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O papel atribuído às mulheres nos comerciais televisivos : uma análise discursiva e cronológica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

O PAPEL ATRIBUÍDO ÀS MULHERES NOS COMERCIAIS TELEVISIVOS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA E CRONOLÓGICA1

THE ROLE ATTRIBUTED TO WOMAN IN TELEVISION COMMERCIALS: A DISCURSIVE AND CHRONOLOGICAL ANALYIS

Joana Agostini2 Taíse Neves Possani3

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma análise discursiva com o intuito de refletir sobre a questão das construções do discurso em torno da representação da mulher e da desigualdade de gênero em diversos aspectos existentes há tempos, na sociedade. Para realizar esta análise, foi preciso um embasamento teórico que englobou autores como Barthes (1982), Cobra (1990), Kotler (2000), Pêcheux (1975, 1990 e 2001), Pereira (2006), Randazzo (1996), Teles (1999) e Orlandi (2002). O trabalho se encontra dividido por subtítulos; no primeiro são apresentados alguns conceitos sobre a Análise do Discurso (AD) na interface da vertente francesa. Além disso, salienta-se um estudo sobre as relações de gênero e a questão do feminino no espaço midiático. Para estruturar a análise, foi feito um estudo sobre o movimento feminista e, por fim, uma análise de algumas propagandas com base nos estudos da AD. Por fim, o estudo em questão mostra quais são as Formações Discursivas (FD) materializadas no texto das propagandas e também verifica que, com o passar dos anos, algumas mudanças aconteceram no âmbito das propagandas, porém, o modo tradicional de criá-las ainda impera.

PALAVRAS-CHAVE: Análise do discurso; Mulher; Propaganda; Relações de Gênero.

ABSTRACT

1 Trabalho de conclusão de curso apresentado à banca examinadora do curso de Letras- Português e Inglês- Campus Ijuí, como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Letras Língua Portuguesa- Inglesa.

2 Acadêmica do Curso de Letras- Português e Inglês da UNIJUÍ. 3 Professora Orientadora do trabalho Prof. Me. Taíse Neves Possani.

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The present work presents a discursive analysis with the intention of reflecting on the question of the constructions of the discourse around the representation of the woman and of the gender inequality in several aspects that have long existed in society. In order to carry out this analysis, it was necessary to establish a theoretical basis that included authors such as Barthes (1982), Cobra (1990), Kotler (2000), Pêcheux (1975, 1990 and 2001), Pereira (2006), Randazzo 1999), Orlandi (2002). The work is divided by subtitles; in the first one are presented some concepts on Discourse Analysis (AD) in the interface of the French slope. In addition, a study on gender relations and the question of the feminine in the media space is highlighted. In order to structure the analysis, a study was made of the feminist movement and, finally, an analysis of some advertisements based on AD studies. Finally, the study in question showed what the Discursive Formations (FD) materialized in the text of the advertisements and also verifies that with the passage of the years some changes happened of the scope of the advertisements, however, the traditional way to create them still reigns.

KEY-WORDS: Speech analysis; Woman; Advertising.

INTRODUÇÃO

A propaganda é uma espécie de espelho da sociedade, logo, o que é retratado nela representa o que a maioria dos componentes dessa sociedade vive, ou até mesmo a maneira como pensam. Na questão da mulher, todos os conceitos, pré-conceitos e estereótipos associados ao gênero feminino aparecem de maneira bastante clara.

Atualmente, os movimentos feministas e demais representações nas lutas por direitos iguais estão tendo maior destaque nas mídias sociais, de forma que é possível ligar a televisão e nos depararmos com comerciais onde mulheres não são sexualizadas e onde meninas consideradas “fora do padrão” também podem ser protagonistas. Um dos questionamentos deste estudo é sobre quanto tempo e luta foram necessários para que isso se tornasse uma realidade, bem como refletir sobre qual a importância dessas propagandas inclusivas e representativas.

É característico da publicidade e propaganda tentar persuadir o leitor ou expectador com produtos ou ideias que ele acredita precisar ou que o mesmo se identifique, alcançando seu lado emocional e podendo vender desde um eletrodoméstico, até um estilo de vida e um modo de pensar, sempre adequado ao contexto vigente em

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determinada época. Assim, outro objetivo deste estudo é verificar como foram retratadas as ideias acerca da mulher em épocas passadas e qual a sua evolução até aqui, bem como o porquê dessa evolução (se houve).

Serão utilizadas para a escrita deste trabalho os seguintes vieses de análise: primeiramente o estudo das propagandas as quais seguem uma Formação Discursiva conservadora e tradicional e foram criadas há bastante tempo; Em segundo lugar, as atuais, que trazem duas Formações Discursiva em aliança, sendo um delas moderna e atual e a outra conservadora e preconceituosa que marca uma visão ainda estereotipada.

Para a escrita deste estudo, serão abordadosconceitos de Pêcheux (2001, 1975) sobre a Análise do Discurso, Cobra e Kotler (1990) acerca do marketing e outras questões ligadas à publicidade no geral, bem como de Roland Barthes (1982), quando fala sobre o mito, que sempre se apropria do contexto para agir adequando seu discurso a ele. Os conceitos de Randazzo (1996) acerca dos arquétipos femininos e Beauvoir (1980) para as questões relacionadas ao movimento feminista, entre outros. A Análise do Discurso (AD) será o meio utilizado para a análise das propagandas, bem como a compreensão das noções de sujeito, assujeitamento, ideologia e formações discursivas, pontos que compõem as produções.

