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Gisele Martins1
Maria de Fátima Farinha Martins Furlan2
Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler3
1. Acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP e Bolsista da FAMERP - Bolsa de Iniciação Científica (1999). 2. Enfermeira, Mestre em Enfermagem e Docente na Disciplina de Pediatria do Curso de Graduação em Enfermagem.
3. Enfermeira, Doutora em Enfermagem e Docente e Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP. Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP
Aceito para publicação em 11/09/00
RESUMO
O cateterismo vesical intermitente limpo é uma medida terapêutica amplamente utilizada para pacientes portadores de bexiga neurogênica. O procedimento, quando empregado em crianças, é executado pela mãe ou pela criança em idade escolar, que apresente condições cognitivo-motoras para executá-lo. Porém, existe a necessidade de utilizar estratégias de ensino para o referido método. Assim, o objetivo da pesquisa foi estudar estratégias de ensino/aprendizagem para o auto-cateterismo vesical intermitente limpo em escolares portadores de bexiga neurogênica. O método proposto foi o estudo bibliográfico, no qual se realizou uma extensa revisão da literatura pertinente ao assunto. Os resultados obtidos com a pesquisa foram o levantamento de várias estratégias de ensino como: aulas expositivas com o uso de um álbum seriado, utilização de vídeo-tape mostrando passo a passo o procedimento, manual de orientação, demonstrações por outra criança já treinada ou com simulação da técnica em boneca anatômica. Em decorrência da realização do estudo, chegou-se a conclusão que existem várias maneiras de ensino para o auto-cateterismo vesical intermitente, dependendo das potencialidades de cada escolar e da estrutura organizacional do serviço que presta tal atendimento.
Unitermos: Ensino, Auto-cateterismo vesical intermitente, Escolares, Bexiga
A CRIANÇA PORTADORA DE BEXIGA NEUROGÊNICA
As disfunções vesico-esfincterianas adquirem um aspecto relevante no planejamento da assistência a crianças com transtornos neurológicos que se associam a alterações no esvaziamento da bexiga. Distinguem-se, na criança, a bexiga instável ou síndrome da imaturidade vesical, na qual há alterações no esvaziamento ou enchimento vesical, sem transtornos neurológicos, e a bexiga neurogênica, cuja disfunção está associada a uma alteração do sistema nervoso como ocorre, por exemplo, na espinha bífida e agenesia sacral. Na situação de bexiga neurogênica, existe lesão nos músculos relacionados à micção, provocando estase da urina, aumento da pressão intravesical, tendência a infecções urinárias, perda contínua de urina com odor desagradável e lesões de pele pelo contato com a urina1-3.
Vários pesquisadores destacam que a infecção urinária constitui-se a principal complicação da bexiga neurogênica, resultante da estase de urina e subseqüente cateterização sendo que a insuficiência renal tornou-se a principal causa de morbi-mortalidade das crianças acometidas4-7.
Há muitos trabalhos relacionados ao tratamento da bexiga neurogênica, visando basicamente o bom esvaziamento da bexiga, a baixa pressão intravesical, a prevenção de infecções do trato urinário, o tratamento do refluxo vesico-ureteral e a obtenção da continência urinária em crianças mais velhas. Para atingir tais objetivos, o tratamento consiste na associação de: fármacos como antibióticos e drogas que estimulem a bexiga e outras que estimulem ou inibam o colo vesical e a uretra; cirurgias precoces para evitar complicações e perda da função renal, seja reconstrutora ou de implante de esfíncteres artificiais e o uso de
manobras de esvaziamento vesical através do cateterismo vesical ou auto-cateterismo intermitente8-22.
O presente trabalho revisa os aspectos relacionados às estratégias de ensino aprendizagem do auto-cateterismo vesical intermitente nos portadores de bexiga neurogênica e à orientação da enfermagem quanto ao auto-cuidado.
São escassos os artigos que se referem ao ensino do auto-cateterismo vesical em escolares e a atuação do enfermeiro como educador.
