• Nenhum resultado encontrado

Doença de Kawasaki simulando quadro séptico: relato de caso

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Doença de Kawasaki simulando quadro séptico: relato de caso"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

287

Doença de Kawasaki simulando quadro séptico: relato de caso

Kawasaki disease simulating sepsis: case report

Doença de Kawasaki simulando uno quadro septico: relato de caso

Angela Esposito1, Gabriele Zamperlini Netto2, Bianca Massaroppe2, João Paulo Becker Lotufo3 Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da USP (HU-USP)

Relato de Caso Case Report Relato de Caso

Resumo

Objetivo: apresentar um caso de Doença de Kawasaki (DK) onde a apresentação inicial foi sugestiva de quadro séptico com comprometimento da função miocárdica. Relato do caso: uma lactente de um ano foi atendida em pronto socorro infantil com febre há 4 dias, em tratamento de otite com amoxacilina. Após o início do antibiótico houve aparecimento de exantema pruriginoso pelo corpo. Ao exame físico foi constatado: regular estado geral, febre elevada, taquicardia, exantema maculopapular generalizado, edema de mãos e pés, hipoperfusão periférica, hepatomegalia, e roncos pulmonares. A criança foi admitida com a hipótese diagnóstica inicial de quadro séptico com insufi ciência cardíaca, e foram iniciados expansão com soro fi siológico, clindamicina e cefotriaxona. Após três expansões de soro houve piora do quadro, com ritmo de galope e estertoração fi na nas bases pulmonares, que reverteram com o uso de diurético. No dia seguinte a manutenção do quadro sugeria a possibilidade diagnóstica de Doença de Kawasaki, e foi iniciada terapêutica de prova com ácido acetilsalicílico e imunoglobulina endovenosa. A criança evoluiu com rápida defervescência e desaparecimento do exantema e das alterações hemodinâmicas. Conclusão: pode haver difi culdade no diagnóstico da DK mesmo quando o paciente preenche o critério diagnóstico, como neste quadro sép-tico. A importância da suspeita precoce reside na possibilidade de prescrição de terapêutica específi ca, que passa a ser encarada progressivamente como um teste terapêutico. As alterações cardiocirculatórias, hepáticas e da orelha média observadas neste caso mostram o amplo espectro clínico desta vasculite sistêmica.

Descritores: Síndrome do linfonodo mucocutâneo. Criança. Sepse.

1Médica Assistente do Pronto Socorro Infantil do HU-USP 2Médico Residente do Departamento de Pediatria da FMUSP

3Mestre em pediatria. Médico Chefe do Pronto Socorro Infantil do HU-USP

287_293 doença de kawazaki.indd 287

(2)

288

Abstract

Objectives: to present a case of the Kawasaky Syndrome (DK) where the clinical presentation suggested septic manifestation with myocardial function compromised. Case report: an one year old girl was admitted to a children emergency room with a complaint of fever lasting for 4 days, while receiving amoxacilin for an otitis treatment. After the antibiotic start a pruriginous exanthem appeared over the body. At the physical exam it was observed a regular clinical condition, tachycardia, a generalized macular rash, feet and hands edema, a bad peripheral perfusion, hepatomegaly and pulmonary rales. The child was supposed to have a sepsis with cardiac insuffi ciency, and IV physiologic solution, clindamicin and cefotriaxone were started. After tree volumetric IV infusions the child worsened, presenting a cardiac gallop rhythm and fi ne rales at the pulmonary basis, signs which reverted under IV diuretics. In the following morn-ing, the clinical picture was reevaluated under the Kawasaki Syndrome hypothesis, so acetylsalicyc acid and immune globulin were started as a therapeutic test. The child fever and exanthem rapidly improved, as happened with the circulatory disturbance. Conclusions: the Kawasaki Disease diagnosis may be diffi cult even when the case fulfi lled the clinical criteria, as occurred with this sepsis. The early suspicion of DK is important as it allows an early and specifi c treatment, which has progressively been seen as a therapeutic test. The haemodinamic and hepatic alterations, and the medium otitis observed at this case show the broad clinical spectrum of DK vasculitis.

Keywords: Mucocutaneous Lymph Node Sindrome. Child. Sepsis.

