas de luta, correria, pancadaria grossa e... o eterno beijo final. Cotação: 4 pontos6465

Além disso, o discurso de algumas dessas revistas foi marcado pelo contraditório. A

Cinearte, junto com a Paratodos..., inaugurou a “Campanha Pelo Cinema Brasileiro”, um

esforço para que a produção nacional ganhasse mais espaço, a qual ficou marcada pelo slogan “todo filme brasileiro deve ser visto”66

. Para isso, era defendido que o Estado deveria assumir o papel de mediador de nossa indústria cinematográfica, propondo leis de proteção e fomento das fitas nacionais.

62

Cinearte. Rio de Janeiro, n. 1, p. 2, 1926

63Cinearte, Rio de Janeiro, p. 3, 3 de mar. 1926

64 A Tela em Revista, Cinearte. Rio de Janeiro, p. 28, 7 de jan. de 1931 65

Ver em anexo C, página 65

66

(25)

24 Mesmo trabalhando para a formação de uma consciência cinematográfica nacional, por mais contraditório que isso possa parecer, essas publicações eram majoritariamente campo de divulgação do cinema norte-americano e ainda dedicavam pouco espaço à reflexão e ao debate sobre o trabalho crítico e questões mais profundas sobre o cinema no Brasil.

Ainda que a revista apostasse em seções como Filmagem Brasileira e Cinema Brasileiro e reportagens dedicadas a produções nacionais, a Cinearte, assim como a revista americana que a inspirou, a Photoplay (1911), era um veículo de divulgação do star system hollywoodiano67. O apelo em favor do cinema nacional era relevante, mas, em proporção, apagado perto da grande quantidade de perfis de atores, fofocas dos mundos dos famosos, artigos concentrados em destrinchar seu estilo de vida.

O mesmo pode-se dizer de outras publicações, como A Scena Muda:

A tônica dessas revistas era a vida de astros e estrelas, os bastidores de filmagens e notícias sobre os futuros lançamentos nas salas de cinema. Dessa maneira, compunham-se de farto material fotográfico com as fotos posadas dos artistas e com o still de filmagem.68

Parte disso se deve ao fato de que tais revistas nascem em um período em “[...] cuja adesão ao modelo hollywoodiano de produção e narração não apenas aproxima-se da adoração, como obnubila a percepção acerca do potencial de desenvolvimento próprio de cinematografias não-hegemônicas.”69

3.2.2 – Transformação na imprensa: suplementos culturais e novos caminhos para a crítica de cinema brasileira

No desenvolvimento do cinema brasileiro, é interessante perceber como a crítica teve papel de solidificar, renovar e dar autonomia à cultura cinematográfica. As práticas de escrever e, consequentemente, ler sobre cinema começaram a se expandir, abrindo novas formas de percepção dos filmes e foram as transformações na imprensa um das grandes responsáveis pelo estabelecimento desse novo contexto70. Como observa Piza (2003), se os

67 LUCAS : 2008 68 LUCAS, 2008, p. 33 69 CALEIRO, 2011, p. 5 70 LUCAS : 2008

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25 anos de 1920 representaram a multiplicação de revistas culturais no Brasil, os anos 1950 foram de expansão das seções culturais na grande imprensa diária e semanal.

Foi nesse período, que o Correio da Manhã, desenvolveu seu suplemento de cultura, o

Quarto Caderno; o jornal foi o local de trabalho de um dos maiores nomes da crítica nacional,

Moniz Vianna. Já em 1956, o Jornal do Brasil deu um passo em direção ao jornalismo cultura moderno com o Suplemento Dominical, “abrindo suas páginas para longos ensaios sobre literatura, filosofia, música, balé e artes plásticas”71. De Clarice Lispector a Glauber Rocha, contribuiriam com a publicação.

Em, São Paulo a grande imprensa diária também seguiu esse caminho. O Estado de S.

Paulo fez história com seu Suplemento Literário, projetado por Antônio Cândido a pedido da

família proprietária do jornal e lançado em outubro de 1956, a publicação teve em suas páginas o trabalho de Paulo Emílio Salles Gomes, outro grande nome importante da crítica de cinematográfica nacional.

