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O ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini

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Academic year: 2021

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LÁUDIA

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AVARES

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O ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini

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AMPINAS

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

C

LÁUDIA

T

AVARES

A

LVES

O ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRA EM TEORIA E HISTÓRIA LITERÁRIA, NA ÁREA DE TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA.

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RIENTADORA

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ROFA

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ETÂNIA

A

MOROSO

C

AMPINAS

,

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624

Alves, Cláudia Tavares,

AL87e AlvO ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini / Cláudia Tavares Alves. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

AlvOrientador: Maria Betânia Amoroso.

AlvDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Alv1. Pasolini, Pier Paolo, 1922-1975 - Crítica e interpretação. 2. Ensaios italianos. I. Amoroso, Maria Betânia,1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The corsair essayism of Pier Paolo Pasolini Palavras-chave em inglês:

Pasolini, Pier Paolo, 1922-1975 - Criticism and interpretation Italian essays

Área de concentração: Teoria e Crítica Literária Titulação: Mestra em Teoria e História Literária Banca examinadora:

Maria Betânia Amoroso [Orientador] Lucia Wataghin

Eduardo Sterzi de Carvalho Júnior

Data de defesa: 26-02-2015

Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária

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R

ESUMO

Dentre as diversas atividades literárias e cinematográficas às quais Pier Paolo Pasolini se dedicou ao longo de sua carreira, seu trabalho jornalístico ganhou grande destaque entre o público em geral e a crítica especializada por ter um caráter de intervenção política. A intenção do presente trabalho é buscar caminhos para compreender o percurso intelectual percorrido pelo escritor italiano nos meios de comunicação de massa, iniciando a pesquisa por artigos publicados na década de 1960 em periódicos de menor circulação e culminando em uma análise mais longa e reflexiva sobre o momento que ficou conhecido como o do corsarismo. Tal denominação foi extraída do livro Scritti corsari, de 1975, o qual reúne uma série de textos escritos para grandes jornais italianos, como o Corriere della Sera, a fim de denunciar a dominação de um modo de vida burguês em detrimento de outras manifestações sociais e culturais na Itália após o fim da Segunda Guerra Mundial e seus consequentes avanços econômicos. Nosso objetivo é então pensar o que foi esse momento corsário na obra de Pasolini e de que maneira suas escolhas estilísticas constituíram uma forma muito particular de escrever ensaios jornalísticos.

A

BSTRACT

Among all different literary and cinematographic activities developed by Pier Paolo Pasolini, his work in newspapers gained great importance with the general public and the critics because of the political intervention it represented. The purpose of this thesis is to search for means to comprehend the intellectual journey made by the Italian writer when he has written for big mass medias. The first step was related to writing reviews about his articles published during the 1960s in smaller journals and then a deeper and reflexive analysis of corsarismo was made. Corsarismo is a designation extracted from the book Scritti corsari (1975), which gathers many texts published in big newspapers, such as Corriere della Sera. These articles were written to denounce the domination of a certain bourgeois way of life to the detriment of other social and cultural manifestations in Italy after Second World War and its consequent economical improvements. Our main goal is to think of what has been this

corsair stylistic choices became

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S

UMÁRIO

INTRODUÇÃO ...13

1. IALOGHI CON PASOLINI E L CAOS A PRODUÇÃO JORNALÍSTICA NOS ANOS 1960...23

2.O CORSARISMO DE PASOLINI NOS ANOS 1970...53

2.1DO JORNAL AO LIVRO ...60

2.2PASOLINI ENSAÍSTA: UM ESTRANHO NUMA TERRA HOSTIL ... 73

2.3O ENSAÍSMO CORSÁRIO COMO EXPERIÊNCIA CORPÓREA ...96

2.4PASOLINI E OS JOVENS INFELIZES ... 119

3.O ENSAÍSMO JORNALÍSTICO DE PASOLINI ...131

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...139

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xi

A

GRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Airton e Maria Aparecida, por terem me ensinado ao longo desses anos que devemos estar sempre dispostos a aprender e a compartilhar conhecimento;

Aos meus irmãos, Marcos e Giovana, por fazerem da vida uma experiência de amor e companheirismo;

Ao Evandro, pela paciência e pelo carinho com que leu cada palavra dessa dissertação;

Aos meus amigos, por entenderem que, apesar das minhas ausências, a rotina com ou sem limites é sempre mais alegre e doce ao lado deles;

À professora Betânia, pelas leituras e orientações fundamentais para que essa pesquisa pudesse avançar;

A Giuliana Benvenuti e Marco Bazzocchi, da Universidade de Bologna, Roberto Chiesi, responsável pelo Archivio Pasolini na Cineteca de Bologna, e Angela Felice, diretora do Centro di Studi Pier Paolo Pasolini em Casarsa della Delizia, pelo acolhimento durante meu estágio de pesquisa na Itália;

A Lucia Wataghin e Eduardo Sterzi, pelos comentários instigantes feitos durante a defesa deste trabalho;

Aos funcionários e colegas do IEL, por amenizarem o trauma burocrático causado pela vida acadêmica;

Ao CNPQ, pelo suporte concedido nos meses iniciais da pesquisa;

À FAPESP, pelos financiamentos no Brasil e na Itália, sem os quais a realização

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13

I

NTRODUÇÃO

Nos anos de 1940, enquanto escrevia para pequenos periódicos bolonheses1, como Il Settaccio e Architrave, o jovem Pier Paolo Pasolini iniciou

suas discussões públicas sobre política, dialeto, marxismo2, entre outros assuntos. O escritor italiano, que já escrevia poesia desde muito cedo3, parecia timidamente ir aos periódicos em busca de uma outra forma de expressão do seu ponto de

vista. Segundo Piergiorgio Be á

nesses primeiros escritos:

BELLOCCHIO IN PASOLINI, 1999,

p. XX)4. Ainda que sua posição ideológica fosse um elemento significativo já em suas outras produções, sua participação nesses meios de comunicação com maior alcance sugere uma vertente política que ganhará cada vez mais espaço em sua obra.

Com o passar dos anos, as pequenas produções para revistas de pouca circulação tomaram novas dimensões. No fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, o autor começou a escrever, mantendo alguns dos temas iniciais, para periódicos maiores (porém ainda de pequena expressão), como Vie nuove. 1 Bellocchio faz um breve percurso jornalístico de Pasolini a partir dos anos 1940 no prefácio

Saggi sulla politica e sulla società da obra completa (PASOLINI, 2001, p. XI). Para maiores informações sobre a produção do autor nesse período, conferir Pasolini e Bologna, org. Gianni Scalia e Davide Ferrari (Bolonha: Edizioni Pendragon, 1998).

2

PASOLINI, 2001, pp. 5- PASOLINI, 2001, pp. 15-20), entre outros textos selecionados no capítulo

Saggi sulla politica... op. cit.

3

PASOLINI apud AMOROSO, 2002, p. 10).

4 Grande parte da bibliografia de e sobre Pasolini não possui ainda tradução para a língua portuguesa, por

isso optamos por manter as citações sempre no o

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14

Posteriormente, a partir de meados dos anos 1960 e, sobretudo, nos anos 1970, passou a escrever para jornais de grande circulação na Itália, como Il Mondo e

Corriere della Sera.

Ao longo desse percurso jornalístico, as ideias ainda prematuras de um jovem de 20 anos de idade deram lugar a reflexões mais complexas, tornando-se esquematizações cada vez mais elaboradas sobre o modelo político italiano e seus desdobramentos culturais, sociais e econômicos. Foi também com o passar dos anos que algumas sensações concebidas logo após o fim da Segunda Guerra Mundial foram substituídas por reflexões semiológicas, isto é, reflexões pautadas nos sinais comportamentais presentes na sociedade italiana, as quais acabaram por corroborar aquilo que no início parecia ser apenas uma intuição.

