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A alteridade é a característica de ser outro. É ser outro enquanto outro, fora das razões do Mesmo.

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A ÉTICA DA ALTERIDADE COMO FUNDAMENTO DO HUMANISMO LATINO

COSTA, E. F.

(CPGD/UFSC/CAPES) quetzal.coatl@hotmail.com

1. INTRODUÇÃO

A globalização e o neoliberalismo, ligados às transformações econômicas e ao progresso técnico e científico, apontam para um processo de expansão e de uniformização política e econômica, estendendo-se ao nível cultural. Esse processo de massificação é expressão da totalidade e do individualismo, características marcantes do nosso tempo.

Ante essa realidade inquestionável, urge a revalorização do sentido ético do Humano e o respeito às diferenças culturais como premissas necessárias de um modelo de sociabilidade assentado na pluralidade, fraternidade e paz.

É só a partir do reconhecimento do Outro em sua irredutível diferença – o sentido ético da alteridade por excelência – que se pode pensar em uma ética política intercultural que, sem a intenção de substituir a pluralidade das culturas e das mais diversas crenças, realize a conversão sobre alguns princípios gerais capazes de orientar o agir político e o comportamento humano no fim de construir um mundo mais justo e solidário.

A partir dessa orientação, o presente ensaio será desenvolvido no fim de buscar uma fundamentação do humanismo latino a partir da ética da alteridade. Neste ínterim, o referencial teórico utilizado é o sentido ético da alteridade assentado no pensamento de Emmanuel Levinas1.

1. A ÉTICA DA ALTERIDADE

A alteridade é a característica de ser outro. É ser outro enquanto outro, fora das razões do Mesmo.

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Esse conceito, de origem na palavra latina alter – ‘o outro’, expressa a idéia do conceito de indivíduo segundo o qual os outros seres são distintos do ego. Embora praticamente impossível definir com precisão o termo ‘outro’, ele pode ser definido em seu sentido positivo, isto é o outro como absolutamente outro e não como simples negação do mesmo.

Não obstante o fato de Hegel ter sido o primeiro filósofo a mostrar o aspecto positivo do termo, é em Emmanuel Levinas que a expressão assume um sentido mais radical e melhor representa o sentido ético da alteridade, tal como compreendido nos dias atuais.

Neste sentido, incumbe considerar o termo à luz do pensamento levinasiano.

2. O SENTIDO ÉTICO DA ALTERIDADE EM LEVINAS

Levinas elaborou uma crítica radical da modernidade, propondo a superação do pensamento totalizante que a caracteriza.

A sua crítica constitui uma denúncia da egologia e da idéia de totalidade, as duas coordenadas teóricas que levaram ao menosprezo da alteridade e do próprio infinito. Para o autor, todo o pensamento ocidental, em sua tentativa de compreender o ser e o divino, inscreveu o Humano dentro dos limites de uma ontologia que representa uma filosofia da violência e da guerra.

Nessa perspectiva, Levinas desenvolveu uma concepção que não visa mais fundamentar a ética precisamente porque, ao seu ver, a própria ética é o fundamento da experiência humana. Esse preceito ético provém do primado absoluto do outro; ele alcança da face do indigente, do pobre, do estrangeiro, da viúva, símbolos viventes da alteridade. A partir dessa orientação, o autor redescobre o rosto de todos os indivíduos que não vêem reconhecida a sua dignidade em um tipo de sociabilidade voltada apenas ao funcional e ao útil.

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O pensamento de Levinas se desenvolve a partir do método fenomenológico, do qual acolhe o sentido da abertura fenomenológica ao real.

Para a fenomenologia, só a subjetividade no nível transcendental, cognoscente, é o meio para esclarecer a origem das representações. Sendo assim, os fenômenos só têm sentido na consciência do sujeito, isto é, não são mais que noções na medida em que elas aparecem ao sujeito. Essa posição, segundo Levinas, conduz ao aprisionamento do humano e do mundo dentro dos limites da consciência do sujeito.

Contra essa orientação, o filósofo francês reivindica uma volta às coisas mesmas, uma experiência mais que original que possa sustentar a própria fundamentação do conhecimento humano, a experiência por excelência, relação com o infinito, acolhimento da alteridade no rosto de outrem (LEVINAS, 2005).