O EMPREGO DO AUTO-CATETERISMO VESICAL INTERMITENTE EM CRIANÇAS COM BEXIGA NEUROGÊNICA
Tem sido possível identificar que a eliminação urinária constitui um grande problema, tanto para as crianças com bexiga neurogênica quanto para suas famílias, especialmente para o “cuidador” da criança, que geralmente é sua mãe. Ao crescerem, estas crianças têm que aprender a se auto-cateterizar intermitentemente, como forma de se tornarem continentes e independentes dos cuidados familiares.
Acompanhando as crianças com esta afecção e seus cuidadores, observa-se que não há uma regularidade de ação quanto ao uso da técnica do cateterismo vesical intermitente, inclusive entre crianças que já aprenderam o auto-cateterismo e estão aptas a se auto-cateterizarem. Como cuidador, o enfermeiro pode contribuir muito para proporcionar às crianças, nessa situação, pelo ensino do auto-cateterismo vesical intermitente, um bem-viver ou um viver melhor dentro de suas limitações23,24.
No estudo dos determinantes do sucesso dos programas de auto-cateterismo em crianças com bexiga neurogênica, abordam-se aspectos fisiológicos, da fase do seu desenvolvimento
neuro-psicomotor e motivacionais, além de se considerar, também, as habilidades motoras e os métodos utilizados pelo profissional para ensinar o auto-cateterismo intermitente25.
Os métodos de ensino da auto-cateterização vesical intermitente partem da imitação para o aprendizado em bonecas anatômicas, no intuito do reforço positivo. Entre as estratégias de ensino/ aprendizagem da auto-cateterização vesical intermitente em crianças com bexiga neurogênica, destacam-se o uso da simulação com bonecas, de espelhos para visualização do procedimento, de vídeo-tapes, aulas com álbum seriado, manual de orientação e demonstração da técnica em bonecas anatômicas26-29.
Sabendo-se que a criança com bexiga neurogênica é portadora de outras múltiplas disfunções importantes e que está em um micro e macro-ambiente que influenciam o seu modo de viver, consequentemente, essas crianças têm dificuldades de se integrar a escola e na vida social com outras pessoas, principalmente por serem muito dependentes do seu cuidador e por estarem sujeitas a várias internações hospitalares. Além disso, essa criança tem necessidade constante de assistência e supervisão, levando a um desgaste físico e emocional tanto da criança como de quem cuida23,30.
Neste enfoque, a finalidade principal do ensino do auto-cateterismo vesical intermitente é tornar a criança independente para o seu cuidado, esclarecendo que a criança, em idade escolar com potencial cognitivo-motor e apoio familiar, tem maiores chances para o sucesso com o cateterismo intermitente e o auto-cuidado25,26.
Com base nesses pressupostos, a atividade educativa do enfermeiro será de melhor qualidade se, no ensino da técnica do auto-cateterismo, forem considerados além dos aspectos físicos e biológicos, também os aspectos emocionais e
sociais.
Sobre o ensino do auto-cateterismo vesical intermitente, os autores sugerem as seguintes estratégias:
• Aulas expositivas com o uso de álbum seriado, mais direcionada às crianças em idade escolar, principalmente as que já estão alfabetizadas.
• Uso de manual de orientação para a execução do auto-cateterismo vesical, que deve ser periodicamente estudado pela criança com ajuda da mãe ou outro cuidador. É recomendado para crianças mais ansiosas e inseguras, em especial àquelas que não foram bem sucedidas em suas práticas iniciais neste assunto.
• Uso de vídeo-tape, que mostre passo a passo o procedimento, voltado particularmente para crianças que ainda não são alfabetizadas, tratando-se de um método que dinamiza o processo de ensino/aprendizagem.
• Demonstração do procedimento por uma criança já treinada, facilitando a aprendizagem de crianças inseguras ou amedrontadas na realização da técnica nelas próprias.
• Demonstração com simulação da técnica em bonecas anatômicas, com genitália masculina e feminina, recomendada para pré-escolares e escolares, sendo a forma de ensino mais enfatizada na litearatura, a qual obteve mais sucesso e que tem menor custo (principalmente para crianças do sexo feminino).
