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ESPALHANDO A CONSCIÊNCIA: O MOVIMENTO HARE KRISHNA E O PROSELITISMO LITERÁRIO

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ESPALHANDO A CONSCIÊNCIA: O MOVIMENTO

HARE KRISHNA E O PROSELITISMO LITERÁRIO

Gabriel de Macedo Ferreira ALMEIDA Universidade Presbiteriana Mackenzie Mestre em Ciências da Religião Resumo

O Movimento Hare Krishna, especificamente a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, existe há mais de 40 anos no Brasil. Em São Paulo, possuem um templo situado próximo à Avenida Paulista onde durante a semana fazem o seu ritual de “proselitismo” chamado Sankirtana. Durante esse rito, eles procuram espalhar a sua mensagem através do canto de seu mantra e da distribuição de sua literatura em espaço público. A pesquisa procurou entender a relação que existe entre o exercício do Sankirtana e especificamente a importância do livro como elemento central da ação Hare Krishna. O livro é um dos elementos principais da construção de ser Hare Krishna assumindo características que promovem uma unidade central, uma mobilidade e um alcance que permitem inseri-los nos mais variados locais.

Palavras-chave: Hare Krishna; Novos Movimentos Religiosos; Religião; Sankirtana. Introdução

Em um dia de semana qualquer, é possível que, andando na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta ao lado do metrô Consolação você escute um som típico e um mantra cantando a exaustão. Ainda é possível que não haja nenhuma música, mas uma pessoa vestida com roupas típicas e com uma pilha de pequenos e médios livros te aborde e te pergunte: uma pergunta, por favor?

Uma religião para se manter e recrutar membros necessita utilizar métodos que atinjam uma certa parcela da sociedade que se alinha ou que tem pretensões semelhantes a proposta daquela religião. Quando Bourdieu (2013, p. 14) mostra que pertencer a uma classe não está somente ligado ao poderio econômico, mas a uma condição de status ligado a uma classe específica, uma situação de mercado, essa condição muitas vezes está inserida em uma estrutura social que faz com que situações semelhantes se encontrem com classes diferentes em estruturas diferentes. Mas o que isso quer dizer? Ora, quando uma religião parte em seu ofício missionário seu proselitismo precisa de alguma forma ser objetivo e que mantenha uma porcentagem real de aceitação da proposta dessa religião. Isso em conjunto com um pensamento teológico ligado ao método, temos então a receita de bolo do estilo missionário de cada grupo.

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Podemos enumerar várias religiões que se utilizam de métodos específicos para conseguir seus membros. As testemunhas de Jeová hoje montam pequenos estandes com a revista “A Sentinela” em estações e pontos de ônibus na periferia, sendo que antes batiam de casa em casa, o que se mantêm até hoje, mas em menor grau (BORNHOLDT, 2012). Os pentecostais clássicos normalmente fazem cultos de evangelismo e pregações públicas além de programas em rádios (CAMPOS, 2004), com exceção da Congregação Cristã do Brasil que não faz absolutamente nada, o que constitui um método também (MONTEIRO, 2010), a Sokka Gakai convida para reuniões e a cantar o mantra (COUTINHO, 2009), dentre outras. Cada religião se utiliza de algum tipo de método para que possa se manter e conquistar mais membros.

Não é de se esperar que um movimento que se mantém no ocidente há mais de 40 anos e mantenha um mesmo método missionário faz com que se conserve uma estrutura que aceite esse tipo de ação. O movimento Hare Krishna, ou ISKCON (International Society

for Krishna Consciousness), se utiliza de um método muito específico e direcionado para

atingir seus potenciais devotos. Contudo isso não surge apenas de uma motivação missionária, está ligada também a uma teologia da proclamação, se assim posso chamar, a necessidade de cantar “os Santos nomes de Deus” em público serve também como exercício missionário.

