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Os italianos de Juiz de Fora e as medidas nacionalistas do Estado Novo.

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Academic year: 2021

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Valéria Leão Ferenzini *

Resumo:Com a ascensão do fascismo na Itália, e o fascínio exercido sobre os italianos do mundo inteiro, as ligações

com a terra de origem tornaram-se mais fortes. Neste contexto e dentro de um clima de empolgação patriótica, foi construída e inaugurada a Casa d’ Itália de Juiz de Fora, sendo logo em seguida fechada, devido ao choque entre o projeto de inspiração fascista e o projeto nacionalista do Estado Novo. Já que neste período foram estabelecidas medidas repressivas e traumáticas contra os estrangeiros no país, especialmente os associados ao Eixo.

Palavras-chave: Imigração Italiana; Fascismo; Estado Novo.

Abstract: With the rise of the Fascism in Italy, and the fascination held for the Italians from all over the world, the

links with the homeland became stronger. In this context, it was built and inaugurated Casa d’Itália in Juiz de Fora, being closed right after, due to the clash between the fascist inspiration project and nationalist project of the New State, since, in this period, repressive and traumatic measures were established against foreigners in the country, especially the ones associated with the Axis.

Keywords: Italian Immigration; Fascism; New State.

A partir da ascensão do fascismo, nos anos vinte e trinta do século XX, inaugurou-se uma nova fase na relação das colônias italianas com a terra de origem, já que, a partir de objetivos nacionalistas e imperialistas, Mussolini jogou com as ambigüidades e contradições da imigração, buscando ampliar o número de adeptos no exterior, e também manter as remessas em favor da Itália.

Neste sentido, várias estratégias foram utilizadas para interferir no cotidiano dos italianos fora da Itália, buscando incentivar o amor pela Itália, e o sentimento de italianidade, além de construir a imagem de uma Itália grande e poderosa. Este projeto fascista exerceu um grande fascínio sobre a maior parte dos italianos no mundo inteiro, que demonstraram sua adesão através de várias atividades e manifestações em favor do regime.

*

Doutoranda em História Social pela UFRJ. Comunicação apresentada em novembro de 2207, no I SIMPÓSIO DO LABORATÓRIO DE HISTÓRIA POLÍTICA E SOCIAL: 70 ANOS DO ESTADO NOVO.

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No entanto, no final da década de trinta, o projeto de inspiração fascista entrou em choque com o projeto nacionalista do Estado Novo, chegando ao ponto culminante em 1942, quando o Brasil rompeu relações com os países do Eixo. Ao longo deste período foram tomadas várias medidas contra estrangeiros – especialmente alemães, italianos e japoneses. Assim, escolas, clubes, hospitais e associações foram fechadas ou tiveram que modificar seus nomes e estatutos; e o uso da língua materna ou de dialetos foi proibido. Estas medidas empreendidas em todo o Brasil, resultaram em uma experiência traumática e grave crise cultural para comunidades inteiras.

Desde o início da instalação dos imigrantes italianos no Brasil, a partir de meados do século XIX, predominou a construção de uma identidade étnica contrastiva, 1 baseada na afirmação de um grupo através da diferenciação ou oposição em relação a outro, 2 e na valorização de traços diferenciais associados a uma origem comum: laços de ascendência e sangue, cultura e língua. 3

O reforço destes traços diferenciais tornou-se ainda mais nítido, a partir da ascensão do fascismo, já que neste período, a Itália e o regime de Mussolini gozavam de um grande prestígio internacional, disseminando a idéia de que o país havia alcançado força, estabilidade e credibilidade, o que causava orgulho nos italianos e seus filhos, no Brasil e em outros países atingidos pela grande emigração. 4

Conquistar os italianos fora da Itália era também um projeto do governo fascista. Por isto, ao chegar ao poder, Mussolini telegrafou aos italianos da América, com a intenção de demonstrar a importância dos mesmos junto ao novo governo 5 Era importante manter os vínculos dos emigrados com a terra de origem, evitando a completa absorção, e a naturalização do emigrado, pois segundo um embaixador italiano, isto poderia ser desfavorável para as “remessas de fundos à pátria”. 6

Além disto, várias medidas foram implementadas no sentido de interferir no cotidiano dos italianos fora da Itália. Dentre elas destacamos: escolas, livros didáticos, cadernos escolares,

1

SEYFERTH, Giralda. Imigração, Colonização e Identidade Étnica : (notas sobre a emergência da etnicidade em grupos de origem européia no sul do Brasil). Revista de Antropologia. V. 29. São Paulo: USP. 1986. p. 65;

2

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade Étnica e Estrutura Social. Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. São Paulo: Editora Unesp.1998. p. 5 e 6;

3

SEYFERTH, Giralda. As identidades dos imigrantes e o melting pot nacional. Horizontes Antropológicos, nr.14. Porto Alegre: PPGAS, 2000. p . 149 e 152.