Em meio a essa vasta produção jornalística que vai de 1940 a 1975, ano da morte do autor, decidimos nos deter especificamente nos seus últimos escritos, passando por outros dois momentos de sua produção nos anos 1960, com a intenção de compreender o que, segundo uma parcela da crítica, é o ápice da produção jornalística de Pasolini enquanto reflexão política.

Sendo assim, optamos por analisar brevemente dois momentos muito específicos da produção pasoliniana a saber, as colunas Dialoghi con Pasolini, no periódico Vie nuove, de 1961 a 1965, e Il Caos, no jornal Tempo, de 1968 a 1970 para então refletir sobre nosso objeto de estudo, o livro Scritti corsari (1975), o qual foi organizado pelo próprio autor antes de morrer e reúne uma série de textos escritos de 1972 a 1975 para grandes jornais.

Enquanto escreve, nesses três momentos diversos, o escritor se mostra preocupado em entender como ocorre a consolidação política e econômica da

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Itália nos anos posteriores à guerra, isto é, durante o ápice do que ele reconhece como neocapitalismo. Essa consolidação se relaciona diretamente ao modo de ser e de falar dos italianos, à religião e suas adaptações frente a uma nova organização econômica, à educação, aos meios de comunicação, à cultura, ao partido comunista e suas frentes de atuação. Percebe-se então que, para refletir sobre essas questões, o escritor parte de ocasiões diversas: em alguns casos, são situações pessoais e pequenas, como uma viagem à Praga; em outros momentos, utiliza fatos nacionais, como o plebiscito sobre o divórcio ocorrido na Itália em 1974. Nesse sentido, o que inicialmente salta aos nossos olhos é que as primeiras reflexões tímidas de 1960 ganham força e consistência e originam textos mais denunciativos e incisivos.

Além disso, há também escolhas acerca do formato dos textos, do estilo discursivo, dos meios de comunicação em que eles circularão que chamam a atenção de nós leitores. Observamos ainda uma verdadeira obsessão por parte do escritor com o jovem italiano, tanto como objeto de análise, quanto como interlocutor constante de seus escritos jornalísticos. É emblemático, por exemplo,

Gennariello publicado em Lettere luterane (1976):

Pasolini cria ficcionalmente um jovem napolitano ao qual ele dá uma série de lições sobre a Itália da época.

Diante de um escritor tão plural, procuramos então traçar um trajeto intelectual que abrangesse a produção jornalística de Pasolini nas décadas de 1960 e 1970. Para corroborar ou descartar nossas hipóteses, nos dedicamos a análises dos próprios textos de Pasolini, levando em consideração esses

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momentos diversos de sua carreira, paralelamente aos esclarecimentos (por vezes não tão esclarecedores assim) dos textos críticos.

*

Gostaríamos de relembrar nessa pequena introdução o nosso próprio caminho acadêmico até Scritti corsari. O primeiro contato com o livro se deu por meio de outra obra, Os jovens infelizes5 (1990). A antologia brasileira foi a primeira

leitura que desencadeou uma série de questionamentos acerca desse modo característico utilizado por Pasolini para falar sobre questões tão particulares da Itália, mas ao mesmo tempo tão abrangentes e atemporais. Inicialmente, essa primeira leitura despertou sentimentos eufóricos: a satisfação de ler um autor que conseguiu exteriorizar através de seus escritos sensações até então muito instáveis para uma jovem leitora brasileira. Denúncias escritas em 1970 acerca de um modelo de vida italiano pautado sobretudo em valores burgueses pareciam se aplicar indubitavelmente ao modelo de vida brasileiro dos anos 2010, ainda que estivéssemos muitos distantes. Porém, esse deslumbramento quase ingênuo deu lugar à necessidade de desconfiança e investigação diante do nosso objeto de estudo.

Frente à grandeza e à complexidade de Pasolini, as leituras pareciam despertar duas reflexões. A primeira, a ideia de que escrever um texto literário era também pensar questões políticas, sociais, culturais. A segunda, de que era necessário a todo tempo desconfiar do que se lia e de que nada deveria parecer óbvio. Partindo desses dois pontos, desenvolvemos uma iniciação científica e

5

Coletânea brasileira que reúne alguns textos de Scritti corsari e Lettere luterane. Publicada em 1999, foi organizada por Michel Lahud e traduzida pelo organizador em parceira com Maria Betânia Amoroso.

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uma monografia6 para explorar a relação de Pasolini com os jovens e suas reflexões corsárias em Os jovens infelizes. E foi a partir desse primeiro trabalho que se esboçaram as ideias exploradas com mais profundidade nessa dissertação, que visou se dedicar principalmente a Scritti corsari, passando sempre que necessário por Lettere luterane.

Desconfiamos, primeiramente, do subtítulo dado ao livro brasileiro

corsários m ensaio? O que seria, por sua vez, um ensaio corsário? As respostas não eram nem um pouco claras, fato que levou a uma investigação da fortuna crítica de Pasolini. No Brasil, os críticos Michel Lahud, Maria Betânia Amoroso, Luiz Nazário escreveram sobre o autor e foram de grande importância para esquematizar as primeiras questões a serem estudadas. Além disso, possibilitaram o levantamento bibliográfico de outros grandes críticos pasolinianos, como Alfonso Berardinelli, Rinaldo Rinaldi, Franco Fortini, Marco Bazzocchi, Filippo La Porta, entre outros.

No âmbito do ensaísmo, o primeiro exercício foi compreender o que se entendia por ensaio. Nesse sentido, Montaigne, Starobinski, Adorno, Lukács, Sílvio de Lima etc., foram nomes essenciais para formar uma atmosfera teórica ao redor do termo. Entretanto, ainda não estava claro o porquê da escolha desse termo para tratar dos escritos corsários. Por isso o caminho natural foi buscar na crítica pasoliniana e nos próprios escritos de Pasolini uma trilha para entender tal

6 De agosto de 2010 a julho de 2011 d corsário de Pasolini

em Os jovens infelizes PIBIC-CNPQ. Essa pesquisa originou ainda a monografia homônima defendida em novembro de 2011 para obtenção do Bacharelado em Estudos Literários (IEL, Unicamp).

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O ensaísmo jornalístico7 de Pasolini dar algumas direções sobre essa questão.

Durante toda a pesquisa, sentíamos a dificuldade de lidar com um escritor tão particular como foi Pasolini. Observamos, com o passar do tempo, que a nossa intenção de compreender o percurso intelectual do escritor caminhava paralelamente à intenção do autor de construir seu próprio percurso intelectual ao longo de sua obra. Pasolini se mostrou um escritor constantemente disposto a repensar seus modos de trabalhos, suas estruturas reflexivas, seus modelos de comunicação, fato que pode ser corroborado por sua extensa e múltipla obra.

Nos escritos jornalísticos, conseguimos traçar uma linha que vai desde os artigos publicados na revista Vie nuove, no início da década de 1960, aos ensaios de Corriere della Sera, nos anos 1970. Por isso achamos essencial iniciar a discussão dos escritos corsários a partir da exposição dos escritos jornalísticos da década de 1960, o que culminou no primeiro capítulo do presente trabalho. Percebemos que o embrião de muitos temas corsários já estava presente naqueles trabalhos anteriores, além da presença de um certo modo de construir um discurso, por isso levamos adiante a investigação dos escritos de Vie nuove e

Tempo no capítulo

.

Essa maneira de escrever para jornais e revistas nem sempre agradou a crítica. Pudemos observar que alguns críticos pasolinianos que escreveram por volta dos anos 1970 e 1980 questionavam por que o intelectual, uma referência

7

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para a esquerda marxista, passou a escrever de maneira tão simplista em meios de comunicação de massa. Parecia haver uma expectativa ou mesmo uma cobrança para que o autor correspondesse ao que se esperava de um escritor marxista. Essa mesma cobrança se reflete na maneira como Pasolini conduz a partir de dado momento seus escritos, sempre reforçando seu papel de escritor, e não de teórico ou cientista político, e sua liberdade de errar e de se contradizer.