Esse cantar e a distribuição de livros o Sankirtana constitui um dos modos específicos utilizados pelo movimento Hare Krishna desde que chegou ao ocidente. Quando A.C. Bhaktivedanta Prabhupada (fundador da ISKCON) chegou a Nova York em 1965 o seu método consistia exatamente em cantar o Maha-mantra Hare Krishna e distribuir a literatura que trouxe da Índia (JUDAH, 1974; DANER, 1974; ROCHFORD, 1985), além das palestras que dava na praça. Como os devotos dão a Prabhupada o status de avatar de Krishna, isso é sua encarnação, o método usado por ele acabou se sacralizando. Claro que conforme se conta a história Sri Caitanya, o fundador do Vaishnavismo, diz-se que cantava o Maha-mantra em público como forma de adoração e transmissão da mensagem do Senhor Krishna. Isso tudo cria uma legitimidade necessária para que o grupo mantenha suas raízes ligadas a um evento sacralizante, como Berger (1985) propõe que a religião assim faça. Apesar de toda a crise e adaptação que a ISKCON sofreu durante esses mais de quarenta anos o Sankirtana é o principal método usado. Na pesquisa de campo eu tive a oportunidade tanto de observar como participar.

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O templo de São Paulo fica localizado na Rua Itápolis, 1531 perto do metrô Paulista e próximo à Avenida Angélica. Quando se fala “templo” tem que se ter em mente que ele não segue nenhuma característica típica de um templo, com ornamentos externos por assim dizer, antes é uma casa de dois andares com uma extensão ao fundo. Na parte central da casa fica por assim dizer o templo com as imagens, deidades e os livros, na parte de cima ficam os quartos dos casados e das mulheres, mais ao fundo da casa principal temos a cozinha. Na extensão fica a lavanderia e os quartos dos homens. O espaço da casa é bastante amplo e arejado com um jardim, e se localiza em uma região bastante calma e tranquila.

O primeiro lugar que tive contato com os devotos em São Paulo aconteceu na saída do metrô Consolação, bem ao lado estava um grupo de pessoas distribuindo livros e outros sentados em cima de um tapete com alguns instrumentos e repetindo incessantemente em variados ritmos e harmonias o Maha-mantra Hare Krishna (Hare Krishna Hare Krishna

Krishna Krishna Hare Hare/Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare), com

algumas variações de mantra. Depois desse primeiro contato durante os meses de janeiro a março de 2014 eu visitei e observei os Sankirtanas e os festivais de Domingo sendo que na última semana de março eu pude ficar interno no templo conhecendo a rotina dos devotos. Nesse período eu participei dos ritos e das aulas e tive um contanto mais direto com os devotos, tantos os internos quantos os externos. O grupo interno eram de oito pessoas, sendo que esse número nunca foi fixo, do tempo que eu estive com eles começamos a semana com 12 pessoas e terminamos com 9 pessoas, sendo que desses doze três eram estrangeiros, então a necessidade de falar uma outra língua era presente principalmente o inglês e o espanhol. Os devotos que eu tive contato podem ser divididos em Segunda Geração Hare Krishna e Viajantes Religiosos. O primeiro grupo são filhos de devotos que agora são ensinados pela tradição de seus pais, eram dois no começo da semana sendo que ao fim da semana em que estive com eles chegou um terceiro, todos homens e jovens, cada um deles vinha de uma região do Brasil. No segundo grupo se encontram devotos com mais idade e com uma história religiosa mais ampla, sendo que todos eles tiveram alguma outra relação religiosa anterior ao movimento. Dos que eu tive contato mais próximo, um homem e uma mulher, ambos tiveram crises existenciais e sociais com suas religiões anteriores, depois de uma fase de busca e de um encontro primário com o Movimento Hare Krishna e depois de alguns anos se tornaram devotos, sendo estes ainda não iniciados propriamente. No tempo em que fiquei interno a rotina

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diária do grupo seguia uma estrutura que já havia sido colocada por alguns autores que trabalham o movimento como Judah (1974), Rochford (1985), Daner (1974) e Guerriero (1989).