4

TRENTO, Ângelo. Do Outro Lado do Atlântico: Um Século de Imigração Italiana no Brasil. Instituto Italiano

di Cultura di San Paolo - Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro. s.ed. São Paulo: Nobel, 1989. p.302.

5

RIOS, José Arthur. Aspectos políticos da Assimilação do Italiano no Brasil. s. ed. São Paulo: Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, [19-]. 75 p. (publicações avulsas da Revista de Sociologia, 4); p. 54.

6

IANNI, Constantino. Homens sem paz: os conflitos e os bastidores da imigração italiana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A. 1972. p. 116 e 117.

(3)

colônias de férias; Opera Nazionale Dopolavoro, para socializar as classes populares; Institutos Ítalo-Brasileiros de Alta Cultura; criação de representações do Partido Nacional Fascista (PNF); fundação das Casas da Itália, na década de trinta; expurgo do corpo diplomático e ocupação dos cargos por cônsules fascistas; na década de vinte ocorre também a adesão da imprensa; incentivo a manifestações favoráveis à Itália fascista.

A partir dessas diretrizes, uma parte significativa da colônia italiana no Brasil, e também em Juiz de Fora, entrou em sintonia com o projeto fascista. Durante a década de trinta, a colônia viveu um momento de apogeu e euforia, realizando comemorações em homenagem à marcha sobre Roma, ao aniversário do regime, além de outras manifestações patrióticas; várias recepções para autoridades diplomáticas e personalidades ligadas ao fascismo; manifestações e subscrições em favor da atuação da Itália na guerra da Etiópia; e também a criação de algumas instituições promovidas pelo fascismo. 7

Uma das iniciativas mais significativas da colônia de Juiz de Fora, no contexto do fascismo, foi a construção da “Casa d’ Itália”. Um projeto de um edifício grandioso, que seria um centro de convivência ítalo-brasileira, e que foi concebido num momento em que a colônia foi tomada por um clima patriótico e de empolgação com a projeção da Itália sob o regime de Mussolini.8 As “Casas da Itália” foram criadas na década de trinta, a partir de diretrizes provenientes de Roma, com o objetivo de reunir no mesmo espaço as diversas associações existentes, ampliando o controle sobre as mesmas; também serviriam para a celebração das datas do regime. 9

A Casa d´Italia de Juiz de Fora foi construída com a colaboração e empenho de parte da colônia, através de várias subscrições, e de doações generosas feitas por várias personalidades da colônia, como Pantaleone Arcuri, e muitos comerciantes italianos. Ela serviria à comunidade italiana em atividades como: instrução, escola, biblioteca, hospital, beneficência, lazer e esporte. Dentre os vários compartimentos e equipamentos existiam: salão-auditório, salão de festas, palco, bar, cinematógrafo, quadras de esporte, salas de aula, sala do fascio. 10 Além disto, o prédio foi

7 AHPJF - Informações extraídas de vários exemplares do Jornal Diário Mercantil, durante a década de 1930. 8 AIPJF - Processo de Tombamento da Casa d’ Itália. Fundo IPLAN (Instituto de Pesquisa e Planejamento),

Arquivo da Divisão de Comunicação da Secretaria Municipal da Prefeitura de Juiz de Fora. Processo nr. 6372/84, assinado por Luiz Alberto do Prado Passaglia, 31/05/1985. p. 88.

9

TRENTO, Ângelo. Op. cit., p. 333 e 345.

10

AIPJF - Processo de Tombamento da Casa d’ Itália. Fundo IPLAN (Instituto de Pesquisa e Planejamento), Arquivo da Divisão de Comunicação da Secretaria Municipal da Prefeitura de Juiz de Fora. Processo nr. 6372/84, assinado por Luiz Alberto do Prado Passaglia, 31/05/1985. p. 88.