1. A ANÁLISE DO DISCURSO NA INTERFACE DA VERTENTE FRANCESA

Conforme Orlandi (2002), a Análise do Discurso, como o próprio nome já indica, não se restringe ao estudo da língua ou da gramática, ela trata do discurso, palavra que possui por etimologia os sentidos de curso, de passar por, de movimento, de percurso. A análise do discurso é um caminho, um estudo onde observa-se o homem falando.

O discurso é uma atividade, uma espécie de processo comum a indivíduos de diferentes contextos e que adaptam suas ideias ao que acreditam e vivenciam. Geralmente há um responsável, uma espécie de líder disseminador de um discurso específico e os demais que se identificam com o que foi falado e o reproduzem. Estas manifestações ideológicas estão presente nos mais diversos espaços: escolas, empresas, política...

Para Orlandi (2002), analisar o discurso implica em analisar o homem em sua história, considerando os processos e as situações em que a linguagem foi produzida, buscando entender a relação firmada pela língua entre os sujeitos que a utilizam e as situações em que as falas foram produzidas. Dessa forma, analisar o discurso

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efetivamente é também saber relacionar a linguagem aos fatores externos que incidem sobre ela.

Segundo Pechêux (2001), a Análise do Discurso (AD) é o campo da linguística e da comunicação responsável pelo entendimento que o leitor tem ao analisar construções ideológicas que estão presentes em um texto. Esse recurso é muito usado na análise de mídias e, consequentemente, das ideologias que dali se produzem. A AD possui dois conceitos base, o primeiro é o discurso e o segundo é o próprio texto. O discurso é considerado como uma prática social na produção de textos, já o texto em si é o produto que obtemos dessa atividade discursiva.

O texto acaba trazendo fatores que são importantes para a sua produção como o objeto empírico, a construção sobre a qual se debruça o pesquisador (analista) em sua busca, ou seja, as marcas que guiam a investigação científica. Conforme Pechêux (2001), a AD parte de uma proposta com base na filosofia materialista, por isso o discurso é considerado uma construção social. Da mesma forma que essa investigação é considerada um reflexo da visão de mundo que o pesquisador obtém vinculada a sua base de dados - bibliografia – e a sociedade em que vive. Contudo, só pode ser feita uma análise de um discurso considerando o contexto histórico-social e suas condições de construção.

Michel Pêcheux é o fundador da Escola Francesa de Análise do Discurso, o qual nos traz a teorização de como a linguagem se materializa na ideologia e como essa, se manifesta na própria linguagem. Conforme Pêcheux (1990), o discurso é uma forma de materializar a ideologia, o que nos remete à identificação dos marxistas em outras instâncias sociais. Portanto, o sujeito se torna um depósito de ideologias, sem que esse tenha vontade própria, sendo que a língua é um processo que perpassa as diversas esferas da sociedade.

Segundo Michel Pêcheux (1975), não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido. Dessa forma, o discurso é o espaço onde conseguimos observar a clara relação entre língua e ideologia, percebendo como a língua produz sentidos por e para os sujeitos. Para falarmos de discurso e ideologia também é necessário apresentar os conceitos de Formação Discursiva. O primeiro, formulado por Michel Focault, afirma que a formação discursiva pode ser percebida quando:

[...] se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os

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objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.(FOCAULT, 2012, p.43)

Michel Pêcheux se apropriou do conceito já estabelecido para criar o seu próprio, atrelado ao materialismo dialético. Para o autor, as formações discursivas estão diretamente ligadas às formações ideológicas, que são as características gerais de uma sociedade ou grupo em determinado período, podendo envolver questões religiosas, políticas, de gênero e outras que não caracterizam o ser na sua singularidade, mas que podem criar uma relação de dominação geral através das ideias que sugerem.

Assim, Pêcheux nos traz que cada formação ideológica pode ser composta por várias formações discursivas que determinam:

[...] o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir de uma posição dada numa conjuntura dada: o ponto essencial aqui é que não se trata apenas da natureza das palavras empregadas, mas também (e sobretudo) de construções nas quais essas palavras se combinam […] as palavras “mudam de sentido” ao passar de uma formação discursiva a outra. (PÊCHEUX, 1995 p. 160)

Para obtermos uma linha de raciocínio lógica, é necessário considerar a historicidade na Análise do Discurso, primeiramente vista por Roman Jakobson (1970) com a Teoria da Comunicação e, principalmente, Émile Benveniste (1966), que nos apresenta a Teoria da Enunciação. Ambos nos introduzem a novos paradigmas de concepção de análise da língua. Foi através de Benveniste que chegamos a Pêcheux.

Conforme Pêcheux (2001) Teoria da Enunciação de Benveniste redimensiona nosso olhar dado à língua. Para Benveniste, a linguagem ganha possibilidade somente na enunciação, onde obtemos um sujeito que nos deixa rastros discursivos. Essas noções foram produtivas para o limiar da publicação de Análise Automática do Discurso, de Michel Pêcheux, veio a se denominar de Análise do Discurso (AD).

