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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PRO REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

PRO REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

AS LEIS DE ANISTIA NO BRASIL, URUGUAI E ARGENTINA SOB A

ÓTICA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Bolsista: Karollyne Lima Barbosa, FAPEAM

MANAUS

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

PRO REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

RELATÓRIO FINAL

PIB-SA/0102/2013

AS LEIS DE ANISTIA NO BRASIL, URUGUAI E ARGENTINA SOB A

ÓTICA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Bolsista: Karollyne Lima Barbosa, FAPEAM

Orientadora: Profª Drª Selma Suely Baçal de Oliveira

MANAUS

2014

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Todos os direitos deste relatório são reservados à Universidade Federal do

Amazonas, ao Núcleo de Estudo e Pesquisa em Ciência da Informação e aos

seus autores. Parte deste relatório só poderá ser reproduzida para fins

acadêmicos ou científicos.

Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do

Amazonas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...1

CAPÍTULO 1: BREVE HISTÓRIA DAS DITADURAS...4

CAPÍTULO 2: AS LEIS DE ANISTIA...7

2.1. Lei de Anistia uruguaia...7

2.2. Leis de Anistia argentina...9

2.3. A Lei de Anistia brasileira...11

CONCLUSÃO...16

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RESUMO

O seguinte projeto analisa as Leis da Anistia pertencentes aos ordenamentos jurídicos do Brasil, do Uruguai e da Argentina sob a visão do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, principalmente de acordo com o entendimento dos seus principais órgãos: a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Lei de Anistia é aquela que, geralmente aprovada no final ou após um regime ditatorial, tem o objetivo de dar perdão político àqueles que cometeram crimes políticos durante a ditadura. Com o intuito de investigar a posição do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, foi realizada uma minuciosa pesquisa sobre as jurisprudências e documentos oficiais produzidos sobre o assunto. Tendo como objetivos, além de verificar o entendimento dos órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, analisar como essas leis violam os direitos humanos e mapear as jurisprudências da Corte Interamericana de Direitos Humanos através do estudo de casos já julgados. Ademais, foi estudada a história desses países para entender o que levaram eles a criar as Leis de Anistia. De acordo com a pesquisa realizada, chegou-se à conclusão de que os órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em seu entendimento pacífico, rechaçam as Leis de Anistia, por entenderem que elas ferem os direitos humanos de várias maneiras, inclusive condenando países como o Brasil por tal Lei. Os resultados apontam pontos em comum na evolução histórica dos países, porém a forma como a questão foi tratada diverge drasticamente quando comparados. O estudo revelou ainda que se faz necessário a utilização das balizas definidas pela Justiça de Transição para romper com o passado autoritário, não pelo esquecimento e pela impunidade, mas sim enfrentando as questões pertinentes dos ultrajes aos direitos humanos.

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ABSTRACT

The following project analyses the Amnesty Laws in the judicial system of Brazil, Uruguay and Argentina from the viewpoint of the Inter-American Human Rights System, especially according to the opinion of his most important organs: the Inter-American Court of Human Rights and the Inter-American Commission on Human Rights. Amnesty Laws, commonly approved in the end or after dictatorial, are the ones whose main goal is to provide political forgiveness to those who committed political crimes during that period. With the intention to investigate a position of the Inter-American Human Rights System about this subject, it has been made a deep research using jurisprudence and official documents. Aiming to, beyond verify the understanding of Inter-American Human Rights System's organs about such laws, examine how these laws violate human rights and map Inter-American Human Rights Court jurisprudence by studying already judged cases. Besides, it has been studied the history of these countries to better understand what took them to create such laws. According to the research made, it was concluded that the organs of the Inter-American Human Rights System, in your peaceful understanding, reject the Amnesty Laws, by saying that they hurt human rights in many ways, including condemning countries like Brazil for its law. Results show similar points in these countries' historical evolution, however, the way the matter was treated drastically diverge when compared. The study revealed that it is still necessary to use the parameters of the Transitional Justice to break with the authoritarian past, not by forgetting and by impunity, but facing relevant questions about the outrages to the human rights.