Antes de ficar interno no templo, as experiências com o Sankirtana se resumiam a Avenida Paulista, com a organização do templo acontecendo outros lugares de São Paulo entraram no itinerário deles, até que, quando interno me explicaram como faziam e por quê. Durante a semana de segunda a quinta-feira ele acontecia no centro de São Paulo, primeiramente perto da Sé e depois foi estabelecido na frente do teatro municipal, na Barão de Itapetininga. O processo de escolha do local segue uma lógica objetiva e utilitária, é necessário uma esquina movimentada que permita que o som se espalhe para todos os lados. Isso pela parte da manhã, a tarde eles utilizam para estudar o

Bhavagad-Gita. De sexta e de sábado pela tarde, por volta das 18h eles se mantêm na Avenida

Paulista, ao lado do Metrô Consolação, em frente ao Banco Safra, e seguem o mesmo padrão, sem, contudo, precisar procurar um local, existe um espaço que normalmente não está sendo utilizado ao lado da saída do Metrô que eles normalmente usam. Em uma visita mais recente perguntando sobre esse mesmo itinerário eles afirmaram que quando existem devotos o suficiente eles fazem, como existe uma rotação muito grande de devotos e o presidente o templo viaja muito esse roteiro se resume apenas à Avenida Paulista por ser mais próximo e não precisar de uma logística mais complexa. Os lugares propostos apresentam alguns números importantes sobre a cidade e sua dinâmica.

O centro de São Paulo recebe diariamente cerca de 3 milhões de pessoas (AGUIAR, 2014), enquanto que pela Avenida Paulista passam por volta de 1,5 milhão de pessoas, sendo a grande maioria de jovens (UOL ECONOMIA, 2011; INFOMONEY). Segundo dados do Observatório do Turismo da Cidade de São Paulo (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE 2012; 2013) a cidade de São Paulo tem estimativa de receber 15 milhões de turistas em 2014, sendo uma das sedes da Copa de Mundo e abertura desta, escolher os pontos turísticos como o Centro de São Paulo e a Avenida Paulista não são ao acaso. O fluxo de turistas estrangeiros e nacionais durante a Copa, advindo principalmente dos EUA, Argentina e Alemanha, permite que os estrangeiros do grupo tenham acesso facilitado na sua abordagem, durante o período da Copa do Mundo eles mantiveram durante a Fan

Fest, que era bem próxima a Barão de Itapetininga, um grupo grande de devotos fazendo Sankirtana o que mostra sua ação focada. Falando de uma relação mais cotidiana com a

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são: “[...] assalariados com registro, com idade entre 18 e 24 anos, originária da zona sul e que vai ao centro por motivos de trabalho.” (TURISMO NO CENTRO..., 2008, p. 60) além disso a média de visitas ao centro é de 23% mensalmente e 17,45% pela primeira vez (2008, p. 61), isso indica que mesmo na construção da escolha desse lugar eles tem consciência de onde possuem maior alcance e probabilidade de atingir mais pessoas, até pelo próprio local do templo, fica a algumas quadras da Avenida Paulista e a uma estação de metrô do Metrô República, não me parece ao acaso nem a escolha do lugar do Templo nem tampouco os lugares do Sankirtana. Então mesmo que seja uma escolha objetiva e utilitária, segue uma mentalidade de quem conhece a cidade pelo menos na sua fama, indo em direção aos ambientes mais cheios e onde existe uma circulação grande de pessoas.

