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Relações de alteridade na constituição da professora : um estudo de caso

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Academic year: 2021

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JOSÉ CARLOS PINTO FILHO

“RELAÇÕES DE ALTERIDADE

NA CONSTITUIÇÃO DA PROFESSORA:

UM ESTUDO DE CASO”

CAMPINAS

2015

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RESUMO

O presente trabalho, assumindo a centralidade das relações de alteridade no/pelo discurso (Bakhtin, Vigotski), discute a participação de outros sujeitos na constituição de uma professora do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. O material empírico que se tornou objeto de análise foi composto a partir de diversos textos produzidos no desenvolvimento de um Projeto Coletivo de Pesquisa (Programa para a Melhoria do Ensino Público/ Fapesp), que contou com a participação de membros do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL/FE-Unicamp) e integrantes da escola, onde a professora em foco iniciou sua carreira docente e nela ainda trabalhava durante a vigência do projeto, no período de 2008 a 2011. A pergunta norteadora da pesquisa foi: como a participação do “outro” afeta a (transformação da) prática de ensinar? Do material analisado, destacamos as falas da docente sobre o seu momento de ingresso na carreira e das parcerias realizadas com pesquisadores durante o Projeto Coletivo. No percurso da análise, demos destaque aos diferentes modos de relação com o outro e aos múltiplos sentidos implicados na vivência das diversas tensões produzidas nas relações de trabalho e estudo. As análises configuram dois núcleos de significação que se entretecem nos quais se ressalta como os dizeres do outro afetam o modo como a professora se enxerga e/ou passa a se enxergar, e como repercutem na transformação da prática.

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ABSTRACT

This present study, assuming the centrality of the relationships of alterity in/by the speech (Bakhtin, Vigotski), to discuss about the participation of other subjects in the constitucion of a teacher in the first cycle of the Elementary School. The empirical material that became object of analysis was compound from several texts produced in the development of a Collective Research Project (Program for Improve the Public Education/ Fapesp), that had the participation of members of the Research Group Thought and Language (GPPL/FE-Unicamp) and members of the school, where the teacher, that was the focus of the project, began her teaching carreer and where she still was working during this project, that was developed between 2008 to 2011. The guiding question of the research was: how does the participation of “another one” affect the (transformation of) the practice of teach? From the analysed material, we can highlight the speeches of the teacher about her moment of admission in the carreer and the partnerships made with researchers during the Colletive Project. During the going of the analysis, we choose highlight the different modes of relationship with the other one and the multiples senses involved in the experiences of several tensions produced in the work and study relationships. The analysis configure two meaning core that are interwoven in which it is highlighted as the other’s speeches affect the way as the teacher sees herself and/or how she starts to see herself, and how this reverberate in the practical transformation.

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Sumário

I – A Gênese do Fazer Pesquisa e a Emergência das Problemáticas_________________ 01 1.1. De educador e de pesquisador: confluência de papéis e posições____________03 II – Ensino e Pesquisa: Breve Descrição da Relação

Escola e Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem(GPPL/FE-Unicamp)__________09 2.1. O Projeto Coletivo:

“Condições de desenvolvimento humano e práticas contemporâneas: as relações de ensino em foco”____________________________________________________ 10 2.2. Modos de participação dos integrantes do Projeto Coletivo_______________12 III – Enunciados Entrelaçados: Nossas Interlocutoras Imediatas___________________ 17 3.1. Os relatórios de pesquisa da professora______________________________ 17 3.2. Os trabalhos de Anjos____________________________________________ 20 3.3. O trabalho de Deciete____________________________________________ 23 IV – Questões de Metodologia da Pesquisa:

Princípios e Procedimentos__________________________________________ 27 V – O Diálogo e o Drama:

Constituição do “Eu” na Relação com o “Outro”_______________________________ 33 VI – Os Contornos do Outro: entre o Eu e o “Estrangeiro”_______________________ 43

6.1. “Sentir-se estrangeiro”: movimentos de distanciamento_________________ 46 6.1.2. O lugar do “Estrangeiro”________________________________________ 49 VII – Eu e o Outro

Ver de Fora, Ver de Outro Lugar__________________________________________ 55 7.1. O “flagrar-se” na voz do(s) outro(s) e o “Estrangeiro” de si próprio________ 57 7.2. Leitura e Escrita: os “Ecos” da Literatura na Elaboração do Texto_________ 59 VIII – Considerações Finais_______________________________________________ 69 IX – Referências Bibliográficas____________________________________________ 77 X – Bibliografia_________________________________________________________ 81 XI – Anexos___________________________________________________________ 91

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AGRADECIMENTOS

À Ana Luiza, mestra, professora, orientadora e amiga, por possibilitar, incentivar e mobilizar muitos momentos de elaboração de conhecimento.

Aos professores que compuseram a banca, por todas as riquíssimas contribuições: Ana Lúcia, Daniela, Guilherme e Heloísa.

Aos integrantes do GPPL, por maravilhosos encontros, discussões, pela imensa participação de todos em meu trabalho.

À Débora D., pelas importantes leituras de meu trabalho, pelas conversas.

À professora com a qual desenvolvi todos esses anos de trabalhos compartilhados. À escola, por toda a disposição e acolhimento.

A todos os alunos, que me ensinaram muito.

Aos meus irmãos, minhas estrelas-guia: Katy, Daniela e Bruno.

À todos os meus amigos, sem os quais eu não teria chão. Principalmente, Alexandre, Jailton, Davi, Renan, Richard, Alex, Felipe, Pâmela, Débora G., cujas contribuições foram essenciais para a realização deste trabalho.

À Deus.

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A memória tem um corpo material que se espalha por todo um dado espaço. O jeito que a cama é arrumada, a ordenação dos copos e talheres, o lugar preferido onde a cadeira é colocada. Os objetos são pequenas fotografias de ações de outros, que deslizam pelo ar como uma voz de lembrança.

(José Carlos)

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I – A Gênese do Fazer Pesquisa e a Emergência das Problemáticas

O presente trabalho de mestrado decorre de um percurso de vivência, no tocante à imersão deste pesquisador no cotidiano de uma sala de aula, aos projetos e relatórios elaborados e aos encontros de discussão de temas em um grupo de pesquisa, por um período de quatro anos. Esse período cobriu minha participação em um projeto coletivo intitulado “Condições de Desenvolvimento Humano e Práticas Contemporâneas: as relações de ensino em foco” (FAPESP – processo 2009/50556-0)”1. Integrando a equipe do projeto, pude elaborar três projetos de Iniciação Científica (dois financiados pelo CNPq e um pela Fapesp), seis relatórios de pesquisa e o Trabalho de Conclusão de Curso (intitulado “Relações de Ensino e Intersubjetividade: Contribuições da Perspectiva Histórico Cultural”).

Desse percurso, escolhemos falar aqui dos momentos que consideramos mais pertinentes, no que diz respeito ao processo de constituição do nosso trabalho de pesquisa. No início da graduação em Pedagogia, no ano de 2007, na Faculdade de Educação da Unicamp, cursei disciplinas e estudei autores que abordavam a relação professor-aluno, o que fez despertar em mim o interesse em estudar trabalhos sobre os processos de ensino-aprendizagem e a construção do conhecimento. Dentre as diferentes perspectivas estudadas (Sociologia Funcionalista, Teoria Social Cognitiva, abordagem Histórico-Cultural), foram destacadas aquelas que mobilizaram imagens e concepções de professor, de aluno, das relações que ocorrem no espaço escolar como sendo essencialmente conflituosas. No final do ano letivo, esbocei uma primeira versão de um projeto sobre tal tema, buscando orientação de alguns professores. Foi-me então sugerida a leitura de textos de Maria Cecília Rafael de Góes, autora que trabalhava na perspectiva Histórico-Cultural.