Assim, como essas novas configurações que ganhavam as páginas dos jornais brasileiros, o cinema, que já tinha um espaço de discussão em cineclubes e cinematecas, viu suas formas de consumo e apreciação sofrerem modificações:

O jornal, especialmente nas grandes capitais, passou também a funcionar a partir de meados dos anos 50 como um lócus privilegiado de interlocução das pessoas ligadas ao cinema e um espaço em que se constituía uma cultura cinematográfica em novos termos. Ele ampliou a comunidade de leitores especializada na cultura cinematográfica, tornou-se veículo de expressão dos realizadores (diretores, produtores, técnicos), disseminou uma nova percepção do que seria o cinema, permitiu o acesso a uma literatura disponível somente em língua estrangeira através da tradução de textos de teóricos e estudiosos de renome internacional e, por fim, abriu espaço para matérias que tratavam dos problemas da realização e da circulação da produção nacional.72

Não é preciso muito para deduzir que nesse novo momento, a crítica também tem o seu lugar. Lugar esse que não é único, estático e imutável, mas que assume novas formas com o passar do tempo e com a transformação de conjunturas históricas e socioculturais.

Como Oricchio (2003) observou, não há uma pesquisa abrangente que compile a história da crítica de cinema nacional, mas pelo olhar sobre o trabalho de alguns críticos há pistas do que tem sido a prática no Brasil. Um deles é o de Jean-Claude Bernardet, que em sua

71 LUCAS, 2008, p. 21 72

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26

Trajetória Crítica (2011), um exercício de observação sobre a sua atuação entre a década de

1960 e meados de 1970, que, mesmo partindo do particular, é revelador em apontar as singularidades que marcaram a escrita de cinema em seus momentos de maior relevância na imprensa brasileira.

Segundo sua análise, nesse período, a crítica cinematográfica e a escrita jornalística sobre cinema assumem muitas faces como: a crítica feita pelo o que ele chama de crítico de cinema colonizado, que perde espaço para uma crítica de caráter militante; um formato conteudista, didático, que divide lugar com o texto frio sobre o mercado nacional, resultado de uma “insuficiente reflexão teórica sobre a significação e as possibilidades de uma atuação política do cinema brasileiro”73

.

Para completar a reflexão, pensar sobre como os críticos reagiram com a recuperação da indústria após seu desmonte com as medidas do governo Collor – período conhecido como Cinema de Retomada - também se faz necessário. Como observa Ismail Xavier (2003), ao investigar nossa produção cinematográfica em retrospecto “cabe também à crítica a construção de seu próprio lugar nesse processo.”74

3.2.3 – Do Crítico de Cinema Colonizado ao crítico militante

A chegada dos cadernos de cultura à grande imprensa diária foi um passo importante para a massificação do diálogo sobre cinema, mas ainda não correspondia a uma realidade ideal. “A cultura cinematográfica brasileira é precária e marginal”75

, declarava Glauber Rocha nas primeiras linhas de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro. Comentário feito há mais de 50 anos, mas ainda atual para discutir o cenário de produção, consumo e reflexão da nossa cinematografia.

Sobre os críticos, ele também era não inspirava otimismo:

Cada crítico é uma ilha, não existe pensamento cinematográfico brasileiro e justamente por isso não se definem os cineastas, fontes isoladas em intenções e confusões, algumas autências, outras desonestas. Teoricamente,

73 BERNARDET, 2011, p. 184 74 XAVIER, 2003, p. 11 75

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27

o clima é de ‘vale tudo’: a partir de 1962, o que não era chanchada virou

cinema novo.76

A crítica de cinema no Brasil segue longe do cenário perfeito, mas ao longo de seu curso apresenta suas particularidades, características moldadas a partir de transformações sociais, políticas e culturais. É o que acontece no correr da década de 1960, que com as mudanças no cenário político, o surgimento de novas demandas populares e o maior desenvolvimento da produção cinematográfica nacional houve a modificação da forma de olhar os filmes.

Segundo Bernardet (2011), no começo dos anos 1960 encarava-se o crítico como uma espécie de figura sacerdotal, responsável por proporcionar uma maior penetração no “mundo complexo da arte”77, uma criatura que tenta “reviver através da obra uma experiência

existencial ou ontológica do autor”78

e “que abre ao leitor-espectador os arcanos da obra mistério”79

. Esse tipo de profissional é o que ele nomeia de Crítico de Cinema Colonizado.