Quando o local é escolhido o primeiro passo é esticar um tapete grande, que pode abrigar quase 7 pessoas adultas bem organizadas em seu interior, ele possui uma cor avermelhada e detalhes em dourado. Esse serve como um delimitador de um espaço sagrado, naquele lugar onde o tapete se assenta não se pode pisar de pés calçados, assim como dentro do templo, o que pode significar que naquele momento em que o tapete está estendido a liminaridade da rua é eliminada e aquele espaço recebe uma qualidade diferente. O espaço que o tapete limita se torna qualificado, sua condição de profano é eliminado quando, assim como no templo, se evita o uso de calçados, em conjunto com os instrumentos, a música e o cantar de uma música sagrada, o mantra, temos a eliminação do espaço profano e da liminaridade da rua, dando o aspecto sagrado a um lugar específico, talvez não com um rito de qualificação total, isso é, ao fim do Sankirtana o tapete é removido e enrolado e aquele lugar não é mais sagrado, quase um sagrado nômade, ou como um totem que é carregado e fincado como um Axis Mundi temporário, um pedaço do templo se descola até um espaço neutro, caótico, para então ressignificá-lo, ou romper com a homogeneidade do mundo (ELIADE, 1992, p. 38), mesmo que não seja propriamente um espaço completamente Sagrado como um Templo, ele é carregado de significado temporário. No período do Sankirtana é ali dentro que se canta as canções transcendentais, cantadas pelos Deuses e Semi-deuses, o Maha-Mantra, o Grande Mantra

Hare-Krishna.

Após colocar o tapete é necessário ligar os microfones e a caixa de som. Por ser na rua a caixa não possui tomada e é recarregada depois que é levada para o templo, um microfone fica com o responsável por liderar o canto e mais uma pessoa que serve como quem repete

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o canto e um terceiro microfonando o harmonium. Os instrumentos que são usados consistem em três: O harmonium, é como uma sanfona brasileira tocado na horizontal utiliza um sistema de fole que impulsiona o som através das saídas das teclas como um pequeno órgão, possui as mesmas notas de um piano comum, utilizando a escala ocidental; A mrdanga é um instrumento de percussão em forma de uma um atabaque pequeno, um lado maior com som graves e um menor para sons agudos. Utiliza de couro na parte grave e barro na parte aguda, contudo devido à dificuldade de manutenção utiliza-se uma feita de fibra de vidro e pele de plástico como em baterias comuns. Eles usavam uma em estilo mais clássico. Possui uma tira que serve como alça para a locomoção e para tocar em pé; As kartalas são pequenos pratos usados para a manutenção do ritmo, utilizam uma pequena tira de pano para segurar o prato, possuem tamanhos variados conforme o timbre proposto. É colocada também uma pequena mesa com uma cesta onde são expostos os livros, quando uma pessoa coloca alguma doação ela pode pegar um livro. Isso é bastante lembrado por eles, quando alguém vai e coloca o dinheiro na cesta eles fazem questão de que a pessoa retire um livro, então mesmo que eles aceitem doações eles sempre dão o livro, é quase um processo misto de manutenção e propagação do grupo, “vende-se”1 por que o livro tem um custo, mas sua proposta é espalhar a mensagem

através dos livros. Especificamente nos dias em que eu participei não existia nenhum tipo de ritual para entrar no espaço do tapete, mas antes de começar o mantra propriamente dito há um preparatório para iniciar, o responsável pelo canto puxa um mantra inicial, não necessariamente o Maha-Mantra (muitas vezes é algum mantra védico) para então entrar no Mantra Hare Krishna. Normalmente eles começam em um ritmo mais lento quase como uma introdução e vai crescendo até acelerar ao máximo em uma mistura de estilos. É necessário que quem lidere o mantra faça uma melodia de fácil repetição, e que se mantenha nessa repetição até que se mude o ritmo ou outro assuma a liderança. Essa mudança de quem puxa o mantra não me pareceu seguir algum tipo de hierarquia, contudo me pareceu que quem toca o harmonium lidera o canto, então quem sabe tocar sempre lidera.