As leituras de Góes (1993, 1995, 1997a, 1997b) contribuíram para redimensionar a concepção sobre os modos de participação do outro na construção do conhecimento do sujeito. Levaram-me, contudo, à problematizar aquilo que a autora chama de “níveis de análise”. Em um de seus textos, Góes (1993) descreve dois níveis de análise: o primeiro é denominado por ela de movimentos e trata das ações do outro em relação à criança (circunscrição da solução, inserção de objetivos novos, direcionamento da ação,

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confirmação, incorporação de conhecimentos, reversão de responsabilidade e simulação de autonomia); o segundo nível consiste na articulação desses movimentos e é entendido pela autora como modos de participação (condução estrita, indução de interpretação, criação da ilusão de domínio e proposição de desafio).

No desenvolvimento do trabalho empírico, no contexto do primeiro projeto de IC, o observado em sala de aula não se “encaixava” nas categorias de análise propostas pela autora. Isso levou a novos desconcertos e problematizações2.

Lendo, com olhar retrospectivo, os registros do diário de campo sobre o meu momento de ingresso no campo empírico onde a Iniciação Científica se desenvolveu, com olhar retrospectivo, ressalto o modo como a sala de aula foi descrita, o que, naquele momento, tornou-se significativo para mim: as crianças que conversavam o tempo todo entre si enquanto faziam as atividades; as carteiras escolares que foram organizadas umas de frente para as outras, o que possibilitava mais interações; as crianças que podiam ficar sentadas nas cadeiras do modo que quisessem (com uma das pernas cruzadas sobre a cadeira, em pé, de joelhos na cadeira, etc.); a liberdade de movimentação, etc.

No primeiro projeto, o conteúdo do texto de pesquisa consistia no entendimento de que as relações de ensino eram marcadas pelo conflito, pela arbitrariedade; com o ingresso no campo de pesquisa, as descrições feitas no diário de campo, sobre as relações entre professora e alunos e entre os alunos, foram marcadas pela harmonia. Em outras palavras, a escrita pautada nas relações essencialmente conflituosas deu lugar a descrições de relações sem conflitos, sem questões, à descrição de uma sala de aula onde as indagações iniciais, presentes no projeto, não tinham lugar.

2 A intenção, presente no primeiro projeto de pesquisa, foi problematizar a relação

professor-aluno-conhecimento, enfocando como acontecia essa relação. Com o ingresso no campo empírico, também iniciou-se o questionamento das categorias propostas por Góes (1993), contudo, hoje eu entendo que as indagações iniciou-se relacionavam com a leitura que realizei da autora, no momento inicial. Quando o primeiro projeto de Iniciação Científica foi escrito, a minha leitura dos trabalhos de Góes (1993) apontava para o entendimento de que a relação entre professor e aluno era essencialmente conflituosa. Essa leitura pode ter sido fruto do contexto dialógico em que eu me encontrava, quando entrei em contato com essa autora: eu estava lendo e refletindo sobre autores que concebiam essa relação como conflituosa por natureza. Hoje, percebo que essa autora aborda a dinâmica e problematiza, justamente, as perspectivas que entendem tal relação como só harmoniosa ou só conflituosa, direcionando o foco para a tensão e diversidade de manifestações.

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No decorrer da pesquisa, dois movimentos entretecidos acontecem: a constituição do pesquisador, atravessado pelas leituras/teorias, que marcava os modos como ele percebia e descrevia o trabalho em sala de aula, e a professora que vai se constituindo como sujeito da pesquisa.

As tensões experimentadas pelo pesquisador no percurso da pesquisa – suas relações com as teorias, com os procedimentos metodológicos, com o campo empírico – novas dúvidas e indagações emergem. Essas relações vão circunscrevendo novas posições entre sujeito/pesquisador e sujeito/pesquisado, reconfigurando os objetos, os métodos de pesquisa e mobilizando novos focos: “relações intersubjetivas” e o conceito de “intersubjetividade”, abordados nos anos de 2009 e 2010 (IC e TCC). Além disso, tais tensões experimentadas proporcionaram parte das vivências que constituíram o meu modo de atuação profissional.

Antes de ingressar no curso de Pedagogia, eu trabalhei em uma creche da rede Municipal de Educação Infantil, da cidade de Várzea Paulista. Essa experiência profissional durou três anos (março/2004 a março/2007) e foi responsável pela escolha do curso no qual me graduei. As relações e os conflitos, dos quais participei, eram vistos por mim como consequência da interação entre indivíduos. Com o ingresso no curso de Pedagogia (em 2007) e a experiência do Projeto Coletivo, algumas noções (por exemplo, “condição de produção”, “trabalho coletivo”, “desenvolvimento como processo”, etc.) passaram a integrar a forma como eu via o exercício das minhas atividades, no lugar de educador. Por esse motivo, no tópico seguinte, discorreremos sobre minha atuação profissional que ocorreu depois que eu me formei na graduação.

1.1. De educador e de pesquisador: confluência de papéis e posições

Depois de me formar no curso de Pedagogia, iniciei a minha atuação profissional, em 2011. A imersão no campo de trabalho sempre me instigou, devido às situações vivenciadas, a refletir sobre a dinâmica de realização de trabalho na interlocução com os demais integrantes da unidade. Durante esse período, chamou a minha atenção as relações intersubjetivas que (im)possibilitam o desenvolvimento das atividades, o modo como as falas vão afetando, não somente a relação eu-outro, mas, também o modo como meu agir vai se constituindo.

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No meu primeiro emprego depois de formado, em fevereiro/2011, em uma ONG, trabalhei por um mês, com 60 pré-adolescentes, de 10 e 11 anos, sendo 30 no período da manhã e 30 no período da tarde. Devido ao aumento de salas, eu e minha turma ficamos sem um lugar fechado onde pudéssemos trabalhar; nós nos reuníamos em um quiosque, situado ao lado de um gramado (usado para atividades ao ar livre) e o parquinho.

No período em que permaneci na ONG, elaborei um projeto que visava ações envolvendo vídeos, produção artesanal e rodas de conversa. A primeira coisa que ouvi do meu superior foi: “o seu projeto está bem Unicamp”. Não o indaguei sobre essa fala e ele não a desenvolveu. Passado um mês de trabalho, fui convocado para trabalhar na rede municipal de Educação Infantil, na cidade de Várzea Paulista, mediante um concurso que eu havia prestado no final do ano anterior (2010).

Eu integrei, em março/2011, a equipe de uma creche da perifeira da cidade, com crianças de 2 a 3 anos de idade. Estas tinham condições diferenciadas de vida: algumas eram filhos únicos, com o pai e a mãe trabalhando registrados; outras, tinham um tutor, porque os pais haviam perdido a guarda do filho, devido à dependência de drogas; tinha aqueles que possuíam relações difíceis com os pais e, por isso, os avós eram os responsáveis pela educação. Nessa turma, eram quase 30 crianças, em uma sala pequena para a quantidade de educandos. Na hora do sono, colocávamos duas crianças por colchão e duas entre colchões, totalizando seis crianças em dois colchões. Não era possível, sequer, abrir totalmente a porta ou transitar pela sala. Toda vez que alguma educadora de outra sala vinha até a sala onde eu trabalhava, dizia “nossa! Quantas crianças!”. Dois meses depois que assumi o cargo, a educadora com a qual eu trabalhava exonerou, porque foi convocada para trabalhar como professora na rede municipal de Educação Fundamental, de uma cidade vizinha.

Dentre as questões vivenciadas, o uso do “descanso”3 ocupava uma atenção central. Quando outras educadoras me viam conversando com alguma criança, porque tinha batido

3 “Descanso” é uma estratégia que consiste em colocar a criança sentada, por um período igual a sua idade vezes

1minuto. A ação de colocá-la sentada é acompanhada de uma fala, como: “Você não deveria ter feito isso. Agora, você vai ficar de descanso, pensando no que você fez.” Durante o período de “descanso”, a criança não podia ter em sua posse nenhum brinquedo ou interagir com outra criança ou com um adulto. Terminado o período, o adulto que utilizou esse método (e não podia ser outro adulto) dizia: “pronto, agora, você pode ir brincar, mas, não faça mais o que você fez” ou “você vai fazer de novo o que fez? Não? Então, pode ir brincar.”