Finalmente, identificamos dois momentos na crítica pasoliniana: um tipo de crítica feito antes da consolidação do momento econômico descrita nos escritos

corsários, feita por intelectuais de esquerda empenhados em manter uma

determinada maneira marxista de se fazer crítica, preocupados principalmente com a pessoa Pasolini e suas atitudes enquanto intelectual de esquerda; e uma crítica posterior à consolidação econômica, a qual atribui a Pasolini denominações como profeta e decifrador, a fim de expor como seus argumentos fazem sentido nos dias contemporâneos, e preocupada com outras questões envolvendo o modelo de escrita explorado pelo autor.

Destacamos, por exemplo, a ocasião de um simpósio8 ocorrido na Yale

University em 1980, no qual Franco Ferrucci fez duras críticas ao modo como Pasolini escrevia, chegando a afirmar que seu único m

FERRUCCI,1980-1981, p. 15). Nessa linha,

encontramos os críticos Rinaldo Rinaldi, Franco Fortini, Alberto Asor Rosa que, 8

Publicado em Italian Quaterly, ano XXI-XXII, n. 82-83, 1980-1981. O evento e o exemplar publicado foram -se como essa escolha sugere uma separação entre Literatura e política. O texto citado se encontra

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cada um a seu próprio modo, teceram severos comentários à produção do escritor, deixando transparecer suas expectativas de como um intelectual de esquerda deveria ser. Observamos como essas críticas prendem-se muito às incoerências argumentativas existentes nos escritos corsários, porque existe uma pressuposta coerência esperada segundo o modelo crítico marxista. Pasolini, por ser um ponto fora dessa curva, foi questionado por seu modo de pensar e escrever.

Passado alguns anos, vemos críticos contemporâneos, como Filippo La Porta, Marco Belpoliti, Marco Bazzocchi que se mostram interessados em sugerir novas maneiras de ler Pasolini. Superadas as questões com o partido comunista e consolidado o sistema neocapitalista, esses estudiosos estão interessados em fazer análises sob perspectivas diferentes: a relação da obra com o Corpo, a vocação pedagógica, o Eros homossexual.

scintillanti Scritti corsari (...) plare di

Pasolini, ne ricomprendono in un genere letterario nuovo le molte anime e LA PORTA, 2012, p. 104).

Para nosso trabalho, foi interessante ler essas duas tendências e explorar uma fusão entre ambas. Curiosamente, as críticas mais antigas, em geral, não identificavam no trabalho corsário de Pasolini muitos pontos positivos e pensavam no autor mais como um homem político. Em comparação às produções poéticas anteriores, os escritos jornalísticos eram usualmente depreciados. Já nos trabalhos mais recentes, há uma exaltação (ou ao menos uma compreensão menos enviesada) desses escritos, tratados como textos literários que precisam

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ser estudados como tais. Nossa intenção foi então propor uma análise dos escritos corsários contrabalanceando essas duas linhas críticas.

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1.

IALOGHI CON

P

ASOLINI E L

C

AOS A PRODUÇÃO JORNALÍSTICA NOS ANOS

1960

Quando assume, em 1960 em Vie

nuove9, o autor se propõe a estabelecer uma nova linha de comunicação com seus leitores. Apesar das diversas atribulações com suas outras produções10, acredita que abrir espaço em sua

PASOLINI, 2001, p. 877) e assumir tal compromisso

semanal seria dar a oportunidade para um novo tipo de construção de análises conjuntas com os leitores, isto é, seria uma maneira de realizar discussões políticas e culturais sob uma perspectiva mais democrática.

Antes de se tornar um colaborador fixo, o escritor já havia dado outras contribuições para a revista. Publicou, por exemplo, um artigo muito significativo acerca dos jovens italianos. teddy boys , de 1959, usa como

9

Revista ligada ao Partido Comunista Italiano (PCI), fundada em 1946. Trazia junto ao título a informação de Carlo Ferretti no volume Le belle bandiere: dialoghi 1960-1965, Roma: Editori Riuniti, 1977 (1ª ed.).

10

di cui sarò regista, sto correggendo le bozze di un volume di saggi di seicento pagine, sto organizzando un romanzo su cui, in definitiva, punto ormai tutto, sto scrivendo versi e articoli, secondo le intermittenze e le ossessioni della vocazione e del mestiere: non ho tempo neanche di respirare, come

p. 877). Sabe-se, graças à cronologia organizada por Nico Naldini (Pasolini, 2001, p. XLI-CVIII), que no ano de 1960 Pasolini estava trabalhando com os rascunhos de Passione e ideologia (Garzanti: Milão, 1960) e de La religione del mio tempo (Garzanti: Milão, 1961). Além disso, dedicava-se a roteiros cinematográficos: La giornata balorda e , de Bolognini, , de Gianni Puccini, La lunga , de Florestano Vancini. Visando iniciar suas atividades como diretor de cinema, escrevia o argumento de La commare secca. Em julho do mesmo ano, deixará de lado esse roteiro para dedicar-se a Accattone, seu primeiro lançamento cinematográfico. Trabalhava ainda com os esboços de Il Rio della grana, La Mortaccia e Storia burina, os quais não serão publicados e terão apenas alguns trechos aproveitados em Alì dagli occhi azzurri (Garzanti: Milão, 1965). Por último, lança dois pequenos volumes de versos antigos: Roma 1950 Diario (Scheiwiller: Milão, 1960) e Sonetto primaverile (Scheiwiller: Milão, 1960).

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questão dos jovens italianos e da existência dos teddy boys11. A premissa é que seria possível compreender o motivo de um determinado tipo de comportamento dos jovens tendo em vista os palestrantes presentes no congresso: aqueles estudiosos seriam também pais e a revolta de seus jovens filhos refletiria, no fundo, a superficialidade e crueldade com que esses pais falam de seus adolescentes, referindo-se a eles de maneira extremamente racional, científica, teórica, objetiva, sem qualquer vestígio de cumplicidade ou compreensão. Por isso, os jovens alla superficialità rispondono con la superficialità, alla crudeltà con

PASOLINI, 2001, p. 92).

Ao invés dessa aproximação científica e técnica ao assunto, propõe-se que esses jovens sejam vistos conforme a sociedade e o ambiente em que vivem. Mesmo quando são violentos, cruéis e polêmicos, haveria uma maneira de analisá-los com mais proximidade, sem objetificá-los como tema de estudo. Podemos observar, por exemplo, como o autor defende os jovens, eximindo-os da culpa quando eles comentem agressões a homossexuais e prostitutas, práticas recorrentes entre os teddy boys. Pasolini entende que o tipo de atitude desses jovens reflete os princípios morais segundo

stesso in cui si ribellano esercitando atti di crudeltà esibizionistica e in fondo masochistica si adeguano, si conformano: la loro è una ribellione conformista, la

loro arma il ricatto, che PASOLINI, 2001, p.

93). Na verdade, a violência e o comportamento agressivo com que agem seriam 11

Movimento surgido em Londres nos anos 1950 que se espalhou por toda a Europa. Eram jovens ligados à música rock, ao estilo eduardiano de se vestir e a atitudes rebeldes e agressivas (disponível em http://www.bbc.co.uk/britishstylegenius/content/21865.shtml, acesso em 17 de outubro de 2014). Para

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25

apenas reflexos da mentalidade burguesa em que foram concebidos e à qual devem se adequar.