O evento em si chama muita atenção dos transeuntes. O trabalho de quem distribui os livros é muito facilitado com a presença da música. Enquanto tocam, as pessoas tiram fotos e param para ouvir, isso contribui para que a abordagem de quem fica responsável

1 Dentro do grupo o termo vender livros não é bem aceito, repetidas vezes eu fui corrigido quando usava

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pelos livros se torna relativamente mais fácil. Talvez a grande questão seja que, se estando na rua aquilo que eles chamam de evento sagrado, o cantar ‘os Santos nomes de Deus’, se confunde, com os excessos da supermodernidade (AUGÉ, 2007) que são muito claros naquele espaço. A relação espaço x comunicação acontece de uma forma muito peculiar onde em um curto espaço de tempo os devotos são propagadores e alvos da própria condição religiosa. Naquele momento eles eram tanto o objeto exótico que fazia com que as pessoas parassem para observar e tentar entender o que eles faziam e porque, como agentes de uma proposta religiosa em busca de mais membros para a sua comunidade. A percepção que tive enquanto observava o grupo era que os transeuntes não ligavam de imediato àquela situação a algum tipo de proselitismo, antes viam como uma apresentação de rua, um tipo de show por assim dizer. As pessoas só eram inseridas na ideia de que aquilo era um evento religioso no momento em que os responsáveis pelos livros as abordavam, essa abordagem nem sempre era bem-sucedida, algumas vezes a negação vinha com uma afirmação típica de quem não quer ser incomodado: estou só dando uma olhadinha. Mas a curiosidade que surge nesse ciclo de música, imagem e comunicação permite que as brechas que são deixadas pelo ambiente são usadas para inserir o livro e uma pequena conversa. Eles evitam qualquer tipo de doutrinação direta o que faz com que a pessoa muitas vezes nem entenda o que está realmente acontecendo, isso permite que tanto o grupo se proteja de um embate religioso, não que não exista, mas nunca parte deles, sempre de outrem e cria um tipo de carisma de acessibilidade onde a pessoa não se sente julgada nem tampouco oprimida por algum tipo de acusação. Isso os coloca em uma situação em que tanto são os missionários, pois distribuem a mensagem de forma indireta através dos livros, e alvos, pois mesmo que a liberdade de propaganda religiosa exista eles são apenas mais um grupo de muitos grupos que estão nesse mercado religioso sendo confrontados diariamente, as vezes de forma direta, as vezes não, a veracidade da sua religião. Tudo isso acontece em um espaço que normalmente vai das 10h até mais ou menos às 13h em um fluxo contínuo de música, atinge especialmente as pessoas que tem algo a ser feito no centro de São Paulo até aqueles que trabalham por ali e tem em seu horário de almoço algo para passar o tempo. Enquanto na Avenida Paulista o horário vai das 18h30m até mais ou menos as 20h30m de sexta e sábado atingindo principalmente uma juventude de um circuito alternativo que se encontram na Rua Augusta. Nada me parece ao acaso. Quando eles vão em direção ao seu público alvo eles tem em mente o que eles querem e o que estão buscando.

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Espalhando a consciência: O proselitismo literário

O Movimento Hare Krishna possui apenas uma única missão, e ao contrário do que se possa pensar, não é fazer o máximo de devotos em todo o mundo, o que eles têm como princípio de ação é o espalhar a consciência de Krishna. Existe certo pretexto para isso, o mantra que eles cantam possui características muito próprias, quando o Hare Krishna

Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare/Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare é cantado ele purifica o devoto e o mundo, quando mais cantado é mais o mundo é

purificado e mais a ilusão do mundo material é destruída. Essa ideia pressupõe do devoto apenas uma necessidade intrínseca ao seu avanço espiritual que é o cantar do mantra, não exige nenhum tipo de conhecimento mais avançado ou uma teologia apologética, por exemplo, não que não exista, até por que grande parte do trabalho de Prabhupada no seu início foi traduzir e defender sua visão de mundo.

As consequências dessa proposta de ação no mundo e de visão do mundo constrói o processo missionário que caracteriza o Movimento. Em conjunto com isso temos a distribuição dos livros que serve como um proselitismo simbólico, pois não é feito pelo devoto que “vende” o livro, mas pelo próprio líder, as falas são dele, as perguntas são pra ele e as respostas dadas são a própria voz do movimento que fala pela voz do líder que foi quem escreveu e chancelou esse método. Também acontece que eles são também responsáveis por uma parte do sustento do grupo, o lucro da distribuição destes sustém tanto o devoto interno de tempo-integral, quanto o templo em que ele vive, além da própria editora da ISKCON. Hoje já não é a única fonte de sustento, mas já foi e durante algum tempo foi um elemento central na imagem do grupo.