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construído dentro da simbologia estética fascista, contando inclusive, com a presença do símbolo estilizado do fascio nas grades do portão de entrada, e também nos tacos do piso do salão.11

Segundo um documento de 1938, a Casa d’ Itália abrigaria a Società Italiana de Mutuo

Soccorso e Beneficenza “Umberto I”, a Associação Nacional dos ex-Combatentes, a Associação Dopolavoro, o Comitato da Sociedade Dante Alighieri, 12 e o Fascio. Além de reunir estas associações, a Casa d’ Itália, de Juiz de Fora, também criou o Instituto Ítalo-Brasileiro de Alta Cultura, inaugurado em 13 de julho de 1940 13.

O Instituto Ítalo-Brasileiro de Alta Cultura de Juiz de Fora, seguia o exemplo dos que existiram em São Paulo e no Rio de Janeiro, sendo mais uma das medidas do fascismo para estreitar as relações culturais entre Itália e Brasil, e tendo como objetivo incentivar o intercâmbio cultural entre os dois países, além de promover uma valorização da cultura italiana. 14 Em Juiz de Fora, o Instituto promovia palestras sobre arte, música, filosofia, engenharia, física, além de apresentações musicais, e cursos de língua italiana e latim.

A Dopolavoro – após o trabalho - , ou “Opera Nazionale Dopolavoro” (OND), era uma entidade que tinha o objetivo de organizar as atividades recreativas e culturais dos trabalhadores, e tinha um papel fundamental na socialização das classes populares.15 Suas promoções incluíam: teatro amador, projeções de filmes, atividades recreativas (tardes dançantes) e esportivas (basquete, futebol, bocha, excursões, ciclismo, motociclismo, atletismo). 16

A OND e os Fasci, tinham também a função de exibir filmes propagandísticos – noticiários e documentários - que exaltavam as realizações internas e internacionais da Itália. 17 Já prevendo tais atividades, a Casa d’ Italia foi projetada com um salão-auditório, equipado com uma cabine e máquina cinematográfica. 18

Todas estas iniciativas faziam parte de um momento altamente favorável, quando a Itália e o fascismo gozavam de aceitação internacional. Assim, também no Brasil, com a ascensão de Vargas nos anos trinta, a simpatia em relação ao fascismo e a Mussolini começa a crescer. Após o movimento de trinta, a Itália foi o primeiro país a reconhecer o governo provisório. E em 1936, durante às agressões contra a Etiópia, o Brasil recusou-se a aplicar sanções contra a Itália. E, a

11 Idem p . 87.

12 APM – DOPS. Estatutos da Sociedade Casa D’ Itália. Pasta 4703, Imagem, 209, p. 2.

13

AHPJF - Diário Mercantil, 13/07/1940, p. 3, edição da manhã. INSTITUTO ITALO-BRASILEIRO DE ALTA CULTURA.

14

CERVO, Amado Luiz. As relações históricas entre o Brasil e a Itália: o papel da diplomacia. Brasília, DF; São Paulo: Instituto Italiano di Cultura, 1992. Op. cit., p. 140.

15 TRENTO, Ângelo. Op. cit., p. 323, 340, 341. 16

Idem. p.341.

17 Idem. p. 339.

(5)

partir do Estado Novo as relações se estreitam ainda mais, abrindo uma fase de elogios ao governo italiano, e suas realizações internas e externas. A própria imprensa nacional citava frequentemente seus feitos, e comparava os dois regimes. 19

Assim, durante a década de trinta, as simpatias recíprocas favoreceram o estabelecimento das diversas diretrizes do governo fascista de Mussolini no sentido de interferir na vida dos italianos no exterior, buscando retardar a assimilação e lembrar aos descendentes suas origens, fazendo a situação dos italianos também se tornar mais complexa . 20

No decorrer do período correspondente ao Estado Novo, o projeto fascista acabou se chocando com o projeto nacionalista de Vargas, através das medidas nacionalizadoras. Neste período, as temáticas recorrentes durante todo o processo imigratório, como miscigenação e assimilação, tornam-se ainda mais agudas, visando especialmente os chamados enquistamentos étnicos. Os objetivos eram a mudança do heterogêneo para o homogêneo, através do abrasileiramento e posteriormente a fusão de raças. 21