Nessa perspectiva, o Rosto, como olhar e palavra, não aparece simplesmente como algo a receber significado. A consciência sai de si e transmuta-se para o apelo ético do primado da face do outro, como exterioridade por excelência.

Trata-se de uma saída do domínio da consciência ativa em vista do encontro com a alteridade representada na face de outrem. É a partir desse entendimento que surge uma orientação metafenomenológica.

A metafenomenologia constitui, pois, um transcendental ético, o encontro com a alteridade de outrem, como algo que é exterior ao ‘eu’, à consciência. É o reconhecimento do outro enquanto absolutamente outro, o que é extranho e transcende os limites do saber e querer da consciência do sujeito.

2.2. META-ONTOLOGIA

Outra grande influência no pensamento levinasiano é a ontologia de Martin Heidegger; Levinas constrói em grande parte sua obra em contraposição à filosofia heideggeriana.

A crítica à ontologia de Heidegger, apesar de bastante contundente, não demonstra o escopo de menosprezar sua teoria, mas ao contrário, a leva a sério e estabelece com ela uma relação de disputa contínua.

Para Heidegger, o ser humano é um ser de relações e, nesse sentido, toda a sua essência só pode ser apreendida a partir de sua própria existência. Neste sentido, o filósofo alemão empreende todo o seu esforço em pensar a subjetividade em função do ser.

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Através dessa perspectiva, o humano, a subjetividade é uma modalidade do ser em seu plano abarcante e totalizante. O ente está à luz do ser enquanto generalidade e, assim, todo o homem é ontologia. É em meio a essa generalidade que se estabelece a relação com o individual.

Essa posição de generalidade e universalidade conduz o ente ao ser numa posição de poder para si mesmo. O sujeito passa a coincidir com a origem do ser e se coloca por trás do seu próprio movimento de auto-explicação. Sob essa dimensão, o sujeito passa a ver e compreender o ‘ser em geral’ a partir de sua própria subjetividade.

Nestes termos, Levinas propõe uma inversão de sentido em que a posição egoísta da ontologia heideggeriana, segundo a qual o sujeito soberano pode o impossível, seja transformada por uma limitação radical da liberdade em vista da assignação da subjetividade à alteridade despertada por outrem.

Para Levinas, a posição heideggeriana é anti-humanista e gera um esvaziamento da singularidade e da alteridade do humano em função da precedência da verdade do ser. O ‘ser-com-outrem’ heideggeriano é um simples momento de presença no mundo, um ‘ser-aí’, ‘estar ao lado...’ (PELIZZOLI, 2002).

O ‘ser aí’ é um ser no mundo, a sua essência é a sua existência. Essa referência à existência, preocupada com o ser em geral não alcança a face do existente (LEVINAS, 1998). O encontro entre o ente e o ser como uma filosofia do sujeito, faz do ser um poder para si mesmo.

É a partir dessa orientação que surge a necessidade de uma meta-ontologia que possa ir bem além da hegemonização do ser como Mesmo e contemple o Outro, uma filosofia crítica, uma ‘sabedoria do amor’ que não seja o simples sinônimo de uma ontologia em que o ser toma lugar privilegiado no pensamento.

2.3. CRÍTICA AO PENSAMENTO OCIDENTAL E A DIALÉTICA DO MESMO E DO OUTRO

O desejo de ruptura com a tradição do pensamento greco-ocidental é uma característica marcante na obra levinasiana.

Segundo Levinas, toda a filosofia ocidental não passou de uma ontologia, uma redução do Outro ao Mesmo. Sob esse viés, estabeleceu uma postura crítica do

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modelo de racionalidade ora vigente e propôs um novo caminho dentro da filosofia e da ética, de modo a conceber a crise do Humano da civilização contemporânea.