Segundo Orlandi (2002), a ideia de discurso se distancia do esquema básico de organização dos tradicionais elementos da comunicação: emissor, receptor, código, referente e mensagem. A comunicação é efetiva caso todos esses elementos cumpram seus papéis. Para a AD, a questão não se restringe a simples transmissão de informações. O processo entre o emissor falar algo e o receptor compreender não é algo mecânico, nem

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tampouco uma sequência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica o que fora dito. Ambos realizam ao mesmo tempo um processo de significação.

A AD na linha Francesa trata a língua em seu processo histórico, atendendo a uma perspectiva não-imanentista e não formal da linguagem que acaba por privilegiar, assim,

as condições de produção e recepção do texto, bem como os efeitos de sentido. A língua sendo vista sobre o contexto da AD é heterogênea e polissêmica. Comporta múltiplos significados, equívocos, contradições, tensões e, por que não dizer, falhas?

Contudo a língua é receptiva e trabalha com um objeto fronteiriço, partindo disso, lida com as bordas das grandes divisões disciplinares já institucionalizadas. A AD detecta os diferentes processos de produção texto-social tendo como base o poder preponderante através da linguagem. Inclusive, tem-se que, a princípio, era muito ligado a políticas partidárias, mas, sobretudo, a AD direcionou suas bases epistemológicas para um foco central. (Pechêux, 2001)

Com isso, seguimos com a ideia de Pêcheux de que o sujeito não é dono de seu próprio discurso, mas subjugado a ele. Isso só ocorre porque o sujeito está amparado por três pilares epistemológicos: primeiramente, o processo social, que é estimulado pelo materialismo; em segundo, pela intervenção do próprio inconsciente e, por último temos a convenção social da linguística extrínseca ao sujeito, que, por sua vez, está a premissa do Estruturalismo de Saussure.

Pode-se entender, portanto, segundo a teoria de Pêcheux, que o discurso fica explícito pelo sujeito em seu processo de comunicação e de diálogo, seja verbal, escrito, ou se caso se utilize de outras vias para socializar. O ato de não dizer, a princípio, possui um sentido no ato de não o dizer – e vice-versa – contudo, não se mostra de forma explícita.

Para Pêcheux (2001), o não dito só pode ser obtido por meio do que o mesmo chama de “exterior específico”, e eventualmente o que ocorre posteriormente o autor denomina de Condições de Produção do Discurso. É salientado ainda que o não dito é a definição de uma “ausência específica daquilo que está presente em outro lugar” (p. 149). Ainda podemos ressaltar, além deste, outras modalidades, como: o interdiscurso, a ideologia, a formação discursiva e as formas do silêncio. Por meio dessas modalidades, em um texto, nos deparamos com condições de produção do discurso, o que é um conceito fundamental usado na análise de discurso francesa. Outro fator que é de extrema importância é o ponto onde se pode observar a presença de elementos sociais, grupais,

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contextuais, políticos e culturais, os quais influenciam na questão do dito e, ao mesmo tempo, conformam o não-dito.

Por isto, Pechêux (2001) salienta a evidência de que, se por um lado o discurso é um âmago fundamental às pesquisas em representações sociais, os pesquisadores o possuem como elemento principal de análise, devendo ter em mente, que apresenta em uma eficácia plástica, pois possui como forma de se adaptar às construções imaginárias que se constroem no próprio ato de produzir sentido no diálogo.

Isso significa que ao falar sobre discurso, observamos que o mesmo possui uma exterioridade em sua exposição, sendo que esta deve ser compreendida como forma de melhor delimitação do sentido produzido. Por isso, entendemos que existe uma coerência ‘interna’ no discurso efetuado, o qual só se pode compreender levando-se em consideração as representações que influenciaram nesta mesma produção.

2. AS RELAÇÕES DE GÊNERO

As relações de gênero são responsáveis pela atribuição de papéis performáticos para homens e mulheres, bem como refletem na vida social dos mesmos desde o modo como são tratados até mesmo em relação aos seus direitos salariais e cargos a serem ocupados em locais de trabalho. Ainda se julga o homem como sendo mais centrado e prático, então cargos mais altos lhe são atribuídos, pois ele, supostamente, seria naturalmente mais apto para as assumir, enquanto mulheres, por serem julgadas como mais emocionais do que práticas, precisam ocupar posições mais baixas. (Laqueur, 2001) Para Laqueur (2001), até o século XIX não havia uma separação entre dois gêneros, masculino e feminino, era como se existisse o homem, sexo único e sobre a mulher incidia uma ideia de homem incompleto, imperfeito. Não eram reconhecidas como um ser efetivamente.

Segundo Laqueur (2001), sendo considerada biologicamente inferior, a parte social da vida da mulher também era atingida. Por um longo tempo a mulher foi também classificada como “cidadã de segunda classe”, um ser sem capacidade de participar da vida pública, sendo-lhe reservado somente o lar. Essa lógica que colocava os gêneros em uma hierarquia era a mesma utilizada para hierarquizar as raças e separar os direitos e deveres das pessoas considerando a sua cor de pele.

