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Primeiras policiais militares no Paraná: a construção do corpo da mulher-soldado

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A construção dos corpos: violência material e simbólica – ST 49 Rosemeri Moreira

UEM- UNICENTRO

Palavras-chave: Polícia – virilidade – mulher-soldado

Primeiras policiais militares no Paraná: a construção do corpo da mulher-soldado

Como é o corpo? Como é o corpo da mulher? Onde começa: e aqui no chão ou na cabeleira, e vem descendo? Como é a perna subindo e vai subindo até onde? (Indagação – Drummond)

A partir do ano de 1977 a Polícia Militar do Estado do Paraná - PMPR1 incorporou em seu quadro efetivo o primeiro Pelotão de Polícia Feminina – Pel PM Fem. O presente artigo tem como objetivo discutir os princípios da inclusão/exclusão do corpo considerado com carência viril, em uma instituição marcada pelo ethos da virilidade durante os anos de 1977-1979.

Mulheres nas instituições militares passam a ser objeto de estudo nos meios acadêmicos somente em fins dos anos 80. Segundo CALAZANS2 com a crise da segurança pública nos anos 90 é que os estudos sobre instituições policiais –militares ou não – tornam-se relevantes. O próprio movimento feminista ignora até fins dos anos 90 a inserção de mulheres nas instituições militares, como objeto de estudo acadêmico e como objeto de luta revindicatória de direitos. O foco principal que une as diversas correntes feministas nos anos 70 é justamente a luta contra a ditadura militar: “embora influenciado pelas experiências européias e norte-americana., o início da feminismo brasileiro dos anos 1970 foi significativamente marcado pela contestação à ordem política instituída no país” (SARTI, p. 36, 2004).

Nesse período as policias militares estaduais3 são forças subordinadas ao exército tendo dentre suas funções coibir a chamada “perturbação da ordem”: “entre tais ações, destacam-se atividades subversivas, agitações, tumultos, distúrbios de toda ordem, devastações, destruições, sabotagem, terrorismo e ações de bandos armados nas guerrilhas rurais e urbanas”4. O feminismo – acadêmico e/ou movimento social – identifica nesse período a categoria “mulher” com a luta contra a repressão e ignora a participação/inclusão de mulheres de carne e osso nas instituições identificadas com a ditadura militar.

MATHIAS (2005), através de seus estudos sobre mulheres e Forças armadas, defende que em nenhum país da América Latina a incorporação de mulheres foi conseqüência de reivindicações

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da sociedade civil, ou especificamente do feminismo enquanto movimento social. Nas Forças Armadas esse processo se efetiva nos anos 80 e nas polícias militares estaduais inicia-se em 1955 no estado de São Paulo, sendo seguido somente em 1977 pelo estado do Paraná. A experiência feminina nas policiais estaduais é que, segundo a mesma autora, propiciam o desdobramento da presença do corpo feminino nas Forças Armadas. Mesmo que as Forças Armadas e as Policias Militares tenham funções constitucionalmente diferenciadas estão ambas baseadas na identificação com o ethos viril.

O papel do Estado que vai se redesenhando no século XIX a partir do pensamento científico da engenharia social é o definidor da Polícia como órgão público moderno5. Mesmo considerando a teoria do controle social6 na reflexão pertinente às instituições policiais é necessário enfatizar a não-consciência /clarividência dos agentes sociais envolvidos no processo de policiamento das ações. A instituição policial faz parte de um dos dispositivos constituintes da sociedade disciplinadora, a qual localiza e insere no próprio corpo sua regulamentação, segundo o pensamento foucaltiano (Vigiar e Punir, 1987).

O modelo brasileiro de policiamento organiza-se no plano estadual7 dividindo-se em duas forças paralelas: “a polícia civil originou-se da administração local, com pequenas funções judiciárias, ao passo que a polícia militar nasceu do papel militar de patrulhamento uniformizado de rua” (BRETAS, 1997, p. 40). A ostentação do “poder de polícia”, que segundo o Manual do Soldado da PMPR é o “exercício dinâmico da manutenção da ordem pública (...) visando prevenir e/ou coibir eventos que alterem a ordem pública – os delitos – e a dissuadir e/ou reprimir os eventos que violem essa ordem para garantir sua normalidade”8, é a principal característica da polícia militar9. O denominado policiamento ostensivo baseia-se na coerção pela presença física do estado no cotidiano das pessoas. Nas ruas, avenidas e praças: o espaço público é normatizado através da lembrança evocada pelas fardas, viaturas e sirenes.