Reduzindo sua análise a impressões imediatas, esse tipo de crítica, associada a um esteticismo burguês, seria problemática:

[...] não se questiona a intuição, a sensibilidade e a emoção como pilares do método. O crítico não pode entrar em choque como o grupo de leitores aos quais se dirige. Não questiona alguns valores fundamentais, como aquele que elege ‘a arte como status’ (isso deve ser aceito, mas não pode ser dito). A experiência autêntica e pura fruição artística não deve ser poluída pelo contato com o mercado, o contexto social, ou a função social da cultura.80

Como ilustração, Bernardet utiliza exemplos de seu próprio trabalho nos primeiros anos do Suplemento Literário do jornal Estado de São Paulo, escritos que para ele são “leitura penosa”81

, como esse artigo escrito em março de 1961 sobre a obra de Fellini:

[...] Amo o movimento. É La Dolce Vida. Filme religioso, creio eu. Crítica social, talvez. Mas antes de tudo, movimento e eu falarei deste movimento. Ir da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, sem nenhum apelo nem à direita, nem à esquerda, certamente é gratuito. Entretanto, este movimento não traduz uma esperança. E, sobretudo, vida é movimento, o ser animado sem cessar, crê e depois de descrê, sem cessar o vento modela a seu modo a ramagem. A arte dos séculos passados habituou-nos a descobrir

76 ROCHA, 2003, p. 34 77 BERNARDET, 2011, p. 48 78 BERNARDET, 2011, p. 48 79 BERNARDET, 2011, p. 49 80 ORICCHIO, 2011, p. 12 81 BERNARDET, 2011, p. 49

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28

antes do movimento, sua justificação: Ce Combat des Amazones e Les

Kermesse não são luta e dança?82

Passeando entre as páginas das publicações da época, é difícil não esbarrar com esse tipo de reflexão. Na chegada de Hiroshima, Mon Amour ao Brasil, Álvaro Pacheco escreve nesses moldes sobre o filme de Alains Resnais para o 2º Caderno do Jornal do Brasil:

Como um belo poema trágico, ao mesmo tempo de esquecimento e advertência, grande em seu humanismo e em sua expressão, Hiroshima, Mon

Amour é, em si mesmo, uma obra de arte e como tal, tanto poderia ser um

romance, como uma escultura ou uma sinfonia. Nele, a expressão cinematográfica atinge culminâncias raramente encontradas em outros filmes. Em alguns instantes chega a ser insuportável, tanto nos oprime e empolga. Há uma atmosfera de tragédia e lirismo mesclados, de quando em vez, no terra-a-terra cotidiano. Há um clima simultaneamente de sonho, de pesadelo e de realidade: de poesia, de prosaismo, tudo isso transcendente de tal modo, que o espectador pode abstrair-se inteiramente dos personagens e dos cenários, puramente pela sugestão e pelo impacto que eles provocam em seu íntimo – eis a realização de Alains Resnais, mais justamente comparado a René Clair pelo trabalho neste filme.8384

Assim como Ely Azeredo em sua crítica sobre Psicose de Alfred Hitchcock, para a

Tribuna da Imprensa:

Acreditamos que Clouzot, como tantos intelectuais, veja na obra de Hitch apenas uma galeria de truques bem-sucedidos. Ele soube desenvolver algumas situações hitchcockeanas na contextura, nenhuma no espírito. Tecnicamente, a partir da ilusão da continuidade, dos quadrinhos descontínuos, o cinema é artifício. Nenhuma arte é tão fabricada, tão quebra-cabeça, tão alquimia. O erro de um calouro como Molinaro “Les Dos Au Mur”, ainda tonto no métier, é o mesmo de um profissional malicioso, “vivo”, de ambição perfeccionista, como Clouzot. Naturalmente colocamos um plano elogioso de big joke, “Les Diabolique”, mas os dois exemplos servem para a tentativa de erro de definição de um erro fundamental: o importante, no filme essencialmente de horror & suspense, ou de suspense & horror, não é alcançar o insólito, do mistério, do medo, através de uma narrativa realista; o que importa, no mais alto nível do gênero, é assimilar o espectador no irrealismo essencial da linguagem cinematográfica para conduzi-lo no mesmo plano do objetivo, à intima experiência que o cineasta deseja comunicar.8586