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INTRODUÇÃO

Ao longo do século XX, diversos países da América Latina passaram por governos caracterizados como ditatoriais, sendo impostos por golpes de estado ou para impedir a expansão do comunismo, esses governos praticaram atos indignos aos seres humanos. Onde a forte opressão militar se fazia presente e as violações aos direitos humanos eram inúmeras. Países como Brasil, Uruguai, Argentina e outros experimentaram verdadeiros governos de terror.

Durante, e às vezes após, o fim dessas ditaduras militares e a redemocratização desses estados, alguns países adotaram mecanismos para proteger aqueles que supostamente mataram, sequestraram e torturaram civis a mando dos Estados. Utilizando-se da aprovação de leis que garantiam a anistia daqueles que cometeram crimes políticos ou conexo com eles.

A exemplo do Brasil, a lei de anistia, aprovada no final do período ditatorial, consiste em: “Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de

setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos...”. Ou seja, todos aqueles que cometeram crimes de cunho anteriormente expostos, estariam livres de uma condenação judicial. No entanto, uma série de polêmicas foram criadas, pois, discutia-se se a anistia teria efeito também para aqueles que cometeram crimes de tortura, desaparecimento forçado e demais agentes da ditadura.

Assim, com o passar dos anos, houve um aumento expressivo de casos nas cortes internacionais cujos conteúdos das violações dos direitos humanos se deram na época das ditaduras e persistiram após às leis de anistia, a exemplo do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Como resultado, discutiu-se

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muito se as leis de anistia estariam ou não de acordo com os tratados internacionais e se elas, por si próprias, violariam os direitos humanos.

Portanto, nota-se que o assunto em si gera ainda bastantes discussões. Enquanto aqueles a favor das leis de anistia alegam que elas beneficiam tanto outrora agentes do Estado quanto aos civis que lutaram contra o sistema, os contrários afirmam que esses tipos de lei são uma afronta aos direitos humanos e à memória daqueles que sofreram com as ditaduras militares no passado.

O tema proposto é de suma relevância ser discutido, pois, além de tratar-se de um assunto que há anos é discutido, possui vasto material e a cada dia surgem novos aspectos a serem analisados. A partir do momento em que as jurisprudências do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre anistias adaptam-se às novas necessidades dos casos que até elas são apresentados, é necessária uma atualização e profunda análise de como as cortes lidam com o tema.

Os países escolhidos são de suma importância, pois tanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CADH) já se pronunciaram acerca das leis de anistias nesses países, a exemplo do Brasil e seu emblemático caso sobre a Guerra do Araguaia.

A emergência de se utilizar do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como ponto de vista se suporta no fato de, ao longo dos anos, nota-se cada vez mais uma maior preocupação por parte dos Estados em cumprir os tratados de direitos humanos e paradoxalmente, as denúncias de violações de direitos humanos têm se tornado mais frequentes. Assim, órgãos como a Corte IDH e a CADH atuam como fontes de jurisprudências e mostram não só o entendimento das organizações internacionais, mas como o consenso entre países latino-americanos sobre um assunto se esse houver.

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Do ponto de vista acadêmico, é ampla a quantidade de jurisprudências das cortes internacionais, principalmente na Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que, na região onde sua competência incide, ocorreram um número expressivo de ditaduras militares.

Por fim, tal assunto foi escolhido por falar de um tema extremamente social, que trabalha questões históricas e afetaram a sociedade latino-americana de forma profunda e permanente, colhendo até os dias atuais os frutos dessas épocas de opressão e censura. Além disso, aborda a incessante busca dos direitos humanos e a importância do cumprimento dos tratados internacionais por parte daqueles países que os assinaram e ratificaram.

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CAPÍTULO 1: Breve história das ditaduras.

