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As formas do riso na comédia grega antiga 2

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As formas do riso na comédia grega antiga

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Greice Drumond 3

Em nossa apresentação, propomos uma análise da relação entre comédia e o riso, visto que, na Grécia Antiga, conhecemos diferentes meios pelos quais se pro-duzia o riso, cuja referência mais direta encontra-se no mito de Deméter com sua escrava Iambe, que, durante a busca incessante do paradeiro da fi lha de sua senho-ra, tenta fazer com que sua ama, que não se sentava, não comia, não bebia, risse.

Πρὶν γ` ὅτε δὴ χλεύῃς μιν Ἱάμβη κέδν᾽εἰδυῖα Πολλὰ παρὰ σκώπτουσ` ἐτρέψατο πότνιαν ἁγνήν Μειδῆσαι γελἀσαι τε καῖ ἵλαον σχεῖν θυμόν

(Hino Homérico a Deméter, vv. 202-204; grifo nosso) antes com zombaria Iambe, diligente,

fazendo muitas brincadeiras, deixou a senhora sagrada alegre e com ânimo, ao rir e se regozijar

Este trecho, segundo O’Higgins (2003, p. 3)4, aponta para a fundação das

brincadeiras feitas pelas mulheres em determinados cultos a Deméter. Sabemos que, com referência à linguagem, os cultos de Deméter e de Dioniso contêm ele-mentos do que é conhecido como aiskrologia, isto é, eleele-mentos que incluem o uso de linguagem obscena. Literariamente, restam-nos disso os poemas iâmbicos em que se fazem invectivas pessoais e sátiras – elementos que aparecem com força na comédia grega antiga representada por Aristófanes, comediógrafo de quem nos foram transmitidos textos completos. De acordo com Kenneth Reckford (1987, p. 461)5, a combinação da aiskrologia com a invectiva pessoal é o elemento condutor

da comédia.

Assim, chegamos a dois componentes fundamentais da comédia: a invectiva pessoal e a aiskrologia. No entanto, ao analisarmos as comédias que nos foram 2 Destaco o fato de que parte desta apresentação consistiu em explanar oralmente o que era apontado no texto, com base em minha tese: A comédia de Aristófanes na fase de transição. Rio de Janeiro, UFRJ/FL, 2010.

3 Professora Doutora (UFF-IL/GLC). (greice_drumond@yahoo.com.br)

4 O’HIGGINS, Laurie. Women and humour in Classical Greece. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

5 RECKFORD, Kenneth. Aristophanes’ Old-and-New Comedy: Six Essays in Perspective. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1987.

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transmitidas, tomamos conhecimento de que, para provocar o riso, que contém matizes intelectuais, emocionais e sociais, pode-se partir do mais fi no humor, como intencionava Aristófanes, e ir ao mais grosseiro chiste, observando-se que nem todos os homens riem das mesmas coisas e que nem todas as épocas e cultu-ras riem da mesma maneira. Por isso, entre a produção cômica e o público, deve haver uma coincidência de fundo em suas aspirações e valorações.

Segundo Platão (Fil. 48a – 49b), a comédia exige uma determinada tessitura emocional, διάθεσις ψυχῆς, com base em uma μεῖξις λύπης καὶ ἡδονῆς, mescla de dor e prazer, cuja origem está no φθόνος, quer dizer, na inveja, e que, na leitura de Luis Gil (1993, p. 24)6, consiste em “um sentimento doloroso, que se ressarce

com o prazer que encontra na dor dos outros”. Isso parece nos expressar uma ideia próxima à da catarse de Aristóteles, pois operaria como fenômeno catártico similar ao da catarse trágica.

O que também provoca o riso, de acordo com Platão (Filebo, 49b-50), é a presunção de quem se acha mais rico, mais belo ou mais virtuoso do que é na realidade. Por isso, as pessoas riem até dos amigos, zombando o indivíduo devido a essa característica. Para Aristóteles (Poét., 1949a31-36), a comédia é uma míme-sis de homens “inferiores” no que concerne ao τὀ γελοῖον, i.e., no que se refere ao que é ridículo, sendo anódino e não destrutivo, sem dor, portanto.