Para dar continuidade a essa análise, Pasolini irá introduzir um dos princípios mais utilizados em seus escritos a partir de então, sobretudo no período

corsário: a polarização entre os jovens do norte e os do sul da Itália. Os primeiros

se revoltariam porque vivem em uma sociedade que aparenta ser boa, pois oferece possibilidades diversas para garantir um padrão de vida consumista, mas que é na verdade uma sociedade injusta porque, devido a essa mesma lógica, suprime as individualidades de cada um, igualando todos. A revolta seria então um clamor por personalidade, pela liberdade de fazer suas próprias escolhas:

il ragazzo nevrotico milanese, o torinese o bolognese, si trova a lottare contro una società apparentemente buona, capace di offrirgli garanzie, ma, in sostanza ingiusta, e quindi, sotto le apparenze democratiche, noiosa, ipocrita, feroce, carica di rancore teologico. Il ragazzo tutto questo ppressione di tale società su di lui, causa in lui le nevrosi che lo portano a una falsa rivendicazione della propria personalità: il PASOLINI, 2001, p. 95).

Vistos de outra perspectiva, os jovens do sul encontrariam seus motivos de rebelião justamente na diferença social que existe entre eles e os do norte, por isso seu protesto seria social e não moral. Por pertencerem ao povo, à classe subproletária, e não à classe burguesa, suas ações refletiriam uma revolta social por melhores condições econômicas.

Nei

alla classe borghese o alla sua area ideologica, ma appartengono al popolo o al sottoproletariato, sempre più vasto e insondabile; essi non commettono reati gratuiti, ma reati ben giustificati dalla necessità economica e dalla diseducazione ambientale (PASOLINI, 2001, p. 96).

Essa diferenciação econômica e, consequentemente, comportamental entre os jovens italianos do sul e do norte reforçaria o argumento de que o

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neocapitalismo só ressalta o desnível social entre as duas regiões, o que se refletiria inclusive na cultura e na língua falada em cada local. No sul, por exemplo, ome koinè12, come lingua strumentale di PASOLINI, 2001, p. 97). Enquanto no norte o

desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural já havia padronizado a língua italiana, no sul ainda havia diversas comunidades falando dialetos diferentes, reforçando ainda mais as diferenças sociais entre as duas regiões.

A conclusão do artigo, porém, defende que a formação desses novos jovens, sejam do sul ou do norte, e suas divergências tão marcantes são consequências do modelo econômico, social e político em que eles estão crescendo. Por isso a discussão ao redor desses jovens não deveria ser sobre como salvá-los, como protegê-los de suas próprias revoltas. No final das contas,

n per quel

provvedimenti non servono; anzi, non ne esistono: ed è bene che sia così, se questo dimostra, ancora una volta, che è la nostra società, nelle sue strutture, che

PASOLINI, 2001, p. 98).

Esse tipo de argumentação que recorre ao meio social para pautar suas críticas e traz grandiosas conclusões sobre o assunto começa a ganhar força nos textos jornalísticos de Pasolini. Para Bellocchio, o autor não abre mão

12 Termo usado em italiano e nos estudos linguísticos.

accettato e seguito da tutta una comunità nazionale e su un territorio piuttosto esteso, con caratteri uniformi (in contrapposizione ai dialetti locali e alle parlate regionali, territorialmente limitati e dis Em Treccani.it - Enciclopedie on line, Istituto dell'Enciclopedia Italiana, 10 outubro 2014.

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27

desse tipo de escrito pois esse trabalho lhe proporciona uma proximidade com o público que suas outras produções não permitem:

Tuttavia non rinuncia alle collaborazioni giornalistiche. È un lavoro a margine, con interruzioni frequenti, a cui può dedicare esigui ritagli di tempo, ma si butta con la consueta passione. Perché ci crede, perché ha bisogno di un contatto diretto con le persone, che né i libri né i film gli possono dare e che il superlavoro gli nega sempre di più (BELLOCCHIO IN PASOLINI, 2001, p. XXVI).

Segundo o crítico, o escritor havia tentado relançar a revista Officina13 em 1959 sem sucesso. A tentativa infeliz de voltar a trabalhar coletivamente em um periódico de crítica literária só que dessa vez em paralelo a muitas outras produções não convence e provavelmente por isso o convite, em 1960, para escrever toda semana a coluna Vie nuove aparece

como uma alternativa conveniente.

Baseada em experiências anteriores de diálogos com o público14,

observa-se que a coluna é estruturada, em geral, por textos curtos, escritos em tom informal. Os leitores enviavam, com grande liberdade, comentários ou perguntas sobre os mais diversos assuntos como literatura, cinema, política, acontecimentos cotidianos , pedindo conselhos, orientações, sugestões de leitura. Pasolini respondia na maioria das vezes de maneira bastante clara e objetiva, dialogando diretamente com seu interlocutor e seus leitores em geral. Não há um tom crítico de denúncia, o que aproxima esse tipo de comunicação a

13

Revista literária fundada em 1955 por Pasolini, Francesco Leonetti e Roberto Roversi em Bolonha. Para mais informações, conferir Gian Carlo Ferretti, , Turim: Editora Einaudi, 1975.

14 Pasolini conta com entusiasmo experiências em congressos nos quais o público interagia com o autor com

PASOLINI, 2001, p. 878).

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uma conversa. Na definição do crítico

giornalista-pedagogo, ma anche un scrittore- BELPOLITI, 2003, p. 141).

*

Em março de 1962, o jovem Giovanni Petti, de Roma, escreve uma carta

apresenta como um estudante ser

observações acerca das mudanças da sociedade, do comportamento dos jovens em relação ao amor e da importância de instruí-los sobre esse sentimento, o leitor parte para uma análise mais profunda dos livros de Pasolini. Diz Giovanni:

lascia. Questo si legge sui vostri libri, questa è la realtà. Ma questo, che voi illustrate, non è amore ma un suo surrogato, perversione, egoismo. (...) Le vostre opere spaventano i borghesi e voi credete di fare gli impegnati e i veri comunisti. Rimestate il fango, invece (IN PASOLINI, 2001, pp. 1000-1001).

Após expor críticas tão intensas em relação ao conteúdo e ao teor moral dos livros, o leitor cobra do escritor italiano uma atitude, julgando aquilo que os jovens precisam que seus escritores façam por eles:

E noi giovani abbiamo bisogno di essere istruiti. Invece voi rimestate il fango, forse per dimostrare che la società borghese è putrida. Ma bisogna anche prospettare soluzioni e illustrare speranze. Lo sa che il comunista è ottimista e che il suo pessimismo è un residuo piccolo-borghese? (IN PASOLINI, 2001, pp.1001).

Pasolini é implacável em sua resposta à carta ou, como diz, ao -o de burguês e reforça a intensidade que existe nessa acu un borghese. (...) ciò che ti contraddice nella tua operazione nobilitante, nel tuo ingenuo idealismo erotico di

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29

ventenne, è proprio e solo la borghesia. Che è avida, meschina, ipocrita, egoista e, PASOLINI, 2001, p. 1002). E continua, denunciando um tom de

presunção e de superioridade encontrado na fala do jovem:

Tu, nella tua lettera, non fai altro che ribadire la tua superiorità la minima superiorità economica, e la rilevante superiorità spirituale su coloro che tu ritieni volgari, perché rozzi, semplici, violenti o maleducati. senza volerlo, hai peccato di presunzione (PASOLINI, 2001, p. 1002).

Os comentários do leitor refletiriam um sentimento de superioridade, alimentado por sua condição econômica e espiritual, que o permitiria fazer julgamentos levianos. Para o autor, o pecado dessa presunção involuntária estaria relacionado à falta de informação, de conhecimento do jovem, que não teria lido e refletido o suficiente sobre as questões que levanta nem sobre as obras que cita, emitindo por isso juízos superficiais e hipócritas. Sua condição de burguês haveria limitado seu campo de consciência, não o fazendo enxergar que aquilo que ele chama de vulgar é, na verdade, consequência do seu próprio modo de vida. Por isso, no final da carta, há um conselho ironicamente cruel e bem humorado: Riscrivimi fra un anno, quando avrai più letto e più pensato, e, magari, più fatto

(PASOLINI, 2001, p. 1003).