O período ditatorial sofrido por países da América Latina transformou radicalmente a estrutura política, econômica e social desses países, gerou instabilidade e por vezes erradicou a democracia do ordenamento jurídico deles, culminando muitas vezes na aprovação de Leis de Anistia. Cabe aqui, antes de qualquer análise, relatar um pouco da história dos países que serão discutidos.

Primeiramente temos a ditadura uruguaia, que perdurou de 1973 até 1985. Consequência de um golpe militar, foi instalado nesse período um governo civil-militar não constitucional. Foi um período marcado pela proibição de partidos políticos, pela ilegalização dos sindicatos e por casos de tortura, morte e desaparecimentos forçados.

O golpe aconteceu em 27 de junho de 1973 quando o presidente Juan Maria Bordaberry com o apoio das Forças Armadas fechou o Senado e a Câmara Legislativa, indicou a criação de um Conselho de Estado que exerceria as funções legislativos, tudo isso sob a falsa proposta de uma reforma constitucional que reafirmasse os princípios republicano-democráticos.

Após desentendimentos entre Juan Maria e os militares, seu vice Alberto Demicheli assumiu a presidência e instaurou os atos institucionais 1 e 2, que criava o dever do toque de recolher e a proibição do direito a greves, dentre outras medidas.

Em 30 de novembro de 1980 houve um plebiscito constitucional para legitimar o governo de fato. A proposta foi recusada por 56% da população, gerando uma abertura democrática. Finalmente em 1985 o governo retornou aos civis com a eleição de Julio Maria Sanguinetti, do partido colorado, para presidente.

O golpe militar que iniciou a ditadura argentina ocorreu poucos anos depois do inicio da ditadura enfrentada pelo Uruguai. Antes mesmo do golpe de 1976, a população argentina

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já enfrentava um período de crise, passando por momentos de repressão após a morte de seu presidente Juan Domingo Perón e a sucessão de um impotente governo constitucional por sua viúva, Isabel Perón. Por meio do documento chamado Acta para el Processo de Reorganización Nacional foi constituído uma junta militar a fim de assumir a liderança do poder político (DINGES, 2004, p.161).

A Argentina já se encontrava em estado de sítio antes mesmo do golpe militar, o que facilitou ainda mais essa transição para um governo antidemocrático. Em um discurso dias após o golpe, o chefe do exército em um discurso já dava uma previsão de quão terrível seriam aqueles tempos. Afirmou ele: “Si es preciso, en Argentina deberían morir todas las

personas que sean necesarias para lograr la paz del país” (DINGES, 2004, p.162).

E assim, os anos seguintes foram marcados pela perseguição de não só aqueles “inimigos” do governo, mas também de líderes trabalhistas, ativistas dos direitos humanos,

pensadores com ideologias contrárias ao governo e todo cidadão que de certa forma ameaçasse um retorno da democracia. Finalmente, em 1983, deu-se fim a ditadura militar argentina.

A ditadura brasileira, dentre os países estudados, foi a que mais tempo durou. Tendo seu início com o golpe de 1964 e somente chegando ao seu fim em 1985. Foram cinco presidentes militares durante esse período, governando o país por meio de Atos Institucionais, sendo o mais cruel deles o AI-5, que vigorou até 1978.

Sob a proposta de não deixar que o comunismo tomasse conta do país, foram inúmeros casos de desaparecimento forçado, tortura e morte, muito desses ainda desconhecidos seus paradeiros. O regime ditatorial brasileiro assumiu um caráter nacionalista, desenvolvimentista e de oposição ao comunismo.

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Utilizando a chamada “Doutrina de Segurança Nacional”, justificava suas ações militares como forma de supostamente proteger o interesse da segurança nacional. Foram 21 anos de repressão e censura, além de inúmeras violações de direitos humanos por parte do estado militar, porém, tudo teve seu fim com a eleição de José Sarney em 1985, dando início a “Nova República”.