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em alguém ou porque não atendia a meu chamado, diziam “eu perco a paciência só de ver você conversando tanto!”. Paulatinamente, as minhas ações que se pautavam na conversa com as crianças, começaram a ser vistas como inapropriadas, ineficientes.

Com o passar do tempo, eu comecei a discutir questões relacionadas aos procedimentos e métodos pedagógicos e alguns conflitos começavam a ser estabelecidos. Diante disso, passei a ser chamado, pejorativamente, de “filósofo”4. E a cada fala minha, quando indagava, por exemplo, as possibilidades e os limites do “descanso”, eu ouvia “mas,

criança tem que obedecer!” O interessante é que eu não chegava ao ponto sobre a criança ter

ou não que obedecer: a minha questão era unicamente sobre os efeitos do “descanso”5, suas implicações. O ato de indagar tal “método” despertava a fala “mas, criança tem que

obedecer!

No final de janeiro de 2012, eu mudei de unidade da rede municipal de Educação Infantil, indo para uma creche em outra periferia da cidade de Várzea Paulista. A mudança aconteceu porque eu sempre trabalhei com crianças de maternal, de idades entre 2 e 3 anos. A unidade da equipe de 2011 passaria, em 2012, a atender apenas bebês. Por esse motivo, pedi a minha remoção.

A unidade na qual assumi o cargo de educador, em 2012, era a mesma em que trabalhei de março/2004 a março/2007. Retornar para a unidade que marcou os meus primeiros contatos com o sistema educativo me trouxe muitos sentimentos positivos, foi um reencontro com antigas amigas, porque quase a metade das educadoras eram as mesmas que acompanharam o meu momento de ingresso, entre 2004-2007.

As condições nessa nova unidade também eram diferenciadas: eu tinha menos do que 25 crianças, em uma sala com espaço para 30; os pais destas eram todos presentes na vida do filho, mesmo em casos de pais divorciados; o turno era de meio período (das 13:00 às 17:00,

4 “Filósofo” no sentido de “aquele que fala das idéias, mas, não tem a prática”, tem o discurso, no entanto, não

tem ações, etc.

5 Eu também usava a estratégia do “descanso”, considerando que as crianças já tinham incorporado essa ideia

do “ficar quieto”, e essa estratégia funcionava de maneira a me permitir organizar o movimento das crianças, antes do almoço, por exemplo.

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com crianças, pois eu permanecia na instituição das 12:00 às 18:00); a área externa era maior (apesar de nunca ter acontecido, seria possível que 6 turmas usassem a área externa ao mesmo tempo).

Na nova unidade, apesar de divergências, não houve enfrentamentos, até porque eu já havia trabalhado ali e o fato de eu ter conseguido entrar no curso de Pedagogia da Unicamp, causava admiração. Preciso ressaltar que eu não falava o nome da universidade em que me formei, porque percebi que representações são criadas. Ter estudado na Faculdade de Educação da Unicamp provocava as imagens mais diversas, desde as idealizadoras até as de rechaço.

Nos anos de 2011 e 2012, com o objetivo de continuar os estudos e com o foco nas relações, retomei tudo o que havia sido produzido nos anos de Iniciação Científica (Trabalho de Conclusão de Curso, projetos, relatórios, diário de campo e videogravações): entre pesquisadores, entre pesquisador e sujeitos que participaram da pesquisa, entre sujeitos da pesquisa, entre pesquisador e perspectiva teórica, entre sujeitos que participam da pesquisa e a perspectiva teórica, etc.

Ingressei no Mestrado (FE/Unicamp) em 2013. Para o desenvolvimento do trabalho, decidimos abordar os materiais que diziam ao Projeto Coletivo “Condições de Desenvolvimento Humano e Práticas Contemporâneas: as relações de ensino em foco”, quando eu acompanhei o trabalho de uma mesma professora e mesma turma de alunos (do 1o ao 3o ano do Primeiro Ciclo do Ensino Fundamental). Assistir e analisar o material foi um movimento que exigiu muitas releituras do mesmo, sendo que parecia que perdíamos o foco, diante multiplicidade de relações presente na sala de aula.

Para o desenvolvimento do trabalho de mestrado, optamos por ampliar o olhar e as leituras, relendo os trabalhos realizados com essa mesma professora por pesquisadores do grupo (Anjos, 2013, 2006; Deciete, 2013). A leitura de tais trabalhos nos despertou caminhos para a realização da pesquisa. Mais precisamente, chamou-nos a atenção as falas da professora sobre o seu ingresso na profissão docente e como ela passa a ser ou como ela se enxerga como uma professora experiente. As histórias das relações entre sujeitos – a professora com os colegas no momento do ingresso, a professora com os alunos, com os

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pesquisadores no Projeto Coletivo –, foram conduzindo ao redimensionamento do trabalho de pesquisa. Por fim, nossa pergunta ficou assim formulada: como a participação do(s) outro(s) afeta a (transformação da) prática de ensinar?

Para o desenvolvimento do presente texto, abordamos brevemente, em “Ensino e Pesquisa: Breve descrição da Relação Escola e Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL/FE-Unicamp)”, o histórico da relação entre uma escola da periferia de Campinas e o GPPL, cujo início aconteceu em 1985. Demos visibilidade algumas mudanças que ocorreram nessa unidade escolar e sua parceria com o grupo citado, na realização de pesquisas e projetos. Dentre estes, destacamos o Projeto Coletivo, mencionado no decorrer desta introdução: seu objetivo, sua organização, número de participantes, dinâmica de encontro entre os participantes, as formas de registro, etc. Em seguida, abordamos o trabalho de quatro integrantes do mesmo: a professora, foco em minha pesquisa, Anjos, Deciete e eu. Desses trabalhos, abordamos algumas características das pesquisas realizadas e os efeitos destas na prática do docente mencionada. Demos visibilidade, também, aos variados modos de participação dos referidos integrantes no Projeto Coletivo.

No capítulo “Enunciados Entrelaçados: Nossas Interlocutoras Imediatas”, discorremos sobre as elaborações realizadas pela docente e pelos pesquisadores: os relatórios de pesquisa da professora (2010, 2011), a dissertação de Mestrado de Deciete (2013), a de Anjos (2006) e a tese desta (2013). Nessa parte do texto, pontuamos algumas características de tais textos, como: objetivos, metodologia, descrições de parcerias entre pesquisadora e professora, atividades escolares desenvolvidas, mudanças de práticas docentes, etc.

“Questões de Metodologia da Pesquisa: Princípios e Procedimentos” contém as contribuições da Perspectiva Histórico-Cultural (principalmente, Vigotski e Bakhtin), da qual o presente trabalho faz parte. As contribuições citadas consistem no modo de entender o objeto de estudo (com a tentativa de superar os reducionismos de concepções empiristas e idealistas) e de abordá-lo (a partir de suas transformações e mudanças), a noção de “alteridade” como central na relação entre pesquisador e sujeitos pesquisados e o estatuto da linguagem e do discurso em tal relação. Ainda nesse tópico, discorremos sobre o material que investigamos, nossos procedimentos de sistematização de dados e de análise e os indícios que elegemos para discutir a problemática que propomos.

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No capítulo “Diálogo e o Drama: a Constituição do ‘Eu’ na Relação com o(s) ‘Outro(s)’, discorremos sobre as elaborações teóricas nas quais nos ancoramos: as noções de “interlocução” e “enunciado” (BAKHTIN, 1999, 2002, 2003) como lugares atravessados pelas (tensões de) diversas posições assumidas pelo sujeito, na interação com o outro e consigo mesmo; nos ancoramos também no entendimento da constituição dramática (VIGOTSKI, 2000) do “eu”, na dinâmica das relações sociais, o que implica considerar que as relações reais entre pessoas tornam-se funções psicológicas e que a apropriação do que é socialmente valorizado ocorre atravessada por tensões.