Mesmo duro na sua crítica a esse tipo de análise fílmica, é importante destacar que esse tipo de texto tem seu valor por sua natureza ensaística. Muitos dos artigos que Bernardet (2011) acusa de inócuos são bem sucedidos na forma como desvendam seu objeto, sem a

82

BERNARDET, 2011, p. 42

83 PACHECO, Álvaro.Hiroshima, Mon Amour, Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, p. 15, 30 de jul. 1960 84 Ver em anexo D, página 66

85 AZEREDO, Ely. Hitchcock e o real. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, p. 11, 9 de jun. 1961 86 Ver em anexo E, página 67

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29 preocupação de partir de um princípio conceitual ou chegar a um fim; são livres. Como observa Adorno (2003), o ensaio é forma crítica por excelência e:

Escreve ensaísticamente quem compõe experimentando; quem vira e revira seu objeto, quem o questiona e o apalpa, quem prova e o submete à reflexão; quem ataca de diversos lados e reúne no olhar de seu espírito aquilo que vê, pondo em palavras o que o objeto permite vislumbrar sob condições geradas pelo ato de escrever.87

O fato é que, independentemente dessa discussão, essa crítica considerada romântica, a-histórica, que usa as palavras da moda e quer fazer com que o leitor sinta que ele próprio atingiu a experiência do criador foi se deteriorando. “O sistema do crítico colonizado é fechado. Nada há nele que possa alterá-lo. É necessário que fatores intervenham de fora para que ele desmorone.”88

Com mudanças no arranjo político nos primeiros anos na década de 1960, duas foram as razões para o desgaste dessa forma de fazer crítica: as modificações pelas quais estavam passando a sociedade brasileira, interpretadas como ascensão das massas à vida política do país – fruto de um governo populista pré-ditadura - e o maior desenvolvimento cinematográfico brasileiro, marcado pela chegada do Cinema Novo89.

Nesse novo cenário, o intelectual vê que pode desempenhar um novo papel, o de trabalhador para a conscientização do povo, em um momento em o valor que vigora é o de tomada da consciência do país enquanto nação em estado pré-revolucionário. O crítico:

[...] passa então a estabelecer as relações existentes entre o filme e a sociedade da qual ela surge e à qual ele se dirige. Fica aí claro para o crítico que ele deixou de ser um demiurgo para se tornar uma peça envolvida no mesmo processo cultural, social, político, que o cineasta e sua responsabilidade é a mesma diante do processo socio-político de filmes, da afirmação do cinema brasileiro enquanto produção cinematográfica e enquanto fator de transformação social.90

A mudança no olhar é perceptível. Glauber Rocha (2003) fala de uma “corrente-viva”91

denunciada pelo jornalismo brasileiro entre os anos de 1960 e 1962, um momento em se que se passa a observar o cinema enquanto objeto sociopolítico, em se que trabalha não só o tributo como as intenções polêmica de grandes consequências.

87 ADORNO, 2003, p. 38 88 BERNARDET, 2011, p. 61 89 BERNARDET : 2011 90 BERNARDET, 2011, p. 61 91 ROCHA, 2003, p. 130

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30 A crítica então teria uma função desmitificadora, deixando de ser uma constatação sobre valores estéticos para se tornar uma peça importante na observação da cultura brasileira, uma arma que contribuiria para sua “evolução”92

. Como Lucas (2008) observa, a crítica feita ao cinema então produzido era acompanhada de propostas para um cinema a ser feito.