A Polícia Militar do Estado do Paraná, em 1977, segue o modelo da Polícia do Estado de São Paulo quando incorpora mulheres em seu quadro efetivo, utilizando-se da legislação e da experiência paulista para “moldar” o corpo feminino em policial militar.

Mesmo que as mulheres tenham participado historicamente na linha de frente de revoltas, rebeliões, guerras e conflitos diversos, sua participação não apresenta-se de forma institucionalizada pelo estado, ou seja estava simbolicamente fora dos embates. O reconhecimento da presença física de mulheres em situações de conflito e violência física, não implica no reconhecimento simbólico do corpo feminino como dotado de capacidade para ação/reação, para a violência, pois a fragilização do corpo feminino e a constituição deste como ser percebido10 - o corpo-para-o-outro - é o avesso e o que dá visibilidade ao ethos viril presente no corpo masculino. A virilidade masculina se apresenta na proteção ás mulheres, crianças e idosos: os incapazes biológicos.

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A PMPR formula duas diretrizes específicas para conter e disciplinar militarmente o corpo feminino construído socialmente pelo habitus sexuado, aqui entendido como o resultado do “trabalho coletivo de socialização do biológico e de biologização do social”11 o qual mascara em sua estrutura incorporada a arbitrariedade da “naturalização” do corpo com suas respectivas atribuições e qualificações. Em 1977, a Diretriz n.º 048/77 e dois anos depois a Diretriz 076/79, são as delimitadoras legais da existência simbólica e física de mulheres na instituição. Esse curto espaço de tempo e a detalhamento na segunda diretriz sobre a regulamentação específica referente a mulher policial militar demonstram o despreparo e a preocupação inusitada da instituição na contenção do corpo feminino.

Na Diretriz redigida em 1977 já está delimitada a “missão” da policial feminina e seu espaço de atuação no meio urbano. A policial militar é locada no policiamento ostensivo em espaços públicos centrais: “biblioteca pública; teatro e cinema; museus; exposições, aeroportos, rodoferroviária; campos de futebol; presídios de mulheres”12, e ainda no “policiamento preventivo de trânsito em estabelecimentos escolares”13. Além da presença física em locais centrais da capital paranaense a Diretriz também inclui como missão da policial “ações de policiamento ostensivo relacionado à mulher, a menores e anciãos”14.

A presença civilizatória do corpo feminino na Curitiba de fins dos anos 70 coaduna-se ao projeto urbanístico denominado de “humanista” iniciado nessa mesma década: a idealização da “cidade-humana” e busca pela “integração do homem à cidade”, incluso nesse processo a pedestrianização15 do centro.

Presente em ambas as diretrizes a justificativa para inclusão de mulheres na PMPR baseada no discurso do “anjo-tutelar”16: o zêlo; o cuidado com o outro, o sacrifício feminino pela concepção e educação das futuras gerações vistos como atribuições coerentes com suas qualificações naturais de sensibilidade e delicadeza, agora utilizadas em ações que envolvessem outras mulheres, idosos e crianças (vítimas ou delinqüentes). Evoca-se o essencialismo feminino do corpo-para-outro. A idealização da imagem da mulher policial militar encontra-se na natureza maternal feminina, bem como o motivo defendido pela instituição viril necessitar de sua presença. Esse corpo feminino, com as qualificações próprias à maternagem, é exposto nos espaços públicos centrais da capital paranaense de concentração seletiva (cinemas, teatros, museus, etc.).