Esse exemplo ilustra como eram construídos os diálogos de Vie nuove. Os leitores se sentiam à vontade para fazer todos os tipos de colocação, de desabafo, sobre quaisquer temas, esperando por vezes de Pasolini uma resposta de pai, amigo, mentor. E é com a mesma liberdade que ele responde: de maneira educada, mas sem ressalvas ou agrados, sem disfarçar seu posicionamento político ou fazer concessões morais. Diz o que sente necessidade de dizer,

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apostando em um determinado tipo de comunicação pedagógica que busca instruir e aconselhar seus leitores. Fica ainda explícito com esse exemplo o tipo de argumentação que Pasolini irá aprimorar com os anos, justificando as atitudes dos jovens italianos a partir da sua condição de burgueses, o que implica consequentemente o conformismo, a presunção, o comodismo intelectual, a padronização de pensamentos fortalecidos pelo modelo burguês.

Esse mecanismo de argumentação, que retorna sempre para as mesmas alegações, culpabilizando a burguesia por todos os males da Itália, tende a se estabelecer cada vez mais em pouquíssimo tempo. Em outra carta de 1965, referindo-se a um debate sobre língua e literatura ocorrido em Roma, o leitor faz alusão à constatação de Pasolini de que finalmente a língua italiana teria nascido como língua nacional. Diferentemente daquelas constatações feitas seis anos

antes è dei teddy boys

sobre a língua italiana já não exaltam o contraste entre o sul e o norte causado pelo desnível social. Pelo contrário, o tom que prevalece nessa ocasião é o de percepção da padronização linguística causada pela evolução neocapitalista. Mais uma vez, o autor encontra a motivação de sua teorização na crítica ao modelo burguês, porém por outro viés. Segundo ele, essa unificação da língua nacional só foi possibilitada pela padronização econômica e cultural proporcionada pela burguesia dominante:

(...) la borghesia dominante, attraverso la completa industrializzazione del Nord, attraverso un nuovo tipo di rapporti (neocolonialisti) col Sud, attraverso un ingigantimento dei mezzi di produzione e di diffusione della erna (per cui Milano e Torino so

a livello mondiale e,

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31 linguisticamente, verso la lingua tecnologica si ha in Italia una vera e propria rivoluzione sociale (PASOLINI, 2001, pp. 1050-1051).

Diante do cenário edificado por essas numerosas observações, as quais serão exploradas com mais profundidade posteriormente, fica claro que a língua tecnológica e padronizante é também fruto da revolução social em curso. O escritor, por outro lado, mostra ao longo da carta que não é ele quem deseja essa situação, apenas a constata, e que sua constatação não é um diagnóstico imparcial do que acontece, e sim a maneira de um intelectual entender o que está acontecendo.

anche dal punto di vista linguistico è conciso con la lotta operaia e popolare degli anni Quaranta e degli anni Cinquanta. Ma non voglio attardarmi coi bei ricordi, e con i ricordi eroici. il marxismo si deve mettere in crisi, per agire realmente nel presente,

PASOLINI, 2001, p. 1052).

Frente a uma revolução social tão intensa, que afeta com tanto impacto a sociedade italiana, se faz necessário o empenho dos intelectuais. Porém os pensadores de esquerda também precisam reinventar suas formas de pensar e agir para o escritor, se o mundo mudou e os anos 1940 e 1950 deixaram de ser referência, é preciso perceber que a maneira de lidar com esse mundo também precisa mudar. Por conseguinte, é fundamental pensar as modificações que precisam ocorrer dentro do próprio marxismo para lidar com esse novo sistema. A crise da sociedade italiana seria também a crise do marxismo.

*

Em um momento anterior aos diálogos, foi publicado, no volume de maio-junho de 1959 da revista Officina Marxisants

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suas reflexões críticas acerca do marxismo ortodoxo concomitantemente às suas parece empenhado em rever as bases que regem o partido comunista e o marxismo. Ao constatar que há uma nova forma de capitalismo se expandindo na Itália, entende-se que a oposição deve se munir de novos instrumentos para combatê-la, realizando uma PASOLINI, 2001, p.

83):

capitalismo, un capitalismo sotto certi aspetti illuminato, e quindi più duro: dunque le norme e le istituzioni che presiedono alla sua lotta, dovranno pure richiedere qualche innovazione (PASOLINI, 2001, p. 86).

O autor não amplia a discussão acerca de quais seriam os aspectos que fariam

enquanto, a análise se mantém próxima aos paradigmas do marxismo, passando por uma pequena reflexão sobre o capitalismo em si15. O motivo de nosso interesse é que já se anuncia a relação que essas duas questões terão.

O que podemos observar são sutis constatações, tal como o aumento dos desníveis sociais causados por esse novo capitalismo, ocasionando

c (PASOLINI, 2001, p. 86). Isso porque e

15

É curioso observar como Pasolini busca eximir essas afirmações de qualquer responsabilidade política. Reafirma várias vezes que provavelmente não é um autor capaz e qualificado para fazer observações de cunho social e político mas as faz mesmo assim. Utilizar a negação de autoridade na construção argumentativa será um recurso amplamente utilizado pelo escritor ao longo de seus escritos corsários, por isso chamamos a atenção para essa possível primeira utilização do recurso. A seguir, alguns trechos que e

grado di correggerla (PASOLINI ervatore di passaggio e incompetente (PASOLINI, regiata intuizione, ché dati non ne possiedo (PASOLINI

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apesar de ser um momento de aparente calma e evolução, se vista através de uma perspectiva otimista, estaria na verdade no limite de sua maior crise (PASOLINI, 2001, p. 88).

Diante dessa conjuntura, tenta-se repensar os papéis do intelectual, do literato, do crítico. Segundo o autor, sul piano più alto urge (...) gettare i PASOLINI, 2001, p. 89). Entretanto,

reavaliar esses fundamentos não é tarefa fácil. O escritor estaria vivendo as mudanças sociais contemporaneamente à sua reflexão e à sua escrita, e por isso propor um neocomunismo não seria nem tão simples nem tão óbvio quanto poderia parecer:

è possibile, dunque, per uno scrittore, ipotizzare, come dato, un neocomunismo ancora nella piena tenebra del farsi e, di conseguenza, prospettarsi un proprio comportamento e una propria figura nuovi, o comunque le ripercussioni etiche ed estetiche nelle sovrastrutture in cui egli opera? No, no certamente (PASOLINI, 2001, p. 86).

Porém, ainda assim, em oposição à burguesia acomodada em seus próprios parâmetros de trabalho e produção, Pasolini sugere que literatos devam encontrar uma nova forma de produzir, com um novo tipo de requinte uma marcadamente sociológico e atualizado. Enquanto a burguesia esperaria com insistência que um literato se equivalha à figura de um PASOLINI, 2001, p. 90), o autor vê a

figura do escritor a partir de outro ângulo, como um homem que encontra no ato de pensar o melhor de si:

lo scrittore non è uno specialista, un tecnico di stile, non è un deputato al sacerdozio, una guida di comportamento etico come concrezione storica del flusso vitale a un modulo: ma che è qualcosa che è in lui stesso, lio di lui, e quindi, in definitiva, lui, PASOLINI, 2001, p. 91).