Quando estudamos sobre as ditaduras militares ocorridas na América Latina, podemos encontrar alguns pontos em comum, embora tão diferentes sejam esses países. Eles em sua maioria sofriam com uma crise econômica e foram marcados pela alta repressão de seus governos, sem contar as inúmeras violações de direitos humanos cometidas. Mesmo assim, todos os países aqui apresentados promulgaram leis que concederam perdão àqueles que cometeram as mais diversas atrocidades, por esses e outros motivos que a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao longo de sua história tem sido bastante concisa e pertinente quanto ao seu posicionamento acerca de tais leis.

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CAPÍTULO 2: As Leis de Anistia

2.1. Lei de Anistia uruguaia.

Logo no início do governo de Sanguinetti, foi aprovada a Lei 15.737, chamada de Lei de Reconciliação Nacional. Essa lei consistia em oferecer anistia para os crimes políticos ocorridos durante a ditadura, libertando imediatamente os presos políticos, exceto aqueles condenados por homicídio. Em 1986, o poder legislativo uruguaio aprovou a Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado (Lei 15.848), que impossibilitava a pretensão punitiva para os crimes políticos ocorridos antes de 1985, sendo na prática, um atestado de impunidade e ausência de justiça para as vítimas da ditadura civil-militar. A lei ainda foi submetida a um referendum popular em 1989, sendo aprovada pela maioria da população.

Na teoria, as leis de anistia teriam o papel de ajudar na transição de uma forma de governo para a outra. Elas ajudariam aqueles que lutaram pela democracia a não serem condenados pelos crimes políticos que houvessem cometidos em nome de uma ideologia e também aqueles militares que em tese só estariam cumprindo ordens superiores. Porém, o que acontece é que essas leis têm papel fundamental na não investigação e punição de crimes lesa-humanidade, violando assim vários direitos humanos como o direito à verdade, à informação, às garantias judiciais, além do direito à vida e à integridade física em casos como o de desaparecimento forçado.

Somente no âmbito internacional, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o cenário da anistia política no Uruguai teve o seu estopim para a mudança. Foi em 1992 que a Comissão em seu Informe 29/92 condenou o Estado por violar os direitos à proteção judicial e às garantias judiciais como efeitos da Lei 15.848 e recomendou o Estado a investigar os crimes contra os direitos humanos, citando o artigo 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que diz: “Os Estados Partes nessa Convenção

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comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e garantir seu livre e pleno exercício...” (CADH, 1969). A Comissão, ao interpretar este artigo de forma extensiva, declarou que “como consequência desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e

sancionar toda violação dos direitos reconhecidos na Convenção” (CIDH, Informe n. 29, 1992).

Assim, concluiu que a Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado é incompatível com o artigo XVIII (direito à justiça) da Convenção dos Direitos e Deveres do Homem e com os artigos 1, 8 e 25 da CADH.

A Suprema Corte do Uruguai, em 2009, abriu um precedente importante para aqueles que buscam a justiça de crimes cometidos no período da ditadura. Ela decidiu pela declaração de inconstitucionalidade da Lei de Caducidade, em sentença aplicável somente no caso à investigação de submissão à tortura e morte em 1974 de uma professora em um quartel militar.

Em 2011, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gelman vs. Uruguai. O caso fala sobre o desaparecimento forçado de Maria Claudia García Iruretagoyena de Gelman, na época grávida. Seus restos mortais nunca foram encontrados e seu filho vivia sem saber de sua história com uma família adotiva. Em sua sentença, a Corte reiterou que as leis de anistia se opõem as disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos, pois constituem um obstáculo normativo para a investigação, julgamento e eventual condenação de atos que implicam violações de direitos humanos.

Apesar de todos os avanços, o Uruguai ao longo da consolidação de sua democracia apresentou alguns retrocessos no que tange a investigação e punição de crimes contra os direitos humanos, como a decisão da Suprema Corte do Uruguai, que em 2013 declarou inconstitucional parte da lei sobre crimes na ditadura militar que permitia julgar crimes cometidos durante esse período. Ou seja, a luta pela responsabilização dos crimes contra os

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direitos humanos apresenta um caminho tortuoso e seus avanços vão sendo construídos aos poucos.