A consideração legal da missão da mulher policial por si só delineia e delimita o corpo simbólico feminino o qual já possui naturalmente as atribuições necessárias para o desempenho de suas funções. A mulher encontra-se preparada para o seu trabalho de mulher “mãe” policial. Mas existem outras questões problemáticas para a instituição no período. O corpo físico feminino fará parte de uma corporação formada basicamente por “homens”. Como incluir 42 (quarenta e duas)17 mulheres no “oceano” masculino que possui atribuições que condizem, também naturalmente, com

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a vida da caserna? Como conciliar internamente duas qualificações distintas que irão delinear a imagem da própria instituição? Força e razão; sensibilidade e delicadeza.

Uma vez delimitado o corpo simbólico é preciso criar as fronteiras de ação para o corpo físico feminino. A primeira condição estabelecida foi criar diferenciação legal no primeiro curso preparatório para inclusão de mulheres. Com duração de 08 (oito) meses, o curso transformou civis em sargentos18. A quebra na elevação paulatina dos praças para as primeiras policiais evitava a subordinação desse grupo a maior parte do efetivo composto por praças masculinos (cabos e soldados)19. As soldados de primeira classe – assim nomeadas durante o curso de formação de sargentos – foram isoladas no Colégio Militar, em regime de semi-internato, não tendo contato com o restante da tropa. Junto a adolescentes que cursavam o então chamado ensino de 2º Grau, as soldados de 1ª classe ocupavam duas salas de aula normais. Todos os cursos de formação da polícia militar eram realizados na Academia Policial Militar do Guatupê - em regime de internato.

A inclusão do corpo físico da policial militar processa-se através de exclusão da caserna. A criação do 1º Pelotão de Polícia Militar Feminino – Pel PM Fem - e posteriormente a 1ª Cia. PM Fem20 segregava os corpos físicos da policial e do policial. A 1ª Cia PM Fem, após a formatura das Sargentos, funcionava isoladamente em uma casa alugada, onde as 21 (vinte e uma) 3º sargentos e 04 (quatro) 2º sargentos tinham contato com o efetivo masculino somente na figura do comandante (2º Tenente), um sargenteante e um soldado que era o motorista da companhia.

A separação dos corpos foi a base da inclusão excludente de mulheres na instituição viril em 1977-1979. Contrastando com a imagem da policial militar que enfatizava a maternagem, internamente a preocupação da instituição era não incluir em seu quadro efetivo mulheres que possuíssem “encargos de família”. Os requisitos explicitados na diretriz n.º 076/79 substitutiva da diretriz n.º 048/77 formulada no início do CFS – Fem:

Item “(03): ser solteira, não se admitindo o ingresso na organização de mulheres desquitadas, ou divorciadas, viúvas, e amasiadas, mesmo que anteriormente a pretensão de ingresso na Corporação ainda que não possuam encargos de família.” (fl. 08)” – com grifo no original.

Considerando como transgressão disciplinar além das previstas no RDE – Regulamento Disciplinar do Exército – “em razão das peculiaridades (...) (1) comprometer-se irregularmente com encargos de família, principalmente se solteira”. A imagem externa relacionada ao corpo simbólico maternal é ao mesmo tempo negado ao corpo físico no interior da instituição.

O padrão do cabelo, a cor do esmalte, o posicionamento da “bolsa”, a exigência de maquiagem em tons suaves, a saia-calça “com tantos panos, que subiam no atrito com a meia fina”21

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, e principalmente a ausência de arma de fogo, constituem uma figura feminina e ao mesmo tempo des-erotizada.

Ao habitus sexuado socialmente des-historicizado sobre o qual essas mulheres constituem-se como “mulheres” soma-constituem-se a militarização, onde o controle, a contenção, a normatização, são levados ao extremo. Obviamente que as mulheres de carne e osso transgridem paulatinamente a imagem projetada pela corporação ao mesmo tempo que institucionalizam seus corpos adquirindo a héxis corporal viril em diferentes graduações.

Como esse corpo será construído/transformado ao longo dos 29 anos de existência de mulheres na Polícia Militar do Estado do Paraná é ainda um objeto de estudo a ser pesquisado. REFERÊNCAIS:

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 3. ed. Tradução de Maria Helena Kuhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de

Janeiro – 1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

CALAZANS, Márcia Esteves. Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma

segurança cidadã. São Paulo em Perspectiva. Vol. 18. n.1 .São Paulo Jan/mar 2004.