A situação dos estrangeiros no Brasil tornou-se ainda mais grave, devido às ações políticas da Alemanha, mais do que as da Itália, criando um confronto de nacionalismos dentro do próprio país. Daí as atitudes drásticas de Vargas, no sentido de barrar a influência do Eixo, vista como subversiva, principalmente a partir de 1942. Assim, as medidas irão atingir todos os estrangeiros, mesmo aqueles que não estavam envolvidos com atividades políticas. 22

A partir da implantação do Estado Novo, a vida dos estrangeiros no país passa por uma reviravolta, em decorrência da implantação de uma série de leis sobre estrangeiros, proibindo atividades econômicas, políticas e culturais. 23 Também foi criada uma fiscalização rigorosa e uma burocracia, que fazia com que o cotidiano destes grupos estivesse constantemente vinculado à vigilância policial. Neste sentido, mesmo a permissão para as atividades econômicas passavam pelas mãos do delegado João Luiz Alves Valadão, como vemos no documento a seguir:

RADIOGRAMA

De Juiz de Fora N. 155 Ap. Data 23-8-38 Hora 14.35

19

TRENTO, Ângelo. Op. cit., p. 337 e 338.

20

LUCA, Tânia Regina de. As sociedades de socorros mútuos italianas em São Paulo. In: BONI, Luis Alberto DE. (org.). A presença Italiana no Brasil. Porto Alegre; Torino: Escola Superior de Teologia; Fondazione Giovani Agnelli, 1990. v.II. p.399.

21 SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: Repensando o

Estado Novo. PANDOLFI, Dulce Chaves. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. p.217 e 218;

22 CERVO, Amado Luiz. Op. cit., p. 149. 23

CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo. In: DE BONI, Luis Alberto (org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia; Torino: Fondazione Giovani Agnelli, 1987. p. 373.

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Dr, Orlando Moretzsohn b. Hte.

Estrangeiros que pretendem atestado de conduta para registro de comercio querem saber si precisam ir à Belo Horizonte ou se podem pedir atestado aqui para ser aí completado.

Sds. Valadão 24

A partir de 1938, os decretos se sucedem com rapidez e vão cerceando toda a liberdade e abarcando todos os aspectos da vida dos estrangeiros no país. Assim, de acordo com o decreto de 17.3.1938, eles passam a ter que provar sua situação de permanência regularizada no país, para que pudessem obter matrícula, inscrição de firma individual, arquivamento de contrato, e de quaisquer outros documentos do Registro do Comércio. Outro decreto de 18.04.1938 proibia as atividades políticas e fechava as organizações políticas e para-militares dos italianos e alemães. O de 25.04.1938, estabelecia nova lei da naturalização. E o de 27.04.1938, implantava uma nova lei de expulsão de estrangeiros, que desta vez tinha como alvo principal os imigrantes de direita, especialmente alemães e italianos (CORSETTI, p. 373) 25 .

Documentos da década de quarenta demonstram como todos estes decretos se articulavam, tolhendo todos os movimentos dos estrangeiros, que se dirigiam em grande número á Delegacia de Ordem Pública, fazendo as seguintes solicitações:

Exmº Snr. Dr. Delegado de Ordem Publica.

ETTORE RIVELLI, abaixo assinado, residente nesta cidade de Juiz de Fora, á rua Benjamim Constant, nº 965, para fins de naturalização, requer a V. Excia. Atestado relativamente a antecedentes políticos sociais, declarando que não professa idéas políticas e sociais contrarias ao regimen e instituições vigentes no país.

P. deferimento.

Juiz de Fora, 17 de Julho de 1940 ETTORE RIVELLI 26

24

APM – DOPS. RADIOGRAMA DO DELEGADO ESPECIALIZADO. Juiz de Fora, 23 de agosto de 1938. Pasta 4703, Imagem, 213.