O artigo de Vidas Secas - adaptação célebre do cineasta Nelson Pereira dos Santos do clássico de Graciliano Ramos - escrito por Cláudio de Mello e Sousa para o Caderno B do

Jornal do Brasil em 1963 é um bom do exemplo do fenômeno descrito por Jean-Claude

Bernardet (2011):

Já disse aqui e agora repito que Vidas Secas é algo mais que do que o melhor filme nacional. É o fundador de uma linguagem brasileira de cinema, e isso é importante não por atender as exigências de uma noção obtusa de nacionalismo nem por satisfazer a alma patriota. Essa importância decorre do fato de que, pelo menos em Cinema, o Brasil caracteriza-se culturalmente como, afirma-se como uma individualidade e passa a falar com sua própria voz, com sua própria língua. Com Vidas Secas passamos a ter um verdadeiro, e por isso mesmo novo, cinema nacional.9394

Bernardet também é suspeito para falar desse tipo de crítica, já que ele próprio também a produziu. É o que é possível perceber em sua análise do documentário Apelo dirigido por Trigueirinho Neto, para o Suplemento Literário do Estado de São Paulo:

Que Trigueirinho Neto esteja ligado ao Brasil e sofra com seus problemas, não há dúvida: provam-no a violência (e também o amargor) de seu filme. Mas esta ligação não o levou a mostrar os sofrimentos da terra brasileira. Do Brasil, não se vê nada. Levou-os a desnudar os mecanismos desse sofrimento. Armado com tais abstrações, tendo a possibilidade de encontrar os mecanismos – e é isto, me parece, que se chama cultura – Trigueirinho poderia, pelo menos aparentemente, interessar-se por outros problemas de outros países, com a mesma felicidade. Mas o Brasil é seu país.95

Nesse momento os problemas sociais são considerados urgentes e devem ser uma das principais pautas do cinema. Assim, caberia ao crítico repensar sua posição “na torre aristocrática de seus elevados pensamentos”96

e refletir na sua capacidade de orientação do público. Ele teria que desmascarar os filmes, explicar seu significado como um todo, não qualificá-lo apenas através de elementos, como fotografia e montagem.

92 BERNARDET : 2011 93

SOUZA, Cláudio Mello e. “Vidas Secas, nasce o cinema brasileiro.” Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 22 de ago. 1963

94

Ver em anexo F, página 68

95 BERNARDET, 2011, p. 84 96

(32)

31 O Pagador de Promessas não é mais um filme do qual o crítico poderá dizer

que é bom ou não é bom, merecendo esta ou aquela nota. O crítico deverá tentar explicar porque fizemos O Pagador, o que significa produzir um tal filme, se ele abre nos perspectivas, se é um progresso e etc.97

A partir daí, o olhar que o crítico brasileiro lança ao cinema nacional deve ser de compromisso. Há uma maior exigência dos nossas produções em relação ao profissional, porque ele conhece a realidade que a obra interpreta. Frente ao cinema nacional, a responsabilidade daquele que o analisa seria muito maior, já que “[...] o crítico e o diretor estão envolvidos no mesmo processo evolutivo.”98

Diante das produções estrangeiras, sua postura também se modifica. Ao contrário do crítico de cinema colonizado que observa o filme “com os olhos da metrópole”99

, esse novo crítico faz sua leitura dentro da perspectiva de nossas preocupações e interesses. O crítico deve contribuir para a evolução social brasileira.

Enxergar os filmes enquanto objetos sociopolíticos parece um caminho promissor, mas a falta de instrumentos também levou esse modelo de interpretação fílmica no Brasil ao fracasso. Como Jean-Claude Bernardet (2011) constata, os críticos já tinha um vocabulário próprio quando encaravam a arte enquanto abstração histórica e os leitores tinham intimidade com o texto fruto desse meio de observação, o que não acontecia com essa nova forma de pensar o cinema.

Seguindo um método rudimentar – baseado apenas no confronto entre a significação imediata da película e a ideologia do período -, caía-se muitas vezes em observações primárias e tão abstratas quanto na fase anterior. Além de que se fala em conscientização, mas não há reflexão real do que ela significa. Para Bernardet (2011), esse discurso não passava de uma forma de imposição de poder. “Nunca nos preocupamos em saber o que havia por trás deste conceito de conscientização, justificativa para uma camada social que de algum modo se considera superior divulgar sua ideologia para outra camada social.”100

Só se pode conscientizar se souber “quem se quer conscientizar e onde se quer levar a quem se conscientiza”.101

Os intelectuais e críticos da época aparentemente não sabiam. Bernardet (2011) conclui: 97 BERNARDET, 2011, p. 71 98 BERNARDET, 2011, p. 70 99 BERNARDET, 2011, p. 90 100 BERNARDET, 2011, p. 95 101 BERNARDET, 2011, p. 96

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