Segundo Teles (1999), com o passar dos anos modificações significativas

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suficientes para extinguir com a ocupação de esposa, mãe e dona de casa. Pelo contrário, novas funções foram acrescentadas, como a de trabalhadora e símbolo sexual.

É necessária e deveria ser frequente a discussão crítica sobre essas relações de gênero, em casa, nas empresas, nos grupos de amigos e na escola. Porém, existe uma grande dificuldade em abrir mão dos conceitos tradicionais dos quais se tem conhecimento e a única manifestação sobre a questão acaba sendo por meio de piadas e sátiras. Essas costumam estar presentes nos mais diversos canais de comunicação e acabam por se tornar “verdades”, ou ao menos podem influenciar grande número de expectadores a terem uma visão negativa ou fechada do tema.

Simone de Beauvoir, em seu livro O Segundo Sexo (1980, p.9), afirma que “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, partindo do pressuposto de que o nosso gênero, de que o ser mulher, não seja definido por um destino biológico de fêmea, e sim pela construção social a que somos expostas desde antes do nascimento. Beauvoir constrói essa ideia considerando suas experiências pessoais da época em que começara a escrever, já contrariando o destino feminino pré-estabelecido, formado por apenas duas opções: casamento ou convento. A filósofa usa disso para refutar a ideia determinista da época que usava as condições biológicas como justificativa para a desigualdade entre gêneros e, consequentemente, a inferiorização da mulher.

O homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem. […] A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não este em relação a ela. […] O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. (BEAUVOIR, 1949, p. 16)

Nascer mulher deveria significar apenas a existência, sem uma ligação estereotipada e pré-estabelecida sobre o que virá a ser a nossa essência. Cada indivíduo é dotado de uma personalidade única e particular e apesar de que não seja possível fugir de algumas influências sociais, é errado descarregarmos uma lista pronta de deveres e obrigações a serem cumpridos porque simplesmente alguém nasceu homem ou nasceu mulher. Como existencialista, Simone de Beauvoir acreditava que a existência precedia a essência, de modo que não se nasce mulher, a nossa existência não nos afirma como mulher, mas antes, a vivência torna-nos Mulher pelas nossas obrigações. Ou seja, nos tornamos homem ou mulher, portadores das características atribuídas ao feminino ou masculino através da construção social a que somos impostos. Essas características não são intrínsecas.

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2.1 O Feminino no Espaço Midiático

A relações de gênero se evidenciam em diversos âmbitos da sociedade, em questões de trabalho, de comportamento e outras. No meio midiático essa diferenciação entre o que representa ser um homem e ser uma mulher também aparecem. Os arquétipos de masculino e feminino incidem fortemente sobre o modo como uma sociedade e as relações nela presentes se constroem, por exemplo, o arquétipo masculino é representado pelo guerreiro, que adequado ao contexto vivido representa que o homem desde criança precisa ser forte, destemido, ter autoridade. Enquanto ao feminino é atribuído delicadeza e submissão. Logo, as determinações atribuídas ao gênero ao qual você é designado antes de nascer, irão lhe acompanhar pelo resto da vida e definir qual o seu lugar. (CRUZ, 2008) Por muito tempo não houveram discussões ou algum tipo de manifestação contrária ao quadro apresentado acima, pois não havia, na época, a mínima possibilidade de uma mulher poder questionar o que fora instituído “naturalmente” na sociedade em questão. Esse domínio masculino e falta de voz das mulheres se refletiu em diversos aspectos, o aqui estudado são as propagandas que por décadas apenas retrataram a mulher de maneira extremamente submissa ao homem ou somente como a responsável pela casa e cuidado com o marido e filhos. Recebendo a exigência de sempre estar arrumada, sem reclamações e sem qualquer questão que dissesse respeito aos seus desejos ou opiniões.

A questão da dominação masculina faz parte de uma construção social que enxerga o mundo como feito por e para homens, o que reforça e perpetua as formas de opressão relacionadas a gênero. Conforme o tempo fora passando, os comerciais acabaram focando ainda mais no objetivo de alcançar e agradar o público masculino, apresentando a mulher não só como submissa, mas também as sexualizando. As propagandas de cerveja, por exemplo, são a maior fonte para análise disso: as personagens são apresentadas majoritariamente com roupas minúsculas, pouca ou nenhuma fala e atuando de modo a instigar os homens que assistem.

A mídia não se restringe a ser um meio de entretenimento, mas também uma fonte de difusão de ideologias e influência sobre as massas, e trabalham com a certeza de que irão vender os produtos e ideias que oferecem, que vão desde as previsões climáticas até o modo de agir e pensar. As notícias e os comerciais não são simples informativos para a população, são produtos de uma cultura e ocupam funções bem definidas dentro de uma sociedade. Assim, a produção publicitária delimita enquadramentos e perspectivas de

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quem cria a mensagem, construindo representações sociais a partir do modo como vendem seus produtos. (Moscovici, 1978)

Para Moscovici (1978), o conceito de representação social é entendido como uma massa de conceitos, atitudes, avaliações, imagens e explicações destinadas à interpretação e à construção da realidade. A representação está intimamente ligada ao sistema de classificação e denotação. Quando se estabelece classificações, naturalmente, não se impõe somente fatos, como também, valores positivos ou negativos que assumem lugares determinados em uma escala hierarquizante.