Resumen

Objectivo: presentar un caso de Enfermedad de Kawasaki (EK) cuya presentación inicial fue sugestiva de cuadro séptico con comprometimiento de la función miocárdica. Relato do caso: una lactante de un año fue atendida en pronto socorro infantil con fi ebre de 4 días, estaba en tratamiento de otitis con amoxacilina. Después de iniciado el antibiótico hubo aparecimiento de exantema pruriginoso por el cuerpo. Al examen físico fue constatado: regular estado general, fi ebre elevada, taquicardia, exantema maculopapular generalizado, hinchazón de manos y de pies, hipo perfusión periférica, hepatomegalia y roncos pulmonares. La niña fue admitida con la hipótesis diagnóstica ini-cial de cuadro séptico con insufi ciencia cardiaca, y fueron iniciados: expansión con suero fi siológico, clindamicina y cefotriaxona. Después de 3 expansiones de suero hubo peora del cuadro, con ritmo de galope y esteroración fi na en las bases pulmonares que revirtieron con el uso de diurético. Al día siguiente, la manutención del cuadro sugería la posibilidad diagnóstica de enfermedad de Kawasaki, y fue iniciada terapéutica de prueba con ácido acetilsalicílico e inmunoglobulina endovenosa. La paciente evoluyó con rápida defervescencia y desaparecimiento del exantema y de las alteraciones hemodinámicas. Conclusión: puede haber difi cultad en el diagnóstico de la EK aunque el paciente tenga el criterio diagnóstico, como en este cuadro séptico. La importancia de la sospecha reside en la posibilidad de prescripción de terapéutica específi ca, que pasa a ser encarada progresivamente como un teste terapéutico. Las alteraciones cardiocirculatórias, hepáticas y del oído medio, observadas en este caso muestran el amplio espectro clínico de esta vasculitis sistémica.

Palabras clave: Síndrome del linfonodo muco cutáneo. Niño. Sepsis.

287_293 doença de kawazaki.indd 288

(3)

289

Introdução

A Doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite aguda, sistêmica e autolimitada, de etiologia desconhecida. Não há um exame auxiliar específi co da doença, porém os aspectos clínicos sugestivos são utilizados como critério diagnóstico1,2. Há dificuldade no estabelecimento do diagnóstico em uma parcela considerável dos pacien-tes, como neste caso, que deve ser de conhecimento do pediatra.

Na fase aguda da DK, que dura de 7 a 14 dias, habi-tualmente ocorrem a maioria dos sinais e sintomas: febre alta, artralgia, conjuntivite, artrite, enantema, exantema e adenomegalia cervical2. O diagnóstico pode ser difícil quando as manifestações clínicas ainda estão incom-pletas, e nos casos atípicos. A DK pode simular uma variedade de outras vasculites como a farmacodermia, quadros reumáticos, infecciosos virais, estafi lococcias, estreptococcias, e até mesmo o quadro séptico1-3.

No coração, é freqüente o comprometimento miocár-dico durante a fase aguda da DK, em 50-70% dos casos, conforme observado em estudos com a utilização de radioisótopos e em exames histológicos1. De modo geral, as alterações infl amatórias do miocárdio não originam manifestações clínicas; mas estas podem ocorrer como síndrome de baixo débito, inclusive choque, e arritmias, em alguns casos1. O acometimento miocárdico na DK é independente da afecção das coronárias. Os aneurismas de coronária são mais tardios e, aparentemente, não têm relação com a intensidade do acometimento miocárdico na fase aguda1.

O presente relato de caso de doença de Kawasaki ob-jetiva relatar a difi culdade diagnóstica em um caso com apresentação clínica inicial de quadro séptico e possível comprometimento miocárdico.

Relato de Caso

GPA, um ano, parda, natural da Bahia, e residente em São Paulo desde os 6 meses de vida, foi levada ao Pronto Socorro Pediátrico do Hospital Universitário da USP em janeiro de 2005 pelos responsáveis, com his-tória de febre não aferida há 4 dias. Estava em uso de amoxacilina, receitada por facultativo, que estabeleceu o diagnóstico de otite média aguda aos dois dias de fe-bre. A mãe relatava a presença de manchas vermelhas generalizadas pelo corpo, com prurido, desde o início da medicação, assim como o inchaço dos pés.