Podemos dizer que a ISKCON é uma religião de pequeno porte. Em seus canais oficiais não existem números propriamente ditos. O que existe é um louvor a sua manutenção e a importância que eles dão como representantes da tradição Vaishnava, mas mesmo que eles se insiram em uma grande tradição devem ser pensados a partir de suas particularidades. É aqui que devemos então pensar o Movimento Hare Krishna como ele se apresenta diante de um espaço religioso já dominado e não enraizado em sua tradição, isto é, o estranhamento próprio de uma religião frente a outras com propostas, em alguns casos semelhantes, em outros diferentes, seja de prática seja de compreensão do universo. O Movimento é um Novo Movimento Religioso em uma definição mais estrita, surge como religião organizada em solo Ocidental na década de 1960 em um momento propício

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a expansão de novas propostas religiosas, novas para o seu público ouvinte não para seus transmissores. Isso pode ser levado a questões mais abrangentes, como o próprio exemplo da ISKCON, sua ideia de religião é universalista, contudo sua raiz é indiana, agora como transpor as barreiras culturais em busca de aceitação?

Para Csordas (2009) a religião que consegue o trânsito necessário para se estabelecer entre as diversas fronteiras do globo precisa de dois aspectos básicos: Práticas Portáteis e Transposição de Mensagem (2009, p. 4-5).

Práticas Portáteis significa que os ritos são facilmente aprendidos e não necessitam de um vasto conhecimento esotérico nem de uma aparelhagem complexa para serem feitos, e tampouco são exclusivamente propriedade ou ligados a um contexto cultural específico, antes exigem pouco comprometimento a algum tipo de ideologia ou a uma instituição (2009, p. 4). Como por exemplo, os ritos orientais como a Yoga e a meditação que são feitos sem nenhum tipo de aceitação ou tampouco crença na ideologia religiosa na qual está fundamentada a prática.

A Transposição da Mensagem quer dizer que a base da mensagem religiosa, seus dogmas, premissas e promessas conseguem estabelecer sobre diversas linguagens e arranjos culturais fundamentais para sua realização. A palavra “Transposição” carrega em seu interior alguns termos já usados para falar dessa viagem que a mensagem religiosa faz, seja transmissão, transferência ou tradução. Exatamente por que parte da metáfora musical, onde uma música pode ser executada de vários modos, sendo rearranjada, transformada ou reordenada conforme a necessidade da execução, a religião possui uma mensagem que pode ser tocada em vários ritmos, tons e melodias. (2009, p. 5).

Todas essas definições podem ter vários níveis, tanto de prática quanto de transposição, dependendo da própria característica que a religião assume, sendo em um eixo sua plasticidade ou capacidade de transformação e no outro, sua generalização ou universalidade. Além dessas características próprias da religião temos ainda os modos como a esta viaja pelos espaços geográficos e culturais. Talvez o mais importante seja a capacidade missionária, onde o empreendimento missionário acontece conforme sua própria época, seja no período colonial ou no pós-colonial. O segundo processo é a migração, onde populações se movimentam pelo globo, sejam refugiados ou não, e levam consigo a sua religião que logo precisa se adaptar a uma nova realidade, o melhor exemplo podem ser as populações islâmicas que vem migrando para a Europa. Entre a missão e a

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migração temos a mobilização, que consiste em indivíduos que viajando levam a sua religião para outros lugares como, por exemplo, os Místicos Hindus que tiveram grande impacto no ocidente, além do turismo e peregrinações religiosas que também tem impacto nessa realidade. E por último temos a midiatização, onde os meios de comunicação de massa impulsionam em vários ambientes essas religiões, não só pela TV, Rádio, e revistas, mas também por CDs, DVDs e fitas cassetes que possuem um alto grau de circulação, além da Internet.