A análise da literatura permitiu abstrair, que em relação aos métodos de ensino/aprendizagem do auto-cateterismo vesical deve-se levar em conta o sexo da criança e suas potencialidades cognitivo-motoras individuais.
Orienta-se para as meninas a realização da técnica nas seguintes posições:
• Sentadas no toalete;
• Deitadas.
Já os meninos podem realizar este procedimento:
• Em pé;
• Sentados;
• Deitados.
Nota-se, na literatura, a ênfase nos aspectos biológicos concernentes à bexiga neurogênica. No entanto, a criança portadora de bexiga neurogênica reveste-se de características físicas, sociais e emocionais, exigindo assim o acompanhamento por profissionais de várias áreas da saúde como: médico, assistente social, psicólogo e enfermeiro, este último, pelas peculiaridades de seu trabalho, detém melhores condições de desenvolver ações educativas.
A assistência prestada pelo enfermeiro, no ensino da técnica do auto-cateterismo vesical a estas crianças, deve levar em conta, além das potencialidades bio-psico-cognitivas da criança as particularidades do seu contexto familiar e emocional.
O enfermeiro como agente do cuidado, tem condições de estudar, propor e implementar a técnica para uma aprendizagem mais efetiva do auto-cateterismo vesical intermitente para crianças portadoras de bexiga neurogênica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidencia-se que a criança com bexiga neurogênica somente assumirá o seu auto-cuidado quando possuir características cognitivas, motoras e motivacionais que viabilizem a aprendizagem da técnica e também quando tiver um apoio profissional que se molde às peculiaridades de cada escolar, adequando, desta maneira, uma das várias estratégias de ensino para o auto-cateterismo vesical intermitente.
Como forma de subsidiar ações futuras para
o ensino do auto-cateterismo vesical intermitente em crianças atendidas em um ambulatório de Uropediatria, conclui-se que a repercussão no atendimento seria de melhorar a qualidade se o enfermeiro conseguisse:
• Implementar e normatizar a consulta de enfermagem a estas crianças;
• Participar de círculos de discussão e de estudo multi-profissional nesta área;
• Implementar atividades de orientação e sensibilização junto a escolas e comunidades, nas quais estas crianças estão inseridas, de forma que compreendam e se co-responsabilizem;
• Programar e implementar o atendimento domiciliar, que permitirá conhecer as peculiaridades do contexto familiar.
Além disso, é necessário a aquisição de uma consciência de que a atenção em saúde fundamenta-se no conceito de atuação integral e, na situação enfocada neste estudo, é preciso a participação da criança, da família e da comunidade no processo assistencial, num esquema de co-responsabilidade, principalmente dos profissionais de saúde e particularmente do enfermeiro, no ensino da técnica do auto-cateterismo vesical.
Agradecimentos:
À Profª. Drª. Zaida e à Prof. Maria de Fátima pelo incentivo e pela contribuição imprescindível para a realização deste trabalho.
Endereço para correspondência:
Gisele Martins R: Duque de Caxias, 188 Bairro: Centro CEP: 15500-000 Votuporanga - S.P. E-mail: gismartins@bol.com.br
ABSTRACT
I
NTERMITTENTS
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LADDERClean intermittent catheterization is a therapeutic measure used to treat patients with neurogenic bladder. The procedure when used in children is performed by the mother or by the school age child who has cognitive-motors conditions to do so . However, in order to correctly perform the method, it is necessary to use adequate teaching strategies. The aim of this research was to study teaching strategies of clean intermittent self-catheterization in school age children with neurogenic badder. The method employed was an extensive review of literature related to the subject . The survey revealed several teaching strategies such as: use of a picture album; use of a step by step video-tape that demonstrates the technique; use of an orientation manual; demonstration by another trained child and simulations with the use of an anatomical doll. The study suggests that various strategies of teaching intermittent self-catheterization exist the choice of which depends on the physiological, developmental and motivational characteristics of each child and of the structure of service offering such assistance.
Uniterms: Teaching, Intermittent self-catheterization, School children, Neurogenic
bladder
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