A identidade feminina foi legitimada no espaço midiático/publicitário baseada nos estereótipos construídos ao longo do tempo: primeiramente, aparecia somente submissa ao marido, por vezes até apanhando do mesmo com um sorriso no rosto. Ou então, servindo como um objeto para impulsionar a venda de produtos destinados ao público masculino. (MOSCOVICI, 1978)

Com o passar do tempo, através das lutas dos movimentos em defesa dos direitos femininos, a mulher foi conquistando seu espaço e independência, já trabalha fora de casa e pode consumir por sua conta própria, o que torna interessante a oferta de produtos voltados a esse público. A questão é que os comerciais, mesmo que focados no público feminino, ainda continuam retratando a mulher com base nos mesmos conceitos antigos e seguem restringindo suas propagandas envolvendo mulheres a produtos destinados a casa (eletrodomésticos, materiais de limpeza, etc).

O Movimento Feminista, que se iniciou por conta de questões trabalhistas e busca de direitos, é um dos responsáveis por tentar mudar esses conceitos que são automaticamente relacionados à mulher, nesse caso, do âmbito midiático.

2.2 Movimento Feminista

A opressão sexual contra as mulheres sempre foi algo escancarado, apoiado e reforçado sem questionamentos, porém, no último século, através das pessoas que não compactuavam com essa situação, surge o Movimento Feminista, onde mulheres defendem suas ideias e buscam igualdade, fator que o machismo enraizado pela sociedade patriarcal não permite. É importante enfatizar que o Feminismo só surgiu pela necessidade de reaver os direitos das mulheres sobre seu corpo e sua vida, considerando que o machismo é enraizado de tal forma que chega a ser tratado como algo natural. Os “machos” são ensinados sempre a manter o domínio sobre as “fêmeas” por estas,

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supostamente, serem frágeis e incapazes de se manterem socialmente. (BEAUVOIR, 1980)

Para Rousseau apud Perereira (2006, p.462-463), “Todo homem nasce bom e a sociedade o corrompe”, sendo assim, ao nascermos dotados de capacidade intelectual, recebemos diversas informações que nos auxiliam na formação de nossa personalidade e caráter. Boa parte dessas informações são de cunho social e orientam a vida em comunidade passando de pai para filho, em diversas gerações, percorrendo séculos sem que ninguém as questione e acabem por se tornar verdades que não se adaptam às mudanças da sociedade.

Nesse sentido, cabe atentar para o fenômeno da Construção Social, que dita, conforme as verdades do período em que se vive, a maneira como as pessoas devem agir e conduzir suas vidas. Por exemplo, é pela construção social que aprendemos que a mulher deve vestir-se de maneira feminina, ser “dócil” e responsável pelo cuidado dentro de seu lar, enquanto o homem por sua vez, deve ser forte e prover o sustento da casa. Hoje é possível olhar para esse quadro e perceber a forte incidência de estereótipos, porém não há como negar que isso é enraizado de maneira quase inconsciente em nossas vidas. (BEAUVOIR, 1980)

A Análise do Discurso (AD) permite realizar uma análise aprofundada dos pontos formadores dos discursos machistas vistos normalmente. Em sua maioria, são compostos por Formações Discursivas heterogêneas, que criam o seu sentido e revelam as ideologias ali presentes. Alguns possuem Formações Discursivas opostas: elogiam algum aspecto feminino, mas em seguida as rebaixam ou, em alguns anúncios, por exemplo, elevam as qualidades do produto vendido, mas trazem a imagem feminina apenas como um modo de vender aquele produto mais facilmente.

3 ANÁLISE DISCURSIVA DE PROPOGANDAS: MUDANÇAS NA

REPRESENTAÇÃO MIDIÁTICA DA MULHER

A análise discursiva será realizada com base na vertente da Análise do Discurso Francesa, considerando as noções de ideologia, assujeitamento e Formações Discursivas. Serão seis figuras publicitárias analisadas, entre elas, propagandas de cerveja, de automóveis, de marcas de cigarros, roupas e, por fim, um comercial de uma marca de absorventes.

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O cartaz abaixo é um Anúncio da cerveja Antártica, de 1907. Uma mulher, em roupas muito ousadas para a época, aparece protagonizando o banner. Considerando que no ano de 1907 as mulheres não possuíam praticamente nenhum direito e precisavam ser extremamente submissas aos maridos, o público alvo da propaganda fica claro. Levando em conta também o conservadorismo da época, o intuito da propaganda é, além de vender cereja, provocar os desejos masculinos pelo que eles mesmos considerariam vulgar se fosse feito, por exemplo, pelas suas esposas.