2. 2. Lei de Anistia argentina.

O processo de redemocratização e aprovação de leis de anistia ocorreu de forma bem distinta do processo uruguaio. Ainda no período da ditadura, mais exatamente no final do governo militar, foi promulgada pelo general Bignone a chamada Ley de Pacificación Nacional. Essa lei concedia anistia tanto para os responsáveis por delitos de “terorismo” e “subversão” quanto para os que cometeram ações visando coibir atos dessa natureza (agentes

da repressão), durante a ditadura (WOJCIECHOWSKI, 2013, p.77).

Entretanto, uma das primeiras medidas do Congresso Nacional no novo governo democrático foi anular essa lei de autoanistia, abrindo espaço para o ajuizamento de processos a fim de investigar as violações de direitos humanos perpetradas pro militares nessa época. Porém, houve uma grande insatisfação por parte das Forças Armadas, gerando várias revoltas militares nos anos de 1986 e 1987, que ficaram conhecidas como movimento dos “caras-pintadas”.

Cedendo à pressão militar, o governo aprovou a chamada Ley de Punto Final no final de 1986. Com ela, se considerava extinta toda ação penal instaurada contra algum agente das Forças Armadas ou da Polícia, assim como qualquer um que estivesse indiretamente envolvido em combater atos de “terrorismo” durante a ditadura ou “delitos vinculados à instauração de formas violentas de ação política até 10 de dezembro de 1983” (NORRIS,

1992, p. 78).

Todos os esforços dos militares tiveram o efeito oposto do desejado por eles, já que entre a promulgação e o início da vigência da lei são necessários 60 dias, esse período resultou em incontáveis pedidos de investigação de delitos que violavam os direitos humanos

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cometidos por agentes da polícia e das Forças Armadas. Segundo, Robert E. Norris, nesse espaço de tempo de dois meses, os Tribunais Federais de Apelações determinaram a citação de mais de 300 pessoas, sendo que mais de 450 foram acusadas.

Isso só fez com que a pressão militar por uma anistia geral abrangendo a ditadura aumentasse, e novamente o governo cedeu e aprovou em 1987 a Ley de Obediencia Debida. Esse instrumento legal foi o responsável por consolidar a impunidade dos crimes contra lesa-humanidade cometidos durante o regime militar ao dizer que todos aqueles que cometeram atos delitivos sob o comando do Estado não seriam responsabilizados.

Para completar o descaso com os crimes cometidos na ditadura, em 1989, o presidente Carlos Menem forneceu indulto a fim de libertar os militares condenados por violações dos direitos humanos. Cedendo ainda mais às pressões militares, em 1990, o presidente perdoa aqueles anteriormente condenados pelos crimes durante o regime militar. Vale lembrar que tanto a Ley de Punto Final e a Ley de Obediencia Debida estavam totalmente de acordo com o sistema legislativo argentino, inclusive tendo a Suprema Corte argentina declarada, em 1987, a constitucionalidade da Ley de Obediencia Debida.

As leis de autoanistia argentinas vigeram até 1998, quando foram revogadas através da Lei 24.952. Essa medida foi reafirmada por decisões jurisprudenciais e, por fim, a Suprema Corte do país declarou inconstitucionais essas leis, em 2005.

Na esfera internacional, um dos casos que tiveram um final vitorioso para as vítimas de abusos contra os direitos humanos foi o de Carmen Lapacó. Ela que teve sua filha sequestrada e desaparecida durante a ditadura teve seu direito à verdade negado pela Suprema Corte argentina. O caso foi levado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e teve seu fim com a decisão de um acordo entre as partes.

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Vale lembrar que a falta de investigação aos crimes de violações aos direitos humanos causam outra violação, dessa vez à verdade e à memória, já que as vítimas e seus parentes têm o seu direito de saber a verdade violado, pois só com uma investigação própria é que se pode determinar os fatos (Caso Gomes Lund VS. Brasil).