Silva7 nota que a representação cômica não abriu mão das manifestações

populares de que era herdeira como o tom popular e animalesco da comédia mais antiga, simbolizada por Magnes, e o ataque pessoal incrementado por Cratino, que integrou de vez à comédia a sátira pessoal, ao relacioná-la com o enredo.

Flickinger8 (apud Silva9) estuda a natureza da inovação de Cratino no

de-senrolar do gênero cômico. Segundo o referido estudioso, a invectiva pessoal teria sido, na comédia primitiva, episódica e destacada do contexto, com o objetivo de fazer o público rir. Ele cita como exemplo um trecho de Rãs, em que o coro pergunta “E se nós todos em coro metêssemos em ridículo a Arcedemo?” (v. 416), algo que nada tinha a ver com o enredo. Posto que com Cratino começam-se a ampliar esses gracejos para a própria estrutura da intriga, a temática das comédias passa a ocupar-se de questões políticas e sociais trazendo à cena personalidades como personagens do contexto dramático.

É importante ressaltar que mudanças fundamentais quanto ao emprego dos 6 GIL, Luis. La comicidad en Aristófanes (Cuadernos de Filología Clásica 3), 1993. 7 In Políticos e mulheres na comédia grega – conferência proferida na Faculdade de Letras do Porto, em 12 de março de 1986. Texto disponível em: < http://ler.letras.up.pt/uploads/ fi cheiros/2537.pdf>. Acesso em dezembro de 2011.

8 Ibidem. 9 Ib.

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elementos dramáticos e cênicos caracterizam as fases da comédia grega, que é tradicionalmente dividida em três períodos: antigo, intermediário e novo.

A divisão da comédia em períodos pode ser encontrada já em Ética a Nicô-maco (IV, viii, 1128a22-25), em que se distinguem as antigas composições cômi-cas das novas, sendo reconhecidas diferenças entre as peças dos comediógrafos, em especial no que tange ao modo de se produzir o riso. É observado que se faz uso da aiskhrología para alcançar tal objetivo nas comédias antigas, mas, nas co-médias novas, isso é feito de forma mais sutil10:

Ἴδοι δ’ἄν τις καὶ ἐκ τῶν κομῳδιῶν τῶν παλαιῶν καὶ τῶν καινῶν· τοῖς μὲν γὰρ ἦν γελοῖον ἡ αἰσχρολογία, τοῖς δὲ μᾶλλον ἡ ὑπόνοια· διαφέρει δ’οὐ μικρὸν ταῦτα πρὸς εὐσχημοσύνη. (grifo nosso)

Uma pessoa pode perceber [isso] a partir das comédias antigas e no-vas: aos [da comédia antiga], a obscenidade dava origem ao risível; para os [da comédia nova], havia muito mais sutileza. Essas coisas se distinguem bastante em relação ao que é conveniente. (tradução nossa)

Para Segal (1996, p. 1), isso não implica, necessariamente, uma categoriza-ção do gênero. E, segundo Janko (2002, p. 244), esse trecho apresenta uma divisão cronológica da comédia, não tipológica. Ainda assim, compreendemos que, ao apontar diferenças entre as formas de se produzir o riso, o autor está fazendo re-ferência também ao modo de produção dessas peças, agrupando-as conforme um menor ou maior emprego da aiskhrología.

Segundo dados coletados em testimonia, podemos fazer uma pequena re-ferência à visão que os antigos e medievais tinham acerca do gênero cômico. Na Vita Aristophanis (fr. 17 Koster)11, o autor diz o seguinte acerca da presença da

aiskhrología na poesia cômica:

Parece que ele foi o primeiro a mostrar a comédia ainda se distanci-10 Resta-nos saber a que autores o texto da Ética se remete. Devemos nos lembrar de que, na Poética, há a afi rmação de que os dórios alegam serem os criadores da comédia (Poét., III, 1448ª30-31). Dentre os comediógrafos, o texto da Poética cita Aristófanes ao lado de Sófocles, pois ambos representam personagens que “atuam” [dróntas] (ib., III, 1448ª28); Epicarmo e Fórmide, como os primeiros poetas cômicos; e Crates, como o primeiro entre os comediógrafos atenienses (ib., V, 1449b6-7).