A filosofia já nasceu como egologia com a maiêutica socrática (o conhecimento em mim). Desde então, sua história atesta a incessante tentativa de compreender o si e o ser sob o enfoque da metafísica. Isso tudo levou ao ‘ter-ser-em-seu-poder’ (PELIZZOLI, 2002). Infere-se disso a prática de domínio da realidade/verdade, em que a liberdade e a autonomia do sujeito ocultam a transcendência de outrem. Como consequência, o discurso filosófico não vislumbrou o outro enquanto absolutamente outro e se resumiu à compreensão do outro como ‘outro eu’, isto é a compreensão do outro a partir de minha própria ipseidade.

É visível, sob esse aspecto, a exterilidade do pensamento ocidental através da subsunção da alteridade em nome do Mesmo, do Eu, o eu mesmo da representação e da egologia. Toda a pluralidade do mundo da vida é reduzida à consciência do sujeito que vê o mundo e o ser segundo sua própria essência/existência.

O outro é outro enquanto ‘outro eu’. Nesta condição, eu não vejo o outro além de mim mesmo, dos meus próprios problemas, da minha própria identidade. O outro só é visto como alguém em sentido negativo: o que não é eu, o ‘outro eu’. É o domínio do outro sob a consciência do Eu.

Por conseguinte, a realidade do Eu como poder do Mesmo conduziu as relações humanas a uma prática de objetificação e domínio através de inúmeros meios, atingindo a singularidade e a alteridade. Assim, a ontologia e sua conversão do ser em ter e poder edificou uma obra de totalização. O Eu impõe sua verdade ao Outro como absoluta.

2.4. O INFINITO CONTRA A TOTALIDADE

A idéia de infinito, oposta à de totalidade, é uma das principais características da obra levinasiana. É através dessa relação que o autor define a sua postura crítica ao processo do Mesmo, da totalização, pelo saber e poder.

O infinito, sob esse viés, é abordado como exterioridade, como aquilo que vem de fora e ultrapassa o limite da consciência do Mesmo. Assim, a idéia do infinito obriga o sujeito a pensar além das suas possibilidades, a pensar de-mais. É exatamente a

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última idéia possível, o momento em que o pensamento embate e se depara com suas próprias fronteiras, sua insuficiência, seus limites.

A totalidade é o produto da totalização, obra da razão e do Mesmo, que se desenvolvem e ocultam a exterioridade e todo o transcendente em uma unidade. É tudo no todo, tudo no Um, a multiplicidade na unidade.

Sob essa perspectiva, Levinas propõe a idéia de Infinito como a ruptura e o limite da totalização, o encontro com o rosto do todo outro, a alteridade como revelaçãodo extranho e a abertura do sentido ético por excelência.

Trata-se de fazer nascer no sujeito o encontro com o não-eu, com Outrem enquanto absolutamente outro e fora das razões do Mesmo. Tal encontro desperta a concretudo do outro homem, o outro ser humano, não redutível à consciência do Mesmo.

O sujeito, em contato com o acontecimento do Infinito, é tocado intimamente e se vê confrontado em sua própria subjetividade com o que transcende o seu pensar. Essa abertura lhe permite transbordar os limites do saber e poder e o aproxima da exterioridade, da transcendência e experiência como tais.

O infinito desponta, pois, como aquilo que aborda o que se ignora, o que vem de fora e é colocado ao sujeito, sem que essa exterioridade possa integrar ao Mesmo.

Infere-se dessa relação o surgimento de uma consciência ética, uma nova relação social em que a face do outro se impõe ao Eu e questiona sua atividade e poder. O infinito revela-se e rompe com a subjetividade enquanto sinônimo de totalização e desperta o dom de acolhimento ao outro, a hospitalidade, o sentido ético por excelência.

Essa reviravolta de sentido reconhece a necessidade de um outro que é Outrem, que não é um amigo nem um inimigo, mas é um outro enquanto outro. Isso denota uma relação de moralidade como perspectiva de convivência em pluralidade, sentimento de insaciável compaixão, num sentido espiritual e ético de amor como expressão da fraternidade e responsabilidade.

2.5. A SUBJETIVIDADE E O ROSTO

A concepção de rosto na filosofia leviansiana assinala a maneira pela qual o Outro se apresenta, ultrapassando a idéia do outro em mim.