25 CORSETTI, Berenice. Op. cit. p. 373.

26

APM – DOPS. REQUERIMENTO AO SENHOR DELEGADO DE ORDEM PÚBLICA. Juiz de Fora, 17 de

(7)

Os golpes contra os imigrantes italianos e descendentes, foram especialmente duros, já que as intervenções governamentais atingiram aspectos culturais vitais que acompanharam os imigrantes desde os primórdios de sua instalação no Brasil. Assim, a partir do Estado Novo, escolas, clubes, hospitais e associações foram fechados ou tiveram que modificar seus nomes e estatutos; o uso da língua materna ou de dialetos foi proibido. 27

Um dos ataques principais, atingiu a tradição associativa da comunidade italiana através do Decreto-Lei nº 383 de 18.4.1938, proibindo aos brasileiros natos ou naturalizados, ainda que filhos de estrangeiros, de pertencerem a clubes e sociedades com fins culturais, beneficentes ou assistenciais fundadas por imigrantes. Proibindo a renovação dos quadros sociais, a medida extinguia as associações, causava uma ruptura entre gerações e juntamente com outras proibições apagava a memória de uma das mais significativas correntes imigratórias do Brasil. 28

Um documento da Delegacia Especializada de Juiz de Fora, de 1941, tem como objeto central uma série de observações sobre as atividades das associações estrangeiras na cidade. Neste sentido fala do confronto entre a ação nacionalizadora brasileira e os interesses de outras nacionalidades, pois “na preocupação de manter sempre em atividade seus sentimentos nacionais de origem, as associações estrangeiras teimam em cultivar nos brasileiros descendentes de estrangeiros, estes mesmos sentimentos”. 29

Com relação às sociedades italianas, o mesmo documento apresenta três delas como nitidamente estrangeiras: a Sociedade Umberto Primo, pois só permite como sócios ‘cidadãos italianos, ou como tal reconhecidos histórica e geograficamente’; a Sociedade Dante Alighieri, porque tem o objetivo de manter sempre alto o orgulho da estirpe italiana; e a Sociedade “Casa d’ Italia’, que aceita como sócios, as associações italianas, com fins de italianidade que existam ou que venham a existir na cidade, além de ser a sede do Consulado da Itália, o que causa confusões. 30

A seguir o documento conclui nos itens a, b, c, sobre a necessidade de registro para todas as associações italianas, além das seguintes providências:

d)- Fiscalização para que os brasileiros, mesmo filho de italianos não façam parte destas associações. e)- Mesmo que todas ou algumas delas modifiquem seus estatutos para não serem sociedades estrangeiras, é necessário que se localize o consulado italiano, dentro da Casa d’ Itália, para evitar confusões prejudiciais ao interesse publico. 31

27 PETRONE, Pasquale. Imigrantes italianos no Brasil: identidade cultural e integração. In: BONI, Luis

Alberto De (org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre; Torino: Escola Superior de Teologia. São Lourenço de Brindes; Fondazione Giovani Agnelli. v.III 1996. p.637 e 638;

28 LUCA, Tânia Regina de. Op. cit. p.399; 29

APM – DOPS. OFÍCIO SOBRE SOCIEDADES ESTRANGEIRAS Pasta 4703, Imagem 145, p. 1.

30 APM – DOPS. OFÍCIO SOBRE SOCIEDADES ESTRANGEIRAS Pasta 4703, Imagem, 147 e 148, p. 3 e 4. 31 APM – DOPS. OFÍCIO SOBRE SOCIEDADES ESTRANGEIRAS Pasta 4703, Imagem, 149, p. 5.

(8)

A partir do decreto-lei 3.911 de 9.12.1941, foi estabelecido o confisco dos bens, de alemães, japoneses e italianos. 32 E a declaração de guerra, em 1942, deu margem a uma série de violências policiais contra as minorias. E “nessa campanha de nacionalização à baioneta”, sob acusação de fascismo, lares foram invadidos, livros e diários rasgados. 33 Além disso, a atividade dos órgãos de imprensa cessou totalmente a partir de 29 de janeiro de 1942, após a ordem de suspensão dada pelo DIP. 34

Em Juiz de Fora, as medidas citadas atingiram uma das mais antigas e importantes associações italianas, a Società Italiana di Mutuo Soccorso e Beneficenza Umberto Primo, que perdeu muitos de seus sócios, e com a guerra teve todos os seus bens apreendidos, sem direito a protesto. E em setembro de 1942 a Sociedade foi dissolvida por um decreto-lei que extinguia automaticamente todas as Sociedades estrangeiras. Assim, a associação foi fechada por ordem policial, seu arquivo apreendido pela Delegacia de Ordem Política e Social, e seus bens bloqueados pelo Banco do Brasil. 35