Ao exame físico de entrada verifi cou-se regular esta-do geral, irritação, febre (temperatura axilar de 39,4°C), taquipnéia (48 incursões por minuto), taquicardia (169 batimentos por minuto), pressão arterial de 106x54 mm Hg, perfusão periférica lentifi cada (tempo de enchimento capilar de 5 segundos). Na pele havia exantema ma-culopapular generalizado, mais acentuado em tronco, abdome e raiz de membros. A mucosa conjuntival estava hiperemiada e sem secreção, com edema moderado bilateralmente. A cavidade oral apresentava fi ssuras e hiperemia nos lábios, e, no dorso da língua, também havia hiperemia e aumento das papilas (língua em framboesa). Estava presente um edema moderado em mãos e pés. A ausculta apresentava roncos difusos, a avaliação cardíaca mostrava taquicardia, e a palpação do fígado era feita a 3,5 cm do rebordo costal direito, com dor.

Foi feita a hipótese diagnóstica inicial de quadro séptico com alteração de perfusão periférica. A criança foi medicada com antitérmico e iniciada expansão com solução fi siológica em volume de 20 mL/kg. Foram co-letadas hemo, uro e coproculturas, realizada radiografi a simples de tórax, e iniciada antibioticoterapia com cefo-triaxona e clindamicina. Como não houvesse melhora dos parâmetros hemodinâmicos foram realizadas mais duas expansões com solução fi siológica em volume de 20 mL/kg. Porém, na reavaliação do paciente mantinham-se a taquicardia e a lentifi cação do enchimento capilar, não havia diurese, e a ausculta pulmonar piorara, com estertoração fi na nas duas bases. Houve aparecimento de terceira bulha (ritmo de galope) na ausculta cardíaca e aumento da hepatomegalia, com fígado palpável a 5 cm do rebordo costal direito. A criança foi admitida na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), onde permaneceu em monitorização cardíaca, recebeu furosemide na dose de 1 mg/kg, com melhora clínica: houve diminuição da freqüência cardíaca (FC = 145 bpm), desaparecimento da estertoração pulmonar, e diurese de 5,7 mL/kg/hora.

Nos exames laboratoriais, o hemograma de admissão apresentava 20.400 leucócitos/mm3 - metamielócitos 1%, bastonetes 4%, segmentados 54%, eosinófi los 5%, linfócitos 34%, e monócitos 2%. A urina I mostrava pH 6, densidade 1020, proteínas 53 mg/dL, 98.750 leucócitos e 32.750 hemácias por mm3; o PCR era de 191 mg/dL, a TGP/AST 81 u/L, TGO/ALT 520 u/L, CKMB 1 ng/mL e troponina inferior a 2 ng/mL. Na radiografi a simples de tórax em AP não havia condensação pulmonar ou aumen-to de área cardíaca evidentes. O eletrocardiograma e o ecocardiograma não mostravam alteração.

287_293 doença de kawazaki.indd 289

(4)

290

A evolução clínica insatisfatória com a expansão de volume realizada, e o exantema presente, levaram a uma revisão do diagnóstico presuntivo de quadro séptico bacteriano. Foi, então, considerada possível a ocorrên-cia da Doença de Kawasaki. A partir deste momento foi prescrito ácido acetil salicílico (AAS) na dosagem de 80 mg/kg/dia e infundida imunoglobulina humana na dosa-gem de 2,0 g/Kg em 12 horas. Nas primeiras 24 horas após o início desta terapêutica específi ca, a criança fi cou afebril e permaceu hemodinamicamente estável; teve alta para a enfermaria no segundo dia de internação na UTIP. No quinto dia de internação apresentou descama-ção de pálpebras e periungueal. Houve manutendescama-ção dos antibióticos até a verifi cação dos resultados negativos das culturas, no sétimo dia, quando a paciente teve alta. No seguimento ambulatorial, a criança não apresentou recorrência de qualquer dos sinais e sintomas clínicos ou alterações ecocardiográfi cas e eletrocardiográfi cas, até o momento da publicação do artigo.

Discussão

O presente caso de DK teve apresentação clínica de quadro séptico. Este diagnóstico sindrômico foi feito com base em critérios estabelecidos: febre > 38,3oC, freqüência cardíaca superior a dois desvios padrões

para a idade, leucocitose, proteína C reativa maior do que dois desvios padrões, e enchimento capilar redu-zido. A depressão miocárdica, da resposta infl amatória sistêmica, foi inferida a partir da resposta desfavorável à infusão volêmica - ritmo de galope, estertores crepitantes e progressão da hepatomegalia11,12. Neste aspecto, o diagnóstico e condutas iniciais foram adequados. Porém, a etiologia suposta inicialmente para a paciente foi teriana, equivocadamente. A presunção de etiologia bac-teriana foi calcada na maior freqüência destes agentes, e no relato de um possível foco inicial na orelha média, reconhecido por facultativo.