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*

Enquanto escritor de jornais, Pasolini parece ter uma preocupação muito latente com seu interlocutor e, nesse sentido, seu diálogo com os jovens italianos parece ganhar cada vez mais força a partir de então. Sabe-se, inicialmente, que a revista Vie nuove era justamente lida por muitos jovens comunistas. Segundo Gian Carlo Ferretti, organizador do volume Le belle

bandiere: dialoghi 1960-196516

gamma sociale e culturale (e talora anche politica) abbastanza vasta, e sia pure PASOLINI, 1996, p. 20). Além disso, Pier

Paolo se mostra muito interessado em manter uma linha de comunicação direta com os jovens dispostos à reflexão crítica em relação ao sistema em que vivem. A única maneira de superar a alienação e dominação causadas por esse sistema seria exercitando a inteligência e o espírito crítico:

Voi giovani avete un unico dovere: quello di razionalizzare il senso di imbecillità che vi danno i grandi, con le loro solenni Ipocrisie, le loro

attraverso una esercitazione pun

dello spirito critico (PASOLINI, 2001, p. 946).

Podemos inferir que o que o autor espera dos jovens, e de certa forma de si mesmo enquanto intelectual, é a atitude de questionar as palavras e as convenções,

soprattutto è la lucidità critica che distrugge le parole e le convenzioni, e va a fondo PASOLINI, 2001, p. 949).

16 O volume organizado por Gian Carlo Ferretti (Roma: Editori Riuniti, 1977, 1ª ed.) é uma seleção dos

principais artigos publicados em Vie nuove. Para recolha completa desses artigos, consultar I dialoghi, organizado por Giovanni Falaschi, com prefácio de Ferretti (Roma: Editori Riuniti, 1992).

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Buscar a verdade oculta das coisas, não aceitar as imposições, manter-se lúcido: são os conselhos dados aos jovens nos quais o Pasolini do início dos anos 1960 parece apostar suas esperanças. Existe, por trás desses ensinamentos, uma crença de que, apesar desses jovens estarem crescendo em um mundo dominado por valores capitalistas, pode-se alterar a ordem das coisas com questionamento crítico.

Entretanto essa relação de proximidade com seu interlocutor jovem, quase como pai e filho, revela o tênue limite entre profissionalismo e informalidade que, segundo Ferretti, seria uma maneira de abordar essas questões assumindo o

poeta. Para o crítico, a abordagem nesses escritos está sempre

personalizzando fortemente i vari problemi dei suoi interlocutori, e portando altresì

sprovvedutezza politica e malizia intellettuale, distacco privilegiato e consonanza patetica, dispregio di casta e paternalistica umiltà, esibizione di sé e disposizione al martirio, estetismo e retorica populista, che è del resto un vizio ricorrente nel suo discorso e comportamento complessivo (FERRETTI IN PASOLINI, 1996, p. 21-22).

Ferretti reconhece nos diálogos de Vie nuove um aspecto muito particular na produção jornalística pasoliniana no que se refere à complexidade do escritor em seus textos. Apesar da liberdade de expressão pertinente ao gênero literário e ao meio de comunicação que Pasolini estava utilizando, ou seja, artigos publicados em jornal, o crítico nota a postura contraditória do escritor que é, ao mesmo tempo, um intelectual renomado, confidente de seus leitores, que possui uma posição privilegiada de homem pensante da sociedade, mas que faz uso em

seu trabalho , pautado em

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Por sua vez Marco Bazzocchi, em seu livro I burattini filosofi: Pasolini

dalla letteratura al cinema, defende que essa nova maneira de escrever está

relacionada à busca do autor por novos recursos que consigam falar sobre a nova realidade italiana daqueles anos. Por isso, quando vai responder aos leitores de

Vie nuove non ha teorie

precostituite ma si fa condurre dalla realtà dei fatti secondo un principio di

17 B

AZZOCCHI, 2010, p. 145). Isto é,

apoiando-se em perguntas de leitores, ainda que simples e relacionadas a fatos

concretos, Pasolini desenvolve , a partir do qual

ele fala, cada vez mais de perto, sobre a realidade dos fatos, e por isso faz referências constantes a si mesmo. Essa maneira de encarar o trabalho jornalístico como extensão de suas próprias experiências garantiria, em uma via de mão dupla, a liberdade de comunicação e a pouca rigidez estrutural desses escritos.

m uma carta publicada em junho de 1965, ou seja, no último ano em que a coluna será publicada18, na qual estão presentes críticas ao modo de Pasolini responder aos seus leitores. O leitor se queixa sobre como, no decorrer dos anos, o escritor passou a ter um comportamento diferente ao escrever suas respostas: temas que não interessam aos leitores e linguagem inacessível são algumas das acusações

17 Milão: Garzanti, 1972), o qual reúne, segundo

uma visão simplista, ensaios sobre literatura, arte e cinema.

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ao destinatário, que estaria conduzindo um monólogo e não mais um diálogo. E

IN PASOLINI, 2001, p. 1066).

Para nós, que estamos em busca de compreender o percurso intelectual de Pasolini nos escritos de jornais, a resposta publicada em Vie nuove é esclarecedora, pois esquematiza algumas questões cruciais ao assunto. Primeiramente, o autor se desarma, ainda que retoricamente, de quaisquer mágoas pessoais que uma crítica como essa poderia causar e dialoga de igual para igual com seu leitor. Chamando-o , e disposto a passar por um exame de consciência

De uma perspectiva pessoal, pede inclusive ajuda a quem lhe escreve

grato se tu mi rispondessi, e, dal tuo punto di vista così oggettivo, mi aiutassi a capire questa mia ottusità e questa mia oscurità, nelle mie nuove risposte della

PASOLINI, 2001, p. 1067).

Riadattiamo il mirino a mira

artigo, segue buscando outras razões para responder à acusação de monologismo e, novamente, encontra nas novas relações entre o intelectual de esquerda e a base comunista uma maneira de justificar a necessidade de escrever artigos cada vez mais ácidos e críticos. Vivendo tempos tão diversos, conforme parâmetros tão diferentes, e ainda simultaneamente à crise do marxismo, o escritor se permite salvaguardar sua liberdade de expressão.

un sistema di allusioni, di riferimenti comuni, che rendeva significativa anche una frase in sé banale, e magari anche retorica. Ora quella serie di marxismo è in crisi. Questo te lo dico brutalmente e senza mezzi termini:

(38)

38 perché io non posso che fondarmi sulla mia totale libertà critica (PASOLINI, 2001, p. 1068).

Esse seria o motivo pelo qual as suas respostas seriam sempre que possível críticas e, consequentemente, difíceis. Quanto maior a problemática, mais específica e pessoal seria sua resposta, pois a gravidade do assunto requereria uma maneira particular de analisar os fatos ao invés de seguir alguma corrente de opiniões comuns.

spostato gli obiettivi. E noi stiamo riadattand (PASOLINI, 2001, p. 1068).

como um problema agravante, pois gera o descompasso entre leitores e escritor, o que passaria a prejudicar o diálogo pretendido desde o início. O próprio Pasolini chega à conclusão de que, enquanto intelectual de esquerda, ele se encontra em E allora la confusione si aggiunge a confusione. La mia di intellettuale cosciente della crisi del marxismo in Italia e nel

senza chiara consapevolezza PASOLINI, 2001, p. 1069).

O desafio passa a ser então buscar uma maneira de reestabelecer essa comunicação. Como lidar com pressupostos diferentes de quem escreve e de quem lê? Como garantir a comunicabilidade dos artigos diante de confusões diversas?

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Após o trabalho jornalístico desenvolvido em Vie nuove, Pasolini

escreve, de 1968 a 1970, 19 para a c 20,

publicadas no periódico Tempo21. Com um novo formato de textos, o escritor está livre para selecionar os temas sobre os quais quer falar e, sendo assim, opta por manter a mesma linha temática que explorava nos últimos anos dos diálogos. A diferença é que essa coluna não será mais moldada pelo esquema cartas-respostas. Nesse momento, cabe ao autor selecionar sobre o que ele quer falar, sem quaisquer explicações prévias.

E é logo no texto inaugural da nova coluna que o autor escolhe determinar quais linhas irão perpassar essa sua nova produção. Assume que

burguesia, não [entende] tanto uma classe social qu .