Em nossas análises, nos capítulos “Os Contornos do Outro: entre o eu e o ‘Estrangeiro’” e “Eu e o outro – Ver de Fora, Ver de Outro Lugar”, discutimos a relação eu-outro abordando os enunciados da professora em foco no presente trabalho. De tais enunciados, buscamos dar visibilidade aos indícios que nos permitissem apontar o modo como a relação entre a docente em questão e outros sujeitos significou para ela. Com o nosso trabalho investigativo, destacamos duas condições dialógicas de produção dos enunciados da professora: o seu momento de ingresso na carreira docente e a sua participação no Projeto Coletivo.

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II – Ensino e Pesquisa: Breve Descrição da Relação

Escola e Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL/FE-Unicamp) A presente pesquisa se desenvolve no contexto das ações realizadas pelo GPPL. Tais ações contribuem muito para o exercício da docência realizado nas escolas e nos levam a refletir sobre como a escola e os professores contribuem e mobilizam o trabalho do próprio grupo. Nesse contexto, se destacam os debates sobre as contribuições (ou não) das pesquisas acadêmicas para o trabalho docente nas escolas, ou ainda, sobre o lugar que estas têm ocupado nas atividades desenvolvidas por aquelas.

No presente tópico, não pretendemos abordar detalhadamente a relação entre a escola e o grupo, porque isso fugiria dos limites da presente dissertação de Mestrado. No entanto, dada à importância dessa relação para a nossa pesquisa, ressaltaremos alguns aspectos (mais especificamente, sobre o Projeto Coletivo) e mencionaremos algumas informações (o histórico da escola com o GPPL, pesquisas e projetos desenvolvidos, etc.), com a intenção de desenharmos o panorama da relação mencionada.

Os contatos iniciais do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem com a escola ocorreram no ano de 1985, quando o caminho até a escola consistia em uma estrada de terra e sua localização era considerada zona rural; além disso, ela atendia prontamente o bairro com dois turnos.

Com o decorrer da década de 90, a estrutura física e o quadro de funcionários da escola passaram a não ser suficientes para suprir a quantidade de alunos; com o início dos anos 2000, essa condição permaneceu e também ocorreu a rotatividade de professores. Com a expansão do bairro e o aumento das demandas de matrículas, um novo prédio, com doze salas amplas foi construído, sendo que as atividades desse novo prédio iniciaram-se em março de 20086.

Como dito anteriormente, o primeiro contato entre o grupo de pesquisa e a escola aconteceu no ano de 1985. No início da década de 80, houve o “Projeto de Incentivo à Leitura” (1982-1985), que contou com a participação de estagiárias que eram alunas da

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Unicamp. Três de tais alunas, ao passarem em um concurso da prefeitura municipal, escolheram essa escola para iniciarem suas atuações como docentes.

Em 1991, foi desenvolvido um projeto com duração de três anos (1991-1993), que contou com o financiamento do CNPq e procurou realizar um trabalho junto aos professores da escola que não tivessem sido alunos da Unicamp. O objetivo era refletir sobre as novas demandas, trazer para a pesquisa o professor com mais tempo de docência naquela escola, naquela comunidade.

Além desses, projetos de Mestrado e Doutorado foram realizados, sendo que algumas professoras da escola também ocuparam o lugar de pesquisadoras7.

2.1. O Projeto Coletivo:

“Condições de desenvolvimento humano e práticas contemporâneas: as relações de ensino em foco”

No ano de 2008, um grupo de professoras da escola, que mantiveram contato com a equipe de pesquisadores por 5 anos, incentivou a proposta de formalização do projeto Fapesp para a “Melhoria do Ensino Público”, que foi elaborado no decorrer de 2008 e começou no segundo semestre de 2009, contando com 2 anos de vigência. No início, eram 19 pesquisadores (professores da Unicamp, bolsista de pós-doutorado, alunos do programa de pós-graduação, alunos dos cursos de graduação e professores da escola). O projeto coletivo foi intitulado “Condições de desenvolvimento humano e práticas contemporâneas: as relações de ensino em foco” e o seu objetivo consistiu em abordar, discutir e problematizar as relações de ensino na relação com as condições de desenvolvimento humano na instituição escolar.

No decorrer de 2008, com professores em pequenos grupos, individualmente e em reuniões gerais de TDC (Trabalho Docente Coletivo), discutimos detidamente a formalização do Projeto Coletivo e a análise das condições de viabilidade do mesmo. Não se tratava de levar à escola um projeto pronto e convencer as docentes a acatá-lo, mas, de instigar as

7 Em “Anexo 1: Esquema dos Projetos Desenvolvidos na Escola”, na página 91, encontra-se um quadro com os

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professoras a levantarem, com base na própria prática, questões de pesquisa e elaborassem os próprios projetos, tomando parte, assim, da construção conjunta de uma proposta de atuação e investigação na escola. “Esse modo de participação criou condições de realização do projeto de ensino público; o apoio institucional à proposta criou, por sua vez, novas condições de viabilização do trabalho (SMOLKA, 2012, p. 18).

Os objetivos gerais foram colocados pelo coletivo de trabalho da seguinte maneira: (i) discutir os modos de funcionamento e gestão da escola e como os sujeitos participavam das práticas escolares; (ii) discutir como os instrumentos técnicos semióticos, incluindo os recursos tecnológicos de formação e informação, são apropriados e afetam os sujeitos em relação, e a (im)possibilidade deles transformarem os modos de ensinar e aprender; (iii) desenvolver condições de discussão e investigação sistemática – grupo de estudo e oficinas – com os professores-pesquisadores em exercício e em formação, com a intenção de melhoria do ensino público.

Os temas que se configuram no projeto coletivo inicialmente surgiram do que cada um podia enxergar no/do seu cotidiano. Surgiram das preocupações do dia-a-dia para se transformarem em questões de pesquisa, que foram acolhidas, discutidas e entretecidas no conjunto dos interesses e propostas. Dois movimentos concomitantes foram importantes: acordar sobre e definir o que se tornaria objeto de investigação coletiva; e pensar como as preocupações e os projetos individuais poderiam contribuir para a proposta coletiva de investigação (SMOLKA, 2012, p. 19).

As situações vivenciadas, no trabalho cotidiano dos professores, gestores e pesquisadores, foram registradas de muitas maneiras: em diários de campo, fotografias, vídeo, audiogravação. Tais registros possibilitaram um vasto material empírico, que foram abordados em reuniões de discussão: havia reuniões semanais de estudo da equipe de professores e gestores na escola, reuniões semanais dos pesquisadores do GPPL e reuniões quinzenais de toda a equipe na escola, alternando com as oficinas que ocorriam em torno de a cada duas semanas (imagem, texto). “As reuniões de estudo eram também registradas em áudio, viabilizando a escuta e a releitura de discussões e análises conjuntas de situações empíricas” (ibidem, p. 26).

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Cada membro do coletivo de trabalho produziu de um a três relatórios, dependendo do tempo de participação no projeto. “O conjunto desses relatórios explicitou e deu visibilidade aos diversos modos de participação dos sujeitos nas práticas escolares e a aspectos do funcionamento e da gestão da escola, apontando também para os instrumentos e recursos que vem sendo utilizados e incorporados (ou não) no cotidiano da sala de aula” (SMOLKA, 2012, p. 28).

Cada pesquisador desenvolveu seu trabalho a partir de focos específicos, no entanto, destacamos a “atitude investigativa do professor; a incorporação da pesquisa no trabalho cotidiano; o tornar-se um pesquisador da própria prática, que passa a afetar o desenvolvimento do trabalho em sala de aula” (ibidem, p. 21). As condições de desenvolvimento dos sujeitos (crianças, professoras) e do trabalho tornaram-se objeto de análise no grupo de pesquisa, e esta análise, por sua vez, possibilitou instâncias de objetivação do cotidiano8.

2.2. Modos de participação dos integrantes do Projeto Coletivo

Devido aos objetivos do presente texto, destacaremos, dentre a quantidade e a diversidade de formas de integrar o Projeto Coletivo, os modos de participação de quatro membros: a professora em foco neste trabalho, Anjos, Deciete e eu.