O diagnóstico correto de DK para este caso foi feito durante a evolução clínica, como muitas vezes ocorre, com o aparecimento de outras manifestações e/ou a exclusão de outra etiologia. No presente caso, as cul-turas negativas e a ausência de comprovação de foco bacteriano reduziram em muito a possibilidade de etio-logia bacteriana; de outro lado, a rápida defervescência após o início do uso do AAS indicaram a ocorrência da DK. Havia, desde o atendimento inicial da paciente, ele-mentos clínicos que preenchiam o critério diagnóstico compatível com a DK – febre com cinco ou mais dias e quatro outros sinais clínicos

Tabela 1 - Critérios diagnósticos da Doença de Kawasaki Febre por cinco dias* ou mais e

Quatro dos sinais seguintes * 1) Exantema polimorfo*

2) Conjuntivite não exsudativa* 3) Alterações de mucosa* eritema de mucosa eritema e fi ssuras labiais língua em framboesa

4) Adenomegalia não supurativa cervical (>1,5 cm) 5) Alteração de extremidades*

- eritema palmo plantar - edema de mãos e pés

- descamação de extremidades em dedo de luva * alterações presentes no caso

287_293 doença de kawazaki.indd 290

(5)

291 Não há exames laboratoriais relevantes para o

dia-gnóstico, existem apenas algumas alterações que corro-boram o diagnóstico. A leucocitose sanguínea, em valo-res superiovalo-res a 15000/mm3, com predomínio de formas imaturas, ocorre na fase aguda da doença em metade dos pacientes. A trombocitose é mais tardia, entre a se-gunda e terceira semana da evolução, com valor entre 500.000 e 1 milhão de plaquetas/mm3. A plaquetopenia pode ser ocasionalmente observada, em casos com for-mação de aneurismas de artérias coronárias1.

Em alguns pacientes com DK, as manifestações clínicas são limitadas e insufi cientes para preencher o critério diagnóstico acima descrito. Excluídas outras do-enças, estes casos são diagnosticados como Doença de Kawasaki incompleta ou atípica. Esta apresentação é mais comum em lactentes, que apresentam apenas febre e exantema, com alterações laboratoriais semelhantes à forma clássica. Nestes casos, a temível coronarite tam-bém pode ocorrer. Por este motivo, o diagnóstico de DK deve ser considerado em toda criança com febre inexpli-cada por mais de 5 dias, associada a duas ou três das outras manifestações clínicas associadas (Tabela 1). Nos menores de seis meses com febre por mais de 7 dias e quadro clínico escasso, deve ser realizado ecocardiogra-ma para avaliar sinais de coronarite1.

Há um extenso espectro de manifestações clínicas da DK, decorrente de alteração em qualquer órgão ou siste-ma. Destacou-se neste caso de DK a depressão miocár-dica, observada clinicamente, porém sem comprovação por recurso auxiliar. O acometimento cardíaco na fase aguda é habitualmente benigno, sem expressão clínica. Porém, casos mais intensos e inclusive fatais, já foram observados previamente. O exame físico de uma criança na fase aguda da DK geralmente revela apenas um esta-do hiperdinâmico, com taquicardia, e por vezes ritmo de galope e sopro inocente1. As alterações miocárdicas são transitórias, e a contratilidade miocárdica volta ao normal nos casos não fatais, com resolução rápida após tera-pêutica com imunoglobulina, simultaneamente à melhora das outras manifestações clinicas1,2-8. Esta reversibilida-de imediata sugere que o mecanismo reversibilida-de reversibilida-depressão da contratilidade miocárdica é provocado por toxinas e/ou citocinas. Sob aspecto histológico, o miocárdio apresenta infi ltrado infl amatório entre as fi bras musculares, que é observado em 50 a 70% dos pacientes que falecem ou são biopsiados na fase aguda da doença. A severidade da miocardite, não parece ter correlação com a ocorrência do aneurisma coronariano, complicação mais relevante.