Essas modalidades de “viagem” que a religião faz nos espaços globalizados ou de cultura global também permite que modalidades de religiões intersubjetivas tenham lugar. A primeira é o entroncamento do imaginário religioso local com a economia global e a tecnologia (CSORDAS, 2009, p.6). Como exemplo o clássico filme “Os Deuses devem

estar loucos” onde uma garrafa de Coca-cola causa uma grande especulação religiosa em

uma tribo na África. Também podemos dizer sobre os eventos astrofísicos como quedas de satélites, ou eventos marcantes como a chegada do homem a lua acabam recebendo interpretações religiosas dos mais variados tipos. A segunda seria o que Csordas chama de pan-indígena, onde a justaposição das histórias religiosas, aqui principalmente aquelas que não possuíam voz diante das religiões dominantes, como a Rastafari, ou as religiões indígenas, acabam sendo levadas das marginalidades e trazidas as metrópoles. Com isso temos o terceiro ponto onde essa expansão de mensagens religiosas acaba espalhando Religiões antes específicas de um local. O Yorubá e o Santo Daime são exemplos saindo dos recônditos do Brasil se espalharam através do globo, mostrando que religião não é apenas uma relação de mão única do centro para a periferia. Em quarto temos a trajetória das religiões mundiais nesse espaço de globalização, onde os processos que levam o avanço destas e as consequências possíveis disto, hoje em um ambiente pós-moderno, seja o ecumenismo ou o conflito. Além das “novidades” que essas religiões trazem enquanto encontro a outras qualidades culturais, como o Budismo no Ocidente, e a crescente do Islã na Europa e os movimentos carismáticos no Cristianismo.

Csordas (2009, p. 9) diz que o que vemos talvez não seja nem um reencantamento, nem uma ressacralização ou um ressurgimento da religião, na verdade o que vemos é a religião como ela é conhecida apenas tentando se adaptar aos novos arranjos nos quais ela tem que enfrentar. Todas essas intersubjetividades, o imaginário religioso local entroncando com o religioso global, as interações religiosas pan-indígenas e o encontros das religiões mundiais, o processo reverso das religiões periféricas e a inserção nos grandes centros

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isso tudo leva a conclusão de Csordas (2009, p. 9): “In this sense our key phrase would have to be neither ‘globalization and religion’ nor ‘globalization of religion’ but ‘globalization as religion’.”.2

Esse processo de globalização como religião pressupõe uma fluidez dos conceitos e uma miscelânea de ideias religiosas que nem sempre são congruentes em suas teorias. Mas é então que vemos o grande modelo de prática que essas religiões possuem ao se deslocarem de seus centros gravitacionais e expandirem seus alcances, às vezes ao custo de grande parte de seu referencial teórico, às vezes com uma roupagem um pouco menos estranha ao seu alvo. É então por esse processo de criar Práticas Portáteis e de uma Transposição da Mensagem competente que o ideal missionário pode ser completo. Assim podemos apresentar o caso Hare Krishna, será que os métodos apresentados por Prabhupada conseguiram esse alcance?

Considerações Finais

Em primeiro lugar devemos ter em mente que a proposta de cantar e distribuir livros vem categorizado como imagem do grupo desde as suas raízes na Índia, o que aconteceu posteriormente foi que o alcance só se deu de forma mais clara quando ela veio com um Hindu a tiracolo, isto é, somente quando Prabhupada coloca sua autoridade no livro dando suas interpretações é que ele se transforma de informação para Mensagem.

Segundo Silveira (1999, p. 44)

Quando estamos falando de uma cultura espiritual sendo trazida da Índia para o Ocidente, temos que ter em mente que o trabalho principal de Srila Prabhupada sempre foi a transliteração da literatura vaisnava, sua publicação e sua divulgação, através dos seus discípulos.