A professora ocupava a posição de docente na escola, que implica não só trabalhar com o conteúdo escolar, socialmente definido como relevante pelas diferentes instâncias institucionais, como envolve uma complexa trama de relações com outros professores, na escola e fora dela, alunos, funcionários, pais de alunos. Com o Projeto Coletivo, ela passou a ocupar também a posição de professora-pesquisadora, destacando dimensões de sua prática para serem investigadas e problematizadas, tanto por si própria quanto por pesquisadores e integrantes do projeto mencionado.

O entretecimento da atividade de ensino e de pesquisa possibilitou a professora a estudar como as imagens e as expectativas socialmente elaboradas, no que diz respeito às posições de professor e de aluno, marcavam sua prática docente. Ao utilizar a câmera

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fotográfica e a filmadora como modos de registrar o cotidiano, seu objeto de investigação foi se (re)configurando: imagens de professor, de aluno, de escola, destacadas das falas dos alunos e registradas (em textos, fotos, filmes) pelos mesmos ou pelos adultos, constituíram objeto de estudo e possibilitaram novos planos de trabalho. Com isso, a professora experienciou novas propostas de ensino, ressaltando transformações em sua própria atividade docente.

Ocupar a posição de professora-pesquisadora e integrante do Projeto Coletivo criou condições para que a própria prática fosse locus de problematização, sendo a docente uma das interlocutoras nesse processo. Isso aconteceu em dois momentos: nas reuniões de estudo e discussão, tanto naquelas realizadas pelos membros da escola quanto nas reuniões de todos os integrantes do Projeto Coletivo, e nos encontros com a pesquisadora Anjos.

Em algumas reuniões gerais, que contavam com a presença de todos os integrantes do Projeto Coletivo, era apresentado algum material disparador (como relatórios dos alunos de Iniciação Científica, texto escrito por algum dos pesquisadores, situações registradas pela professora ou pela pesquisadora que a estivesse acompanhando, etc.) e, depois, era feita uma discussão com o objetivo de elaborar coletivamente possibilidades de interpretar e encaminhar modos de trabalho.

Ela, juntamente com outras quatro docentes, também participou dos encontros com Anjos, os quais se dividiam em dois tipos: individuais e coletivos. Em tais encontros, os registros videogravados das práticas das professoras eram usados como instigadores das discussões e, com isso, temas eram elaborados coletivamente. As docentes mobilizavam e eram mobilizadas pelas suas experiências particulares, fazendo com que emergisse a experiência coletiva: as coincidências e as diferenças nos modos de desenvolver as atividades, as dificuldades comuns, a dificuldade particular que poderia ser encaminhada a partir da forma como outra professora lidou com algo similar, etc.

Eu ingressei no cotidiano da professora ocupando um misto de posições: estudante, estagiário e pesquisador. Estudante, porque no momento em que me torno participante da dinâmica da sala da docente, eu cursava a graduação em Pedagogia. Assim, ao mesmo tempo em que participava de discussões acadêmicas sobre, por exemplo, a alfabetização, vivenciava

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a complexidade desse processo nas visitas à sala de aula. Concomitantemente, ocupava o lugar de estagiário, na medida em que auxiliava a docente no que era desenvolvido com os alunos: eu ia de carteira em carteira, ajudando os alunos a resolverem as atividades e, quando eu tinha dúvidas, indagava a professora; além disso, eu dava minhas opiniões sobre o planejamento das aulas e ajudava a confeccionar materiais para as mesmas. Estudante do curso de Pedagogia, com as discussões sobre temas relacionados à Educação, estagiário, que auxiliava e aprendia com a professora, esses lugares se mesclaram à outra posição ocupada – a de pesquisador. Todas as relações mencionadas neste parágrafo mobilizaram os registros (em diário de campo e videogravações) e o destaque, em relatórios de pesquisa, de temas e questões sobre o que era vivenciado, além das discussões coletivas de pesquisa, quando tais vivências também ocupavam o locus de problematizações.

Deciete ingressou no Projeto Coletivo com o objetivo de organizar e dinamizar o espaço da biblioteca, de intensificar o contato das crianças com os livros. Ela trabalhou em projetos de incentivo à leitura (“Rodas de Leitura”) com onze turmas das séries iniciais do Ensino Fundamental, no espaço da sala de aula, com a participação dos professores, e na biblioteca, no contra-turno dos alunos. Sem que fosse previsto, Deciete foi se tornando um ponto de referência para professores e alunos, no tocante ao projeto com a leitura, os livros de literatura e a biblioteca.

Do projeto com a leitura, surgiu a demanda, por parte do GPPL, da professora, sujeito de minha pesquisa, e de uma de suas companheiras de trabalho, de desenvolver um trabalho em grupo com alguns alunos de tais docentes, porque os mesmos não sabiam ler e escrever, no terceiro ano do Primeiro Ciclo do Ensino Fundamental. Os encontros com esses alunos foram semanais, com as mais variadas atividades de leitura e escrita (jogos, brincadeiras, discriminação auditiva, relações fonemas-grafemas, exercícios de memória, situações de leitura).

Com o ingresso no Mestrado, Deciete passou a ocupar também o lugar de pesquisadora, sendo que sua participação em sala de aula constituiu-se em uma relação de proximidade com a professora, que participa da minha pesquisa, e se realizou não apenas pelo objetivo de registrar o cotidiano das aulas, mas também com a intenção de colaborar

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com o desenvolvimento das atividades, auxiliando a docente e os alunos nas propostas relacionadas à leitura e à escrita.

Como dito acima, Anjos, em seu Doutorado, coordena encontros em grupo e individualmente, com quatro docentes, momentos em que são discutidos temas relacionados à prática das mesmas. Como fruto desses encontros, ela, a professora, sujeito da minha pesquisa, e outra docente, integrante do grupo mencionado, elaboraram juntas um trabalho, que foi apresentado em um congresso. A pesquisadora mencionada e eu também auxiliamos a docente no desenvolvimento de um tipo de atividade: os ateliês, a partir da proposta de Freinet. A professora, Anjos e eu estudamos, planejamos as atividades e trabalhamos juntos na realização de tal proposta.

Em síntese, a posição de docente da escola implicou em, além do trabalho com conteúdo escolar, estar inserida numa complexa trama de relações com outros sujeitos. Tal posição se redimensionou com o lugar de professora-pesquisadora, que possibilitou a investigação da própria prática. Considerando que tais atividades faziam parte de um Projeto Coletivo, a pesquisa da professora se entreteceu com o indagar, discutir e refletir coletivamente. Desse modo, a problematização do exercício de sua docência é feita tanto por ela quanto por outros sujeitos (professoras, pesquisadores). A parceria entre a professora em foco e eu ocorreu a partir de (pelo menos) três posições: estudante, estagiário e pesquisador. O exercício das mesmas se entreteceu, na vivência do cotidiano de sala de aula: as discussões teóricas eram redimensionadas com as questões que emergiam nas situações empíricas presenciadas, o que era objetivado nos relatórios de pesquisa de nossa Iniciação Científica. Deciete, quando integrou o Projeto Coletivo, trabalhou com a dinamização, organização do espaço da biblioteca e com a leitura de livros para as crianças. Além disso, ela atendeu à demanda de alunos que não sabiam ler e escrever, desenvolvendo atividades relacionadas à leitura e à escrita. Com o seu ingresso no Mestrado, Deciete ocupou também o lugar de pesquisadora, sendo que sua participação aconteceu com, além do registro de situações do cotidiano das aulas, a colaboração no desenvolvimento das atividades, auxiliando a docente e os alunos. A parceria entre Anjos e a professora em foco aconteceu tanto no que diz respeito

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ao grupo de discussão, realizados no contexto do trabalho da pesquisadora, quanto no planejamento e realização de atividades (a proposta Freinet) na sala de aula da docente9.