Figura 1- Comercial Antárctica, 1907.4

O machismo aqui presente pode ser entendido de acordo com a formação ideológica da época: uma mulher em roupas ousadas em uma propaganda de cerveja não é um problema e sim, belo. Porém, uma mulher com as mesmas vestes em seu dia a dia, seria considerada vulgar, e se fosse casada, sem dúvidas, seria vista como alguém que não respeita seu marido. Cabe ainda considerar as Formações Discursivas (FD) presentes na imagem, pois ora uma mulher aparece em vestes totalmente diferentes das características da época, o que poderia ser considerado como revolucionário, ora essa ação faz com que a mesma seja sexualizada e

4 Comercial da Antártica, 1907. Fonte:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto- alegre/noticia/2015/03/debate-sobre-a-imagem-da-mulher-nas-propagandas-mobiliza-cada-vez-mais-gente-4713742.html

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utilizada como objeto de oferta de um produto. Logo, temos a presença de duas Formações Discursivas em oposição.

Essa propaganda nos traz a referência de que estamos há mais de um século vendo a publicidade sexualizar a mulher em nome da venda de produtos destinados para o público masculino.

3.2 CIGARRILHAS TIPALET

A segunda propaganda analisada é de 1969, referente às Cigarrilhas Tipalet, e tem como título: “Uma fumante passiva”. Começamos pelo fato de que nesta época o cigarro era visto como um hábito comum da maioria das pessoas, sem que ninguém lembrasse ou se importasse com os seus malefícios à saúde. Fumar era, inclusive, bonito e poderia ser feito em qualquer lugar: era possível consumir seus cigarros no restaurante, na sala de aula e em repartições públicas.

O hábito de fumar chegava a ser associado a charme, poder, beleza e sensualidade. Os artistas de filmes, inclusive, recebiam pagamentos maiores para que fumassem em suas atuações e, consequentemente, induziam seus fãs ao vício. A princípio, as propagandas de cigarro visavam o público masculino (assim como muitas outras) e a mulher aparecia somente como um mero objeto de desejo ao lado do produto. Tanto que para uma mulher daquela época, fumar chegava a ser uma tentativa de igualar seus direitos aos do homem, por mais que estivesse, na verdade, se prejudicando. (BEAUMORD e BONA, 2010)

Figura 2: Banner propagandas das Ciagarrilhas Tipalet- 19695

5 Banner propagandas das Ciagarrilhas Tipalet- 1969. Fonte:

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A propaganda em questão traz a seguinte frase “Assopre a fumaça na cara e ela vai acompanhar você em qualquer lugar”. Pode-se observar que o comercial tenta vender o produto como uma forma de manter as mulheres por perto, isso se confirma pela escolha lexical utilizada em “ela vai acompanhar você em qualquer lugar”, como se fosse algo viciante, que as mantivesse ao seu lado. Porém, pelo viés das regras de etiqueta e de nossas convenções sociais, soprar a fumaça -que não possui odor agradável- no rosto de outra pessoa, é considerado falta de educação, assim podemos também interpretar que o comercial sugere que as mulheres gostam desse tipo de atitude desagradável e humilhante, que elas aceitam isso e ainda apaixonam-se pelo autor. Sempre reforçando a submissão feminina.

O banner apresentado nos traz duas Formações Discursivas distintas, mas em aliança, a primeira faz referência ao poder que aquela marca de cigarro pode lhe oferecer e a segunda, de cunho machista, que continua a representar a mulher como um ser submisso e incapaz de assumir uma postura mais firme ou qualquer outra que não seja simplesmente seguir o homem.

4.3 VOLKSWAGEN

Os comerciais de automóveis também foram um meio midiático onde as mulheres sempre apareceram de maneira depreciativa. Muitos desses anúncios não utilizavam a erotização de seus corpos, porém subestimavam a capacidade feminina de dirigir um automóvel. A publicidade a seguir é do carro Fusca, da marca Volkswagen:

Figura 3: Propaganda Volkswagen, 1969.6

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O enunciado principal afirma: “Mais cedo ou mais tarde sua esposa vai dirigir. Esta é uma das razões para você possuir um Volkswagen” A frase apresenta duas Formações Discursivas heterogêneas. A primeira faz referência à resistência e qualidade do carro, enquanto a segunda deixa clara a ideia de que é impossível que uma mulher possa dirigir um automóvel de maneira correta. Mesmo que existam muitas motoristas, mesmo que os homens também se envolvam em acidentes, se a pessoa que estiver atrás do volante for uma mulher, um acidente acontecerá. O anúncio trata o gênero como um fator crucial para saber quem irá estragá-lo.

Existe ainda uma relação de oposição no anúncio, quando se fala “Mais cedo ou mais tarde sua mulher vai dirigir...” neste momento, é apresentado como possível que a mulher realize uma tarefa associada somente ao masculino. A oposição acontece quando o anúncio afirma, através da linguagem não verbal, com a imagem de um carro batido, que a mulher não irá dirigir corretamente.

A frase em evidência no anúncio é caracterizada pela opacidade, quando deixa implícito que pode vir a acontecer um acidente, uma batida, algum tipo de dano ao veículo. Porém, ela não diz isso diretamente. Conseguimos compreender a mensagem ainda nos dias atuais por conta de todo o mito de que a mulher é menos capaz, de que não possui habilidade com automóveis, e até mesmo o ditado “mulher no volante, perigo constante”. Todos esses estereótipos surgiram, mais uma vez, por conta da inserção da mulher em âmbitos que desde sempre foram destinados somente ao público masculino.