11 Fazemos referência aos Prolegomena de comoedia estabelecidos por Koster e compi-lados na edição de Henderson - Aristophanes: fragments. Text, notes, transl. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2007. [Loeb Classical Library, no. 502], que con-tém testimonia e fragmentos de peças perdidas de Aristófanes.

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ando em relação à forma de condução antiga por seguir o que é mais útil e mais respeitável, com Cratino e Êupolis difamando de forma mais cruel e mais torpe do que é necessário. (Prolegomenon XXVII Koster; tradução nossa)

Νos escólios à obra de Dionísio12, o trácio, encontramos uma divisão

tripar-tida da comédia, em que se destaca o modo de produção da comédia conforme o período ao qual pertecem os autores13:

Diz-se que a comédia são os poemas dos cômicos, como os de Menandro, Aristófanes e Cratino e dos semelhantes . . . a comédia parece ter tido três distinções: uma se chama antiga, a que, desde o início, fazia acusações abertamente; a intermediária é a que [as fazia] por enigmas; a nova, a que de modo algum fez isso, exceto com relação aos escravos e es-trangeiros. Muitos pertenceram à antiga, Cratino, o que atuava, foi notável. Fazia parte dessa época da comédia antiga Êupolis e Aristófanes; muitos eram da intermediária, sendo notável um certo Platão . . . da nova, igual-mente, muitos faziam parte, sendo Menandro notável. (tradução nossa) Essa divisão tripartida também é encontrada no Tractatus Coislinianus, em um manuscrito do século X d.C.14, que apresenta a distinção da comédia em

anti-ga, nova e intermediária:

Sobre a comédia:

- antiga, é abundante em relação ao risível (τῷ γελοίῳ) - nova, a que abandona isso, inclinando-se para o que é nobre - intermediária, é a mistura de ambos. (Tract. Coisl., XVIII)15

Entre os romanos, Horácio (Sát. I, iv, 1-2) considera Aristófanes como um autor da comédia antiga, com Êupolis e Cratino. Cícero (Leis, II, 37) declara que Aristófanes é “facetissimus poeta veteris comoediae” [o poeta mais espirituoso da comédia antiga]. Quintiliano (X, 65, 66), em um fragmento apresentado por Hen-derson (2007, p. 62), o testimonium 65, afi rma que “antiqua comoedia [...] plures eius auctores, Aristophanes tamen et Eupolis Cratinusque praecipui” [muitos são 12 Prolegomenon XVIIIª 1.70 Koster apud HENDERSON, 2007, p. 80.

13 Cf. ibid., p. 80-82, testimonium 84. Janko (op. cit., p. 247) defende a ideia de que essa divisão em três partes antecede Menandro e que houve uma revisão pos-terior para encaixá-lo na comédia nova.

14 MS 120 da Coleção Coislin da Bibliotèque Nationale em Paris.

15 Apud JANKO, Richard. Aristotle on Comedy: Towards a Reconstruction of Poetics II. Londres: Duckworth, 2002. [1984], p. 40.

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os autores da comédia antiga, mas Aristófanes, Êupolis e Cratino são superiores]. Os concorrentes de Aristófanes eram criticados quanto ao modo como co-locavam suas comédias em cena. Em Paz (vv. 739-40; 748-750), o corifeu, na parábase, referindo-se ao poeta, afi rma que:

primeiramente, [nosso poeta] foi o único dentre os homens que fez com que os concorrentes parassem de ridicularizar sempre com trapos e de combater contra os piolhos;

[...]

tendo afastado estas coisas - chacota grosseira, coisas más e bu-fonarias vulgares - tornou a arte grande para nós e a exaltou, depois de construí-la com grandes palavras e pensamentos, e com sarcasmos que não pertencem aos mercados.

[...] (tradução é nossa)

A crítica feita acima refere-se ao emprego de determinados elementos carac-terísticos da comédia, dando-se relevância à composição poética em seu sentido dramático para atrair o público em detrimento da representação de cenas vulgares que têm como objetivo simplesmente o fazer rir, algo que deveria ser feito, segun-do a proposição segun-do corifeu, basicamente por meio segun-do conteúsegun-do segun-dos versos.