O rosto marca o sentido primeiro da subjetividade em confluência com a alteridade, abrindo o novo sentido ético no plano ontológico. Ele evidencia um

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acontecimento – traumatismo – já demandado pelo desejo e idéia do Infinito, o econtro do sujeito com a transcendência da presença de outrem.

A noção de rosto exprime a anterioridade filosófica do ente sobre o ser, uma exterioridade que não remete ao poder, nem a posse; ela coduz ao acolhimento do Infinito, abrindo o encontro para além do campo da visão.

Segundo essa orientação, Levinas critica toda a filosofia ocidental e, em especial, a ontologia heideggeriana. Em Heidegger, há a noção de ser que não é um ser, que não é um algo, que não é alguém. Essa visão não permite alcançar a face, o rosto de outrem, o sentido ético da alteridade.

Através da compreensão da presença do rosto, surge um abalo na autonomia do sujeito e sua vontade de saber e poder. A face impõe-se ao Eu questionando sua consciência. Tal orientação torna possível desagregar o egoísmo do Eu e redescobrir o rosto de cada oprimido, cada excluído e todos os que não vêem reconhecida a sua dignidade no modelo de sociabilidade então vigente.

Dessa reviravolta de sentido, nasce o sentimento de responsabilidade; ele prefigura um novo sentido do Humano que foge em muito dos limites da consciência do sujeito. O encontro com o rosto de outrem evidencia toda a violência pela fragilidade da nudez humana.

A revelação do rosto do outro introduz uma dimensão de transcendência. O olhar e expressão do rosto despertam a consciência ética do sujeito e o remetem a servir o Outro. Evidencia-se uma saída da solidão egológica e o surgimento de sentimento de fraternidade, sociabilidade e humanidade.

2.6. PLURALIDADE, FRATERNIDADE E PAZ

A pluralidade, fraternidade e paz tomam sentido à medida que a alteridde evoca relações que vão além da relação Eu-Tu. A profundidade da face, que é sempre de um irmão ou uma irmã, implica o reconhecimento da universalidade da família humana.

O outro, que eu vejo e faz nascer em mim a consciência da responsabilidade, indica que eu já não sou responsável só por este outro, mas também pelo próximo, ou seja, cada terceiro possível além daquele que está diante de mim. Isso faz com que eu veja todos os pobres, miseráveis, órfãos, estrangeiros e demais excluídos.

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É através dessa orientação que ecoa o sentido da fraternidade que se abre pela dimensão da sociabilidade como responsabilidade e efetivação da paz entre diferentes. O sujeito já não é apenas um ser para si, mas um ser para todos. Eis o verdadeiro espírito da humanidade.

O sentido universal representa a diversidade na unidade, a aceitação da diferença. O reconhecimento da pluralidade social e o respeito ao Outro em sua irredutível diferença é que me faz humano e fraterno. O respeito à pluralidade conduz à paz.

Sob essa orientação, Levinas denuncia o estado de guerra e violência do mundo moderno. A paz dos impérios é, em verdade, uma forma de ‘violência branca’ (LEVINAS, 2005), uma paz que se sustenta em formas de domínio e conquista cultural, religiosa e política e não na aceitação da diferença do outro enquanto outro, em toda a sua pluralidade.

A paz é condição de uma subjetividade que se transcende, que se abre à exterioridade e à pluralidade, que reconhece o outro em sua irredutível diferença e o respeita como tal.

2.7. ALTERIDADE E JUSTIÇA

A justiça é concebida pelo surgimento do terceiro. Através do rosto de outrem eu posso ver a humanidade em sua multiplicidade, ou seja, cada terceiro, cada outro além daquele que está diante de mim.

A face do indigente, do pobre, da viúva, do estrangeiro, reflete a multiplicidade dos existentes, a generalidade em sua diversidade que clama a minha responsabilidade. A presença do outro desperta o meu senso de responsabilidade não só em relação a esse outro, mas a todos os outros que estão além deste.

Neste ínterim, o terceiro denota uma nova abertura da subjetividade incitando-a a uma responsabilidade com a humanidade. Ele representa o valor da justiça, a idéia da justiça entre os incomparáveis. Surge assim um novo sentido, em que a pluralidade enquanto condição da paz requer a assunção da sociabilidade em sociedade (PELIZZOLI, 2002).