Esclarece ainda que o burguês

é um vampiro, que não fica em paz enquanto não morde sua vítima no pescoço, pelo puro, simples e natural prazer de vê-la se tornar pálida, triste, feia, desvitalizada, disforme, corrompida, inquieta, cheia de sentimentos de culpa, calculista, agressiva, terrorista, tal como ele mesmo (PASOLINI, 1982, p. 38).

Ou s

extremamente agressivas, utilizando um tom mais violento do que aquele visto nos diálogos, sua postura contra a burguesia. E nesse processo, ao se opor a todo custo à burguesia, continuará a refletir sobre o papel da oposição de esquerda.

19

Caos, traduzida por Carlos Nelson Coutinho (PASOLINI, 1982).

20 A coluna Il Caos foi recolhida por Gian Carlo Ferretti no livro Il Caos (Roma: Editori Riuniti, 1979). 21

Tempo settimanale di politica, informazione, letteratura e arte Editore e circulou até 1976.

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Pasolini constata, por exemplo, que os socialistas também são, em sua essência, burgueses, e que a diferença entre eles e os extremistas de esquerda seria que os primeiros não dramatizariam o fato de serem burgueses, enquanto os segundos teriam completa aversão a assumir sua condição. O autor parece se preocupar, na verdade, com a dupla experiência de vida que se carrega ao assumir a dicotomia socialista-burguês: colocar-se ao lado da causa operária enquanto vive sua condição burguesa.

(...) não haverá jamais um Partido Socialista firme e coerente: ele terá sempre de viver, ao mesmo tempo, suas duas histórias, a burguesa, provinciana, demagógica, cheia de (fingida) saúde moral etc., etc., e a operária. (...) E é por isso que assistimos às suas grandes crises públicas: porque não há modo possível de escapar da própria realidade (PASOLINI, 1982, p. 167).

Com um discurso diferente daquele defendido nos anos anteriores, o escritor já não espera que o partido se reinvente assume-se a crise como realidade e a existência de duas histórias diversas. Já não seria possível mudar, seria apenas possível se acostumar a viver essa duplicidade.

Outro fator que dará o tom desse novo posicionamento crítico do escritor serão as manifestações de maio de 1968

a circular. Movimentos civis tomaram várias capitais europeias e na Itália ganharam suas próprias repercussões. Segundo Enzo Siciliano, o caso italiano era complexo. Suas principais reivindicações eram uma maior participação das novas gerações na política e redução do poder que tradicionalmente pertencia às classes dirigentes (SICILIANO, 2005, p. 365). Entretanto, apesar das pautas

políticas serem comuns a todas as organizações estudantis ao redor do mundo, no caso das manifestações italianas o crítico nota uma motivação particular. Suas

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raízes estariam ligadas aos aglomerados urbanos e às transformações nas

que alimentavam crises existenciais e sociais (SICILIANO, 2005, p. 366).

As origens sociais dos protestos serão analisadas por Pasolini, o que leva o biógrafo a afirmar que Pasolini

(SICILIANO, 2005, p. 370). Lembramos aqui o episódio mais conhecido desse

período, a publicação do poema 22, no qual o poeta se coloca ao

Segundo Siciliano, esses versos são escritos no calor do momento, quando acabara de ocorrer um confronto entre policiais e estudantes nas ruas do Vale Giulia, em Roma. versos feios como panfleto. Polemizava-se o que Pasolini identifica como uma luta de classes entre estudantes burgueses e vocês [estudantes], meus amigos (embora do lado / da razão) eram os ricos, / enquanto os policiais (que estavam do lado / errado) eram os pobres (PASOLINI IN AMOROSO, 2002, p. 89).

Um ano após a publicação do poema, Pasolini conta no artigo

C haviam sido escritos para serem

publicados na pequena revista Nuovi argomenti, porém saem em primeira mão, com alguns cortes, no , em junho de 1968. fomenta ainda 22

Publicado em em 16 de junho de 1968, em Nuovi argomenti no volume de abril-junho de 1968, e finalmente no livro Empirismo eretico (op. cit.). No Brasil, foi traduzido e publicado primeiramente por Michel Lahud em A vida clara (LAHUD, 1993) e posteriormente reproduzido no livro Pier Paolo Pasolini de Maria Betânia Amoroso (AMOROSO, 2002). Sobre o assunto, conferir O PCI aos jovens! (AMOROSO, 2008).

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analisar aqueles versos um a um, em sua objetiva transformação do que eram (para Nuovi argomenti) no que se tornaram através de um meio de massa ( PASOLINI, 1982, p. 154).

Em entrevista a Jon Halliday, em 1969, o escritor também comenta a publicação do poema:

Nel 1968 ho pubblicato Il PCI ai giovani, una specie di manifesto poetico che per un certo tempo mi ha reso estremamente impopolare presso le sinistre italiane. Posso essermi espresso male, ma quello che dicevo si è dimostrato vero, purtroppo, come possiamo constatare oggi. Provavo una di giovani ribelli di allora, che in realtà hanno ormai completamente abbandonato la lotta. Non sono stati capaci di avanzare (PASOLINI IN HALLIDAY, 1992, p. 149).

A crítica do escritor consistia basicamente nesse sentimento de paralisação da juventude burguesa italiana. No auge do movimento, identificou que aqueles jovens, nos quais havia depositado suas esperanças como força propulsora das modificações que gostaria de ver na Itália, se manifestavam em virtude de suas próprias reivindicações burguesas. Por isso polemizou o fato de que eles, em conformidade com seus objetivos, ignoravam ou simplesmente não se deram conta de que enfrentar policiais, isto é, os proletários, a massa, seria absurdo, ainda que estivessem com a razão. Dessa forma, podemos começar a observar como sua relação com a juventude italiana vai aos poucos se modificando.

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supõe que o movimento estudantil italiano consiga, de fato, tomar o poder e,

estrutura da

estudantes tomassem o poder, eles se tornariam de direita, afinal quem tem o poder é sempre de direita; ter o poder e precisar mantê-lo significaria ter a polícia

mais vistoso, espetacular e persuasivo instrumento do poder Nesse contexto, haveria uma inversão de objetivos e até mesmo os estudantes, que anteriormente entraram em confronto com os policiais, precisariam deles. O escritor acredita que diante dessa situação hipotética, o espírito revolucionário do a polícia é o único ponto cuja nenhum extremista poderia objetivamente criticar: a propósito da polícia não se pode ser mais do que reformista PASOLINI, 2013). Ou

seja, o escritor quer relativizar a relação entre os estudantes e os policiais e mostrar como o poder é algo construído e que, diante de situações diversas, desperta reações diversas. Os mesmos que em um momento se enfrentam, em outro momento poderiam estar lado a lado.

Esse tipo de polêmica influenciou diretamente a recepção de Pasolini. Escrever tão veementemente contra o sistema significava também se indispor com outros intelectuais e colunistas de outros jornais. Pasolini se queixa de que os

trabalho no jornal e, em última instância, seu papel como intelectual. Também quando, após um ano escrevendo a coluna, o autor reflete sobre o que produziu durante esse tempo, retoma a lembrança das indisposições que teve no período:

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is PASOLINI, 1982, pp. 192-193).

que Pasolini se propôs a combater ao assumir a responsabilidade de escrever em um jornal de grande circulação. Nessas condições, o escritor reconhece que em corresponder à prosa jornalística, mas prefere isso ao silêncio, à passividade:

Detesto o silêncio nobre. Detesto também uma prosa ruim e apressada. Mas é melhor uma prosa ruim e apressada do que o silêncio. Um homem anda ao mesmo tempo em várias frentes e segue adiante a diferentes portanto, algumas vezes, também mesquinhas; encontra-se a uma altura jornalística (embora eu nem sempre tenha sido capaz de me manter nela, já que fiz incursões desordenadas no sentido da poesia e do ensaio) (PASOLINI, 1982, p. 193).