Outra manifestação clínica que foi observada no caso em foco foi a hepatomegalia com elevação de transami-nases, indicativas de acometimento hepático. Esta altera-ção pode ter decorrido tanto pela insufi ciência cardíaca, como por hepatite na vigência da DK. A rápida regressão da hepatomegalia e das enzimas sugerem que a hepa-topatia foi secundária à insufi ciência cardíaca. Outras manifestações clínicas pouco freqüentes podem ocorrer no sistema nervoso central (irritabilidade, paralisia facial periférica unilateral, meningite asséptica), no sistema os-teoarticular (artralgia e artrite), no sistema digestório (diar-réia, vômitos, dor abdominal, cólica biliar sem litíase), e no sistema respiratório (pneumonite e otite média). Em relação a este último aspecto, deve ser observado que um facultativo havia observado otite nesta paciente, pos-sivelmente associada à DK. A BCGíte não foi observada no caso, sinal diagnóstico bastante sugestivo da doença. Há cerca de quatro décadas, em 1967, Tomisaku Kawasaki descreveu 50 crianças japonesas com a doen-ça que recebeu seu nome, caracterizada por febre, exan-tema, hiperemia conjuntival, eritema e edema de mãos e pés e linfoadenomegalia cervical3. A DK é mais freqüente e grave em meninos, 80% das crianças acometidas têm menos de 4 anos, e é rara antes dos 3 meses de idade2,3. É mais freqüente em orientais e seus descendentes. Nos EUA, a incidência anual por 100.000 crianças menores de cinco anos é de 10 casos para não descendentes de asiáticos e 95 pacientes entre os descendentes de asiáti-cos, incidência idêntica à verifi cada no Japão.

A partir da descrição inicial, a DK foi reconhecida em todo o mundo, constituindo a segunda causa de vasculite mais freqüente em pediatria, após a púrpura de Henoch Schöenlein. A etiologia permanece desconhecida e al-gum agente infeccioso parece atuar como fator desenca-deante de uma resposta imunológica exacerbada ou não controlada1,2-5. Vários produtos infl amatórios estão envol-vidos, como as citocinas, interleucinas - IL1 e IL6, fator de necrose tumoral e interferom gama. O maior problema nesta doença sistêmica e autolimitada é o envolvimento coronariano, que ocorre em 15 a 25% das crianças não tratadas, percentual que se reduz para 1 a 2% nas que recebem imunoglobulina antes de 10 dias de doença. Por esta complicação, a DK supera, nos dias correntes, a febre reumática como causa de cardiopatia adquirida na infância nos EUA e no Japão. Isto resulta em taxa de mortalidade de aproximadamente 1% nas crianças ame-ricanas afetadas, porém, nas menores de 1 ano, pode chegar a 4%. No Japão, com suspeita e tratamento pre-coces da DK, a taxa de mortalidade é menor - de 0,1 a 0,3% dos casos.

287_293 doença de kawazaki.indd 291

(6)

292

O tratamento atualmente recomendado é o uso de ga-maglobulina endovenosa na dose de 2 gramas por quilo de peso em dose única, que deve ser aplicada nos primei-ros 10 dias da fase aguda da doença. Doses adicionais de imunoglobulina são preconizadas para os pacientes que não respondem adequadamente ao tratamento inicial5-7. Em todos os casos, também está indicado o uso de aspi-rina em dose antiinfl amatória, 80 a 100 mg/kg/dia, até o desaparecimento da febre1,2. Nos pacientes com alergia à aspirina, o dipiridamol pode ser usado como antiagre-gante plaquetário. O uso de corticóide no tratamento na DK continua controverso. Alguns estudos mostraram que o corticóide na fase aguda da doença poderia favorecer o

aparecimento de aneurismas coronarianos, desta forma, o uso de pulsoterapia com metilprednisolona tem sido preconizado apenas para o tratamento de aneurismas não responsivos ao uso da imunoglobulina3,6. Existem poucos dados na literatura sobre a prevalência ou o manejo terapêutico da DK atípica ou incompleta. Frente ao risco de lesão coronariana, 30% dos pacientes com suspeita clínica recebem tratamento específi co, mesmo na ausência do critério diagnóstico clássico. Isto indica a necessidade de otimizar o diagnóstico para aprimorar a conduta, nesta circunstância10. O acompanhamento mé-dico especializado deve ser uma rotina durante e após a fase aguda da doença1,2,9.

Conclusões

Pode haver difi culdade no diagnóstico da DK mes-mo quando o paciente preenche o critério diagnóstico, como no quadro séptico, assim como é reconhecido para os casos atípicos. A importância da suspeita preco-ce reside na possibilidade de prescrição de terapêutica

específi ca, que passa a ser encarada progressivamente como um teste terapêutico. As alterações cardiocircula-tórias, hepáticas e da orelha média observadas neste caso mostram o amplo espectro clínico desta vasculite sistêmica.

