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Literatura. António Aragão: o experimentalismo como expressão literária. Fátima Pitta Dionísio

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António Aragão:

o experimentalismo

como expressão literária

fátima pitta Dionísio

(Poeta)

Escrever sobre o percurso poético de António Aragão é altamente gratificante, dada a sua faceta de altíssimo criador desde o início da sua aventura pelo mundo da escrita. Sempre o nosso poeta se mostrou sumamente original enquanto escreveu. Em crescendo permanente, essa criatividade veio a revelar-se mais profunda na passagem pelas experiências modernistas de Arquipélago e Búzio via, primeiramente, Concretismo, e, seguidamente, Experimentalismo.

Poeta intemporal, Aragão conseguiu realizar uma poesia muito pró-pria, socorrendo-se do ludismo tão caro a todos os experimentalistas. Denunciou como poucos os males sociais de um mundo mais virado ao ter do que ao ser. A associação da imagem à palavra foi um recurso de que bastas vezes se serviu para o efeito, construindo, dentro do próprio experimentalismo, o seu próprio caminho.

Da tertúlia ritziana a Búzio

A poesia é um qualquer género intemporal e, como tal, sobrevive a todos os contratempos por maiores que estes sejam.

Com o alvorecer do Experimentalismo tornou-se lúdica, desmeta-forizada, para assumir-se para-científica. Passou a viver assim uma nova liberdade criativa.

Os poetas concretistas e experimentalistas, cem por cento vanguar-distas, ludicamente exerciam (e exercem) a crítica social, insurgindo-se contra a intolerância e a repressão. Assumiam, por coninsurgindo-seguinte, uma postura política revolucionária. Destruíam/recriavam o real numa constante luta contra o tédio e a resignação ao status quo vigente na sociedade portuguesa nos tempos do fascismo.

Foi este o caso de António Aragão, para quem a insularidade não constituiu obstáculo a uma criatividade para além do que cá dentro se fazia nos anos 50.

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Participou, durante algum tempo, numa tertúlia 1 na qual se

salienta-ram, além dele, Jorge de Freitas, Eurico de Sousa e Herberto Helder, destacando-se, com este, como dois poetas originais e futurantes, tendo sido, com os demais, incluído na colectânea Arquipélago, em 1952, publicada pelo Eco do Funchal.

Arquipélago veio inovar e revolucionar o pacato meio literário

madeirense. O sucesso obtido por esta colectânea foi referido pelo

Diário de Notícias na sua edição de 1 de Outubro de 1952. No início

do ano seguinte, anunciou-se a edição do seu segundo volume, o que, infelizmente, não se concretizou.

Pretendiam os poetas «ritzianos» ultrapassar a insularidade e esta-belecer uma ponte com a poesia avançada do Continente.

Citando Mónica Teixeira, diremos, relativamente à referida antolo-gia:

É Aragão Correia quem abre Arquipélago com ‘Três Canções’ e ‘Quatro Poemas’. Apresenta versos de forma livre no prosseguimento de uma perspectiva poética contemporânea. Anos mais tarde Aragão Correia como o nome de António Aragão irá enveredar pela poesia experimental. O poema III de ‘Três Canções’ manifesta-se contra o conteúdo de evasão de uma certa produção literária madeirense ultrapassada, simbolista ou român-tica, ainda muito em voga nos anos cinquenta e que, apesar de tudo, Arquipélago divulga ainda nas suas páginas (...) 2

Aragão não se ficou por aqui. Editou e dirigiu Búzio (de sonoridade madeirense), que fez compor no Porto em 1956 com a entusiástica colaboração de Herberto Helder e da qual constavam textos em prosa e poesia. A imprensa ilhoa não se lhe referiu, excepto o jornal de vanguarda e anti-fascista Comércio do Funchal. Número único, nela colaboraram destacados autores madeirenses e continentais.