9 Em “Anexo 2: Esquema com as posições e parcerias”, na página 93, há uma tabela com as posições ocupadas

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III – Enunciados Entrelaçados: Nossas Interlocutoras Imediatas

Na seção anterior, discorremos, resumidamente, sobre o histórico de relações entre a escola e o GPPL, sobre as posições ocupadas pelas nossas interlocutoras imediatas, bem como as parcerias estabelecidas entre elas, durante a vigência do Projeto Coletivo. No presente tópico, mencionaremos os textos produzidos em tais parcerias, elegendo, para compor a nossa pesquisa, os trabalhos de Anjos (2006, 2013), Deciete (2013) e os relatórios de pesquisa da docente (2010, 2011), quando ocupou o lugar de professora-pesquisadora, bem como nossa vivência no âmbito da Iniciação Científica (2008, 2009, 2010)10.

A pesquisa de Mestrado de Anjos (2006) é anterior ao Projeto Coletivo, portanto, sua proposta não estava inserida no contexto desta. No entanto, tal trabalho tornou-se pertinente porque, mesmo antecedendo a realização do Projeto Coletivo, nos deu a possibilidade de destacarmos indícios e marcas discursivas que “ecoam” nos posicionamentos expressos nas falas e elaborações da professora em foco no presente trabalho.

3.1. Os relatórios de pesquisa da professora

A professora iniciou seu curso de graduação em 1995 e concluiu em 2000, na turma de Pedagogia da Unicamp. Ingressou na rede municipal de Campinas em agosto de 2000, mediante concurso público, em uma turma de 2a série, na escola onde ela trabalha até os dias de hoje. No exercício de sua docência, sempre trabalhou com turmas de 1os e 2os anos. Durante a vigência do projeto desenvolvido na escola, a professora teve a experiência de seguir a mesma turma por três anos (2008-2010). No ano de 2011, a docente assume os alunos do 1o ano.

A docente, em diversos momentos, comentou sobre a sua própria prática e a sua participação no Projeto Coletivo. Para a realização do nosso trabalho de Mestrado, conforme dissemos anteriormente, elegemos dois de tais momentos, quando ela ocupava a posição de professora-pesquisadora: o relatório parcial e o final (YAMAMOTO, 2010, 2011). Com a

10 Não discorreremos, neste tópico, sobre os nossos trabalhos de Iniciação Científica porque já o fizemos na

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nossa leitura de tais relatórios, descrevemos, aqui, o que foi destacado sobre a experiência no “Projeto Coletivo”, sobre as mudanças de suas práticas, sobre as parcerias; depois, no momento das análises, destacaremos pontos mais específicos para serem aprofundados.

Em ambos os relatórios (2010, 2011), ela afirmou que o seu objetivo, como professora-pesquisadora, era investigar e problematizar o próprio trabalho docente. Nesse sentido, ela disse que buscou maior clareza em suas opções e que sua prática estava mais (com)partilhada: “a escolha de voltar a trabalhar com o 1o ano agora tem um outro olhar, uma intenção que vem pautada na experiência com o Projeto” (YAMAMOTO, 2011, p. 81).

A participação no Projeto Coletivo (parcerias com os membros do grupo, reuniões de estudo e debate, apoio técnico e material), segundo a docente, criou condições para que ela pudesse acompanhar a mesma turma de alunos pelos três anos do 1o Ciclo. As reuniões de estudo e discussão possibilitaram o delineamento e o evidenciamento dos desejos, dos objetivos, dos recortes dos vários olhares direcionados para o trabalho dentro da escola. “A partir daí pude problematizar o meu trabalho, meu ofício, evidenciar e entender minhas escolhas, minha relação com os alunos, dialogar com teorias que embasassem o que faço e entender como os desdobramentos que essa aproximação me afetam profissionalmente” (YAMAMOTO, 2011, p. 80).

Dentre as atividades desenvolvidas no contexto do Projeto Coletivo, a professora-pesquisadora destacou a “Roda de Leitura”, realizada pela Deciete, que selecionava, apresentava e lia alguns livros para os alunos, ressaltando para estes os detalhes do material, como: cores, ilustrações, encadernações, layouts dos textos, etc. A vivência proporcionada por esses momentos de leitura fez com que a professora pensasse no espaço que reservou para esse tipo de atividade em seu planejamento.

Sempre destaquei em meu trabalho os momentos de leitura, realizadas por mim, ou individualmente pelos alunos. Mas na participação na Roda de Leitura de Nilce, foi possível que eu visualizasse as implicações de meu trabalho com a leitura. Percebê-los como leitores, identificar as preferências pelos estilos literários que as crianças vão adquirindo, as observações que fazem sobre as obras, são marcas que percebo desse tipo de atividade. De maneira geral, os alunos se interessam muito pelos livros, da biblioteca ou da caixa da sala, as interações que realizam com os colegas são importantes para que gradualmente incorporem e se apropriem da língua escrita. Ver o interesse de meus alunos em atividade assim, reforça em mim

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a crença na manutenção e ampliação desses tempos de leitura (YAMAMOTO, 2010, p. 7).

A professora-pesquisadora deu visibilidade, também, à sua participação na pesquisa de Anjos (2013): “o ‘assistir’ de minha prática já acontecia desde o início de minha pesquisa com as filmagens, mas lançar esse olhar em conjunto com outras profissionais e poder comparar, discutir, me deu o suporte para produzir um entendimento sobre o meu trabalho e articulá-lo com a produção de conhecimento de meus alunos” (ibidem, p. 1). Segundo a docente, em dois momentos de tal participação, ocorreu um dos fatores chave para explicar parte das transformações que estavam acontecendo no trabalho e na forma como a professora-pesquisadora redimensionou o trabalho. Em uma das reuniões entre as docentes (incluindo a docente, sujeito de minha pesquisa) e a pesquisadora Anjos, a proposta foi a de discutir coletivamente “cenas de leitura”, a partir do registro videogravado de leituras, de livros literários, realizadas por cada docente; contudo, não havia registros da professora em foco desenvolvendo esse tipo de leitura para os alunos. A inexistência de tais situações registradas surpreendeu-a, porque ela sempre considerou a importância das atividades de leitura. “Esse fato me incomodou bastante, talvez mais do que eu admitisse no momento. Sempre acreditei que dava destaque em meu trabalho aos momentos de leitura, realizadas por mim ou individualmente pelos alunos, mas então como era possível que não houvesse nenhuma cena disponível para análise?” (YAMAMOTO, 2011, p. 84).

Ao rever o próprio trabalho com a leitura, a professora-pesquisadora disse ter percebido que tal atividade não era sistematizada o suficiente, entravam em seu planejamento como momentos mais livres, entre pausas nas atividades de escrita. “Apesar de acreditar na importância da leitura sempre priorizei as atividades de escrita” (ibidem, p. 84). Com isso, a docente decidiu que, com a turma de 1o ano de 2011, a leitura seria diária, da seguinte forma: (i) leitura realizada por ela no início das aulas de obras, histórias indicadas por ela mesma ou pelos alunos e (ii) às terças-feiras, com as leituras realizadas pela pesquisadora Deciete.

A professora-pesquisadora e Deciete, quando esta assumiu a posição de pesquisadora, elaboraram o projeto “Sacola de Livros”, que consistiu na escolha e registro, em uma sacola de pano confeccionada para esse fim, de livros, pelos alunos, que, na semana seguinte, poderia realizar um novo empréstimo ou renová-lo. “Nesse momento acontece um desdobramento desse empréstimo que é de extrema importância: os alunos são convidados a

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compartilhar com os colegas as histórias dos livros que levaram para casa” (YAMAMOTO, 2011, p. 89). Os alunos contavam com quem realizaram a leitura em casa, mostravam as ilustrações e muitos liam as histórias de “memória”, porque ainda não estavam alfabetizados, imitando os gestos da professora e da pesquisadora, de quando elas liam para eles.