Assim, a Argentina obteve vários mecanismos que reforçaram a autoanistia e a impunidade dos agentes do Estado que cometeram crimes na ditadura, porém, houve um desfecho positivo com a decisão da Suprema Corte nacional em 2005 e com outros atos do governo argentino. Tudo leva a crer que a Argentina tende para andar por um caminho positivo em relação à preservação dos direitos humanos, principalmente àqueles lesados durante o regime militar.

2.3. A Lei de Anistia brasileira.

O cenário da autoanistia brasileira gerou talvez o caso mais emblemático da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Ele ajudou a sedimentar de uma vez o entendimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos acerca das leis de anistia. De sentença recente, o Caso Gomes Lund vs. Brasil é utilizado como principal jurisprudência na citação de casos que envolvem a anistia de agentes do Estado em épocas de ditadura.

O projeto de lei sobre a anistia foi um de vários atos para garantir a transição do regime militar para a democracia. Já no inicio o projeto apresentava várias críticas de segmentos da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, dentre outros. A OAB inclusive caracterizou a proposta como “restrita, mesquinha, discriminatória, burocrática, casuística, parcial, arbitrária, omissa e até mesmo odienta” (MEZAROBBA,

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Em 22.08.1979, o Congresso Nacional votou pela aprovação da Lei de Anistia. A pressão e influência exercida pelos militares foram claras tanto externa quanto internamente do processo legislativo. Assim, a Lei 6.683 foi sancionada pelo presidente João Figueiredo concedendo anistia àqueles que praticaram crimes políticos, ou conexos a estes, e crimes eleitorais no período ditatorial.

No Brasil, os abusos cometidos por agentes do Estado nesse período não foram sequer reconhecidos por parte dos autores. Conforme ressalta Eugênia Augusta Gonzaga Fávero: “Como os crimes dos militares podem ter sido anistiados naquela lei se sequer foram admitidos?” (FÁVERO, 2009, p. 215). Ou seja, o que era pra ser um instrumento da

redemocratização do país foi interpretado de forma a garantir o esquecimento e o silêncio dos crimes de violação aos direitos humanos.

Em 2008, com a reabertura do debate sobre a legalidade da Lei de Anistia brasileira, a OAB propôs perante o Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que questionava a interpretação dada ao §1º, art. 1º da Lei 6.683/69, que estabelece:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado).

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§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

Assim, na ADPF alegou-se a violação dos preceitos fundamentais a seguir: isonomia em matéria de segurança; descumprimento, pelo poder público, do preceito fundamental de não ocultar a verdade; desrespeito aos princípios democrático e republicano e dignidade da pessoa humana (WOJCIECHOWSKI, 2013, p.149). Entretanto, por meio de Acórdão o STF julgou improcedente a demanda. Atualmente, a interpretação concedida à Lei de Anistia representa um entrave à consolidação dos ditames da justiça de transição (transitional justice) no país.

Em março de 2009, a CIDH levou o caso da Guerrilha do Araguaia para a Corte IDH, tendo como réu o Brasil. A demanda foi submetida em nome das vítimas e seus familiares da Guerrilha do Araguaia e da responsabilidade brasileira pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região, como resultado de operações do Exército Brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha, no contexto da Ditadura Militar.

De acordo com Luiza Diamantino moura, as razões que levaram o Brasil até a Corte foram:

“Porque não foi realizada uma investigação penal com o objetivo de julgar e punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado das vítimas e pela execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva; porque os recursos judiciais de natureza civil disponíveis para obtenção de dados a respeito da Guerrilha do Araguaia não foram efetivos para assegurar informações aos familiares das vítimas; porque medidas administrativas e legislativas adotadas pelo Estado Brasileiro acabaram por restringir de forma indevida o direito de acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à

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justiça, à verdade e à informação tiveram efeitos negativos sobre a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada. Nesse sentido, também os familiares das vítimas são considerados vítimas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos”. (MOURA, 2012)

Segundo a sentença da Corte na qual o Brasil foi condenado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ressaltou que “Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os órgãos das Nações Unidas e outros organismos universais e regionais de proteção dos direitos humanos pronunciaram-se sobre a incompatibilidade das leis de anistia, relativas a graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional e as obrigações internacionais dos Estados.” (Corte IDH, 2010). Nesse sentido, conclui-se que as anistias contribuem para a impunidade e constituem um obstáculo para o direito à verdade, sendo, portanto, incompatíveis com as obrigações que cabem ao Estado.