Em 1942, o delegado de polícia de Juiz de Fora, divulgava uma nota referente a suspensão de direitos de estrangeiros originários de países com os quais o Brasil rompeu relações. De acordo com a nota, ficavam proibidos de: usarem o idioma publicamente, distribuir material escrito no mesmo idioma; entoarem hinos, ou fazerem saudações ligadas às suas pátrias; reunirem-se ainda que em casas particulares para comemorações de caráter privado; mudar de residência sem comunicação à polícia; viajar sem salvo conduto fornecido pela polícia; possuir qualquer tipo de arma; manifestar publicamente simpatia ao Eixo.36

É também de 1942, o ofício do chefe de polícia Filinto Muller ao prefeito de Juiz de Fora, encaminhando um questionário com perguntas sobre a vida dos estrangeiros na cidade: movimento de entrada e saída de estrangeiros no município; prisão de elementos estrangeiros suspeitos; qual o número de súditos do Eixo, que viviam no município; e quais as atividades comerciais e industriais que se encontravam em suas mãos; quais as medidas tomadas pelas autoridades municipais para garantir a segurança e bem estar do município.37

32

TRENTO, Ângelo. Op. cit. p.396 e 397.

33 RIOS, Jose Arthur. Op. cit. p. 66.

34

TRENTO, Ângelo. Op. cit. p.396 e 397.

35 AHCI - FOLHA MINEIRA. Uma Questão Rumorosa que Empolga a Colônia Italiana. Juiz de Fora, set. de

1949, p.1. Fundo Sociedade Beneficente Umberto Primo. Recorte.

36

AHPJF - GAZETA COMERCIAL. Será detido quem em lugar público manifestar ... .Juiz de Fora. 01/02/1942.

37 AHPJF - Processo sobre Estrangeiros. Fundo Prefeitura de Juiz de Fora (1930 a 1945). Ofício e questionário do

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Em resposta a este questionário, o delegado especializado de Juiz de Fora escreve um relatório de cinco páginas, atendendo a todos os questionamentos acima. Também descreve a reação de vários grupos – integralistas, comunistas, imprensa local, elementos nacionais, alemães, italianos, japoneses e demais colônias - em relação à ruptura de relações com os países do Eixo. O documento também apresenta uma lista de 43 pessoas que foram presas e libertadas sob vigilância por serem consideras “elementos suspeitos”.38

O clima de vigilância que recaía sobre os estrangeiros identificados como os “súditos do Eixo”, também fica claro nos seguintes itens extraídos do mesmo documento:

II- A Delegacia Especializada de Juiz de Fora, que dirige os serviços policiais de Ordem Política e Social, tomou as medidas seguintes:

a)Controle diário dos estrangeiros que chegam a cidade; b)vigilância nos trens, ônibus e automóveis;

c)medidas de repressão contra os partidários do Eixo, nacionais ou não, de acordo com instruções do Ministro da Justiça, logo recebidas da Chefia de Policia do Estado;

d)fechamento de sociedades estrangeiras de súditos do Eixo;

e)remessa aos Correios e Telégrafos da relação dos súditos do Eixo registrados no município, para censura postal;

f)prisão dos elementos suspeitos, que depois foram libertados, sob vigilância:...39

Além disso, em 1942, quando o Brasil rompeu relações com a Itália, a Casa d’ Itália foi fechada, suas dependências ocupadas pelo Círculo Militar, e a Escola Umberto I, substituída pelo Grupo Escolar Duque de Caxias.40

Este fechamento representou uma experiência traumática para a comunidade italiana e para seus descendentes. Segundo o senhor Natale Chianelo, “a guerra provocou um hiato na história da

Casa d’ Itália e um murchamento nas atividades que vinham sendo realizadas pela entidade.” 41 Outro depoimento que ilustra bem a importância do espaço para a comunidade e o baque causado pela interrupção, é o do Sr. Dante Zanzoni.