DECRETO-LEI nº 667 de 02 de julho de 1969, artigo 29.

DECRETO-LEI nº 66862 de 02 de Julho de 1970. Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R – 200) Capítulo II. Da Conceituação e da Competência.

DECRETO-LEI nº 3238 de 19 de abril de 76. DIRETRIZ nº 048/77 da PMPR

DIRETRIZ nº 076/79 da PMPR

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhate. Petrópolis: Vozes, 1987. 288 p.

ISMÉRIO, Clarisse. Mulher: a moral e o imaginário 1889-1930. Porto Alegre: EDIPUCR. 1995. 121 p.

MATHIAS, Suzeley Kalil. As mulheres chegam aos quartéis. Jan/2005. MANUAL DO SOLDADO4

OLIVEIRA, Dennison. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba: Ed. da UFPR, 2000. 201 p. SARTI, Cyntia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisando uma trajetória. In: Revista Estudos Feministas, Florionópolis, maio/agosto de 2004. p. 34-50

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1Decreto-Lei 3238 de 19 de abril de 76.

2CALAZANS, Márcia Esteves. Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã. São

Paulo em Perspectiva. Vol. 18. n.1 .São Paulo Jan/mar 2004.

3 Decreto-lei nº 667 de 02 de julho de 1969, artigo 29.

4 Decreto-lei nº 66862 de 02 de Julho de 1970. Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares

(R – 200) Capítulo II. Da Conceituação e da Competência.

5 Ver BRETAS, 1997.

6 A qual situa a polícia na estrutura social como órgão destinado a reprimir/persuadir qualquer tipo de comportamento

individual ou coletivo, impondo os valores sociais dominantes que são os valores da classe dominante.

7Os dois modelos de policiamento que influenciaram o modelo brasileiro foram o francês (centralizada do poder de

polícia organizada nacionalmente) e o modelo inglês (organização organizada no plano local) tomando forma diversa conforme o período histórico (ver BRETAS, 1997)

8 Manual do soldado da PMPR produzido pela Diretoria de Ensino. Segundo BRETAS o poder de polícia corresponde

ao “poder de definir, em muitos casos, o tipo do delito cometido, ou se o delito chegou a ser cometido (...) ignorar ou ‘reclassificar’ ocorrências (...) (Idem. p. 16)

9 Mesmo que atualmente no caso brasileiro a Polícia Judiciária de certa forma concorra de forma inconstitucional com a

ostensividade da Polícia Militar.

10 “Tudo na gênese do habitus feminino e nas condições sociais de sua realização, concorre para fazer da experiência

feminina do corpo o limite da experiência universal do corpo-para-o-outro, incessantemente exposto à objetivação operada pelo olhar e o pelo discurso do outro (BOURDIEU, 2003, p. 79)

11 Idem, p. 9. 12 Diretriz 048/77.

13 Idem. Original sem grifo. 14 Idem.

15 Ver OLIVEIRA, 2000.

16 Ver ISMÉRIO, 1995. Idealização feminina de guardiã da moral e dos bons costumes, ideal positivista e católico. 17 Ao final do curso permanecem 27 mulheres na instituição.

18 As quatro primeiras colocadas foram elevadas ao posto de 2º Sargento e as restantes 3º Sargento.

19 Hierarquia ascendente da PMPR – 1- Praças de Polícia: soldado, cabo, 3º Sargento, 2º sargento, 1º sargento, subtennte

e graduados; Praças Especiais de Polícia: Alunos da Escola de Formação de Oficiais da Polícia, aspirante a oficial; Oficiais de Polícia: 2º Tenente, 1º Tenente, Capitão, Major, Tenente-coronel e Coronel.

20 A qual deixou de existir em 1992.

21 Em entrevistas realizadas com as primeiras policiais, todas as entrevistadas pronunciaram contra o desconforto do

primeiro tipo de fardamento. Em anexo na diretriz 076/79 estão fotos que regulamentam a postura da policial militar, o padrão de cabelo, etc.

Referências

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