Trata-se de um senso de justiça edificado na bondade, solidariedade como via da fraternidade e da paz, em que o Outro são muitos e a minha responsabilidade reza pela paz entre os muitos. É a justiçã do ‘um-para-o-outro’.

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3. ALTERIDADE E HUMANISMO

O humanismo, como movimento filosófico em prol do humano, surgiu no contexto do Renascimento, período de transição entre a época medieval e moderna.

A característica mais importante desse movimento foi a redescoberta do valor e do sentido do humano como elemento central da convivência social. A questão humana é a questão por excelência, aquela sem a qual qualquer outra perde o seu significado.

Não obstante as mais diversas diferenças entre esse tempo e os dias atuais, os ideais de dignidade e igualdade que orientaram os pensadores renascentistas são exatamente as mesmas exigências da nossa época.

Partindo dos valores da cultura humanista, surge em cada um de nós o dever histórico de repensar as formas de convivência humana e formular a construção de um mundo melhor, uma comunidade mundial efetiva embasada no diálogo, no reconhecimento das diferenças e, sobretudo, no respeito ao sentido ético do Humano e na assunção da responsabilidade pelo Outro como representação da família humana.

3.1. O HUMANISMO LATINO

O humanismo latino não se trata de um humanismo com formulação abstrata e genérica, mas de um conjunto de valores que partem da realidade concreta da América Latina.

Neste sentido, fundamentar o humanismo latino não implica negar outras formas de humanismo, mas ao contrário, reconhecer a pluralidade do mundo e afirmar a identidade cultural latino-americana, outridade historicamente negada, contra a homogeneização/massificação de valores de uma cultura que se faz dominante. Refletir sobre esse aspecto é repensar um ideário para o continente latino-americano que valorize a dignidade da vida humana, a liberdade, a justiça e a autonomia emancipadora.

4. A ÉTICA DA ALTERIDADE COMO FUNDAMENTO DO HUMANISMO

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Na luta cotidiana dos povos latino-americanos por sua dignidade, direitos e justiça, ver-se-á que nem sempre se praticou um humanismo autêntico e emancipador na América Latina. Isso é perceptível desde os tempos da conquista. Já em meados de 1492, ocasião da invasão, fica perfeitamente possível identificar a prática de domínio e barbárie que foi imposta ao povo latino-americano. Desde então, a nossa história não é outra senão de violência, subjugação e negação.

Neste ínterim, urge repensar a afirmação de uma subjetividade latino-americana, não uma subjetividade fechada em si mesma, mas uma subjetividade que se abre à exterioridade. É a partir do reconhecimento dessa subjetividade/identidade, que se caracteriza pela diversidade, que se pode pensar a efetivação da dignidade da pessoa humana, pessoa concreta e histórica.

O ser latino-americano, sempre exposto à injustiça e dominação, requer a efetivação de práticas de emancipação e libertação, a constituição de sujeito de sua própria história. Isso exige o seu reconhecimento enquanto pessoa, ser humano real com direito a viver a vida com dignidade.

Diante do mundo totalitário em que vivemos, em que a lex mercatoria – lei do mercado – é a verdade hegemônica desse tempo, o capitalismo selvagem nada mais reconhece senão o lucro a qualquer custo. Assim, o ser oprimido e injustiçado da América Latina, cuja alteridade não é reconhecida, continua subjugado ao valor do capital. A dignidade da vida humana está aquém do lucro.

É nestes termos que urge repensarmos o humanismo latino, em especial a promoção da dignidade da pessoa humana, a partir do sentido ético da alteridade. Isso implica reconhecermos nossa identidade, uma identidade aberta à exterioridade, ao todo outro e não nos domínios da realidade/verdade de um sujeito que só a si mesmo se reconhece. O reconhecimento dessa identidade conduz à emancipação.

Assim, é possível pensar na construção de uma sociedade mais justa e solidária, uma comunidade mundial efetiva embasada no diálogo, um mundo de fraternidade e paz em que o outro é um irmão, um membro da universalidade da família humana cuja unidade se assenta na pluralidade.

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