Sumariamente, a docente em foco, na posição de professora-pesquisadora, comentou sobre a sua prática em sala de aula e a sua participação no Projeto Coletivo: o relatório parcial e o final (YAMAMOTO, 2010, 2011). Tais textos possuem temas recorrentes, que nos chamaram a atenção: as mudanças da prática da docente, as parcerias das quais ela participou, os interlocutores (principalmente, Anjos e Deciete) que a professora-pesquisadora “convoca” no texto, entendendo-os como colaboradores das transformações em seu trabalho docente, as condições criadas pelo Projeto Coletivo. Em nossas análises, percebemos que, com uma frequência significativa, a professora afirma que a possibilidade de olhar e refletir a própria prática foi possível graças ao suporte dado pelo Projeto Coletivo e aos momentos de interlocução.

3.2 Os trabalhos de Anjos

Em sua pesquisa de Doutorado, Anjos (2013) abordou o processo de construção da prática docente, considerando a história das práticas existentes e as disputas entre teorias e métodos de ensino. Enfocando a temática “organização do trabalho pedagógico face à heterogeneidade dos saberes entre os alunos”, foram analisados aspectos relacionados à participação e à apropriação das professoras nas práticas e discursos estabilizados no campo. Nesse trabalho, se destacaram muitos momentos em que as docentes se flagravam agindo de modo não condizente com seus princípios teóricos e valores.

Dentre as questões destacadas, a pesquisadora ressalta que estas também são de ordem estrutural, associadas às formas como o sistema de ensino está estruturado, o que vai além dos limites do poder de ação dos professores. Ou seja, é necessário considerar, além do trabalho pedagógico, a forma como o sistema educacional está organizado, a partir da função da escola em nossa sociedade e da formação de trabalhadores para atender às necessidades do sistema capitalista. Assim, mesmo que ocorra o fortalecimento do coletivo de professores e se inicie a discussão coletiva das formas de enfrentamento da realidade encontrada, das

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estratégias mais eficientes, torna-se necessária a luta, em várias instâncias, com o intuito de mudar as condições estruturais que caracterizam/constituem o trabalho.

Em sua pesquisa, Anjos se ancorou em contribuições da clínica da atividade, dentre as quais, considerando os objetivos do presente trabalho de Mestrado, destacamos o desenvolvimento da intervenção, que se divide em três etapas. A primeira fase diz respeito à composição de um coletivo de profissionais voluntários que, juntamente com os pesquisadores, formam uma comunidade científica ampliada; além disso, nessa fase inicial, ocorre, também, a observação de situações de trabalho e a escolha da sequência de atividade comum para a videogravação (ANJOS, 2013).

Na segunda fase, é feita a videogravação de alguns minutos de uma sequência de atividade; depois, acontece a confrontação do profissional com a videogravação de sua atividade, junto com o pesquisador – autonfrontação simples –, e a mesma videogravação usada na confrontação do mesmo profissional com um par, que também foi confrontado com as próprias sequências de atividades – autoconfrontação cruzada (ibidem). “A segunda fase é, portanto, dedicada a recolher dois tipos de registros de vídeo: os das atividades e os da confrontação dos pares com elas” (ANJOS, 2013, p. 67).

A terceira etapa da intervenção possibilita deslocar a confrontação, fazendo com que ela suba e desça a outros estágios da ação engajada: o coletivo profissional de partida; o comitê de pilotagem de intervenção; o coletivo profissional ampliado, em outras palavras, o conjunto dos pares que são confrontados aos mesmos dilemas profissionais (ANJOS, 2013). “É o momento da restituição das análises ao coletivo com a ajuda dos vídeos de trabalho” (ibidem, p. 67).

Já em seu trabalho de Mestrado, Anjos (2006) buscou compreender a vivência, por parte de professores ingressantes, do início da profissão docente, com a intenção de discutir as condições de realização do trabalho associadas ao contexto histórico-cultural. O foco consistiu em interpretar e analisar as falas de professoras sobre os primeiros anos de trabalho: as vivências das demandas da profissão, a legislação, as reformas educacionais, a produção acadêmica, as relações interpessoais, as condições de vida que afetavam a atuação profissional.

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Para o desenvolvimento dessa pesquisa, Anjos propôs às professoras que falassem sobre suas experiências iniciais na atividade de ensino, lidando com duas complexas questões: linguagem e memória. “Pensamos tais questões a partir da perspectiva bakhtiniana, ressaltando especialmente os conceitos de enunciação e vozes” (ANJOS, 2006, p. 19). A pesquisadora também se ancorou em alguns construtos da Análise do Discurso francesa, como formação imaginária e jogos de imagens, que “nos ajudam a pensar a história dos dizeres, as diferentes posições sociais ocupadas pelos sujeitos e o quanto estas posições afetam/constituem o dizer e o agir dos professores (ibidem, p. 19).

As entrevistas foram realizadas com mulheres que ministraram aulas na mesma escola da rede municipal de Campinas. Dentre as possibilidades, a pesquisadora optou por focar o corpo docente de somente uma escola da rede pública, por causa: da dificuldade de uma amostragem aleatória; da história de contato, mediante outros projetos, com a escola em que tais docentes trabalham ou trabalharam; da riqueza de experiências, encontros, transformações que constituem o espaço/tempo de uma mesma escola; da “possibilidade de compreensão das histórias singulares das professoras entretecida à trama de relações mais abrangentes, (trabalho em sala de aula, condições de trabalho na escola, propostas político-pedagógicas na rede de ensino...)” (ANJOS, 2006, p. 25).

Foram feitas entrevistas com duas docentes que iniciaram a carreira docente na década de 70, uma na década de 80, uma na de 90 e três em 2000, totalizando sete professoras. A pesquisadora possuía um roteiro aberto de perguntas, que orientaram a entrevista, mas, esta não se restringiu às questões daquele. Com isso, temas não previstos apareceram na conversa.

Com as transcrições, feitas pela pesquisadora, das reuniões, foram, inicialmente, levantados alguns temas, que emergiram em cada uma das entrevistas, seguindo a ordem de aparecimento. Em seguida, buscou-se por recorrências, reiterações, presentes nas falas das professoras que começaram na carreira docente em momentos históricos distintos. “Elas não falam as mesmas coisas, do mesmo modo, mas remetem a sentidos semelhantes, a sentidos comuns, apesar de falarem de experiências e momentos diferenciados” (ANJOS, 2006, p. 34).

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Em resumo, Anjos (2006) investigou a vivência do momento de ingresso na carreira docente, interpretando as falas de professoras sobre os primeiros anos de trabalho, ancorando-se em conceitos que deram visibilidade à história dos dizeres, às diferentes posições sociais ocupadas pelos sujeitos e quanto estas afetaram/constituíram o discurso das docentes. O contexto desse trabalho, com isso, mobilizou falas da professora, sujeito de minha pesquisa, das quais destacamos, em nossas análises, indícios da participação de

outro(s) no modo como a professora foi se constituindo no começo de sua carreira docente.

Nesse sentido, pudemos apontar algumas características da relação entre a professora e os demais docentes e o que tal relação mobilizou, o que provocou na professora em foco. O trabalho de Doutorado de Anjos (2013), por sua vez, criou as condições de um “pensar junto” e, em consequência de muitos olhares (das professoras e da pesquisadora), ocorreram momentos em que as professoras se flagravam realizando um modo de agir que não coincidia com seus princípios teóricos e valores. Em um desses momentos, a professora em foco percebeu que o modo como ela trabalhava se diferenciava do modo como ela acreditava que trabalhava. Dentre as características desse contexto de pesquisa, que possibilitou o “flagrar” da docente, sujeito de minha pesquisa, podemos destacar o assistir e o comentar a prática dos outros docentes e o assistir e o comentar destes sobre a prática da professora em foco. As falas da professora em questão, destacadas dos trabalhos de Anjos (2006, 2013), consistem nas marcas discursivas de sua relação com o(s) outro(s) e no que ela enuncia sobre a própria prática, na interlocução com o(s) outro(s).