Para que possamos compreender, mais uma vez, o que o anúncio diz de maneira opaca, é necessário perceber as ideologias que ali incidem, no caso, ideologias que

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estereotipam a mulher. Essas ideologias se materializam em crenças, valores, modo de pensar e viver de um grupo ou sociedade específica. Pode-se afirmar que a ideologia é diretamente ligada à linguagem e inerente à realidade. Logo, não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos (ORLANDI, 2010).

Os homens possuíram direito a tudo muito tempo antes das mulheres e isso acaba por confundir questões que envolvem apenas treino e habilidade com questões biológicas, pois pelo discurso que se tem, as mulheres seriam incapazes de pilotar um automóvel com êxito, pois essa é uma atividade restrita ao homem. Como se o gênero fosse o que define o controle ou a falta dele sobre um veículo.

Nas letras miúdas da propaganda, existem várias dicas de como resolver os problemas caso sua esposa utilize o carro. As dicas vão desde a questão de valores e custos para o conserto do automóvel, até indicações de como resolver os problemas sozinho, reforçando o estereótipo.

3.4 CERVEJA ITAIPAVA

Como dito anteriormente, as marcas de cerveja, desde tempos remotos, se utilizam da sexualização feminina para vender o seu produto. Em um contexto atual, se tem o exemplo da marca brasileira Itaipava, que criou uma personagem para protagonizar seus anúncios. “Verão” como é chamada – um aumentativo do nome Vera e uma referência à estação mais quente do ano. A personagem “Verão”, interpretada por uma modelo, normalmente aparece seminua e em enquadramentos de câmera que buscam direcionar a atenção de quem assiste para as partes vistas como mais sensuais do corpo, como seios e quadril.

Figura 4: Cerveja Itaipava 2015 7

7Fonte: https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2015/06/conar-pede-retirada-de-pecas-publicitarias-da-itaipava-por-muito-apelo-sensualidade.html

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O banner acima é do ano de 2015. A modelo aparece em trajes de banho, em um ambiente de praia e segurando as duas variações da cerveja, uma de 300ml e outra de 350ml. A questão é que nos seios da modelo também aparece uma medida, que é acompanhada do slogan “Faça a sua escolha”.

A escolha de colocar a medida dos seios da modelo do mesmo modo que as medidas das latas de cerveja, nos permite perceber os efeitos de sentido empregados na propaganda. Como afirma Possenti (2009, p. 134), “o sentido, não é apenas a contraparte do significante: ele é um efeito do significante em condições dadas”, ou seja, o efeito de sentido da propaganda iguala a mulher a um produto que pode ser acessível e consumido por todos.

No canto direito do cartaz também aparece a hashtag “Verão é nosso”, que gera duas possibilidades de interpretação: está falando sobre a estação verão ou sobre a personagem, novamente como se ela fosse um produto pertencente a um grupo.

3.5 TARGET AUSTRALIANA

Em contrapartida, atualmente tem surgido algumas propagandas que visam valorização da mulher, superando a ideia de que somente a sexualização e inferiorização feminina servem para a criação do marketing. Um exemplo disso é a campanha, também do ano de 2015, da loja Australiana Target:

Figura 5: Cartaz da Loja Target Australiana8

8 Fonte: https://catracalivre.com.br/estilo/loja-australiana-faz-sucesso-ao-abracar-diversidade-da-beleza-em-campanha/

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A imagem escolhida é uma das presentes no catálogo que tem por título: “Every

Body”, em português, Todos os Corpos. A imagem, diferente da maioria das propagandas

que trazem mulheres, não apresenta apenas modelos que estão dentro do padrão de corpo imposto pela sociedade (leia-se: seios volumosos, extremamente magras e com maquiagens fortes).

O discurso presente nessa publicidade atrela linguagem verbal e não verbal com a intenção de mostrar que todos os corpos existem e que não é por estar fora do padrão considerado ideal que uma mulher deixa de ter a sua beleza. Outro ponto, é a questão de que muitas mulheres nunca se imaginariam em um anúncio publicitário justamente por não terem o corpo perfeito exigido pelas revistas. Um comercial do tipo gera representatividade, as leitoras e espectadoras se enxergam nas modelos reais ali apresentadas. Tem um papel social relacionado a auto estima muito importante.

A formação discursiva presente no anúncio traz questões de representatividade, colocando em evidência os sujeitos que antes eram excluídos por não corresponderem à outra ideologia de que o corpo considerado como perfeito era o único que poderia estampar uma capa de revista.

3.6 ALWAYS

A marca de absorventes Always criou um comercial que procura valorizar o modo como as mulheres realizam as mais diversas atividades, superando o estereótipo de que fazer algo “como uma garota” é sinônimo de fazer mal. O comercial se chama “Like a Girl” e foi lançado em 2014.

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Figura 7: Always #LikeAGirl ⁹

O comercial inicia solicitando que os participantes (homens, mulheres e crianças) façam algumas atividades “Like a Girl”, do modo como eles acham que uma menina as faria. Todos desempenham as ações de maneira desengonçada, fingindo ter dificuldades. Uma das ações pede para que seja simulado o modo como uma menina agiria em uma briga e a atuação acaba girando em torno de gritos histéricos e puxões de cabelo desengonçados.