Ainda de acordo com Mónica Teixeira, «em Búzio os madeirenses Edmundo de Bettencourt, Eurico de Sousa e Herberto Helder enqua-dram-se numa tendência surrealista através do gosto pelo metafísico e pelo estranho, enquanto António Aragão envereda pelo

experimenta-1 Assim chamada por os poetas que a constituíam frequentarem assiduamente o Café Ritz Assim chamada por os poetas que a constituíam frequentarem assiduamente o Café Ritz sito junto do Teatro Municipal Baltazar Dias, na Avenida Arriaga.

2 Mónica Teixeira, Mónica Teixeira, Tendências da Literatura na Ilha da Madeira nos séculos XIX e XX, Funchal, CEHA, 2005, p. 385.

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lismo poético» 3. Não obstante isto, a investigadora não se esquece de

sublinhar as «marcas regionalistas insulares» neste poeta, cuja obra enriqueceu o património literário ilhéu.

Aragão e o Movimento da poesia Experimentalista em portugal

Poeta inovador por excelência, não admira que António Aragão cedo tenha aderido ao Experimentalismo.

Esta corrente literária e artística marcou a segunda metade do sécu-lo XX, recebendo determinantes contributos da Linguística Moderna, do Estruturalismo, da Semiótica, da Teoria da Forma e da Teoria da Informação, em que se destacaram Saussurre, Jacobson, Lévi-Strauss e Abraham Moles, além da Ciência Experimental, da Publicidade e da tecnologia de ponta.

Foi neste contexto que se inseriu a poesia aragónica pela preocu-pação com uma objectividade próxima da ciência e pelas questões de forma e estrutura que a fizeram assumir um certo barroquismo, apaná-gio, aliás, dos artistas e poetas que, como ele, enveredaram por esta senda criativa.

A revolução experimentalista surgiu nos finais dos anos 50 e 60, inovando radicalmente a linguagem, quer escrita, quer falada ou ainda vista. O nome veio-lhe da revista intitulada Poesia Experimental, da qual se publicaram somente dois números – o primeiro em 1964, o segundo em 1966, e na qual colaboraram autores das áreas da poesia e da música internacionais com destaque, aqui, para os brasileiros e portugueses, em especial para António Aragão.

O Experimentalismo apareceu ligado ao Movimento Internacional da Poesia Concreta surgido na Europa e no Brasil nos anos 50 com os grupos Noigrandes (S. Paulo) e Poema Progresso. O concretismo brasileiro, que se ligou intimamente a Portugal pelo seu pioneirismo, constituiu uma experiência em que o visual marcou presença.

Aragão com outros artistas experimentalistas portugueses foi o porta-voz do movimento no país, mantendo quase até ao fim da vida contactos com renomados poetas internacionais. Herberto Helder, também madeirense, outro nome sonante da Literarura Portuguesa Contemporânea, e Melo e Castro deram ao movimento um grande dinamismo. Herberto haveria de afastar-se mais tarde desta corrente de escrita, enveredando por outra e criando, ele também, um estilo muito peculiar.

3 Ibidem, p. 405.

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Crítica da sociedade capitalista, este género poético, confrontou-se com acontecimentos políticos castradores da vida nacional, como a Guerra Colonial (iniciada em 1961), a profunda miséria e o analfa-betismo em que vegetava o povo português. Daí a sua vitimização pela censura e pela PIDE. Não seria por acaso que este movimento, aos olhos do Estado Novo, era considerado perigoso. Apesar disso, o Experimentalismo vingou em Portugal, para o que decisivamente contri-buiu o Movimento da Poesia 61.

Os experimentalistas, durante muito tempo, devido à sua postura literária para-científica, viram-se confrontados com a incompreensão tanto do público como dos críticos. Porém, no pós 25 de Abril a sua originalidade, criatividade e espírito crítico e progressista acabaram por ir sendo paulatinamente reconhecidos.

A Aragão e Melo e Castro juntaram-se vários outros nomes grados da nossa poesia com destaque para Ana Hatherly, autora marcante das revistas experimentalistas Operação 1 e 2, aparecidas em Lisboa em 1967.

Bancu, de António Aragão.