Seguindo o pensamento de Csordas, a prática de distribuir livros é altamente portátil. O livro é um importante elemento cultural Ocidental, a produção de literatura em forma de livro é gigantesca e é um grande mercado com suas editoras e escritores. Sendo então algo facilmente transposto para realidades diferentes sem causar nenhum tipo de choque cultural de forma a criar mecanismos de apresentação. Tanto é que durante o período em que observei a abordagem dos devotos na rua normalmente as pessoas aceitavam pegar o livro, dar uma olhada e ter uma rápida conversa para então negar pegar o livro ou então

2 “Nesse sentido nossa palavra chave não deveria ser ‘globalização e religião’ nem ‘globalização da

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fazer uma “doação” pelo livro. Ora ele te dava o livro e se você fosse ler ou não é outra história. Na verdade, o que ele, o devoto, tinha em mente é que a sua missão é distribuir, ou melhor, espalhar a consciência.

Silveira continua (1999, p. 44):

É necessário, paulatinamente, apresentar a literatura produzida por ele (Prabhupada) e em torno dele (Prabhupada), pois aqui encontra-se uma parte considerável da visão de mundo Hare Krishna.

Em consonância com Bourdieu (2013, p. 105):

O sistema de produção e circulação de bens simbólicos define-se como o sistema de relações objetivas entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do trabalho de produção, de reprodução, e de difusão de bens simbólicos.

Prabhupada produziu os textos que serão reproduzidos pela sua editora e que será difundido pelos seus devotos, criando um ciclo muito próprio e focado nessa ligação interna. É claro que esse ciclo não pode fechar em si mesmo, se não a expansão do grupo não acontece, é preciso fazer com que essa Prática Portátil seja capaz de Transmitir a Mensagem.

É então que o ponto necessário para que o processo alcance seu ápice é se a leitura do livro permite que a pessoa entre em contanto com uma mensagem que responda aos anseios de quem lê, ou mais simples ainda, se quem lê entende o que está sendo dito. Os livros que eram apresentados pelos devotos durante o Sankirtana eram, normalmente, temas recorrentes de uma religiosidade oriental que tinha acesso a uma mentalidade popular como reencarnação e yoga, além de temas muitos simples como o de receitas vegetarianas. Esses livros são divididos por seus tamanhos sendo que os livros pequenos podem custar de 2 a 5 reais, os livros médios entre 5 e 10 reais. Sempre que são abordados os devotos procuram de toda forma fazer com que a pessoa segure o livro e tenha a possibilidade de folheá-lo de forma que ele se sinta já dono do livro. A quantidade de pessoas abordadas em relação as que pegam os livros coloca em algumas dezenas as que pegam os livros entre centenas de pessoas abordadas e poderíamos ainda discutir das que pegaram os livros quantas realmente leram e foram a algum templo. Devido a própria condição da cidade e da grande quantidade de pessoas abordadas é bem complexo rastrear o real efeito dessa distribuição de forma competente.

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Então a melhor possibilidade é que essa distribuição seja realmente o foco e não propriamente a leitura, esta seria, como eles mesmos dizem, trabalho de Krishna, nada acontece ou vai acontecer sem a interferência d’Ele por isso que a única parte necessária seja que as pessoas tenham em mãos a literatura. Por isso que Bhaktivedanta Prabhupada atribui tanta importância a essa distribuição e a própria editora que é a “Brhat Mrdanga” a “Grande Mrdanga”, pois seu alcance é muita maior do que o som da Mrdanga comum. Quando falamos de Práticas Portáteis o livro representa essa capacidade de flutuar sobre as fronteiras. É um item carregado de simbolismo que circula sem preconceitos sendo o seu limite a linguagem própria do texto, e se o que está escrito é tratado a partir de conceitos religiosos comuns aos seus leitores, como reencarnação e Karma, o trabalho de traduzir os conceitos ficam relativamente mais fáceis.

Referências bibliográficas

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Referências

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