As formações discursivas presentes no comercial sustentam diversos tipos de ideologias relacionados à mulher: ideologia machista, ideologia de que a mulher é fraca, ideologia de que a mulher é incapaz.

Por outro lado, na segunda parte do vídeo, a formação discursiva presente busca superar os estereótipos antes apresentados: são colocadas meninas bastante confiantes para realizar as mesmas atividades e aí, então, elas mostram tudo o que são capazes. Realizam todas as ações solicitadas com atitude, autonomia e de uma maneira que a conjuntura machista em que vivemos considera impossível.

A propaganda nos propõe uma reflexão: por que fazer algo “como uma menina” é considerado uma crítica? Isso foi enraizado em nossa cultura. Cabe aqui a questão do sujeito, das posições de sujeito e assujeitamento, somos interpelados por esse discurso e acabamos por acreditar que ele é produzido particularmente por nós. O comercial busca mudar essa ideia, trazer a questão de que sim, mulheres são seres capazes e que fazer algo “como uma garota” deveria designar somente que algo foi realizado por alguém do sexo feminino e não que fora mal feito.

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O presente artigo buscou estabelecer uma linha de tempo sobre a questão da representação da mulher nos meios midiáticos publicitários. Utilizando a Análise do Discurso é possível analisar, de maneira mais aprofundada, o modo como o sujeito é apresentado e quais são as relações entre a propaganda, o gênero feminino e todos os fatores externos e sociais que podem incidir sobre o mesmo.

Verifica-se, portanto, que a mulher sempre esteve à sombra do homem na sociedade, considerada inferior, incapaz e não merecedora dos direitos que pertencem desde os primórdios aos homens, Isso marca uma posição sujeito, atrelada a uma Formação Discursiva. Sabe-se que esses direitos lhes foram atribuídos desde o nascimento. Esse quadro se reflete em muitas esferas, como na questão do trabalho, da compra de bens, das funções designadas dentro de casa, do modo de se comportar e, do objeto deste estudo: a publicidade.

Na maioria das mulheres assumem uma posição de sujeito inferior, humilhada, sexualizada e, principalmente, sendo postas sempre como extremamente pacíficas sobre qualquer ação do homem, ações estas, que vão desde o desrespeito verbal, até agressões físicas. Durante a análise das propagandas fica clara a percepção de que nunca houve a valorização da mulher. Ora as propagadas utilizavam-se da figura feminina apenas como um atrativo para a venda do produto ao público masculino, ora a própria mulher era o produto.

Por mais de um século, essa fora a realidade da mulher dentro do marketing. As propagandas de cerveja são responsáveis pela maior propagação, sendo que, é onde evidenciamos o uso maior da figura feminina. Nos dias atuais, com a influência do feminismo e da reivindicação por direitos e respeito às mulheres, a população não tem aceito esse tipo de comercial tão facilmente. As marcas que se utilizam da figura feminina de forma humilhante ou machista vêm sendo repreendidas e precisam, inclusive, responder juridicamente por suas ações.

Ainda que sejam tomadas providências sérias e que vários grupos estejam pensado criticamente sobre a questão publicitária, os comerciais ofensivos continuam existindo, algumas vezes de forma irônica, outras tentando não explicitar o pensamento machista. Isso se deve ao fato que muitos não consideram a problematização do uso da figura feminina, algo relevante. Afinal, durante tantos anos, foi desse modo usado, ignorando que em tempos remotos, as mulheres não possuíam direito algum de reivindicar o que as incomodava. Além do fato de que, o machismo é enraizado de tal maneira, que faz as próprias mulheres não perceberem as humilhações às quais já estiveram expostas.

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A Análise do Discurso permitiu visualizar as diversas Formações Discursivas que sustentam os discursos analisados, que, em grande maioria, são compostos por ideologias machistas, de opressão e que rebaixam a mulher e suas habilidades em qualquer área. Os efeitos de sentido nesses anúncios direcionam para uma construção machista, onde a posição sujeito assumida pela figura feminina é humilhada, sexualizada ou vendida como um produto. De fato, os conceitos advindos da AD são de fundamental importância para a pesquisa da língua, pois tornam possível uma nova interpretação sobre a intencionalidade midiática no momento da criação de seus anúncios.

Atualmente, alguns comerciais têm surgido com o objetivo de superar esse histórico. Esses comerciais mostram mulheres fora dos padrões impostos socialmente, por vezes, oferecendo produtos para as próprias figuras representativas, valorizando assim, o trabalho realizado pelas mulheres. O ramo publicitário busca, ainda, modificar a ideia de que uma mulher não pode dirigir, ingerir bebida alcoólica ou trabalhar nas funções normalmente associadas ao público masculino.

Em vista disso, verifica-se que os comerciais produzidos e vinculados atualmente, estão direcionados para dar o devido valor, atenção e respeito à figura feminina, por isso, estão chamando a atenção, ao abrir os olhos do público para a questão da equidade de gênero e empoderamento feminino. Porém, essas produções aparecem em escala muito menor que os comerciais tradicionais.

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