Era uma segunda casa. Você trabalhava de dia e à noite ia para lá. Isso era infalível, toda noite, inclusive aos domingos que havia uma sessão cinematográfica. Enquanto enrolava o filme, erc, tinha sessão de canto. /.../ Isto era uma coisa gostosa, mas que foi assim de uma forma dramática, em 42 quando o Brasil rompeu relações com a Itália por causa da guerra, fecharam a Casa d’ Itália

38 APM – DOPS. RELATÓRIO DO DELEGADO ESPECIALIZADO. Juiz de Fora. Pasta 4703, Imagem, 113, p.

1 a 4.

39 APM – DOPS. RELATÓRIO DO DELEGADO ESPECIALIZADO. Juiz de Fora. Pasta 4703, Imagem, 113, p.

12.

40 AHCI - DIÁRIO MERCANTIL. Despejado da Casa d’ Itália o Grupo Escolar Duque de Caxias. Juiz de Fora,

29/01/1953, p. 1. Fundo Sociedade Beneficente Umberto I. Recorte.

41 SMBMMM – Tribuna de Minas. Na Berlinda dos Interesses Comerciais, o Patrimônio da Colônia Italiana em

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acabou. E com esta fechada, para nós, para filhos de italianos, 17 anos houve esse hiato que foi uma coisa tremenda. Não houve mais aquele congraçamento, não havia mais como se reunir.” 42

As medidas da campanha de nacionalização, agravadas ainda mais a partir da Segunda Guerra Mundial, confrontaram-se com as etnicidades originadas com a imigração. Estas identidades baseadas em um duplo pertencimento eram condenadas pelos idealizadores da campanha, não sendo consideradas suficientes para transformar estes imigrantes em brasileiros; nesta perspectiva, imigrantes, e descendentes, não possuíam espírito nacional por se manterem ligados às suas culturas de origem.43

Assim, a vinda e a integração dos imigrantes no país, foi condicionada não só por interesses econômicos, mas também pelo ideal de branqueamento, miscigenação e pela perspectiva da homogeneidade nacional, que perpassam toda a política imigratória, sendo levados a extremos a partir das medidas autoritárias do Estado Novo, que pretendiam atingir a homogeneidade através da violenta eliminação das identidades étnicas.

ARQUIVOS CONSULTADOS

SMBMMM – Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. AHCI – Arquivo Histórico da Casa d’ Itália.

APM – Arquivo Público Mineiro

AIPJF – Arquivo Intermediário da Prefeitura de Juiz de Fora. AHPJF – Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

CERVO, Amado Luiz. As relações históricas entre o Brasil e a Itália: o papel da diplomacia. Brasília, DF; São Paulo: Instituto Italiano di Cultura, 1992.

42

AHCI. Processo de Tombamento da Casa d’ Itália. Op. cit.p. 83.

(11)

CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo. In: DE BONI, Luis Alberto (org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia; Torino: Fondazione Giovani Agnelli, 1987.

IANNI, Constantino. Homens Sem Paz: Os Conflitos e os Bastidores da Emigração Italiana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A. 1972.

LUCA, Tânia Regina de. As Sociedades de Socorros Mútuos Italianas em São Paulo. In : BONI, Luis A . de (org.) A presença italiana no Brasil. V. II. Porto Alegre; Torino: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Fondazione Giovani Agnelli, 1996.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, Etnia e Estrutura Social. Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. São Paulo: Livraria Pioneira, 1976.

PETRONE, Pasquale. Imigrantes italianos no Brasil: identidade cultural e integração. In: BONI, Luis Alberto De (org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre; Torino: Escola Superior de Teologia. São Lourenço de Brindes; Fondazione Giovani Agnelli. v.III.

RIOS, José Arthur. Aspectos políticos da Assimilação do Italiano no Brasil. s. ed. São Paulo: Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, [19-]. 75 p. (publicações avulsas da Revista de Sociologia, 4).

SEYFERTH, Giralda. Imigração, Colonização e Identidade Étnica. (notas sobre a emergência da

etnicidade em grupos de origem européia no sul do Brasil). Revista de Antropologia. V. 29. São

Paulo: USP. 1986.

____ . As identidades dos imigrantes e o melting pot nacional. Horizontes Antropológicos, nr.14. Porto Alegre: PPGAS, 2000.

____. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce. (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

(12)

TRENTO, Ângelo. Do Outro Lado do Atlântico: Um Século de Imigração Italiana no Brasil. Instituto Italiano di Cultura di San Paolo - Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro. s.ed. São Paulo: Nobel, 1989.

Referências

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