3.3 O trabalho de Deciete

Deciete (2013) investigou a polêmica entre alfabetização e letramento, com o objetivo de compreender o movimento das elaborações teóricas que se constituíram sobre tais conceitos. Diante dessa problemática, a pesquisadora discutiu o impacto dos estudos do letramento nas formas de conceituar a alfabetização e abordou também a dimensão da prática alfabetizadora no interior de uma escola pública brasileira. O trabalho empírico aconteceu durante um ano letivo, em duas salas de aula de 1os anos do Ensino Fundamental, dentre as quais, a da professora em foco na minha pesquisa de Mestrado. O estudo, como um todo, participa da esfera das pesquisas que problematizam as relações de ensino, da prática do professor alfabetizador e das teorias que repercutem (ou não) nos modos de fazer. Os

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argumentos, nesse trabalho, apontaram para a dimensão social da alfabetização, retomando um aspecto fundamental dessa prática, que foi deslocado pelas definições e sentidos do conceito de letramento.

Para realizar tal pesquisa, Deciete acompanhou as salas mencionadas durante 10 meses (fevereiro a dezembro de 2011), utilizando, como registro, diário de campo e videogravações, sendo que, “em algumas ocasiões, as professoras e as crianças assumiram a câmera. Em alguns momentos a professora me pedia para ler a história enquanto ela registrava. Em uma apresentação teatral [...], uma criança ficou responsável pelo registro. Foi nessa dinâmica que o acervo se constituiu” (DECIETE, 2013, p. 51).

As videogravações totalizam quarenta e uma (das duas turmas) e parte desse material foi compartilhado com as docentes. Em estudos do grupo de pesquisadores, do qual as professoras faziam parte, foram discutidos temas variados, sobre ensino, prática e a teoria histórico-cultural. “A partir das filmagens, produzíamos filmes e, esse material era compartilhado com o grupo sendo ponto de partida para discussões e análise do cotidiano escolar” (ibidem, p. 52).

Inicialmente, a pesquisadora explorou o diário de campo, a partir de diferentes critérios: a) pelos registros que as professoras faziam da rotina; b) pelas atividades de alfabetização, com o foco na proposta de trabalho com a leitura e a escrita; c) pelos modos de participação dos alunos. Em seguida, Deciete retomou algumas videogravações, “com o objetivo de completar as informações que não se mostraram claras no diário de campo” (DECIETE, 2013, p. 52).

Além dos registros, também foram feitas entrevistas semiestruturadas com as professoras, com a intenção de conhecer a história de formação e experiência de trabalho delas com as turmas de alfabetização. Tais entrevistas foram audiogravadas, transcritas e sistematizadas em uma tabela.

O trabalho da pesquisadora, como mencionado anteriormente, não se limitou ao registro somente, mas, se constituiu com base na cooperação, no auxilio à docente para a realização das atividades que tinham propostas relacionadas à escrita e à leitura.

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Para realizar a sua pesquisa, Deciete (2013) acompanhou a sala da professora, sujeito da presente investigação, registrando por meio de videogravações as situações empíricas e auxiliando a professora nas atividades de leitura e escrita.

Em síntese, Deciete (2013) problematizou a relação entre alfabetização e letramento e discutiu a dimensão da prática alfabetizadora no interior de uma escola pública brasileira. A pesquisa empírica de tal trabalho foi realizada durante um ano letivo, na sala da professora sujeito da minha pesquisa e na de outra professora da mesma escola. Os registros consistiram em videogravações de diversas situações de sala de aula, ao mesmo tempo em que a pesquisadora auxiliava a docente nas atividades de leitura e escrita. Assim, nesta investigação, estabelecemos uma interlocução com a pesquisadora mencionada ao atentarmos para as descrições e elaborações que ela fez sobre o trabalho colaborativo, com o foco nas atividades de leitura de livros literários.

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IV – Questões de Metodologia da Pesquisa: Princípios e Procedimentos

O presente trabalho se ancora na perspectiva Histórico-Cultural, o que dimensiona modos de entender e de realizar a pesquisa. A primeira característica dessa perspectiva que podemos ressaltar consiste na tentativa de superar os reducionismos das concepções empiristas e idealistas (em suas mais diversas formas, inclusive na atualidade). Tentativas como essas aparecem, por exemplo, na afirmação de Vigostski de “construir o que se chama de uma nova psicologia que deve refletir o individuo em sua totalidade, articulando dialeticamente os aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito com a sociedade à qual pertence” (FREITAS, 2002, p. 22) e quando Bakhtin critica “as posições empíricas e idealistas do que denomina de objetivismo abstrato e subjetivismo idealista e propõe, em sua perspectiva dialógica, o estudo da língua em sua natureza viva e articulada com o social pela interação verbal” (ibidem, p. 22).

Outro ponto importante da pesquisa consiste no argumento vigotskiano de que, na realização de uma pesquisa, é necessário caminhar até a explicação, sem diminuir a riqueza da descrição. No tocante à relação entre pesquisador e o seu “objeto de estudo”, há distinções entre as ciências exatas e as humanas, na medida em que, nas primeiras, o pesquisador

contempla o seu objeto de estudo, discorre sobre ele, mas não com ele (FREITAS, 2002, p.

24); nas ciências humanas, o estudo é do “ser expressivo e falante”, o homem, que demanda do pesquisador o diálogo: em vez de uma interação sujeito-objeto, é necessária uma relação

entre sujeitos (ibidem, p. 24). Os objetos do conhecimento, incluindo o homem, podem ser

abordados e compreendidos como coisa. “Porém um sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa, uma vez que sendo sujeito não pode, se continua sendo-o, permanecer sem voz; portanto seu conhecimento só pode ter caráter dialógico” (BAKHTIN apud FREITAS, 2002, p. 25).

Acrescenta-se aos pontos destacados a proposta de Vigotski de que os fenômenos humanos devem ser abordados a partir de suas transformações e mudanças, ou seja, a partir de seu processo histórico. Para tanto, é necessário observar as relações que acontecem entre uma coisa, ou acontecimento, com outras coisas e acontecimentos.

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Assim como Vigotski, Bakhtin também discorreu sobre questões teórico-metodológicas, destacando o estatuto da linguagem e abordando relações de alteridade entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa. O texto, na perspectiva desse autor, é a realidade imediata, o dado primário das ciências humanas. “Onde não há texto não há objeto de pesquisa e pensamento” (BAKHTIN, 2003, p. 307). O texto não decorre de uma atividade individual, mas, da relação de dois sujeitos, porque precisa de duas consciências. Uma das implicações disso consiste no fato de que o pensamento das ciências humanas “nasce como pensamento sobre pensamento dos outros, sobre exposições de vontades, manifestações, expressões, signos atrás dos quais estão os deuses que se manifestam (a revelação) ou os homens (as leis dos soberanos do poder, os legados dos ancestrais, as sentenças e enigmas anônimas, etc.)” (ibidem, p. 308).

Norteados pelos princípios acima explicitados, propomos o estudo da (transformação) da prática da professora mediante suas relações com sujeitos outros. Para o desenvolvimento da pesquisa, analisamos o nosso diário de campo, elaborado durante a nossa Iniciação Científica (2008 a 2010), registros videogravados que compõe o banco de dados do GPPL (2008 a 2011), bem como a análise dos relatórios de pesquisa da professora (2010; 2011), de dissertações de Mestrado (ANJOS, 2006; DECIETE, 2013) e tese de Doutorado (ANJOS, 2013), que também estudaram a prática dessa mesma docente. Com as discussões e reflexões que realizamos, a “atividade de leitura de livros literários” se configurou como “indício de transformação” da prática da professora, porque nesse tipo de atividade ocorrem mudanças significativas, as quais, por sua vez, são abordadas considerando as interlocuções entre a professora e sujeitos outros (professoras, pesquisadoras), no entretecimento entre discurso e prática, entre pesquisa e ensino.

Os relatórios da professora, as dissertações e a tese das pesquisadoras mencionadas assumem, em nossa pesquisa, um papel multifuncional: são material empírico e, ao mesmo tempo, textos em diálogo; são contribuições de interlocutores e, simultaneamente, locus de análise. Compreendemos a dificuldade e a complexidade em abordar tais trabalhos a partir dessa multifuncionalidade, no entanto, entendemos também que esse modo de integrá-los em nosso estudo mobiliza e possibilita reflexões muito ricas.

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