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António Aragão, um poeta futurante

Por tudo o que aqui se disse, se conclui da importância do papel de Aragão na poesia experimentalista, quer quanto à criação quer quanto à sua divulgação, e isto apesar de se haver fixado em 1966 na Madeira, cujo meio, infelizmente, nunca foi dado a grandes voos.

Melo e Castro em António – Escrita – Aragão considerou o nosso poeta «um dos escritores da sua geração que mais longe levou a ino-vação e a transgressão como valores positivos da criação literária num

sentido precisamente oposto ao de qualquer messianismo.» 4

Criticando MorfolandoI, este poeta escreveu: «a consciência de um programa disruptivo e adverso é patente, cujo percurso se repercute

no texto inicial ao volume agora publicado.» 5

E mais disse: «dois percursos são (...) assinaláveis no todo da escri-ta – Aragão: o de um discurso que a cada passo se perde e se encon-tra, com outros subdiscursos ou sobrediscursos (vide, por exemplo, o

Romance de Iza mor f ismo) – 1964 – e o de uma procura icónica da

denúncia do ridículo – simultaneamente trágico da sociedade capi-talista (vide Os bancos e Metanemas) – antecipados pelos poemas visuais construídos com sinais gráficos, publicados em Operação 1 (1967). Há os pendores: (des)escrita e o icónico pelo factor comum:

transgressão.» 6

4 Ernesto Melo e Castro, «António – Escrita – Aragão», Ler/Escrever, n.º 111, Suplemento Ernesto Melo e Castro, «António – Escrita – Aragão», Ler/Escrever, n.º 111, Suplemento Literário do Diário de Lisboa, 19 de Maio de 1983.

5 Ibidem. 6 Ibidem.

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Vemos, pois, em Aragão, uma substantivação objectivamente posi-cionada. Recusando o simbólico e assumindo-se sígnica, encerra em si o mundo objectivo. Na escrita deste vale tudo é materialidade e impessoalidade. Não há nela lugar quer para o lirismo quer para o épico ou o dramático. Nela tudo é genialmente subversivo, amoral, posto em causa num evidente apelo a uma subversão social.

O poeta criou neologismos de densa significação. Empregou signos visuais e tipos de letras originais alterando a cor e a pontuação com o claro propósito de chocar, agredir. Títulos como ‘Telegramando’ são fre-quentes nos seus trabalhos viso-experimentais. Abundam sobretudo no livro mais exactamente p(r)oblemas de 1968, e em Folhemas, de 1966. Une muita vez códigos ideográficos como em Mirakaum (1966), metodi-camente descritivos (1966), Os Bancos (1975) e Metanemas (1981).

Originalíssimo adentro do próprio experimentalismo, a arte escritural aragónica constrói-se na estruturação dos significantes cem por cento anti-plurissignificativos. Tudo nela é dizível, visível, legível. Pode-se,

por isso mesmo, considerá-la uma escrita aberta 7.

Desmistificadora do real esta futurante poesia resulta do percurso

sui generis conjugado com o colectivo – histórico – espacial. Em suma,

o Todo neste poeta é o Nada e assim se explica.

Conclusão

Para concluir diremos haver na escrita de António Aragão um pro-cesso destruidor/construtor da palavra – imagem com que procurava contribuir para a transformação de um real, que sempre recusou viver.

Edificou uma poesia-combate através do ludismo e até a própria morte retratou de forma lúdica. O Concretismo e o Experimentalismo foram as principais armas das suas lutas com recurso a onomatopeias, resultado do ruído em poesia.

Aragão revelou-se um inconformista e poeta livre, que via no ser humano um ser universal, candidato à justiça e à liberdade por uma vontade indómita de vencer o mal e edificar o bem.

O vate deixou-nos uma obra passível de profundos estudos, mere-cedora, pois, de uma maior e melhor divulgação no meio cultural ilhéu, hoje, felizmente, mais aberto ao novo do que antigamente.

7 Fátima Pitta Dionísio, «O experimentalismo em António Aragão», Fátima Pitta Dionísio, «O experimentalismo em António Aragão», Islenha, n.º 20, Funchal, 1999, p. 19.

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Referências

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