287_293 doença de kawazaki.indd 292

(7)

293

Endereço para correspondência: Dra. Ângela Espósito

Divisão de Pediatria do Hospital Universitário USP Av. Prof.: Lineu Prestes, 2565- Cidade Universitária Tel. 3039-9333 – CEP.05508-900 - São Paulo -SP E-mail - angela@hu.usp.br

Recebido para publicação: 15/05/2005

Aceito para publicação: 08/10/2005

Referências

1. Newburger JW, Takahashi M, Gerber MA, Gewitz MH, Tani LY, Burns JC et al. Diagnosis, treatment, and long-term management of Kawasaki disease: a statement for health professionals from the Commit-tee on Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease, Council on Cardiovascular Disease in the Young, American Heart Association. Pediatrics 2004;114:1708-33.

2. Burns JC, Glode MP. Kawasaki syndrome review. Lancet 2004;364:533-44.

3. Brogan PA, Bose A, Burgner D, Shingadia D, Tulloh R, Michie C et al. Kawasaki disease: an evidence based approach to diagnosis, treatment, and propos-als for future research. Arch Dis Child. 2002;86:286-90.

4. Yanagawa H, Yashiro M, Nakamura Y, Kawasaki T. Results of 12 nationwide epidemiological incidence surveys of Kawasaki disease in Japan. Arch Pediatr Adolesc Med 1995;149:779-83.

5. Belay ED, Erdman DD, Anderson LJ, Peret TC, Schrag SJ, Fields BS et al. Kawasaki disease and human coronavirus. J Infect. Dis 2005;192:352-3. 6. Onouchi Z, Hamaoka K, Sakata K, Ozawa S,

Shiraishi I, Itoi T et al. Long-term changes in

coro-nary artery aneurysms in patients with Kawasaki disease: comparison of therapeutic regimens. Circ J 2005;69:265-72.

7. Miura M, Ohki H, Tsuchihashi T, Yamagishi H, Katada Y, Yamada K et al. Coronary risk factors in Kawasaki disease treated with additional gamaglobulin. Arch Dis Child 2004;89:776-80.

8. Furuyama H, Odagawa Y, Katoh C. Altered myocar-dial fl ow reserve and endothelial function late after Kawasaki disease. J Pediatr 2003;142:149-54. 9. Pannaraj PS, Turner CL, Bastian JF, Burns JC.

Fail-ure to diagnose Kawasaki disease at the extremes of the pediatric age range. Pediatr Infect Dis J 2004;23:789-91.

10. Simonni G, Rose CD, Vierucci A, Falcini F, Athreya BH. Diagnosing kawasaki syndrome: the need for a new clinical tool. Rheumatology 2005; 44:959-61 11. Carvalho PRA, Trotta EA. Avanços no

diagnós-tico e tratamento da sepse. J Pediatr (Rio J) 2003;79(Supl.2):S195-S204

12. Hotchkiss RS, Karl IE. The pathophysiology and treatment of sepsis. N Engl J Med 2003;348:138-50.

287_293 doença de kawazaki.indd 293

Referências

Documentos relacionados

O objetivo deste artigo é relatar um caso de isquemia mesentérica aguda com ênfase na avaliação inicial, diagnóstico e tratamento da doença voltada aos profissionais

Dessa forma, o presente trabalho teve como objetivo relatar o caso de bruxismo em vigília de um paciente atendido na Clínica da Faculdade de Odontologia da

Perda visual bilateral grave como sinal de apresentação de trombose de seio venoso cerebral: relato de caso... RELATO DO

apresentar um caso de linfoma ósseo pri- mário simultâneo a um osteocondroma, que aos exames de imagem simulava uma degeneração sarcomatosa no terço proxi- mal da tíbia.. RELATO

O objetivo deste estudo é relatar um caso de uma criança que foi encaminhada ao nosso hospital e revisar a literatura re- ferente ao tumor de Wilms extra-renal.. RELATO

O objetivo deste estudo foi rever o tratamento da sepse na gestação e relatar um caso de gestante com sepse grave que evoluiu favoravelmente.. RELATO DO CASO : Paciente com 22

Dessa forma, este artigo tem como objetivo relatar um caso de pseudoaneurisma de artéria gastroduodenal devido à pancreatite crônica.. APRESENTAÇÃO

Paracoccidioidomicose ocular: relato de um caso de doença multifocal com envolvimento da pálpebra e, presumivelmente, da córnea, vítreo e retina.. APRESENTAÇÃO DO