Esse tipo de afirmação nos ajuda a conceber qual definição Pasolini atribuía naquele momento à figura do escritor, do intelectual de esquerda: preferir qualquer comunicação ao invés do silêncio, produzir em várias frentes, assumir a guerra ideológica como uma batalha cotidiana (e também mesquinha). O impasse que se coloca diante disso é que um escritor pode falar muitas coisas, porém fazer poucas.

(...) sou um daqueles intelectuais que, como a enorme maioria dos es financeiras, ou, finalmente, com sua pura e simples presença. (...) Eu, por revolucionário. Mas falar e, portanto, de algum modo, estar fora do processo revolucionário poderia ser definido como a tarefa do intelectual: que paga a função do seu alheamento vivendo-o também como traição (PASOLINI, 1982, pp. 206-207).

Como tantos outros intelectuais, o autor se questiona sobre suas frentes de atuação enquanto um homem de palavras e não de ações. Ainda que

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na sua concepção de intelectual estejam contempladas as batalhas de intervenção política e social, o ato de escrever seria uma ação mínima que o mantém fora do processo revolucionário. Quando assume a tarefa de só falar, aceita-se a pena de

*

No primeiro texto do ano de 1969, Pasolini escreve, como ele mesmo

adoçamento. As coisas estão assim. E é inútil escondê-las, ainda que só um PASOLINI, 1982, p. 105). Em sua reflexão, o autor relembra o que

significava o Natal na sua época de menino e o que ele passou a representar nos anos posteriores. A partir da data festiva faz também uma reflexão complexa sobre a igreja católica e sua relação de subordinação ao sistema capitalista.

O escritor constrói seu argumento afirmando que, mesmo quando

capital já eram marcadamente óbvias. Entretanto, o que faria a diferença naquela época seria a existência do , ainda que submisso como um instrumento de chantagem. Nos anos de sua infância, o capitalismo ainda não

O

qual, afinal, derivava o seu moralismo, e sobre o qual, de resto, ainda baseava seus instrumentos de chantagem: Deus, Pátria, Família. Essa chantagem era possível porque correspondia, negativamente, como cinismo, a uma realidade: a realidade do mundo religioso sobrevivente (PASOLINI, 1982, p. 103).

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Porém essas relações cínicas, estabelecidas durante épocas natalinas remotas, darão lugar a relações abertamente capitalistas, pois para o novo capitalismo, o qual o escritor quer denunciar, não interessa mais nem a igreja nem seus instrumentos de chantagem. Instaurou-se uma nova crença no consumismo, a qual garantiria o estado de bem-estar almejado

indiferente que se creia em Deus, na Pátria ou na Família. Com efeito, ele criou seu novo mito autônomo: o Bem-estar. E seu tipo humano não o homem religioso PASOLINI, 1982, pp.

103-104).

Segundo o autor, ainda que em tempos passados essa relação entre religião e sistema econômico fosse um pouco mais balanceada e houvesse uma contrapartida interessante para a igreja, nos dias de hoje esse balanço já não existe mais. Em outros tempos a subordinação da igreja ao capital era um instrumento de poder, conveniente às

de produção capitalista e de governos totalitários. Na atualidade essa relação não precisaria mais existir pois o neocapitalismo se garantiria em si mesmo, com seus próprios instrumentos de convencimento e de manutenção do poder.

A reflexão continua ao denunciar também como o sistema capitalista seria manipulador a ponto de proporcionar uma falsa sensação de liberdade em períodos festivos:

a festa é a interrupção de uma prática habitual de exploração, de alienação, de código, da falsa ideia de si: de todas as coisas que nascem do famoso trabalho, que continuou a ser o que era glorificado pelos cartazes nos campos de concentração de Hitler. Dessa interrupção, nasce uma falsa liberdade, na qual explode um arcaico instinto de afirmação. E as pessoas se afirmam, agressivamente, através de uma

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47 forte concorrência, fazendo do modo mais mediano as coisas mais médias (PASOLINI, 1982, p. 105).

O Natal seria então para Pasolini esse momento que deve ser desprezado por reforçar os valores capitalistas sob a falsa ideia de liberdade, de vitalidade. Há a suspensão do trabalho e, por consequência, da alienação causada por ele, dando a sensação de que se está finalmente livre para se fazer o que quiser

manipulado, pois, sob a necessidade de autoafirmação, não se percebe que estão todos fazendo exatamente as mesmas coisas, da mesma maneira inconsciente e mecânica dos dias normais, doutrinados pelo consumismo. Essa visão catastrófica é o que motiva Pasolini a confessar que é um hábito seu fugir sempre que possível da Itália nessa época.

Do ponto de vista da igreja católica, as consequências desse tipo de dependência com o neocapitalismo só tendem a se agravar, levando ao seu fim:

de domínio público, ou seja: 1) porque não é mais necessária ao novo poder industrial; 2) porque o mundo camponês, desaparecendo, não mais produzirá o PASOLINI, 1982, p. 145). Ou seja, com o neocapitalismo, a igreja perde em

duas frentes sua hegemônica força: não será mais importante para o novo poder, que já se mantém por si só e não precisa mais da influência católica para se sustentar, e, graças ao desaparecimento do mundo camponês arcaico tradicional, o qual nos primórdios da História difundiu o poder das religiões durante a

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48

passagem da era de caças para a era da agricultura23, desaparece também a religião católica.

*

Pudemos observar como alguns temas antes desenvolvidos em Vie

nuove se tornam mais constantes em Tempo. A oposição de Pasolini ao

neocapitalismo e à burguesia ganha cada vez mais força na sua argumentação, porém ainda está em um processo de amadurecimento tanto das ideias quanto de como se materializar por meio de escritos jornalísticos. Bellocchio, diante desse acirramento confuso e ainda desordenado

capitolo più congestionato, convulso e caotico (il titolo della rubrica è, in questo

senso, perfetto) di PASOLINI, 2001, p.

XXVIII).

Para Rinaldi, esse momento de transição dos diálogos

não apresenta grandes novidades. O crítico identifica como único elemento inovador a forma utilizada por Pasolini para se comunicar com os leitores de la forma divulgativa, lo scioglimento degli enigmi e delle difficoltà a RINALDI, 1982, p. 367). Ferretti, por sua vez, também

reconhece essa recente preocupação de Pasolini em atingir leitores médios, porém vai além e desenvolve a ideia da solidão do escritor, tema recorrentemente discutido nos ensaios corsári

23 É Pasolini quem faz, à

grosseiramente, que estamos diante de uma terceira época da humanidade: após a passagem da civilização dos coletores e dos caçadores para a civilização agrícola, encontramo-nos no momento da passagem da civilização agrícola para a civilização industrial. A religião cristã é uma das muitas religiões da civilização agrícola: dizer Deus, ou Jeová, ou Zeuz, ou Ur, ou Odin, para citar apenas alguns nomes, é dizer

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49

coletivo conscientemente pré- Vie nuove,

-se à aceitação consciente da crise na qual viver e com a qual se confrontar PASOLINI, 1982, p. 11). O crítico Fortini, por sua vez, entende que esse

momento da p

sembra parlare da una solitudine, ma come chi è invece rivolto a tutti, mostrando ininterrottamente il proprio personaggio FORTINI, 1993, p. 199). É também o próprio Pasolini, na abertura de

PASOLINI, 1982, p. 37).

ao mesmo tempo procura se comunicar e ser acessível a todos os seus leitores, compõe a imagem de um intelectual que quer ser visto como um combatente que age sozinho por meio de suas próprias palavras. A análise desses elementos será importante para compreender de que forma esse discurso solitário e combativo do autor ganhará ainda mais força a partir de 1970 com o ensaísmo corsário.

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