Como exposto na sentença, todos os órgãos de proteção aos direitos humanos que já se pronunciaram sobre o assunto concluíram que as leis de anistia violam o dever internacional do Estado de investigar e sancionar essas violações. Em outros casos, houve o pronunciamento da Corte de que:

“são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos” (GOMES LUND VS. BRASIL, 2011)

Assim, a República Federativa do Brasil foi sentenciada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos à cumprir diversas exigências, dentre elas a criação de uma Comissão da Verdade, afim de contribuir para a construção e preservação da memória histórica, o

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esclarecimento de fatos e a determinação de responsabilidades institucionais, sociais e políticas. Tal comissão só foi criada em 2012, no governo da presidente Dilma Rouseff.

Como visto, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para que possa se ajustar aos padrões da justiça de transição, e um de seus maiores obstáculos ainda é a interpretação dada a Lei de Anistia. Apesar dos pequenos avanços, é necessário mudar o entendimento do ordenamento jurídico brasileiro para que ele se adéque aos tratados internacionais que ele mesmo assinou e ratificou.

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CONCLUSÃO

Brasil, Argentina e Chile, além de todas as características que possuem em comum, também têm o fato que todos aprovaram leis que anistiavam o perpetradores de violações de direitos humanos durante suas ditaduras. Porém, o caminho a partir daí escolhido por cada país se diferencia bastante um do outro. Primeiramente temos o Uruguai que ao longo de sua história de redemocratização teve avanços e retrocessos intercalados, mas por fim anulou sua lei de anistia.

Segundamente temos a Argentina, país que adotou uma lei de anistia atrás da outra, cedendo às pressões dos militares. No entanto, ainda que recentemente, também deu espaço para um futuro promissor em relação a anistia. Por fim o Brasil, país que aprovou, ainda no regime militar, uma única lei de anistia, que mesmo sendo inconstitucional, ainda vige nos dias atuais

Por todo exposto, foi possível verificar que não só o Sistema Interamericano de Direitos Humanos como toda comunidade internacional protetora dos direitos humanos rechaçam as leis de anistia e qualquer mecanismo análogo que ponha em risco a investigação e sanção de crimes contra os direitos humanos. Segundo estes órgãos, as leis de anistia não possuem eficácia jurídica, pois, são incompatíveis com os com as obrigações e direitos assumidos pelos Estados, no âmbito internacional.

Assim, podemos tirar como lição que o Brasil ainda possui um longo caminho a percorrer para que possa em fim superar seu passado obscuro. Superação essa que não deve ser feita através do esquecimento, pelo contrário, somente o esclarecimento sobre fatos dessa época poderão ser capazes de garantir o direito à verdade e à memória, tão necessários para aqueles que sofreram violações de seus direitos direta e indiretamente no período do regime militar

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REFERÊNCIAS

DINGES, John. Operación Condor: Una década de terrorismo internacional en el cono sur. Traducción de Claro Consultoría. Santiago: Ediciones B, 2004.

FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Crimes da ditadura: iniciativas do Ministério Público Federal em São Paulo. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

GELMAN vs. Uruguai. Sentença de 24 de fevereiro de 2011. Série C. n. 221. Disponível em:<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_221_esp1.pdf>. Acesso em julho de 2014.

GOMES LUND e outros vs.Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Série C. n. 219. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em julho de 2014.

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MOURA, Luiza Diamantino. O Direito à Memória e a Corte Interamericana de Direitos Humanos: uma análise do caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, jul 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12035&revista_cad erno=16>. Acesso em jul 2014.

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Referências

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