Encontramos esse tipo de observação também em Nuvens, quando o corifeu, na parábase, apresenta-nos a ideia de que em uma comédia o que deve ser valori-zado são os versos, não havendo, com isso, a necessidade de colocar o kórdax16 em

cena, nem de levar ao palco um homem careca para ser zombado, tampouco velhos que fi cam surrando seus companheiros (vv. 540-542). Assim, o corifeu remete-se claramente à preocupação prioritária com a composição do enredo quando ele diz, em nome do poeta: “componho introduzindo sempre novas idéias// que não são iguais umas às outras, sendo todas elaboradas engenhosamente” (vv. 547-548).

Entretanto, apesar de todo o elogio ao poeta cômico como sendo aquele que retirou de cena a vulgaridade tão comum à comédia, podemos perceber nas peças aristofânicas que há elementos cênicos empregados com o objetivo único de fazer rir, não tendo grande importância para o desenvolvimento da trama. Quando, por exemplo, um escravo apanhava em cena ou uma outra personagem atuava como um bufão, buscava-se com isso obter o riso de grande parte de sua plateia, como afi rma Silva (2007, p. 184)17:

16 Uma espécie de dança.

17 SILVA, Maria de Fátima Sousa e. Ensaios sobre Aristófanes. Lisboa: Cotovia, 2007.

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[...] nunca o poeta prescreveu a abolição pura e simples da vul-garidade; através dela Aristófanes dirigia-se a uma parcela importante do seu auditório [...]. Se talentoso, o poeta podia mesmo regressar a esse patrimônio, explorar as suas potencialidades, condimentá-los com novos aromas e voltar a servi-lo com um paladar renovado.

Para compreendermos uma produção cômica como um todo, devemos ter em mente que uma comédia era composta de acordo com um esquema, pois, em geral, as peças, ao menos as que nos restaram de Aristófanes, apresentam a trama desenvolvida basicamente nas seguintes seções: prólogo, párodo, agón, parábase, episódios e êxodo.

O exercício do poeta, portanto, consistia em compor o enredo, de acordo com a convenção teatral de seu tempo, devendo ser observado que as seções que dividiam uma comédia marcavam não só a parte composicional do drama, mas também sua encenação, pois a transição entre as partes ditava o ritmo da peça.

A difi culdade em se compor uma peça cômica é muito bem explicitada em um trecho da comédia de Antífanes intitulada Poíesis. No fragmento, o poeta apresenta-nos a ideia de que a criação de enredos cômicos era algo mais complexo do que a composição de uma tragédia, que recorria a mitos conhecidos, pois, no drama cômico, era necessário inovar em tudo, apresentando personagens, tramas e situações inéditas:

a tragédia é uma criação afortunada

em face das outras, primeiramente porque as histórias são conhecidas dos espectadores,

antes que se fale algo, de tal modo que somente é necessário que o poeta [os] faça lembrar [...]

então, quando não podem falar mais nada,

e por completo não conseguem dar sequência às ações levantam a máquina, como se fosse um dedo,

e isso é sufi ciente para os espectadores.

Mas não é a mesma coisa com relação a nós, pois é necessário tudo inventar: nomes novos, e depois a organização das partes precedentes, as circunstâncias presentes, a reviravolta,

o prólogo. Caso negligenciem uma dessas coisas um Cremes ou um Fidão, eles são expulsos com vaias.

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Mas a Peleu e a Teucro é permitido fazer todas essas coisas. (vv. 1-5, 13-23, fr. 189 K.-A.)

Logo, devemos levar em consideração que um compositor de comédia não podia abrir mão de elementos que participavam do caráter puramente espetacular de uma peça cômica, por ser um constituinte importante no aspecto performático da comédia, incluindo o público nesse jogo teatral. Por isso, ao cuidado com a composição soma-se a preocupação com a encenação para atingir a plateia. E, pelo que se pode verifi car nos trechos mais acima, quando o compositor exercia o duplo papel de poietés e didáskalos, seu enfoque consistia em colocar em cena os elementos da trama, explorando o aspecto cênico da comédia em associação com a composição dos diálogos e das canções, além de ter de dosar a representação das cenas bufônicas, a fi m de que elas não se sobressaíssem àquelas que cooperavam com a condução da trama da peça.

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